sábado, 29 de outubro de 2016

364.Reformulação da Súmula 288 do TST – Análise (continuação)


O Trabalho, Obrigação e Direito do Cidadão Brasileiro

Essa matéria é muito vasta. Examinemos alguns aspectos dela. Qual é o seu significado? Que todos os brasileiros hígidos são obrigados a trabalhar. Por que, porque cada indivíduo é responsável pela sua vida, pela sua subsistência e dignidade, isto é, pelo tipo de vida que pretende viver. Por que? Porque somente o indivíduo se conhece bem, sabe qual é o seu bem-estar e, sobretudo, é autônomo, livre. Resumindo, porque cada cidadão é responsável pelo seu bem-estar.

Acontece, porém, que cada cidadão é responsável também pelo bem-estar do Estado, da sociedade organizada. Por que? Porque, como vimos lá no início desta série de reflexões sobre a Súmula 288 do TST, cada cidadão é ele mesmo e suas circunstâncias. Se a mãe não o amamentasse durante uns três anos, ele não existiria. Se não frequentasse a Escola, a Universidade, o ambiente de trabalho, o indivíduo humano não seria o que é. Se não lesse, não visse televisão, não se comunicasse com os amigos pessoalmente e pelos diversos meios de comunicação, não viajasse, o indivíduo humano  não seria o que é. Houve casos de meninos reclusos nas selvas, que jamais conseguiram se desenvolver como seres humanos! A Sociedade nos constrói. Ou melhor, a aculturação é a acumulação de tijolos com que construímos a nossa personalidade. Somos o que o homem do nosso tempo e de nossa sociedade é.

Há o relato famoso do reconhecimento desse fato, há dois mil e quatrocentos anos, por um dos mais célebres homens já existentes. Sócrates estava rodeado pelos amigos à espera da sentença do tribunal de Atenas, onde estava sendo julgado, acusado de impiedade. Ele não reconheceria os deuses da cidade, já que se jactava de guiar-se pelo dáimon, o deus que afirmava existir dentro dele, a própria consciência, a razão. Ele, pois, não se guiaria pela ordem que Zeus, o deus supremo da mitologia grega, implantara no Universo, e os cidadãos atenienses, várias vezes no mês reunidos, tentavam desvendar, através de seus debates, para estabelecer o código de conduta dos cidadãos, as leis da cidade. Sócrates, pois, seria um ímpio, um marginal, um subversivo perigoso, que atraía a ira das divindades contra a cidade. Sócrates e os amigos sabiam que ele seria condenado à morte. Os amigos, então, sugeriram-lhe a oportunidade de evadir-se de Atenas, como, antes dele, vários cidadãos ilustres, o haviam feito em circunstâncias idênticas. Sócrates negou-se a utilizar-se da oportunidade de fuga. Como poderia ele, cidadão que reconhecia dever a Atenas tudo o que ele era, a saber, um homem civilizado, poderia viver com dignidade sabendo que evitara ardilosamente o castigo que o Estado de Atenas, a sociedade de Atenas julgava ele merecer?! Tranquila e dignamente Sócrates, logo que lhe foi comunicada a sentença de morte, sorveu a cicuta que lhe encerrou a gloriosa existência.

Essa responsabilidade pelo bem-estar da sociedade significa que eu, enquanto hígido, devo realizar minha dignidade, minha vida livre, autônoma, racional de modo tal que não lance sobre os outros o ônus que é só meu, isto é, o ônus de minha vida pessoal. Não quero cursar a Universidade, então, responsabilizo-me pela renúncia a muitos postos de alta posição na sociedade. Quero ter uma família numerosa, então não posso responsabilizar os outros, que divergem de mim, não posso transferir para os outros o ônus de subsistência de uma família excessivamente grande. Quero viver arrostando riscos excessivos, atravessando abismos andando sobre fios de aço, então não posso transferir para os outros o ônus com a restauração da saúde danificada por graves acidentes. Esse princípio de que o trabalho da geração humana hígida atual é que sustenta o Estado e o bem-estar de todos os cidadãos atuais de um Estado é a própria base de existência da sociedade, do Estado e, consequentemente, da Seguridade Social, e, portanto, da Previdência Social.

Isso que acabo de esboçar é importantíssimo. O teor original do artigo 201 da Constituição nada falava de equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social. Isso foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998. Claro que essa Emenda não pretendeu eliminar o princípio básico da sociedade, do Estado, da vida humana. Admitir o contrário é uma irracionalidade. Os parlamentares não são idiotas.  Então, esse princípio do equilíbrio financeiro, que a Lei Complementar 109/201 replica no artigo 18, exigindo o regime de capitalização, não elimina, ANTES PRESSUPÕE O PRINCÍPIO DO PRIMADO DO TRABALHO.

Esse princípio do primado do trabalho tem longo e glorioso histórico. Adam Smith explicou muitas coisas, entre as quais esta que cada pessoa age com a intenção de sobreviver, e da melhor maneira possível, isto é, procurando realizar o seu melhor bem-estar. O resultado dessa atuação individual egoísta e justa, provoca um resultado maravilhoso e inesperado, a saber, que as coisas de que precisamos estejam à nossa disposição, ao nosso redor, quando a desejamos possuir. É o equilíbrio econômico no mercado livre. Malthus contrapôs-se-lhe dizendo que esse equilíbrio era produzido pela fome, causada pela morte das pessoas que não podiam comprar. Karl Marx aprofundou a objeção afirmando que o final da economia capitalista seria a autodestruição através da eliminação da classe trabalhadora. Walras contradisse Malthus e Marx afirmando que o mercado sempre se equilibra através do preço.  Por essa mesma época, a Alemanha de Bismark instituía o seguro doença, acidente de trabalho, invalidez e velhice, como um direito do trabalhador. Os demais Estados, nos anos seguintes, seguiram o exemplo da Alemanha.  John Maynard Keynes concordou com Walras, mas aditou que o equilíbrio econômico pode ocorrer com o desemprego e, consequentemente, com a miséria e o infortúnio de muitos, como Malthus e Marx haviam afirmado.

Ocorre, então, a famosa Depressão Mundial de 1929. O presidente Franklin Roosevelt dos Estados Unidos, aconselhado por Keynes, inicia o programa do Well Fair: início do Estado Democrático do Bem-estar Social. Baseia-se na teoria keinesiana, hoje adotada por todos os países do Mundo, com raríssimas exceções, de que a interferência estatal se faz necessária na economia, para obter aquele nível de preço que equilibre o mercado em condições de pleno emprego, isto é, de bem-estar geral, de toda a população vivendo em condições de bem-estar. Esse movimento teve o seu ápice em 1944 na Inglaterra com a comissão Beveridge, presidida pelo Llord Beveridge, criada para formular uma política de erradicação da miséria naquele país. A miséria foi entendida como a situação daquelas pessoas que passavam necessidades e não podiam sobreviver com dignidade.

A comissão entendeu que há quatro causas para essa situação pessoal de miséria (de pessoas necessitadas dos meios de subsistência): a doença (incapacidade física ou mental), a ignorância (instrução, educação deficiente), a carência (aversão ao trabalho, isto é, preguiça) e o desemprego (inexistência de oportunidades de emprego). A comissão, então, propôs uma política de Estado para erradicar esses cinco males sociais (as necessidades e suas quatro causas: doença, ignorância, carência e desemprego). Nascia, então, o Estado Democrático do Bem-Estar Social.

