segunda-feira, 18 de maio de 2020

495. A Previdência Complementar Brasileira em Tempo de COVID-19



Este texto é mera manifestação de ideias que assaltaram a um autodidata da ciência econômica, de conhecimentos limitados, portanto, sobre a matéria, hauridos, quando, há meio século, se viu obrigado a compulsar o mais conceituado texto didático da matéria, existente naquela época, o de Paul Samuelson, para sentir-se orientado nas missões que seu empregador, o maior banco do Brasil, lhe confiava na extensão do território nacional e ministros da Fazenda e do Planejamento em missões internacionais de interesse da Nação.
Acudiram-me à mente de aposentado na iminência de receber o meu benefício mensal, num mundo impiedosamente atacado por um vírus assustadoramente mortífero, cujo contra-ataque governamental é a antissocial norma do isolamento total domiciliar.
  O antídoto ministerial, que recebe violenta repulsa presidencial, adepto do isolamento vertical restrito, exibe retaguarda científica, assim como a oposição da autoridade máxima do Executivo, no diagrama da propagação da peste em forma de sino, cujo ápice de contágio e morte, aquele quer postergar, com a consequente duração do contágio, e este pretende aceitar para já, com a manutenção igualmente do menor tempo do contágio.
A opção do ministro justifica-se pela redução da carga mortífera da peste, em razão da viabilidade de descoberta de remédios e vacina ao longo da duração prolongada do contágio. Já a opção presidencial reside no entendimento de que a consequência econômica inevitável do isolamento total é a intensificação da depressão econômica, desastre ainda mais insidioso e mortífero que a peste, porque surge invisível da destruição patente do relacionamento humano, o constitutivo da própria sociedade, por ela provocada, de todo tipo de troca humano, do mercado – o abastecimento de víveres -, do sistema de preços, o coração, órgão vital da economia, motor do relacionamento de subsistência, de sobrevivência. Sabido ademais que apenas se obtiveram até hoje condicionamentos, que mitigam o duradouro impacto mortífero e o fácil contágio do HIV, peste igualmente avassaladora e atemorizante, há quarenta anos ocorrida,  ainda agora sem defesa pela via da imunização preventiva, e sem cura, apenas conseguindo-se o prolongamento da existência, penosa e dispendiosa, num organismo alquebrado pelas sequelas devastadoras.
O Presidente entende que o isolamento vertical viabilizará o funcionamento do mercado, em ritmo menos acelerado, é verdade, mas em condições de evitar danos ainda mais profundos ao funcionamento da economia, e com menor custo social de recuperação econômica. Creio que tenha em sua mente um quadro de tantas tentativas de recuperação econômica realizadas, há trinta, quarenta anos, neste País, entre elas a fixação de preços por decreto e o confisco das poupanças.
Então, a perspectiva que o economista tem do Brasil no momento presente é de que o país ingressou inevitavelmente numa fase depressiva, cuja intensidade será maior ou menor, e cujo custo social de recuperação, por conseguinte, será maior ou menor, em consequência das providências que agora se decidam tomar para bloquear o contágio do covid-19 e evitar as mortes por ele causadas.
O Panorama internacional imediatamente precedente à erupção da pandemia já vinha apresentando fatos econômicos adversos ao pleno funcionamento da economia brasileira, economia periférica ao comando político e econômico mundial, em lenta fase de desenvolvimento, caracterizada pelo seu papel de fornecedora de produtos primários para o mercado internacional - alimentos, minerais preciosos e estratégicos, fibras, minério de ferro e alumínio, energia elétrica - e fornecedora de produtos secundários e terciários para o mercado interno.
O cenário econômico mundial já não transcorria tranquilo, em razão dos ataques mundiais ao poderio financeiro, econômico, tecnológico e político norte-americano. À guerra tributária entre Estados Unidos e China veio agregar-se a guerra comercial do petróleo barato da OPEP ((Arábia Saudita e Rússia) para inviabilizar a produção norte-americana de petróleo. Recentemente Estados Unidos e China concluíram acordo de tarifas que gera vantagens concorrenciais para os produtos agrícolas norte-americanos com relação aos brasileiros.
A desaceleração da economia chinesa, cuja demanda é o motor atual da economia mundial, produzira efeitos depressivos na economia nacional, provocando medidas expansionistas de política monetária que baixaram os juros básicos para 3% a.a. A arma do preço do petróleo cria dificuldade para a atividade econômica da Petrobras, a principal empresa brasileira, produtora de óleo fóssil a altos custos. Fundos de pensão poderosos já vinham tomando medidas de recuperação de seu patrimônio desfalcado por administração fraudulenta, às custas de sacrifício previdenciário significativo de seus participantes.
