sábado, 17 de abril de 2010

148. Quem Faz a Lei

Há poucos dias, em um palanque de propaganda política... Espere, não sei bem se era de propaganda política ou de divulgação de obras realizadas pelo Governo. Bem, fosse lá o que fosse, o mais talentoso orador do evento afirmou – pareceu-me com ares de deboche – que continuaria a proceder confundindo propaganda de campanha política com marketing de gestão pública, apesar das condenações e punições da Justiça já recebidas, enquanto as leis do País não forem tão bem feitas que não deixem dúvidas sobre o que, nos eventos de propaganda do Governo, caracteriza marketing político.
Todos sabem que o Governo na democracia moderna, aquele enaltecido por Montesquieu, há séculos, assume a forma tripartite, adotada há mais séculos ainda na Inglaterra, e difundida por quase todas as nações depois de consagrada pela Revolução da Independência Norte-americana.
As leis, portanto, passaram a ser elaboradas pelo Poder Legislativo. Mas, há um consenso histórico e universal, porque nada mais é que a constatação de um fato, que a lei versa sobre o universal, haja vista que ela obriga a todos. Então, quando ela entra em funcionamento, isto é, quando a legalidade de uma determinada ação particular de um indivíduo entra em julgamento, a Lei universal precisa ser aplicada a esse ato particular.
A lei é aplicada por um juiz, um representante de outro poder, o Poder Judiciário. Mas, o juiz só pode aplicar a lei se ele entender a lei e também entender aquele ato que está julgando. Julgar é comparar o ato particular com a lei universal. Julgar é enquadrar o ato particular na lei universal.
Entender a lei é interpretá-la. É impossível julgar sem que haja uma interpretação da lei. É impossível produzir uma lei que de tal forma contemple todos os casos particulares de ações de todos os indivíduos no presente e no futuro, que prescinda de qualquer interpretação.
Cada juiz em cada caso dá uma interpretação da lei. Até mesmo um juiz pode dar interpretações diferentes em julgamentos diferentes. E isso é normal e muito compreensível. Cada juiz tem a sua Mente. E cada Mente humana é singular. A Mente de cada pessoa muda conforme o tempo passa. E os fatos são também singulares: são praticados em contextos diferentes.
Mais ainda. O conjunto das interpretações da lei pelos juízes forma a jurisprudência. E a jurisprudência também reveste o papel de fonte da lei. Ela produz a lei também. E tem papel decisivo na produção da Lei. Em alguns países, o papel da Jurisprudência na produção da lei é quase tão importante quanto o do Poder Legislativo.
Isso um político não pode desconhecer. Muito menos um político importante e excepcional. É lamentável esse espetáculo jactancioso de populismo, de popularidade onipotente. E acho que esse espetáculo até mesmo induz ao desrespeito à lei e ao esgarçamento do tecido social.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

147. Ainda Sobre o Estado Grande

Alguns pensam que, estabelecido o Estado Grande, uma nação marchará inelutavelmente para o progresso. A História dos nossos dias não convalida essa opinião.
Tenho absoluta certeza de que, pelo menos desde o ano de 1966, vozes autorizadas e sensatas do meio acadêmico, do meio econômico e mesmo do meio financeiro se faziam ouvir, vaticinando que a atividade bancária exacerbada dos empréstimos da subprime e dos derivativos não se sustentaria.
Governo algum tomou providência. Todos os governos estavam satisfeitíssimos com os resultados auspiciosos do curto prazo, que alimentavam o próprio marketing de sucesso político. O meio financeiro norte-americano tocava a música e o resto do mundo dançava aloucado.
Uma instituição, que facilitou a excessiva alavancagem bancária, responsável por toda essa farra, foi o paraíso fiscal. Ora, o paraíso fiscal existe, pelo menos, desde a década de 60 do século passado, com o conhecimento e sob a complacência dos Governos de todos os países.
E os governantes sabiam e sabem que os paraísos fiscais existem para lá se realizarem operações bancárias legais e ilegais, sobretudo as ilegais. Entre essas operações ilegais, além da lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio criminoso, inclui-se a sonegação de impostos. Vejam só: os Governos faziam e fazem vistas grossas exatamente a essa burla fiscal.
E há ainda Governos que surpreendem, eles mesmos praticando burlas inacreditáveis, que conduzem a prejuízos gigantescos à própria nação e até aos parceiros políticos, como o caso atual do Governo grego que, poucos anos atrás, para obter o ingresso na União Européia, não teve escrúpulo algum de contratar peritos financeiros para maquiar as suas contas públicas. Hoje está aí a Grécia soçobrando sob as conseqüências de sua farsa e provocando grandes problemas à economia da União Européia.
Estado não é garantia de legalidade, nem de moralidade, nem de sucesso econômico nem político nem militar. Não existe garantia absoluta para nada disso. Ainda assim, a maior garantia, que pode existir para tudo isso e para a sobrevivência de uma Nação, é o alto nível de moralidade e de cultura de seu povo. Instruir e educar. Educar. Educar. Educar.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