Por essa mesma época,  John Rawl elucubrou uma teoria política do Estado do Bem-Estar Social,  baseada na ideia de Justiça Social: o Bem-Estar é um direito de todo cidadão, porque ele, racional e autônomo que é, só pode ingressar numa sociedade que respeite essa sua dignidade, que tenha por finalidade contribuir para que todos, sem exceção, construam a sua dignidade. Noutras palavras, os indivíduos só entram numa sociedade que respeite a dignidade individual de cada um, aquilo em que todos os indivíduos humanos somos iguais, a saber, racionalidade e liberdade (autonomia, a própria realização individual, o próprio bem-estar). É isso que diz o artigo-capítulo 193 da Constituição Brasileira: “ A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.” Noutras palavras, o Estado brasileiro é sustentado pelo trabalho dos cidadãos hígidos para criar e manter condições de convivência onde todos, guiados pelo princípio da Justiça Social (todos têm o igual direito a uma vida digna) vivam em situação de bem-estar

Essa história, todavia não estacionou aí, porque a História não para, porquanto ela é a narração da marcha da Humanidade. Ludwig von Mises, em seguida, ensinou que, até hoje, não se obteve nenhum outro melhor instrumento para o equilíbrio do mercado que o preço: o controle mais amplo, mais específico e, sobretudo, automático do equilíbrio do mercado. Friedrich Hayek desenvolveu essa ideia e afirmou que a complexidade do mercado atual não comporta o planejamento estatal, já que lhe é inviável o conhecimento de todos os preços. Quanto mais amplo e minucioso o planejamento estatal, mais difícil se torna a realização da vida individual.

Foi então que Milton Friedman arguiu que toda atuação do governo no mercado tem influência sobre os preços. Logo, o aumento de gastos públicos provoca aumento de preços, inflação, que é uma desordem econômica, um mal a evitar. Por outro lado, a variação da produção de bens é precedida pela variação de volume do dinheiro na posse das pessoas. Volume excessivo de dinheiro na posse das pessoas, em lugar de aumentar a produção, causa inflação, pois não há tempo para o aumento da produção de bens, aumento da oferta: oferta deficiente de bens causa inflação, oferta excessiva causa recessão. O Estado, pois, deve limitar-se a controlar o volume de dinheiro na posse das pessoas: a moeda precisa crescer, mas em ritmo moderado e constante. Foi essa política monetarista, a do neoliberalismo, a adotada pelos governos de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, que passou a influenciar vários governos no Mundo, inclusive no Brasil, e, me parece, teve influência na concepção dessa Emenda Constitucional nº 20.

Essa política neste começo de século tem merecido muita consideração em virtude da forte crise econômica que assola o Mundo, resultante da globalização da economia e da nova revolução industrial que parece ter-se iniciado. A globalização econômica retrai a produção dos países desenvolvidos centrais em desvantagem competitiva com a produção dos países periféricos que lhe atravessam as fronteiras. Já a revolução industrial muda os processos de produção, sobretudo aumentando tanto o ritmo de destruição do antigo, como falou Schumpeter, quanto o da substituição do trabalho humano pela máquina, provocando o desemprego.

(continua)


quinta-feira, 27 de outubro de 2016

363.Reformulação da Súmula 288 - Análise (continuação)

O Trabalho, Direito e Obrigação do Cidadão Brasileiro

Vimos que a Constituição atribui primado ao Trabalho, isto é, prioridade, superioridade. O que significa isso? No meu modesto entendimento, significa muita coisa. Significa que toda aquela arquitetura do Estado Brasileira, que é a Constituição , somente poderá ser realizada pelo trabalho de todos os cidadãos brasileiros. Sem esse trabalho não existirá sociedade justa e do bem-estar, nem mesmo sociedade. Esse trabalho fornecerá os recursos para que o organismo estatal se forme, se sustente e funcione proporcionando as condições de justiça e bem-estar geral a fim de que cada cidadão brasileiro construa sua humanidade justa e no gozo do bem-estar individual.

Trabalhar, pois, é obrigação de todos os brasileiros hígidos para contribuir para que o Estado Brasileiro seja uma sociedade funcionando sempre em ritmo de progresso, de modo que todos os brasileiros se realizem, na conformidade de seus ideais, isto é, com autonomia, liberdade, dignidade, vivam segundo seus próprios planos, seus desejos, vida plena, vida justa e de bem-estar.

Se todos os brasileiros hígidos têm a obrigação de trabalhar, o Estado Brasileiro tem a obrigação de criar condições para que haja oportunidades de trabalho para todos os brasileiros hígidos.

E aqui começam, na minha modesta opinião, os grandes equívocos da Governança do País. Em primeiro lugar, é claro, que a Constituição Brasileira não arquitetou um Estado Mínimo, o de Robert Nozik, aquele cuja missão consistia exclusivamente na proteção básica dos cidadãos, contra os crimes de força e descompromissos de contratos. Ela está fundada, como claramente o diz esse artigo 193, o que sintetiza o Estado Brasileiro arquitetado, nas ideias de igualdade da dignidade humana, de justiça social, como preconiza John Rawls.  E nisto o Mito e o Poste têm toda a razão. O Governo está aí para realizar o Estado Democrático Social e não o Estado Democrático Liberal. O Estado tem que proteger os cidadãos contra as injustiças dos outros cidadãos e contra as injustiças do próprio Estado, isto é, dos Governos, dos Governantes (as cláusulas pétreas).

Vamos analisar esta premissa. E fixada a nossa diretriz: emenda constitucional e lei que se inspirem no Estado Mínimo, merece ser suspeita de inconstitucionalidade e ilegalidade. Paremos momentaneamente a análise neste ponto, que julgo importantíssimo.  Se estão querendo viver num Estado Mínimo, convoquem nova Assembleia Constituinte e promulguem nova constituição. Vigente essa Constituição de 1988, aquela original, a Constituição cidadã orgulhosamente proclamada por Ulysses Guimarães, na minha ignorante opinião de leigo em Direito, emendas constitucionais e leis, com víés neo liberal, são inaceitáveis, pois atacam o que há de mais sagrado nessa constituição, a saber, a sua meta, a sua finalidade, aquilo para o qual todo Estado Brasileiro de 1988 foi concebido. Crime de lesa-pátria!

(continua)






segunda-feira, 24 de outubro de 2016

362. Reformulação da Súmula 288 do TST - Análise (continuação)

O Trabalho

O trabalho é a energia que se gasta para deslocar um objeto de determinada massa durante determinado tempo ao longo de certa distância. O trabalho humano é geralmente realizado para extrair da natureza a subsistência e o bem-estar (alimentação, moradia, remédios, analgésicos, proteção, aumento de expectativa de vida), porque a natureza, por vezes, e quantas!, é megera. Em geral, ela só é generosa para com o homem que a domina! Subsiste o homem que a domina pela Ciência e Tecnologia. A Natureza gerou o homem por um enorme acaso. A civilização é o resultado do esforço humano por adaptar a natureza às suas conveniências de manutenção da vida e elevação do nível de bem-estar.

O cansaço, a aprendizagem, a concentração da atenção, os fracassos e outras adversidades, que envolvem o trabalho humano, também são experimentados como mal-estar e o homem, por isso, procura eliminá-los, divertindo-se (trabalho que não visa à subsistência) ou descansando. Eis por que, recentemente, em entrevista, Delfim Neto declarou que o homem almeja com razão reduzir o tempo de trabalho. Seja como for, atualmente, na prática, o trabalho é a melhor forma de emprego do tempo, na minha opinião!