O cenário econômico nacional, pois, baixista de juros, parcialmente desfavorável à formação de poupança, o nutriente dos fundos de pensão, fornecedores dos complementos de benefícios previdenciários, torna-se universal, atingindo as Bolsas de Valores e todo o mercado financeiro, na ocorrência de paralisia total da economia, e o desastre econômico maior será quanto mais longo o isolamento total for. Desastre sempre recuperável, é certo, mas com sacrifícios enormes e tragicamente dramáticos sobre a vida das pessoas.
Se o isolamento total perdurar um mês, um fundo de pensão que desembolse anualmente R$6 bilhões em benefícios, somente arcará com despesa mensal de R$500 milhões e despesas administrativas de um mês, obtendo os recursos em negociação num mercado de títulos adverso. Mas, se o isolamento total perdurar um trimestre ou um semestre, os valores de benefícios se avolumam para R$1,5 bilhão e R$3 bilhões, a oferta mensal de títulos continua a mesma no mercado, enquanto a demanda efetiva se se evaporará mensalmente cada vez mais com a aceleração da redução mensal dos poupadores, dos aplicadores, os demandantes efetivos de títulos. A negociação dos títulos tornar-se-á  mais difícil a cada mês acrescido de isolamento, em mercado cada mês menos interessado. O pagamento dos benefícios se torna a cada mês problema maior, até o momento em que se torne problema insolucionável.
Aeroportos, rentáveis oportunidades de aplicação financeira, já sentem a redução de suas rendas, em razão da violenta queda da atividade do transporte aéreo. A mais importante exportadora de minério brasileira já vinha arcando com vultoso aumento de despesas, em razão de indenizações decorrentes de desastre ecológico de sua responsabilidade e de providências necessárias para evitar que desastres semelhantes se repitam em dezenas de tanques-barragem de resíduos minerais outros por ela mantidos. O ramo elétrico tem sua rentabilidade controlada pelo governo sob o critério do interesse social do complexo produtor nacional, bem como do baixo poder aquisitivo de vasta maioria da população, acrescendo-se que um dos gigantes do fornecimento elétrico é empresa recente, fase que costuma produzir renda em dimensões impróprias para distribuição do lucro.
Todas as circunstâncias acima descritas já tornam a administração de um fundo de pensão, numa época de normalidade econômica, não apenas uma ciência, mas uma arte para administradores de alto gabarito gerenciar. Imagine-se o que essa administração significará, caso ocorra paralisação total da economia por dois, três, seis meses!... Exigem-se administradores geniais, com a capacidade do mitológico Mídias de tudo transformar em ouro!... Numa fase depressiva da economia, tudo se vende a preço baixo, tudo se compra na “bacia das almas”. Aqui, na cidade do Rio de Janeiro, já há UPA (Unidade de Pronto Atendimento) sem médico e hospital do Estado em que o heroico grupo de enfermeiros, que vem arriscando a vida para arrancar vidas das garras vorazes do conavírus 19, não recebeu o salário de março. Em toda a extensão do território nacional, os consultórios médicos e os escritórios de advocacia já se acham fechados. Os negócios cotidianos de subsistência, inclusive os financeiros,  estão-se realizando, em grande maioria, e em muitas especialidades exclusivamente, mediante atendimento robótico dos clientes, e, na maioria das vezes, mudo!...
O futuro próximo, de curto prazo, do funcionamento da Previdência complementar brasileira, sucesso ou fracasso, depende da política isolacionista, que agora adotar o governo brasileiro, na minha modesta opinião de leigo em economia.
E para ressaltar a importância ímpar dessa decisão econômica governamental, encerro estas considerações com a citação do célebre pensamento de Karl Marx, gravado sobre o gesso da lápide de seu túmulo no cemitério de Soho em Londres: “O importante não é explicar, é produzir”. O importante é criar valor. Conferir utilidade às coisas. cooperar com a Natureza para que tudo ao nosso redor se transforme em objetos que satisfaçam às nossas necessidades e proporcionem a nossa sobrevivência num ambiente de bem estar. E faço-o, quem diria!, para glorificar precisamente o sistema capitalista de mercado competitivo, de nossos dias atuais, que ele combatia, reunião de bilhões de compradores e vendedores mundiais, de todas as nacionalidades, que produziu o espetáculo soberbo do máximo de bem estar humano já registrado até hoje na História, e. contrariando o seu vaticínio da extinção do capitalismo, com a inclusão de Rússia e China, como negociantes proeminentes, países outrora adeptos do regime de planificação econômica.
O isolamento social total é o antípoda do mercado competitivo. É a destruição do sistema circulatório do organismo social. É a morte da Humanidade pela anemia da fome e pela inexistência da assistência de urgência para as necessidades gerais curativas.
  