146. O Estado Grande

Estamos criando uma sociedade onde a Cultura e o Conhecimento não figuram entre os principais de seus valores. Até não se tem pejo de, desprovido de Cultura e formação superior, candidatar-se ao exercício daqueles postos que detêm os poderes políticos supremos de decidir o futuro de toda a sociedade.
Não advogo o governo aristocrático. Acho que qualquer cidadão tem o direito de pretender governar o seu país. Perfilho aquele pensamento de Churchill: “A democracia não é uma forma perfeita de governo, mas até hoje a Humanidade não concebeu forma alguma de governo melhor que ela.”
Não é que os países, cuja forma de governo seja a democrática, consigam sempre atingir seus objetivos, ou mesmo sobreviver. Não. O que a democracia tem de bom é que iguala os direitos de todos os cidadãos – todos podem eleger e ser eleitos -, consagra a liberdade de expressão do pensamento, as minorias têm o direito de serem ouvidas e, ao menos em tese, coloca a origem do poder no povo e não na força, na riqueza, nem mesmo no saber.
Acho que o mais modesto cidadão tem o direito de candidatar-se aos mais altos postos políticos de seu país. Mas, nos tempos modernos, ninguém deveria pretender exercer esse direito, sem se preparar para exerce-lo. E essa preparação inclui, a meu ver, cultura ampla, abrangendo informações consistentes sobre os principais debates que a Humanidade já empreendeu nas áreas da Filosofia, da Sociologia, da Ciência Política e da Economia, pelo menos.
Isso serviria, ao menos, para se ter um pouco de prudência ao manifestar-se em público; para se mostrar menos afoito em doutrinar sobre coisas de que não entende nem sequer suspeita que, há séculos, milênios até, a Humanidade sobre elas debate sem as elucidar definitivamente; para não assumir atitudes professorais nessas questões controversas em público e nos diálogos com pessoas de formação cultural notoriamente superior; e para, sobretudo, decidir o que convém ao povo, cujos destinos governa.
Recentemente se disse neste País que se precisa de Estado Grande, porque ele evita a recessão e a depressão econômica. No entanto, o que a doutrina e a história da Ciência Econômica ensinam é que, na Economia de Mercado, o processo econômico sofre oscilações: há os tempos favoráveis e os tempos adversos.
Estado algum acabará com a recessão e a depressão na Economia de Mercado. Diz Paul Krugman que ela é característica do mundo industrial dos nossos tempos. Mas, outros economistas dizem que também na sociedade agrícola existem tempos favoráveis e tempos adversos, em razão de perturbações como as secas, as inundações, os terremotos, os maremotos e outras.
Já a Economia de Comando não conduz à riqueza nem ao progresso no longo prazo, exatamente porque freia a competição, a liberdade e a criatividade. Exemplos recentes da Economia de Comando terminaram ou na mais estúpida conflagração da História, ou no colapso político, ou no colapso econômico, ou em ambos.
Resta-nos o exemplo exitoso da China, economia de mercado sob a diretriz de um Estado Grande. É esse o exemplo que parecem querer seguir os líderes de vários países da América do Sul. Por enquanto, o Estado Chinês, prepotente e superpotência militar nuclear, consegue atrair capitais internacionais, ampliar o mercado doméstico, dominar o mercado mundial de bens de consumo sem notório escrúpulo com respeito às normas do comércio internacional e, até mesmo, controlar a insatisfação popular e reprimir a expressão livre de opinião. Mas, muitos economistas e cientistas políticos encaram a experiência chinesa com dúvidas sobre o sucesso definitivo do projeto híbrido, de economia de mercado e doutrina política única, que as autoridades chinesas vêm executando.
Seja como for, penso que o Estado existe só porque a sociedade dele precisa. As dimensões do Estado, portanto, têm limite: a necessidade da sociedade. E a sociedade existe para que cada indivíduo conquiste uma vida feliz. E a socidade pode precisar de mais e de menos Estado, na medida em que os indivíduos são ou não suficientemente educados para conviver. Na medida em que os indivíduos melhor saibam conviver, menos necessidade de leis, isto é, de Estado, tem a sociedade. O tamanho do Estado está na relação inversa do nível de moralidade da sociedade.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