A História narra que a Humanidade usou fenômenos naturais como o vento e a água para produzir trabalho, nos moinhos, engenhos, barcos e outros empreendimentos. Utilizou-se igualmente de animais (cavalo, bois, cachorros, lobos, elefantes) e até outros homens como escravos. A escravidão perdurou até recentemente. No século XVII EC, a rainha Elizabete I, da Inglaterra, chefe da Igreja Anglicana, igreja cristã, era proprietária de um navio negreiro chamado Jesus. A escravidão perdurou no Brasil até o final do século XIX EC. O cidadão grego, produto de uma das mais altas civilizações da História, não trabalhava, isto é, não fazia trabalho manual, porque o considerava indigno. O escravo trabalhava para o cidadão grego. O cidadão grego era latifundiário. Era administrador de suas terras. Comandava seus escravos feitores, para que estes trabalhassem pondo a trabalhar os demais escravos em todo tipo de serviço necessário para extrair da terra e lhe preparar todo o necessário para a subsistência e bem-estar. O cidadão grego gastava seu tempo no trabalho intelectual, discutindo política e filosofia, e exercitando-se para a guerra, ouvindo os poetas e os músicos, e assistindo ao teatro. Ele vivia segundo a filosofia de Epicuro: ”sem dor no corpo e sem inquietação na alma” ou o lema latino: mens sana in corpore sano (mente sã em corpo são). Ele era cidadão grego, porque, nascido na cidade, a sustentava e a defendia.

Nos tempos modernos o homem vem substituindo o trabalho humano pelo trabalho da máquina. É que o homem passou a trabalhar também para enriquecer, não apenas para subsistir. E isso lhe foi facilitado pelo emprego da máquina, da tecnologia, da inovação. Até o trabalho mental vem sendo substituído pelo trabalho da máquina! É que o capital só subsiste ou cresce, se permanecer sempre vendendo, e vendendo cada vez mais. Isso foi notado por Karl Marx, o grande economista alemão socialista, que anteviu todo o problema que a economia mundial está hoje enfrentando. Adam Smith, professor de Ética na Escócia, e fundador da Ciência Econômica, já intuíra, um século antes de Marx, que as leis do enriquecimento não são as mesmas da conduta ética (o preço não faz justiça, porque ele é simplesmente o nível de convergência do grau de procura e do grau de oferta do produto). Aliás, esse problema foi também percebido pelo grande capitalista norte-americano, Ford, aquele que renovou o movimento industrial no início do século passado, implantando as esteiras de montagem de veículos, e dizia que precisava pagar bem a seus operários porque estes eram os adquirentes dos produtos de sua fábrica. Joseph Schumpeter, ministro austríaco da Fazenda e professor de Economia na Harvard, ensinou, poucos anos depois de Marx, que o capitalismo, precisa inovar continuamente, estar permanentemente a criar tecnologia melhor, mais produtiva, sempre criando novidade e destruindo o antigo. Ora, mais e melhor máquina, menos trabalho humano. E Karl Marx anteviu que isso geraria uma crise fantástica quando o mercado se globalizasse! Foi ou não foi uma profecia? Imagine-se quando a Ásia toda e a África toda e América toda engrossarem esse mercado produtor!

O cenário contemplado por Marx no seu tempo era os de uns poucos empresários ganhando fábulas de dinheiro às custas de milhões de empregados (até em idade infantil) trabalhando nas fábricas infectadas, até no ar ambiente, até vinte horas por dia, sem férias e sem mesmo descanso semanal. E o cenário antevisto é o de hoje, a saber, a produção se expandindo aceleradamente em mercados de mão de obra de valor aviltadíssimo, e os respectivos trabalhadores vivendo em favelas e mal conseguindo sobreviver, desempregando a mão de obra dos países mais avançados socialmente que lhes compram os produtos! Estados Unidos, Inglaterra, Áustria e Hungria erguendo muros para impedir a invasão de milhões de desempregados dos países subdesenvolvidos. Até parece a reedição da destruição do Império Romano do Ocidente pela invasão dos povos germânicos no século IV EC. Vozes políticas se ouvem nos Estados Unidos e na Europa ameaçando de expulsão os imigrantes. Já há países europeus pretendo impedir à bala a invasão dos excluídos do mercado globalizado. Anuncia-se o genocídio do refugo humano? Existem os bilhões dos sem terra e sem teto, para que paradoxalmente exista o 1% dos super-ricos. Galbreith narra que, no início do século passado, a classe rica de New York recebia festivamente a visita de Émile Durkheim que vaticinava, com fundamento na seleção natural de Darwin, a sobrevivência da classe rica e o desaparecimento da classe pobre. O futuro pertenceria exclusivamente aos ricos!

Então, entendo que o termo trabalho, usado em nossa Constituição, possui muitos significados, todos centrados, num núcleo significativo restrito, a saber, o trabalho produtivo, mas, com significados diversos (trabalho humano, trabalho manual, trabalho contratado permanente, diarista, livre iniciativa, trabalho de empresário, trabalho de administrador de empresa, etc.). E isso é o que constato ao folhear dicionários jurídicos.

Então, comecemos a ler o texto constitucional brasileiro.

“Art.1º- A República Federativa do Brasil...tem como fundamentos: IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;...Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,...” A Constituição estaria, nestes dois artigos, se referindo a todo tipo de trabalho humano.

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:...” Deste artigo, tratei no texto anterior. Acho claro que trata especificamente do empregado.

Evidente que os artigos do Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira) se ocupam da organização de todo tipo de trabalho: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,...”

Chega-se, assim, ao artigo 193 que, isolado, é todo o capítulo I do Título VIII (Da Ordem Social): “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”

Entendo que este artigo/capítulo, o mais curto capítulo da Constituição, o seja propositadamente. Entendo que o seja exatamente por isso, porque ele condensa nesta norma jurídica todas as normas que compõem a Constituição: esta sociedade organizada se constrói pelo trabalho e pretende ser uma sociedade justa e proporcionadora de condições para que todos os cidadãos brasileiros se realizem, isto é, construam uma vida individual de bem-estar.

Foi para isso, para que todos os brasileiros se realizem individualmente, que se organizou a República Federativa do Brasil, essa sociedade de centenas de milhões de pessoas, num território de quase dez milhões de quilômetros quadrados, numa sociedade estatal democrática, cujo poder soberano é distribuído harmonicamente em três poderes, pondo em funcionamento infinidade de institutos qual organismo vivo que difunde as condições de sobrevivência e progresso necessárias para que os cidadãos brasileiros todos usufruam do seu próprio e justo bem-estar.

Chego a me perguntar: não seria este artigo 193 a mais importante bússola jurídica da Constituição Brasileira de 1988?

E o que ordena essa bússola constitucional básica? TODO BRASILEIRO HÍGIDO TEM O DIREITO E A OBRIGAÇÃO DE TRABALHAR, isto é, DE CONSTRUIR SUA HUMANIDADE, UMA HUMANIDADE JUSTA, COMPATÍVEL COM A DIGNIDADE HUMANA, isto é, RACIONAL E AUTÔNOMA, NO GOZO DO BEM-ESTAR, isto é, DE UMA VIDA PLENA, FELIZ.

