sábado, 23 de março de 2013

248. Mera Possibilidade


O psicólogo Kurt Lewin, o alemão considerado fundador da Psicologia Social, o criador do mundialmente difundido estudo das dinâmicas de grupo, afirmou: “Nada é mais prático que uma boa teoria”.

E tanto isso é verdade que certamente nós, o leitor como eu, já participamos de grupos de estudo de dinâmicas de grupo, sem nem ter ideia da formidável teoria psicológica que o inspirou. Da mesma forma é o método de estudo extensivo por ondas concêntricas, cada vez mais amplas, de conhecimento, que o pai mais atento e observador pode perceber é aplicado aos nossos filhos e netos, no Curso Fundamental da escola brasileira atualmente. Ele nada mais é que a aplicação da teoria psicológica de Jerome Bruner: a mente é um processador de informações. Se a mente é um processador de informações, então o conhecimento é um processo, não é um produto acabado. Isto é, a vida é permanente aprendizado. Interessante!... Isso já intuíra Sócrates: “Só sei que nada sei”!...

Pois bem. Essas duas supracitadas teorias psicológicas explicam este último “insight” (desculpe-me o anglicanismo, mas ele é a palavra única que tem o significado do CLARÃO DA REVELAÇÃO QUE É O RESULTADO DE UM LONGO ESTUDO, uma longa meditação), que experimentei a respeito desse desditoso instituto da REVERSÃO DE VALORES.

Houaiss oferece cinco significações para o verbo reverter. Certamente esse apelido de Reversão de Valores, utilizado na Resolução CGPC 26 para designar esse anômalo instituto, se enquadra na primeira das significações:

“1 ( t.i. ) [prep.: a] retornar (à condição inicial, ao ponto de onde se partiu etc.); retroceder, regressar

‹ o conselho do pai o fez r. novamente à realidade ›

1.1 ( t.i. ) [prep.: a] jur voltar (para a posse de alguém); tornar a ser novamente propriedade do dono legítimo (falando de bens)

‹ o prédio reverteu ao primeiro proprietário › ‹ a casa há de r. à posse de seus legítimos herdeiros ›”.

Maria Helena Diniz informa que, em Direito Civil, reversão é a cláusula inserida em contrato de doação, estipulando a volta da dádiva ao doador, caso ele sobreviva ao donatário.” Diz também que é retorno ao estado anterior, devolução da coisa ao domínio do antigo proprietário.

Com efeito, a Resolução CGPC 26 manda que as contribuições destinadas à constituição de reservas (a Reserva Especial) tenham como finalidade prover o pagamento do benefício (vantagem) delas aos seus donos originais (Patrocinador e Participante)!... E o insight, a luz da reflexão, me fez surgir na Mente primeiramente esta indagação: “Por que não se chamou, então, de “Reversão das Contribuições”, esse instituto”? Não seria uma designação muito mais clara, de intelecção muito mais fácil e imediata?

O leitor poderá me responder: “O motivo é óbvio, a saber, não se devolve apenas o valor original da contribuição, mas o valor da contribuição acrescido de toda a renda alcançada.” Admito que haja sido um dos motivos.

Acontece, todavia, que na minha Mente surge igualmente outra resposta, com igual poder de verossimilhança. Claro que designação tão cerebrina surgiu como um insight em magníficas Mentes de peregrino saber, adquirido em Universidades altamente cotadas no mundo acadêmico e em diuturno labor do mais alto nível profissional jurídico, convencidas, na maior boa fé, de que estavam prestando o mais elevado serviço ao Estado e à Sociedade Brasileira.

Ocorre, porém, que mandar que as Contribuições “tornem a ser novamente propriedade do dono legítimo (falando de bens)” é preciso que estejam na posse de dono ilegítimo, o que não é o caso. E mandar que voltem ao domínio do antigo proprietário, é preciso que as Contribuições ainda existam, o que também não é o caso. Na EFPC, no Plano de Benefícios Previdenciários, só existe PATRIMÔNIO FIDUCIÁRIO da EFPC, que ela, por LEI, é obrigada a gastar com pagamentos de benefícios previdenciários aos ASSISTIDOS.