segunda-feira, 11 de maio de 2020

494. Malthus (continuação)


Malthus dedica o capítulo XVII do Ensaio Sobre a População para afirmar que acata a definição de Adam Smith para a riqueza de uma nação (o produto per capita), mas que isso não significa que, numa nação rica, a classe dos trabalhadores sempre se ache numa situação de conforto. Ele admite que somente em determinadas ocasiões, quando acontece aumento vigoroso da produção primária, e pelo curto período de reação aumentativa da população bem nutrida, a classe trabalhadora frui de situação de vida melhorada.  Por isso, advoga que o Estado adote política de incentivo à produção agrícola.
O próprio Malthus, portanto, confessa sua ideologia econômica capitalista. Ele figura entre os economistas da Escola Clássica. A definição de riqueza de Adam Smith     implica que a riqueza de uma nação está na razão direta da produtividade do trabalho e na razão inversa do tamanho da população. Malthus foca esse relacionamento inverso, ideia dos rendimentos decrescentes, que tende a manter a classe trabalhadora no nível de renda de subsistência, bem como, na crítica a Godwin, arguía a ocorrência do desemprego como consequência do acúmulo excessivo de poupança.
A contribuição do pensamento malthusiano para a teoria econômica, relegada por décadas para os locais menos iluminados do palco da ciência econômica,  granjeou localização de relevância básica na revolução keynesiana (poupança excessiva provoca a depressão e o desemprego). Por sua vez, o crescimento fabuloso da produção de bens primários, graças ao aumento prodigioso da produtividade proporcionado pela alta tecnologia descoberta e adotada nos procedimentos trabalhistas, nos tempos modernos se mostra incapaz de proporcionar, como previa Malthus, a abundância de bens que alimente satisfatoriamente toda a humanidade. Muito ao contrário, vasta porção da população mundial vive hoje no nível da pobreza, o maior e mais importante problema social, econômico e político do tempo presente.
Entre os grandes nomes históricos que analisaram o problema da fome, a História registra o nome do brasileiro paraibano Josué de Castro, que em meado do século passado escreveu dois mundialmente célebres livros sobre a fome, Geografia da Fome e Geopolítica da Fome. A miséria, a insuficiência de meios de subsistência, a fome, a pobreza continua sendo um problema para vasta camada da população mundial, e hoje faz ela deslocar-se por vastas distâncias internacionais e intercontinentais, arrostando os mais tenebrosos perigos de morte, para adentrar os paraísos terrestres do bem estar social da Europa e dos Estados Unidos, que lhe são politicamente vedados.
Por fim, entendo que a própria ONU, criando o Índice de Felicidade Nacional, adotou e aperfeiçoou a ideia daquela discrepância que afastava Malthus de Smith: a riqueza de uma nação não se confunde com a riqueza da totalidade de sua população. Assim uma Nação realmente rica, isto é, com sua população usufruindo de nível digno de subsistência, a ONU não identifica simplesmente aplicando o critério do PIB per capita.  O IFM, o Índice de Felicidade Nacional agrega ao PIB per capita, a menor discrepância entre a dimensão patrimonial dos indivíduos, a universalidade e altura do nível de instrução,  a universalidade e qualidade da assistência à saúde, a universalidade e qualidade da previdência social, o nível de sustentabilidade da atividade econômica e outros índices de condicionamentos do bem estar social. A riqueza de uma nação é a abundância dos bens cuja fruição faz a felicidade de todos os indivíduos, o ideal epicurista da vida boa, sem dor no corpo e sem angústia na alma.
Embora Malthus, na minha opinião, em razão de sua oposição à “Caixa de Pensão e Poupança” de Condorcet, não possa ser considerado um precursor do Estado do Bem Estar Social, é claro que ele não considerava rica uma sociedade com a maioria da população no nível da subsistência, a classe dos trabalhadores, embora rica fosse a Nação, isto é, o erário, no seu tempo , o rei.  No mundo atual, todavia, nação alguma pode reputar-se rica, sem que rica igualmente seja a sua população, sem nichos onde impere a desgraça da miséria.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