E a que trabalho a Constituição está aí se referindo? A todo tipo de trabalho, ao trabalho humano, ao trabalho compatível com a dignidade humana. Ao trabalho humano capitalista, mediante a máquina? Também, desde que não atente contra dignidade humana, por exemplo, não desempregue! O princípio constitucional do progresso não pode desempregar, nem afrontar a dignidade humana! Ao contrário, ele funciona no sentido de que todo o cidadão brasileiro, até o incapacitado para o trabalho, até aqueles para os quais o Estado faliu na sua obrigação de criar condições para construí-la, goze de sua vida plena, de bem-estar, a que tem direito.

E é exatamente desta obrigação do Estado que trata todo o Título VIII-Da Ordem Social, dessa Segurança que o Estado tem a obrigação de proporcionar a todo o cidadão brasileiro, isto é, de usufruir de uma vida plena, com dignidade, uma vida justa e de bem-estar.

Estaria a Constituição Brasileira antevendo uma utopia? Uma Humanidade para a qual as máquinas trabalhariam? Já se antevê hoje até maquinismos que se refaçam! Maquinismos vivos?! A HUMANIDADE CAPITALISTA? A humanidade toda proprietária das máquinas? A Humanidade toda, usufruindo o seu próprio bem-estar, sem trabalhar, como entende Delfim Neto ser o ideal humano justo e digno?


(continua)




sexta-feira, 21 de outubro de 2016

361.Reformulação da Súmula 288 do TST - Análise (continuação)

Cláusulas Pétreas

Entendo que esta matéria das Cláusulas Pétreas seja muito importante para decidir sobre a correta formulação da Súmula 288 do TST. Por isso, estou dedicando mais este texto a esse debate.

Já detemos razoável noção do que seja uma cláusula pétrea. É uma norma constitucional que não pode ser retirada da Constituição nem modificada por Emenda Constitucional. Muito menos pelo Presidente da República, ou lei, ou instrução. Muito menos por um juiz, mesmo que seja um colegiado deles, o maior deles, como é o STF, tão importante ela é. E tanta é essa importância que a cláusula pétrea é na prática o exercício da soberania popular. A cláusula pétrea coloca o indivíduo humano, o cidadão, acima de todos os Poderes do Estado e de todas as Autoridades do Estado. O indivíduo humano é inatingível nesses seus direitos. O cidadão brasileiro é soberano.

Já estamos familiarizados com esta cláusula pétrea: Art 5º.II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Ora, a PREVI (Carta-Circular nº 351, em 1966) diz que o Banco decidiu, daquela época em diante, continuar pagando aposentadoria, exatamente como vinha pagando (Circular-Funci-390/55), não mais diretamente, e, sim, através da PREVI.

Eu fizera um contrato de trabalho com o Banco, 11 anos antes, contrato a termo, de que ele me pagaria o complemento da aposentadoria, completados os trinta anos de serviços, e que essa aposentadoria seria, até meu último dia de vida, igual ao valor do meu salário do último dia de trabalho.

De acordo com essa cláusula pétrea, o Banco unilateralmente, como fez, poderia alterar as condições de meu contrato de trabalho, doze anos decorridos, desde meu ingresso no Banco? Penso que não. E ele, de fato, não modificou o valor do complemento de minha aposentadoria. Modificou, porém, a pensão e introduziu a contribuição dos funcionários, além, é claro, do mais importante: transferiu para a PREVI a responsabilidade pelo pagamento do complemento desses dois benefícios, embora se mantivesse comprometido com o seu valor integral, em virtude das normas internas do funcionalismo do Banco.

Por que assim penso? Porque a irretroatividade da lei já existia naqueles tempos, como vimos, na Constituição de 1934. Eu já possuía um direito individual, a termo, é verdade, do complemento de aposentadoria e pensão, de 100%, sem ônus algum para mim, em virtude de meu contrato de trabalho. E pacta sunt servanda, os contratos devem ser honrados. Juiz nenhum, lei nenhuma, Emenda Constitucional nenhuma, autoridade nenhuma podia naqueles tempos de 1966, nem agora pode extinguir esse meu direito individual, porque é uma lei POSTERIOR A 1955! Quem o diz? Aquele inciso II do artigo 5º da Constituição, reforçado por estas outras cláusulas pétreas desse mesmo artigo 5º, todas elas tratando claramente da irretroatividade da lei:
“XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;”

ESSAS LEIS AÍ EXISTEM EXATAMENTE PARA ISSO, isto é, PARA EVITAR QUE ATOS COMO ESSES EM CONTRATOS COM PRESTAÇÕES A TERMO DESFIGUREM, DESQUALIFIQUEM, ANULEM OS COMPROMISSOS CONTRATUAIS ASSUMIDOS ANTERIORMENTE! Ou não é?!

No decurso da segunda metade do século passado, várias modificações ocorreram nesse contrato, promovidas unilateralmente pelo Banco e até por intervenção do Governo, como exigência de prazo superior a trinta anos de trabalho para aposentadoria integral, que prejudicaram tanto os pré-67 quanto os pós-67. Em razão do compromisso do Banco (acho que até expresso nas instruções internas do funcionalismo do Banco), essas alterações são também afrontas à cláusula pétrea da irretroatividade da lei, para estes últimos igualmente.

Acredito que a aposentadoria integral foi inegavelmente cláusula do meu contrato de trabalho e, portanto, está protegida pelas cláusulas pétreas  da Constituição, e nominalmente, consoante reza o Art.7º da Constituição: ”São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXIV – aposentadoria”


Ora, o direito ao trabalho é claramente um direito individual, e ligadíssimo aos valores, princípios e direitos à Vida e à Dignidade Humana.  Na minha opinião, a aposentadoria é matéria intimamente ligada ao trabalho e também um direito individual, não apenas nas engrenagens naturais da vida e da sociedade, como igualmente nas ilações da jurisprudência e da nossa  Constituição.

Até me parece que a Constituição também assim o entende em muitos dos seus preceitos:” Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV - salário mínimo...
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943)
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo neociação coletiva;
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; (Vide Del 5.452, art. 59 § 1º)
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XXIV – aposentadoria”

Se salário mínimo e horas de trabalho são cláusulas contratuais do trabalho, por que aposentadoria não é?

Aliás, se minha memória de 90 anos não me está traindo, parece-me que, em anos recentes, o STF teve de ocupar-se com esse assunto, no seu próprio interesse, quando o Governopretendeu estender a idade da aposentadoria compulsória dos juízes, de 70 para 75 anos. Não sei se  isso foi de fato modificado. Apenas me resta a lembrança, não sei se correta, de que alguns juízes, já na iminência de aposentar-se, sugeriram que a lei viesse com a excepcionalidade para aqueles já juízes que preferissem aposentar-se aos 70 anos.”

Essa íntima ligação entre trabalho e aposentadoria merece ser examinada, já que a Constituição dela trata, podendo ser que aí encontremos a explicação para a orientação adotada pelo STF.

