domingo, 25 de fevereiro de 2018

406. Diálogo com um Amigo Anônimo

Sensibilizou-me a mensagem que me enviou no blog do Ari Zanella às 16:03 do dia 19/02/18. Tratou-se de um texto elegantemente redigido e expressando ideias bem justificadas. Compreende-se, pois, que experimente irrefreável impulso de analisa-lo detidamente e manifestar, no meu entendimento, as ideias que comungamos e aquelas em que divergimos.

1. Logo de início fui emocionalmente desestabilizado pela expressão vocativa “prezado amigo”. Dizem que Friedrich Nietzsche, o filósofo da pós-modernidade, entendia que a busca conjunta pelo conhecimento seria uma amizade: “Sonho com um amor em que duas pessoas compartilham a paixão de buscar juntas uma verdade mais elevada. Talvez não devesse chamá-lo de amor. Talvez seu nome ideal seja amizade.”

2. “Para clarear ideias acerca de patrocínio, com base em argumentos sólidos, sem achismos.”

Também me horroriza a difusão de ideias irracionais, absurdas, irresponsáveis. Até a opinião, o achismo, para ser respeitável, precisa ser justificada.

3. “O patrocinador é a empresa (empregador) privada ou estatal, ou o ente público (União, Estados, Distrito Federal ou Município) que patrocina o plano de previdência complementar para seus empregados ou servidores, conforme disposto no artigo 31, I, da LC 109/2001. A figura do patrocinador de plano de previdência já existia sob a égide da legislação anterior (Lei 6.435/1977) e tem como pressuposto o vínculo empregatício. Já o instituidor tem como pressuposto o vínculo associativo, caso de um Sindicato, Associação, Fundação, etc.”

Concordo. Wladimir Novaes Martinez ensina, no seu Curso de Direito Previdenciário, que “Patrocinador particular é pessoa jurídica, normalmente empresa de porte... Preocupada com a entidade propriamente dita a legislação não cuida de descrever a patrocinadora... A própria EFPC pode ser, e frequentemente é, patrocinadora...  Patrocinador estatal. Certa  organização do Estado empreende complementação...as primeiras foram estatais (Banco do Brasil e Petrobras)... Designa-se provedora a PATROCINADORA INCUMBIDA INTEIRAMENTE DO CUSTEIO COM AS DESPESAS COM O FUNDO DE PENSÃO...” Até a aqui o que o direito previdenciário complementar diz desse ente patrocinador.

Mas, no Direito desportivo, ensina Maria Helena Diniz, no seu Dicionário Jurídico Universitário, que patrocínio é transferência gratuita, em caráter definitivo, ao proponente, de numerário para realização de projetos ou cobertura de gastos para realização de projetos pelo proponente. E acrescenta que, na linguagem comum, patrocínio é proteção, auxílio, amparo.

Penso que, numa análise ampla do direito previdenciário, não podemos nos ater simplesmente ao texto da lei. Por que? Porque o legislador pode ter-se equivocado ao produzir a lei. Trata-se, pois, de minha opinião, não apenas de achismo, pois é inegável que, desde o final da década de 30 do século passado, abundam no Brasil as edições de normas previdenciárias questionáveis e o próprio livro comemorativo do centenário da PREVI diz na página 107: “O modelo de seguridade social preconizado na Carta Magna acabou por não ser posto em prática: sua regulamentação foi sistematicamente postergada e, quando ocorreu, tendeu a contrariar, em alguns aspectos, o próprio  espírito da Constituição.”    

3. “Os fundos de pensão americanos nasceram como planos de benefícios definidos-BD. Ao regulamentar a previdência complementar, com a Lei Federal 6.435/1977, depois revogada pela LC 109/2001, o Brasil foi fortemente influenciado pelo modelo americano, razão pela qual, nas décadas de 70 e 80 do século passado, os Planos de Benefício Definido (BD) eram muito comuns entre nós, inclusive o nosso Previ 1 é de Benefício Definido.”

Desconheço a história e a legislação dos fundos de pensão norte-americanos. Entendo que a lei 6435/1977 tenha sido influenciada por toda a cultura previdenciária mundial, inclusive a norte-americana. Penso, não obstante, que duas orientações foram determinantes: repartir o ônus previdenciário direto entre Estado e cidadão, até antevendo o comprometimento progressivo maior deste no custeio com o fluir do tempo, e toda a longa e rica história da seguridade social brasileira. Braz Cuba fundou o primeiro Montepio no Brasil na primeira metade do  século XVI, ainda nos primeiros passos do Brasil colônia. No Brasil colonial já existia o Montepio da guarda imperial. No Brasil império existiam os montepios do Exército, dos servidores do Estado, dos ferroviários, dos Correios, e da Imprensa Nacional.   No fim do século XIX existiam associações mutualistas nas principais cidades brasileiras e centenas delas no Rio de Janeiro. Em 1886, quando os funcionários propuseram a criação do montepio do Banco do Brasil, eles invocaram o exemplo de um banco brasileiro, o COMIND, não se reportaram a nada estrangeiro.  Em 1913, a Assembleia de Acionistas do Banco do Brasil decidiu instituir a aposentadoria por invalidez e por tempo de serviço, por este insigne motivo: a INDIGNIDADE DE UM PATRÃO RICO DESAMPARAR EMPREGADO INVÁLIDO, bem como tempo de serviço EXCESSIVO (ACIMA DE 30 anos) e, atente-se, INDIGNIDADE ATÉ EM EXIGIR EXAGERADO TEMPO DE SERVIÇO! Em 1920, O BB tornou obrigatório o ingresso na Caixa Montepio (pensão). Em 1923, editou-se a lei Eloy Chaves. Em 1933, cria-se o primeiro Instituto de Aposentadoria e Pensão. Toda essa história antecede o new deal de Franklin Roosewelt que, em 1937, declarou em discurso aqui no Rio de Janeiro: “Despeço-me esta noite com grande tristeza. Há algo, no entanto, que devo sempre lembrar. Duas pessoas inventaram o New Deal: o Presidente do Brasil e o Presidente dos Estados Unidos.”
Acho que a ideia de patrocínio, pois, é legitimamente nacional. Pouca influência advinda do estrangeiro, se considerarmos legitimamente brasileira o que nela existe de herança portuguesa. E, atente-se, o próprio autor do New deal norte-americano, o Presidente Roosevelt, se envergonhava de que lhe atribuíssem EXCLUSIVAMENTE a PATERNIDADE DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NORTE-AMERICANA. Fez questão de reconhecer publicamente a influência brasileira na sua decisão. O Estado brasileiro e o patronato brasileiro, pois, na minha modesta opinião (não se trata de achismo) possuíam, já na época do New Deal, multicentenar tradição de patrocínio previdenciário estatal e privado. Aquele, o New Deal norte-amricano, foi, sim, influenciado por esta, a providência social brasileira, é o próprio autor do New Deal que o confessa!

(continua)