145. Eu Sou Eu e Minhas Circunstâncias

Por que existimos? Há várias respostas. Eu prefiro a da convergência de circunstâncias favoráveis. Por que sobrevivemos? Prefiro aquela das circunstâncias favoráveis, juntamente com a iniciativa pessoal. Vivo nesta época em que a Humanidade goza de maior longevidade. Habito uma cidade onde não ocorrem terremotos nem tsunâmis. O trânsito ainda não me armou ciladas. Sobretudo, a Natureza me equipou com esse maravilhoso aparelho de informações, que é a Mente. E eu procuro usar a minha Mente para descobrir o que me faz bem, a fim de obte-lo, e o que me faz mal, a fim de evita-lo.
A Mente é estranho e precioso aparelho de informação. Ela nos faz conhecer o meio ambiente, sob o estímulo de energias geradas pelos objetos circundantes, as quais a atingem e provocam a reação cognitiva e a de preservação pessoal. A minha mente é muito parecida com a de todos os outros homens que existem e que existiram. Mas, a Mente não é um aparelho que se replica igualzinho em todos os indivíduos.
A Mente se modificou ao longo do tempo. Já houve a mente do homem das savanas africanas. A mente do homem das cavernas. A mente do homem andarilho. A mente do homem do fogo e da linguagem. A mente do homem místico das pinturas rupestres. A mente do homem da caça e da coleta. A mente do homem nômade do pastoreio. A mente do homem agrícola e da matemática. A mente do homem urbano e da escrita. A mente do homem da arte e da cultura. A mente do homem filósofo e político. A mente do cenobita. A mente do homem burguês. A mente do homem das descobertas. A mente do homem científico. A mente do homem industrial. E temos hoje a mente do homem do conhecimento, da informação e da comunicação.
A mente do homem de hoje é o estuário de todas essas mentes, as mentes que evoluíram, adaptando-se ao meio ambiente, e conseguiram, inclusive com a solidariedade de outros animais, o sucesso na corrida competitiva pela sobrevivência. Várias outras mentes humanas se extinguiram por carência de adaptação. Nós não temos garantido o sucesso na corrida pela sobrevivência. Nós temos que consquista-la, adaptando-nos e conseguindo parceiros que nos auxiliem nessa tarefa básica da sobrevivência. O sucesso na competição pela sobrevivência, também conta com parceiros, isto é, com iguais através do sentimento de amizade, da concórdia, isto é, do compartilhamento do mesmo coração, do espírito de grupo.
Assim, como existe uma Mente para cada época da História, também cada indivíduo humano tem a sua mente, parecida com a de qualquer outro indivíduo humano, mas também muito diferente da mente de qualquer outro indivíduo. A mente de cada indivíduo é formada por todas as circunstâncias que o envolvem, desde a fecundação até a morte. A mente do indivíduo humano é a sua história, que é indiscutivelmente única, singular. Cada indivíduo humano é o produto de indiscernível tessitura de infinitas circunstâncias, que produziu sua constituição genética, e da seqüência constituída por todas as experiências existenciais próprias. A mente humana é um processo. A cada dia, a cada hora, a cada instante ela se modifica.
Essa afirmação da Neurociência parece abstrata e inócua. Mas, de fato, ela é prenhe de resultados práticos e cotidianos. Ela é poderosa para a compreensão e cura das divergências e dos desentendimentos entre os indivíduos humanos. Ela é esclarecedora e corretiva dos comportamentos anti-sociais. Ninguém é dono da Verdade. Nós possuímos opiniões, conhecimentos subjetivos da realidade, que até podem ser conhecimentos bem fundamentados. Haverá sempre convergências e divergências entre as mentes de duas pessoas. Conviver é saber administrar as divergências. É querer enriquecer a própria mente compartilhando a visão do Mundo construída pela mente alheia. Conviver é ampliar os horizontes da minha representação mental do Universo.
Essa afirmação da Neurociência, portanto, esclarece a respeito da força poderosa de construção da harmonia social que é a Educação e, sobretudo, do poder modelador de indivíduos superiores, que é um meio ambiente social pacífico, cooperativo e progressista. Ela nos informa sobre a riqueza da coletividade humana, do espetáculo que é a singularidade do indivíduo humano. Ela esclarece quão difícil é conhecer-se e compreender o outro, mas que isso interessa à sobrevivência pessoal e da coletividade humana.