Em razão de tudo isso, em razão da óbvia ilegalidade e inconstitucionalidade do instituto da Reversão de Valores, afirmadas por desembargadores em Acórdão do Tribunal de Brasília, de forma tão veemente que o denomina de ATENTADO ÀS LEIS BRASILEIRAS e, por isso, MERECE SER FULMINADO, explodiu-me na mente esse insight: o nome “Reversão de Valores” serve também para suavizar o impacto conflitante que do cotejo com a lei brotaria, se fosse adotada a designação “Reversão de Contribuições”.

Façamos o cotejo:

Resolução CGPC 26: “As contribuições destinadas à constituição de reservas (Reserva Especial) terão como finalidade prover o pagamento de benefícios (vantagem) ao Patrocinador e ao Participante.”

Lei Complementar 109-artigo 19: “As contribuições destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário (a ASSISTIDOS)...”

O que acha o leitor? Esses dois mandamentos se conciliam ou se afrontam, se harmonizam ou se conflitam? A Resolução CGPC 26 fez ou não fez INOVAÇÃO?

INOVAR SOBRE LEI É PROIBIDO PELA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA!







domingo, 17 de março de 2013

247. Parte II – Atentado Contra o Papel Governamental na Previdência Complementar



(continuação)

A Lei Complementar 109, a lei básica da previdência complementar, também baixa normas a respeito do papel do Estado em matéria de previdência complementar.

Logo no artigo 1º, ela diz que o regime de previdência complementar deve enquadrar-se no artigo 202 da Constituição Federal e nas normas dela, LC 109.

O artigo 3º dedica-se a estabelecer as diversas finalidades da intervenção do Estado no âmbito da Previdência Privada Complementar. O Estado, MANDA esse artigo, atua em matéria de Previdência Complementar PARA:

- “FORMULAR A POLÍTICA DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR.”

Isto é, no meu entendimento, cabe ao Estado estabelecer normas que deem à Previdência Complementar estrutura tal que as atividades próprias da Previdência Complementar contribuam para o bem comum da sociedade brasileira. E não pode ser de outra forma. Qualquer ato, mesmo aquele do mais profundo objetivo pessoal, não pode contrariar o bem comum da sociedade. Todo o ato do cidadão brasileiro deve contribuir para o bem da sociedade brasileira, deve ser uma ação social, isto é, uma ação conscientemente ajustada ao bem comum, ao bem da sociedade.

E isso é obtido pelo Estado, em primeiro lugar, e de forma absolutamente geral, pela característica previdenciária das normas estruturantes da Previdência Complementar. As normas do Regime da Previdência Complementar contribuem para o bem estar comum, para o bem estar da Sociedade, na medida em que se fizer realizar em sua plenitude a PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR! Elas não podem despir-se de sua característica previdenciária para contribuir para o bem estar da Sociedade. Nem isso tem sentido, haja vista o artigo 193 da Constituição Federal: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem estar e a justiça social. Isto é, sem JUSTIÇA SOCIAL, NÃO EXISTE BEM ESTAR SOCIAL!

- “DISCIPLINAR, COORDENAR E SUPERVISIONAR AS ATIVIDADES REGULADAS POR ESTA LEI COMPLEMENTAR, COMPATIBILIZANDO-AS COM AS POLÍTICAS PREVIDENCIÁRIA E DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E ECONÔMICO-FINANCEIRO.”

Isto é, cabe ao Estado disciplinar de tal forma as atividades da Previdência Complementar que elas se enquadrem naquelas políticas que conduzem à realização dos objetivos tanto da Previdência Social quanto do desenvolvimento social e econômico-financeiro do País, isto é, do bem estar material da Sociedade, assim como do bem estar inerente ao convívio social na plenitude da vida humana. A atuação do Estado deve ser tal que se realizem concomitantemente o BEM ESTAR PREVIDENCIÁRIO E O BEM ESTAR DA SOCIEDADE. Não pode existir um bem estar sem o outro.

Esse assunto de Bem Estar está muito ligado à Economia e à Psicologia, até à Pedagogia. Os textos famosos de Economia antigos, quando admitiam a intervenção do Estado, a aceitavam com muita amplitude em assuntos de Macroeconomia, e muito pouca nos assuntos de Microeconomia. A razão, segundo eles, residia no fator criatividade (inovação), necessário para produzir riqueza, e resultante da característica LIBERDADE da ação humana, que confere DIGNIDADE ao indivíduo humano. Hoje em dia, autores famosos, como Paul Krugman, continuam aceitando esse argumento, mas o formulam de forma mais abrangente, atribuindo aquela diferença da ação estatal na Macroeconomia e na Microeconomia ao BEM ESTAR DA SOCIEDADE. A intervenção estatal, tanto na Microeconomia quanto na Macroeconomia, só deve ser admitida para gerar o BEM ESTAR SOCIAL! A ampla intervenção na Macroeconomia gera BEM ESTAR SOCIAL, enquanto na Microeconomia gera MAL ESTAR SOCIAL. Naquela, a intervenção estatal mais ampla é admitida, portanto, enquanto nesta, só é admitida com restrições.