(continua)





sexta-feira, 14 de outubro de 2016

360.Reformulação da Súmula 288 do TST - Análise (continuação)

Os Direitos e Garantias Fundamentais
As Cláusulas Pétreas

O Título II da Constituição Brasileira trata dos direitos e garantias fundamentais. O capitulo I do Título II trata dos direitos e deveres individuais e coletivos. Estes direitos são conhecidos como direitos de primeira dimensão. Historicamente foram os primeiros direitos reivindicados pelo povo, na Era Moderna, ao insurgir-se contra o absolutismo dos reis, o Estado Leviatã, aquele de Luís XIV da França, o Rei Sol, que bradava: “L’État c’est mois (Eu sou o Estado=As leis são a minha vontade)”. Todos se submetiam às leis, exceto o rei. Este as formulava a seu bel prazer. A todos submetia. Todos eram seus súditos.

Esse capítulo I é muito vasto. Eis o seu corpo introdutório:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:...”

A Constituição aí está dizendo que, no território brasileiro, ninguém, nenhuma autoridade, nenhum poder pode impedir que o indivíduo exerça o direito à digna vida de um ser humano, isto é, a conduzir-se com autonomia, guiado pela razão, como qualquer outro ser humano, na construção de uma sobrevivência digna (segurança e propriedade).

Will Durant ensina que, há cinco mil anos, Urukagina, rei de Lagash, uma cidade-estado da Suméria, uma das antigas civilizações, editou “o mais velho, breve e justo código de leis da História”, que tinha entre suas leis a proibição da “exploração dos pobres pelos ricos e de todo o mundo pelos sacerdotes”; proibia também o ingresso do “Sumo Sacerdote...(no)... jardim de uma pobre mãe e retirar lenha, e impor taxas sobre as frutas.” Há cinco mil anos, o rei de Lagash se preocupava com o direito à vida digna das mães pobres de sua cidade! A primeira lei conhecida na História trata do problema da proteção aos pobres, da vida digna da pobreza!

No entanto, o que mais nos interessa aqui neste momento é o que determina o inciso II desse longo artigo 5º da Constituição: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”, isto é, nada, ninguém me obriga a não ser a lei. Noutros termos, o cidadão brasileiro só se submete à lei. Ele não se submete a outro ser humano, seja ele quem for. Somente a lei cria direitos e obrigações do cidadão brasileiro. Esta norma é uma cláusula pétrea. E por que ela existe e existe como cláusula pétrea? Em razão dos princípios da dignidade humana, da racionalidade e da liberdade. Três princípios jurídicos fundamentais! E que três princípios jurídicos! Um deles, exatamente o invocado pelos eminentíssimos juízes do STF para a reformulação da Súmula 288 do TST!

Cláusula pétrea é “...dispositivo constitucional imutável, que não poderá ser objeto de deliberação de proposta de emenda constitucional. De acordo com o artigo 60, §4º, da Constituição Federal, "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais". Têm como objetivo evitar as alterações temerárias de assuntos essenciais para os cidadãos e o Estado.” Nem emenda constitucional pode alterar a cláusula pétrea, poisl.

Este parágafo 4º do artigo 60 da CF não é de fácil entendimento e é de difícil aplicação. Exige muito conhecimento, competência e prática jurídica. Ele tem o dom de permitir que a Constituição se atualize, isto é, se torne um organismo vivo, modifique-se permanecendo a mesma Constituição. Noutros termos, ela poderá modificar-se, sem se contradizer. Uma cláusula, como essa, que diz que o cidadão brasileiro só se submete à lei, jamais poderá dizer que ele, em determinado caso, terá de se submeter à vontade do Presidente da República.

Entende-se, pois, o inciso XL desse artigo 5º da CF: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;” É o princípio da irretroatividade legal. É também cláusula pétrea. Se a lei retroagisse, ela estaria criando direitos e deveres antes de existir. Evidente irracionalidade. Seria contra o princípio da racionalidade, invocado pelos eminentíssimos juízes do STF para convencer o TST a modificar a Súmula 288. Seria contra o princípio da dignidade da pessoa humana, portanto. Seria igualmente contra a segurança.

Já vimos que o Estado existe para que todos os indivíduos realizem a sua própria personalidade, que é inevitavelmente singular, isto é, diferente da de todos os outros indivíduos humanos, que existem, que existiram e que existirão. Cada um sabe qual é o seu bem-estar. Somente eu sei qual é o meu bem-estar. E eu tenho o direito de gozar do meu bem-estar, na medida em que essa fruição não prejudique o bem-estar de todos os outros.

Por outro lado, já vimos também que a lei é a norma que o Povo se impõe para que todos os cidadãos se conduzam de forma a conseguir o bem-estar da sociedade tal que crie condições para que cada cidadão realize o seu bem-estar individual. É evidente que essa lei tem que ser precedente à ação do cidadão e a lei é decisiva para as opções cruciais da existência do cidadão, como a do casamento, da geração de filhos e da escolha de profissão. Esses dois direitos individuais fundamentais, portanto, são inquestionavelmente cláusula pétrea que não podem ser modificados por emenda constitucional, muito menos por interpretação judicial, mesmo que emanada do STF. Tanto assim é, que eles já eram reconhecidos nas Constituições brasileiras anteriores de 1824, 1891, 1934 e 1946.

Com efeito, nós os funcionários pré-67 fizemos um contrato de trabalho com o Banco do Brasil em que ele, através da Circular-FUNCI-309/55, se comprometia, transcorridos 30 anos de trabalho, a nos proporcionar aposentadoria no valor do salário total percebido no dia da aposentadoria, mantido atualizado até a morte, no valor percebido por ocupante ativo do posto de carreira correspondente. Foi, por isso, que ingressamos no Banco. Essas duas normas, essas duas cláusulas pétreas, ao que me parece, nos garantiam claramente, inquestionavelmente esse direito. 

Em 1967, o Banco não desconheceu esse direito. Continuou responsável por esse compromisso, a seu modo, tanto que ainda hoje parcela do complemento da aposentadoria dos pré-67 é por ele paga. Naquela ocasião, época política de governo forte, transferiu, é verdade, ilegalmente, parte do ônus do custeio dos benefícios previdenciários, para os funcionários, mediante contrato por ele firmado com a PREVI. E obrigou a nela ingressarmos, como a própria PREVI o diz, já o vimos.

No meu entendimento, pois, os Participantes do Plano de Benefícios 1, pós-67 continuam vinculados ao Banco por contrato de trabalho. Eles ingressaram na PREVI por imposição do empregador e com garantia de benefícios previdenciários de 100% do salário do dia da aposentadoria

Se tudo o que acima expusemos está correto, urge se adicione o reforço de outra cláusula pétrea, o inciso XXXVI do artigo 5º da CF: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”

A respeito, eis o que ensina Vinicius Ongaratto: “O ato jurídico perfeito é um instituto que foi concebido pelo constituinte, sob o aspecto formal. É aquele ato que nasce e se forma sob a égide de uma determinada lei, tendo todos os requisitos necessários exigidos pela norma vigente. Protege-se indiretamente o direito adquirido, pois não se pode alegar a invalidade do ato jurídico se advier lei nova mais rigorosa alterando dispositivos que se referem à forma do ato.

O ato jurídico perfeito, em outras palavras, consagra o princípio da segurança jurídica justamente para preservar as situações devidamente constituídas na vigência da lei anterior, porque a lei nova só projeta seus efeitos para o futuro, como regra.

É um fundamento constitucional que marca a segurança e a certeza das relações jurídicas na sociedade. É uma garantia aos cidadãos como fator da própria convivência social.

