sábado, 26 de setembro de 2009

137. Luzes da História


Era criança, na década de trinta do século passado, mas lia nas páginas dos jornais de minha cidade natal, Parnaíba no estado do Piauí, notícias sobre o rei da Etiópia, Hailê Selassiê, ou as ouvia em transmissões radiofônicas. Hoje, só ouço falar da Etiópia, quando assisto às transmissões televisivas de competições atléticas. Sabia que aquele imperador africano havia sido destronado pelas tropas invasoras italianas, que em 1935, conquistando a Etiópia, deram início ao fracassado plano de Benito Mussolini de replicar o fastígio do Império Romano.
Sei hoje que aquele imperador africano foi eminente chefe de nação em sua época. Destronado, refugiou-se na Inglaterra. Comandou as tropas etíopes, engajadas no exército inglês que libertou a Etiópia na Segunda Guerra Mundial. Visitou vários países europeus. Esteve no Brasil em 1960, no período de governo do Presidente Juscelino Kubitschek.
Hailê Selassiê significa Poder da Trindade. Nasceu Tafari Maikonnen, o Indomável Maikonnen, e era primo do Imperador da Etiópia. Foi educado por missionários franceses e se expressava com muita facilidade e brilho. Conquistou, assim, a admiração do primo imperador que, além de confiar-lhe posições de administração em seu governo, também aceitou o casamento do talentoso primo com uma das filhas. Maikonnen, então, tornou-se Ras Tafari, isto é, o Príncipe Terrível.
Hailê Selassiê era personalidade tão carismática e tão brilhante orador que se fazia ouvir pelos governantes dos mais importantes países do mundo. Suas idéias ainda hoje são repetidas por muitos dirigentes de países em desenvolvimento nas conferências políticas mundiais.
Em 1936, ele proferiu na Liga das Nações as seguintes palavras:
"Enquanto a filosofia que declara uma raça superior e outra inferior não for finalmente e permanentemente desacreditada e abandonada; enquanto não deixarem de existir cidadãos de primeira e segunda categoria de qualquer nação; enquanto a cor da pele de uma pessoa não for mais importante que a cor dos seus olhos; enquanto não forem garantidos a todos por igual os direitos humanos básicos, sem olhar a raças, até esse dia, os sonhos de paz duradoura, cidadania mundial e governo de uma moral internacional irão continuar a ser uma ilusão fugaz, a ser perseguida mas nunca alcançada. E igualmente, enquanto os regimes infelizes e ignóbeis que suprimem os nossos irmãos, em condições subumanas, em Angola, Moçambique e na África do Sul não forem superados e destruídos, enquanto o fanatismo, os preconceitos, a malícia e os interesses desumanos não forem substituídos pela compreensão, tolerância e boa-vontade, enquanto todos os Africanos não se levantarem e falarem como seres livres, iguais aos olhos de todos os homens como são no Céu, até esse dia, o continente Africano não conhecerá a Paz. Nós, Africanos, iremos lutar, se necessário, e sabemos que iremos vencer, pois somos confiantes na vitória do bem sobre o mal".
Hailê Selassiê irradiava tal fascínio que lideranças históricas do movimento negro foram estimuladas por suas ideias e seu exemplo, como Martin Luther King e Nelson Mandela. Essa força carismática de Selassiê atingiu a Jamaica, onde o sonho de liberdade dos afrodescendentes de escravos nutria a saudade do continente de origem e alimentava o desejo de um dia retornar àquelas terras.
Esse fascínio atingiu com tanta intensidade o ambiente fértil da mentalidade negra jamaicana, que o carisma se transformou em mito, que hoje nutre os sentimentos religiosos de mais de seiscentos mil negros, os rastafaris. Acreditam que Selassiê vive e é o próprio Deus. A exemplo de Moisés, o guia do povo de Israel, conduzirá os negros de Jamaica à Mãe Terra africana.
Carisma e crença são vetores de energia fundamentais na psicologia individual e coletiva da Humanidade.