Já a PSICOLOGIA e a PEDAGOGIA da segunda metade do século XX adotaram as doutrinas do BEM ESTAR, formuladas por Carl Rogers e Martin Seligman sob as designações de Vida Agradável, Vida Plena e Vida Significativa, que nada mais é que o resultado da realização diferenciada, pela ampla multidão dos cidadãos de um País, dos oito níveis da hierarquia das necessidades humanas individuais, elocubrados por Abraham Maslow.

A PREVIDÊNCIA SOCIAL é, indiscutivelmente NECESSÁRIA, para a satisfação das duas mais baixas categorias de necessidades, a fisiológica (alimentação, vestimenta etc) e a de segurança (habitação, saúde, emprego, estabilidade, etc., isto é, renda permanente). Sua contribuição é, sem dúvida, necessária para a satisfação de todas as demais seis categorias. Curioso que o pesquisador esclarecido encontra vestígios de toda essa concepção científica no texto de nossa fabulosa Constituição Federal de 1988!... até na designação: SEGURIDADE SOCIAL!

- “DETERMINAR PADRÕES MÍNIMOS DE SEGURANÇA ECONÔMICO-FINANCEIRA E ATUARIAL, COM FINS ESPECÍFICOS DE PRESERVAR A LIQUIDEZ, A SOLVÊNCIA E O EQUILÍBRIO DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS, ISOLADAMENTE, E DE CADA ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR, NO CONJUNTO DE SUAS ATIVIDADES.”

Trata-se da afirmação dos Princípios de LIQUIDEZ, SOLVÊNCIA E EQUILÍBRIO tanto de cada Plano de Benefícios Previdenciários, quanto de cada EPC. É a norma que implica a implantação daquelas famosas duas normas específicas para as EFPC, SEMPRE ESQUECIDAS por aqueles que criaram ou advogam a manutenção desse anômalo instituto da REVERSÃO DE VALORES, a saber, os artigos 18 e 19 da LC 109.

- “ASSEGURAR AOS PARTICIPANTES E ASSISTIDOS O PLENO ACESSO ÀS INFORMAÇÕES RELATIVAS À GESTÃO DE SEUS RESPECTIVOS PLANOS DE BENEFÍCIOS.”

Atentem para essa preocupação da LC 109: os participantes e assistidos têm o direito de saber TUDO (pleno acesso) sobre a gestão do Plano de Benefícios de que são Participantes, quer meramente ativos ou já assistidos! Não existem para eles sigilos estratégicos, escaninhos fechados, meandros inacessíveis de gestão do seu Plano de Benefícios Previdenciários!

Nós temos direito a conhecer todos os aspectos da Gestão de nosso Plano de Benefícios Previdenciários, inclusive do relacionamento da EFPC com o Patrocinador e com o Governo: PLENO ACESSO! Temos o direito de conhecer TUDO sobre cada negócio, sobre todo tipo de despesa (com a administração interna e com os destinatários externos), que envolve recursos pertencentes ao nosso Plano de Benefícios Previdenciários: PLENO ACESSO! Temos o direito de saber tudo sobre a confecção do Plano de Custeio, sobre o pagamento de benefícios, sobre as demonstrações de resultados: PLENO ACESSO! Temos o direito de saber tudo sobre a eleição, nomeação e remuneração de diretores e conselheiros da EFPC: PLENO ACESSO! Temos o direito de saber tudo sobre a contratação e remuneração dos funcionários da EFPC: PLENO ACESSO!

- “FISCALIZAR AS ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR, SUAS OPERAÇÕES E APLICAR PENALIDADES.”

Como vimos acima, no âmbito da Previdência Complementar, o Estado assumiu o tríplice papel de ORGANIZADOR, COORDENADOR e FISCAL do Regime da Previdência Complementar.