Em outras palavras, podemos dizer, com base no exposto acima, que o ato jurídico perfeito é aquele que sob o regime da lei, se tornou apto para produzir os seus efeitos pela verificação de todos os requisitos a isso indispensável. É PERFEITO, AINDA QUE POSSA ESTAR SUJEITO A TERMO OU CONDIÇÃO.

Este instituto é um ato que se aperfeiçoa, se integraliza, se faz inteiro, se consolida, se completa, se perfaz, debaixo de uma ordem normativa vigente, de uma legislação aplicável naquele instante. Por isso ele é chamado de ato jurídico perfeito. O ato assim nascido se incorpora ao patrimônio jurídico de quem dele se beneficia, adquirindo o beneficiário, um direito definitivo. Assim é o ato jurídico perfeito.

Qualquer tentativa de mudança desse ato torna-se impossível, pois, seria uma violação da coisa então consolidada Seria uma agressão à cláusula pétrea da Constituição Federal.

Ato jurídico perfeito trata-se de ato imodificável por lei ou por emenda constitucional, já que faz parte dos Direitos Individuais catalogados em cláusula Pétrea, nos termos do artigo 60, parágrafo IV, inciso IV, que diz; “Não será objeto da deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:...IV – os direitos e garantias individuais.”

É uma forma que o Estado tem de garantir a estabilidade nas relações jurídicas, para poder promover um sistema de Leis que não se sujeitam as deliberações pessoais que poderiam advir pela força do poder que alguns possuem e que poderiam a vir a ser usadas, em detrimento daqueles considerados menos aquinhoados social e economicamente.

O ato jurídico perfeito, desde que bem celebrado, há que ser acatado e cumprido, independentemente de qual tenha sido a relação jurídica.

É a garantia da estabilidade jurídica, o que como conseqüência, traz o triunfo da coesão da sociedade.

Portanto, de conformidade com o exposto, ato jurídico perfeito é cláusula pétrea que está inserida em nossa Carta Constitucional de 1988, o que garante ao indivíduo que o buscou, um direito adquirido.”

Aqui se trata, como se vê, do princípio da segurança, princípio que penso está intimamente ligado, ao da dignidade do ser humano, porque engloba a própria sobrevivência e em condições de bem-estar. Como o jurista nos ensina esse princípio é o fundamento da sociedade e do Estado, já que ambos são contratos, e contratos necessários para a existência da Humanidade. A vida humana é um encadeamento de contratos. E o princípio básico do contrato é o da segurança: pacta sunt servanda (o pactuado é para ser cumprido).

(continua)











segunda-feira, 10 de outubro de 2016

359.Súmula 288 do TST - Análise (continuação)


Princípios Constitucionais Fundamentais

Os princípios constitucionais fundamentais “são as noções que são a razão da existência e manutenção do Estado brasileiro.” Elas são as formas nas quais o Estado brasileiro foi e continua sendo moldado. Elas compõem o DNA do Estado Brasileiro.

Vimos que o valor fundamental do Direito é a racionalidade, porque a racionalidade é a própria identidade do ser humano. É o que o distingue de todos os outros seres, o que o faz ser humano, o mais perfeito ser produzido pela Natureza, o que lhe confere a mais alta dignidade entre os seres produzidos pela Natureza, o que lhe infunde o singular atributo de liberdade, de livre arbítrio, de autonomia que nenhum outro ser possui e lhe permite corrigir a Natureza, resistir, defender-se dela e até opor-se à Natureza. Ademais, foi, como vimos, o princípio invocado pelo STF para orientar o TST a promover a reformulação da Súmula 288.

Ei-los:

TÍTULO I

Dos Princípios Fundamentais  

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: 

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político. 

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. 

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. 

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: 

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.  

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: 

I - independência nacional;

II - prevalência dos direitos humanos;

III - autodeterminação dos povos;

IV - não-intervenção;

V - igualdade entre os Estados;

VI - defesa da paz;

VII - solução pacífica dos conflitos;

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X - concessão de asilo político. 

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.”


Esses princípios constitucionais fundamentais são “as normas supremas do ordenamento, servindo de pautas ou critérios, por excelência, para avaliação de todos os conteúdos constitucionais e infraconstitucionais. ... Em outras palavras, significa dizer que os princípios constitucionais, por sua própria essência, evidenciam mais do que comandos generalíssimos estampados em normas da Constituição, expressam uma natureza política, ideológica e social, normativamente predominante, cuja eficácia no plano da práxis jurídica deve se impor de forma altaneira e efetiva.”

O Artigo 1º fixa “o principio da cidadania, o principio da dignidade da pessoa, o principio do pluralismo, o principio da soberania popular, o principio da representação política e o principio da participação popular direta. ...Tudo que ofender a dignidade da pessoa humana afrontará a ordem constitucional...”

O Artigo 3º fixa “princípios diretrizes para o cidadão e, sobretudo, para o legislador: principio da independência e do desenvolvimento nacional , principio da justiça social e principio da não-discriminação... Tais normas apontam o objetivo primordial do Estado, atender as necessidades públicas e perseguir o bem comum.”

Artigo 3º, inciso I compreende “princípios relativos à organização da sociedade: o principio do livre organização social, o principio de convivência justa e o principio da solidariedade.”

Assim, submetem-se a essas normas-princípios os próprios Poderes do Estado Brasileiro, isto é, o Legislativo (senadores e deputados federais) ao fazer as leis, o Presidente da República ao aplicá-las e o Judiciário ao julgar.

O Direito moderno, embora entenda que todas as normas constitucionais apresentem o mesmo valor hierárquico (princípio da unidade da Constituição), diferencia as normas-princípios das normas-disposições (regras). Aquelas constituem um escudo ”protetor dos direitos da pessoa humana”. Noutras palavras, as “...Constituições democráticas objetivariam a limitação de potencialidades opressivas do poder político, estabelecendo-se certos princípios gerais que são impositivos em relação à autoridade governamental, e que, portanto, ficam devidamente localizados acima das normas-disposições.”Isso objetaria a arbitrariedade política, desenvolvendo-se um Estado democrático que também é de Direito.”
 
E, como já vimos, foi moldada nessas formas que os Constituintes redigiram a Constituição Brasileira. Eles organizaram o Estado Brasileiro (Títulos III, IV e V), estabeleceram diretrizes para que o Estado Brasileiro tivesse recursos materiais de subsistir (Título VI), criaram condições sociais para que os cidadãos possam subsistir com dignidade (Título VII) e, por fim, delinearam a imagem do Estado Brasileiro que eles idealizaram existir (Título VIII), onde todos os cidadãos vivam com dignidade, que se conquista com o trabalho e com a livre iniciativa, e se acha delineada nesse mesmo Título VIII, Art. 193 - A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais, bem como no Título II, Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Nova redação dada pela EC Nº 63 de 2010), e ainda o direito à cultura da própria época de existência (Título VIII).

 A dignidade humana consta de racionalidade e autonomia, como já vimos, autonomia essa que nos dota do poder de eliminar sofrimentos, bem como postergar a morte ou até sobre ela triunfar, as duas mais profundas aspirações humanas, fundamento psicológico do sucesso das três mais amplas e milenares religiões – judaísmo, cristianismo e maometismo.