Não esqueçamos que o ESTADO BRASILEIRO é um ESTADO DO BEM ESTAR SOCIAL. Essa característica ele começou a revestir há quase um século, com a edição da famosa Lei Eloy Chaves. Ele quis realizar através de um modelo único, no início da década de 30 do século passado, quando criou os Institutos de Aposentadoria e Pensão. Ousou até mesmo comprometer-se com aposentadorias no valor dos rendimentos de trabalho, pagos pelo Regime Único de Previdência Social, na década de 50 do século passado.

Infelizmente, o Regime Único de Previdência Social fracassou na consecução desse objetivo do Estado de Bem Estar Social. Mas, o Estado Brasileiro não se deu por vencido. Avocou para si, na década de 70 do século passado, garantir a realização desse ideal da Previdência Social no nível da renda da fase ativa do trabalhador, graças ao duplo regime da Previdência Social, o Geral e o Complementar. E consagrou-o na Constituição do Bem Estar Social de 1988.

O Estado Brasileiro nos diz aqui, neste inciso do artigo 3º da LC 109, que ele é a GARANTIA da REALIZAÇÃO DESSE DIREITO: O DIREITO DE O TRABALHADOR PERCEBER, NA FASE DA INATIVIDADE, A RENDA DA FASE DA ATIVIDADE! E para isso ele assume a OBRIGAÇÃO de organizar, coordenar e fiscalizar o Regime de Previdência Complementar.

- “PROTEGER OS INTERESSES DOS PARTICIPANTES E ASSISTIDOS DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS.”

E o Estado Brasileiro, tão longa já era a experiência de quão árdua é essa tarefa da realização da Previdência Social, avocou para si explicitamente o papel de PROTETOR DOS INTERESSES DOS PATICIPANTES E ASSISTIDOS DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS.

Ele sabe que existem outros muitos interessados nos recursos da Previdência Complementar: o sistema financeiro, os empresários, os patrocinadores e instituidores de EFPC, os fundadores de EFPC, os indivíduos que são participantes e assistidos de EFPC, os trabalhadores das EFPC, os administradores das EFPC, os servidores públicos que coordenam e fiscalizam o Regime da Previdência Complementar, e o próprio Governo. O Estado Brasileiro, então, afirma, alto e bom som, que é o Protetor dos interesses dos Participantes e Assistidos dos Planos de Benefícios contra todos esses interesses, até mesmo contra os interesses do próprio Governo!

Por que essa afirmação final, esse fecho do artigo que configura o papel do Estado no Regime da Previdência Complementar? Porque o Estado Brasileiro conhece, por experiência própria neste quase século de história do Regime de Previdência Social Brasileira, a existência, bem como a força maquiavélica de todos esses interesses conflitantes, em contraste com a fraqueza dos Participantes e Assistidos, no tocante à defesa de seus interesses previdenciários. Ele sabia que, ao longo da história, o patrimônio da EFPC, dos Planos de Benefícios Previdenciários, seria objeto de assédio ininterrupto.

E o que decidiu o Estado Brasileiro? Eu sou o Protetor dos interesses dos Participantes e Assistidos dos Planos de Benefícios, afirmou alto e bom som. Ninguém ouse prejudicar-lhes os interesses, nem mesmo o Governo: o Governo, ao contrário, tem a obrigação de proteger esses interesses.

Leitor paciente, que suportou acompanhar-me até aqui nessa extensa análise desses dois artigos da LC 109, o primeiro e o terceiro, responda-me com espírito isento de qualquer preconceito:

Pode-se, ante a expressão textual desses dois artigos, sustentar a LEGALIDADE do instituto da REVERSÃO DE VALORES, seja de que tipo for, DIRETA ou INDIRETA? É patente, não é verdade?, que a REVERSÃO DE VALORES, seja ela qual for, DIRETA ou INDIRETA, será SEMPRE uma vantagem, isto é, um BENEFÍCIO para o PATROCINADOR, às CUSTAS DE UM MALEFÍCIO para o PARTICIPANTE e o ASSISTIDO!

É patente que a REVERSÃO DE VALORES, seja ela qual for, DIRETA ou INDIRETA é um ato de proteção dos interesses do Patrocinador contra os interesses dos Participante e Assistidos. É, nos termos da expressão usada no texto que venho analisando nestes últimos trabalhos, um ATENTADO CONTRA O PAPEL DO GOVERNO NO REGIME DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR! Papel que lhe foi imposto pelo Governo, segundo a expressão textual da LC 109. E, portanto, usando também expressão do mesmo texto analisado, DEVE, por isso, SER FULMINADA.