É somente nessa dignidade que somos iguais, porque somos irremediavelmente, diferentes uns dos outros, por isso mesmo, porque somos o outro. O fato da desigualdade individual impõe que cada um se realize, se construa como ser humano diferente, como diz Orttega y Gasset: “Eu sou eu e minhas circunstâncias”, cada indivíduo humano constrói a sua humanidade (Sartre). E cada ser humano é diferente, até antes de nascer, no espermatozoide, entre os milhões que poderiam ter atingido aquele dentre os quinhentos óvulos diferentes que poderiam ter sido alcançados. Essa dignidade consiste exatamente na possibilidade de realização do famoso adágio latino “mens sana in corpore sano”, na satisfação de todos os tipos de necessidades, inclusive as culturais (Abraham Maslow), ou na imersão no fluxo da vida (Carl Jaspers) vivendo a vida plena, fazendo a cada instante da existência a melhor opção, como aconselha o adágio latino “carpe diem” (aproveita cada dia). O princípio da dignidade inclui, pois, igualmente o princípio da segurança, como está a indica-lo, não apenas o inciso IV do artigo 1º, como também todo o teor do Artigo 3º.

A racionalidade é um conhecimento que não se limita ao presente. Ela perscruta o passado para extrair informações que permitam hoje tomar decisões que evitem os males futuros e ensejem os benefícios no porvir. O homem é o único ser da Natureza que pode, até certo ponto, construir o bem estar futuro. Essa capacidade de construir o próprio futuro concretizou-se quando num longínquo passado, nós os aposentados do Banco, dentre todas as possibilidades então oferecidas pela Vida, decidimos aceitar as condições que o Banco nos oferecia, e assinamos o nosso contrato de trabalho, que formatou preponderantemente a nossa existência. Penso que essa opção pelo Banco haja sido tão importante para o nosso destino existencial que só tenha sido inferior, em importância, às do casamento e dos filhos! O Título VIII tem até um capítulo dedicado à seguridade social.

Essa dignidade, manda esse mesmo artigo, realiza-se a cada instante mediante o exercício dos direitos e deveres do trabalho (atividade produtiva dirigida a um fim econômico) e da livre iniciativa (além da liberdade de optar por qualquer atividade econômica, inclui a liberdade de contratar).

Há ainda outros princípios elencados no artigo terceiro: o da justiça, da solidariedade, do progresso (inclui o princípio do não retrocesso social), do bem estar de todos sem exceção. O princípio da justiça social deriva também da dignidade da pessoa humana. A Justiça, dizia Aristóteles, é a virtude da igualdade. A justiça comutativa faz-se com base na igualdade das coisas trocadas. A justiça distributiva processa-se com base na proporcionalidade das coisas com relação aos sujeitos envolvidos. A justiça social baseia-se na igual dignidade dos indivíduos humanos: todos os homens têm o direito a uma existência digna.

Ante tudo o que aí acima foi explanado, sobretudo, diante dos princípios de racionalidade, dignidade, liberdade, trabalho e livre iniciativa, segurança, e progresso, o que pensar da reformulação da Súmula 288 do TST?

Essa alteração não afronta toda a racionalidade, dignidade, segurança, justiça, progresso (princípio do não retrocesso social), direitos de trabalho e livre iniciativa com que decidimos, há mais de trinta anos, no meu caso, há 51 anos, ingressar no Banco do Brasil? Com relação aos pré-67, isso me parece indiscutível. É verdade que os pós-67 do Plano de Benefício 1 já ingressaram no Banco, percebendo o complemento de aposentadoria e de pensão, com base em contrato com a PREVI. Esses complementos são responsabilidade da PREVI. Mas, por outro lado, persistia o compromisso do Banco de que o valor seria de molde a perfazer a totalidade do salário mensal do dia da aposentadoria. Entendia-se que o Banco era a garantia desse compromisso, já em razão de seus recursos, já em virtude de seu compromisso com a boa gestão da PREVI, tanto que o Banco durante muitos anos arcou com ônus maior de custeio, já porque esse complemento era do interesse do Banco e por motivo exclusivamente de trabalho.

(continua)









quinta-feira, 6 de outubro de 2016

358.Reformulação da Súmula 288 do TST – Análise (continuação)

O Preâmbulo da Constituição do Estado Brasileiro

A análise é discurso racional. Tratarei de seguir o exemplo deixado por Descartes, o mestre moderno da racionalidade, adotando discurso simples, claro e distinto, tanto mais que, como vimos, foi a racionalidade o argumento invocado pelos eminentíssimos e respeitabilíssimos ministros do STF para instruir o TST a mudar a Súmula nº 288, adotando doravante a norma jurídica da época do benefício, ao invés da norma jurídica da época do contrato de trabalho, como sempre antes fora praxe.

É que estou bem consciente do que ensinam os mestres do Direito: “O Direito é aquilo que o Poder Judiciário diz o que é, segundo os graus de competência de cada órgão judicial. O Direito é circunstancial. O objeto do Direito (as normas jurídicas) pode ser analisado cientificamente, mas a aplicação do Direito (das normas jurídicas) depende das circunstâncias que envolvem os fatos, os valores, e as partes ou pessoas envolvidas.”

A Constituição do Estado Brasileiro é a “norma jurídica suprema reguladora das condutas e comportamentos de todas as pessoas, órgãos ou corporações sujeitas ao poder estatal brasileiro.”, porque o Brasil é um Estado Democrático de Direito, isto é, no Brasil o poder soberano pertence ao Povo. No Brasil, indivíduo algum se submete, obedece a outro indivíduo. O cidadão brasileiro só é guiado pela Lei e só a ela se submete.

O preâmbulo enuncia os valores, os bens que os indivíduos nacionais brasileiros, reunidos no dia 05/10/1988, (o dia precisamente em que eu completava 33 anos que ingressara no Banco do Brasil), pretenderam alcançar, organizando-se em sociedade, a convivência dos brasileiros, isto é, constituindo o Estado Brasileiro. Esses bens, valores, são metas a perseguir em todo o desenvolvimento da teia legal que será a Constituição Brasileira e o Direito Positivo Brasileiro. E essa teia se vem formando e ampliando a partir de então.

Já foi decidido pelo STF que “o preâmbulo não é norma jurídica, não é norma constitucional, mas um enunciado de princípios políticos, sem força jurídica para obrigar, proibir, ou permitir eventual sanção por seu  descumprimento.”

O preâmbulo é bússola da atividade do jurista ao criar e interpretar qualquer lei do Direito Positivo Brasileiro.  É uma das linhas mestras interpretativas da Constituição. Mas, não prevalece contra texto expresso da Constituição, nem pode ser paradigma comparativo para declaração de inconstitucionalidade.

Ei-lo: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

Entendo, pois, que os valores (os bens) aí elencados são: o Estado Democrático, os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o progresso, a igualdade; a sociedade fraterna, pluralista e não preconceituosa; a convivência harmoniosa, a ordem interna e externa; a República Federativa do Brasil.

Entendo que, em 05/10/1955, quando, radiante de confiança e felicidade com o meu destino na vida, sentei pela primeira vez numa carteira do Banco do Brasil, no Gabinete do Contador da Agência Central do Recife,  depois de assinar um contrato individual de trabalho, onde constava esta cláusula (Carta-Circular nº 309/55), eu certamente havia conseguido garantir bem-estar, por toda a vida, para mim e meus dependentes: “assegurará o Banco pagamento da mensalidade equivalente a tantos trigésimos da média dos proventos totais dos cargos efetivos ou em comissão, exercidos no último triênio, quantos foram os anos de serviço computados para efeito de aposentadoria, até o máximo de trinta”, sendo que a “mensalidade compor-se-á da aposentadoria propriamente dita, custeada pela entidade de previdência social, e do complemento, a cargo do Banco, necessário a totalizar as vantagens mencionadas nos itens anteriores”. A pensão, então, consistia em 100% da aposentadoria. Ambos benefícios esses totalmente custeados pelo Banco do Brasil, ao longo do tempo de existência do funcionário e do pensionista. E eu pautei minha vida com a certeza de que havia garantido o bem-estar meu e de minha mulher.

Essa Circular FUNCI era tão entendida como cláusula contratual de trabalho, que não assinei documento algum relacionado a aposentadoria e pensão. Ao contrário da matéria relacionada à assistência prestada pelo Banco à Saúde. Com efeito, naquele dia, depois de eu solicitar esclarecimentos sobre a exigência de assinar o documento de ingresso na CASSI, o Banco, através do funcionário que me atendia nos respectivos procedimentos, me esclareceu: “ou assina ou não entra no Banco.”

Tratou-se, pois, de cláusula de contrato individual de trabalho com prestações diárias, no prazo de trinta anos ou mais, a meu critério, e contraprestações mensais salariais da parte do Banco. A minha confiança no Banco era total, enquanto o Banco tinha certeza que a minha parte no contrato seria cumprida, já que ele só me pagaria depois de cumprida a minha parte, isto é, realizado o trabalho contratado.

Aquele contrato de trabalho, pois, foi o exercício do direito individual mais fundamental, a saber, o direito à vida. Voltaremos a analisar esse direito à vida. Ele está aí, reclamado e reforçado, em vários outros valores. A Vida é o direito básico, subjacente a esse valor Liberdade, aí expresso. Esse direito à Vida está igualmente subjacente aos valores de bem-estar, progresso e segurança.

No momento quero restringir-me a ressaltar alguns aspectos desse contrato de trabalho. Ele estava ajustado ao valor “liberdade”. Éramos totalmente livres para ingressar no Banco. Ingressávamos por concurso, em geral, nacional. Naquele ano de 1955, em que me submeti ao concurso para funcionário do Banco, fomos mais de duzentos mil candidatos. Fomos aprovados pouco mais de setecentos. De sua parte, o Banco do Brasil estabelecia as condições de trabalho com total autonomia. Anualmente aguardávamos a revisão dos salários, promovida solitariamente pelo Banco, confiantes em que ele nos proporcionaria as melhores condições remunerativas possíveis. Eu mesmo, na Inspetoria das Agências do Exterior, fiz, no ano de 1964, os estudos para a revisão salarial dos empregados das agências do Banco no Exterior. Foi o primeiro trabalho que ali me confiaram.

Por outro lado, a liberdade está ligada à racionalidade. Qualquer fenômeno macro só se realiza quando plenamente determinado. A racionalidade humana abre diminuto espaço operacional para atividades que se realizam sob a guia da Razão. Eles acontecem sob a determinação final da vontade humana, de modo que a atividade determinante é guiada por razões. O homem faz certa coisa porque ele próprio determina fazer, de modo que ela só acontece porque ele a quer que exista. A Razão abre um espaço de decisão, de autodeterminação para os indivíduos humanos, de autonomia. É da Razão que derivam a autonomia e a dignidade humana. Somente o homem tem um espaço - pequenino espaço é bem verdade -, entre todos os seres naturais conhecidos, que goza de autonomia e da consciência, a luz da Razão!

Por outro lado, a existência humana é um naufrágio (Karls Jaspers), é nada (Sartre). O homem padece da angústia existencial (Heiddeger) de ser inevitável vítima de necessidades, incômodos, dores, sofrimentos e morte (Virgílio). Daí, o valor Segurança. A Cultura é o patrimônio acumulado das obras humanas na luta pela Segurança por afastar a Morte para mais longe e eliminar as carências, as dores e os sofrimentos e as incertezas do futuro. Quanto mais sofisticada for a Cultura e mais refinada a Civilização mais segura será a vida humana individual.

Acho que já somos capazes de entender os valores, os bens que nós, cidadãos brasileiros decidimos alcançar na convivência da sociedade brasileira e que nos devem guiar nesta análise: direitos individuais, liberdade, segurança, bem-estar, progresso. E sabemos que todos eles estão radicados no valor da racionalidade.

Então eu lhes coloco a questão que ora nos interessa:
A aposentadoria e pensão do pré-67 da PREVI deve ser regida pela lei do benefício vigente no dia do contrato de trabalho do funcionário, entendido que se lhe adicionam todas as melhorias posteriores, mas não se lhes acrescem as que degradam, ou pela lei posterior (da data do dia do benefício)?

O que lhes parece à luz dos valores constitucionais? Qual das duas normas se ajusta melhor à liberdade, à segurança, ao bem-estar, ao progresso e ao meu direito individual constitucional fundamental à vida?

Parece-me evidente que é a primeira opção, a Súmula 288 do TST que vinha regendo até recentemente as decisões da Justiça, nessa matéria de aposentadoria e pensão, nos tribunais trabalhistas: a aposentadoria rege-se pela lei do dia do contrato do trabalho, não admitindo degradação, mas alterando-se automaticamente, no caso de melhoria.

Isso me parece evidente no caso dos funcionários do BB-pré-67, haja vista, como narrei, a preocupação da PREVI, naqueles idos, em enfatizar que a PREVI recebera substancial reforço financeiro do Banco: o Banco assumira todo o ônus do passado (ainda hoje parte da aposentadoria desse grupo é paga com recursos ditos do Banco) .

Já a segunda alternativa (a aposentadoria rege-se pela lei do dia do benefício) deixa total incerteza, até a possibilidade da extinção do benefício, como a experiência nos comprova.

Aliás, o discurso da PREVI, naqueles remotos tempos de 1966, quando o Banco lhe transferiu o custeio das aposentadorias e pensões, era claro: de hoje em diante aposentadoria e pensão não mais são cláusula contratual de trabalho. São assuntos do Estado Brasileiro. Já a complementação desses benefícios é negócio da PREVI.

A PREVI continuou negociando aposentadoria de 100%, confiando como ela explicou aos funcionários, naquela ocasião em 1966, no substancial apoio financeiro e colaboração administrativa do Banco, função essa que mais tarde veio a assumir a designação de Patrocínio. Já a pensão foi imediatamente degradada, porquanto ela, que era sempre de 100% da aposentadoria, assumiu os contornos que hoje apresenta: a parcela de 60%, admitidas mais outras quatro, no máximo, de 10%, totalizando os 100% do valor da aposentadoria, em função do número de dependentes, se mais de um.

E o que pensar a respeito da situação dos colegas pós-67 do Plano de Benefício 1?

Claro que também eles se sentem inseguros quanto ao futuro: perderam a segurança financeira total do Banco, se bem que insinuada e entrevista e comprometida, como esclarecia a PREVI em 1966. Afinal, o Banco estava presente e agindo na PREVI. Ainda não existia o compromisso contratual de Patrocinador.

Evidente que todos, em 1967, perdemos muito, porquanto, até aquela data, o custeio do complemento da aposentadoria e pensão era totalmente suportado pelo Banco. Compartilhado com o Banco, a partir daquele ano, o valor líquido da aposentadoria não mais seria 100% do salário. Ele diminuirá na medida que aumentar o valor da contribuição!

(continua)