493. Malthus (continuação)


William Godwin foi brilhante filósofo e escritor inglês, incluído no grupo dos iniciadores do movimento anarquista, com a publicação do seu estudo intitulado ‘Investigação Acerca da Justiça Política”. Malthus, que exalta a liberdade de expressão do pensamento, escreve o “Ensaio Sobre a População” exatamente, como ele próprio confessa, para refutar teses defendidas por Godwin.
Godwin enaltece a propriedade coletiva e considera a propriedade privada a origem de todos os males sociais: “o espírito de opressão, o espírito de servidão, o espírito de fraude, são as consequências imediatas da administração estabelecida da propriedade: “Hostil ao aperfeiçoamento intelectual, nutre os vícios da inveja, malícia e vingança. O homem livre, numa sociedade onde a abundancia dos bens é propriedade comum e igualmente repartida, não seria corroído pelo princípio mesquinho do egoísmo... Ninguém se preocuparia em prover suas necessidades e reservar bens para garantir a subsistência, a intenção do bem geral a todos proveria satisfatoriamente.” Inexistiriam inimigos e “a filantropia resumiria o império que a razão lhe atribui”. A mente libertar-se-ia das preocupações materiais para dedicar-se inteiramente ao trabalho intelectual.  Enfim, ao aperfeiçoamento das atividades extrativas no restrito espaço terrestre já então explorado, agregar-se-á o vastíssimo espaço ainda não explorado, e a humanidade teria garantida por muitos séculos a sua subsistência.
Malthus atacou essa ideia de Godwin de que o homem poderia viver num ambiente de superabundância de bens. Pura imaginação, afirmou Malthus, porque essa situação de abundância provocaria, reforçada também pela eliminação da fome, vício, peste e guerra  - as causas da diminuição da população -, a explosão do aumento populacional que jamais será acompanhado pelo ritmo do aumento da alimentação.
Assim, enquanto imperasse a abundância, ninguém se importaria com o comportamento do vizinho, mas, sobrevinda a época da penúria, ninguém estaria disposto a repartir o necessário e imprescindível para sua subsistência. Nada cederia, senão em troca por alguma vantagem. A violência, a opressão e a fraude se instalariam no comportamento humano, de modo que parecem geradas por leis inerentes à natureza humana, e não consequências de regulamentação humana. Surgiriam, então, as regulamentações da propriedade privada. “o melhor, embora inadequado, remédio para os males que estariam pressionando a sociedade.” Estabelecida a propriedade privada, as famílias com proliferação acima do sustentável conteriam membros em situação de penúria, porque destituídos do direito de exigir por justiça qualquer parcela do superávit das outras famílias.
Enfim, Malthus o rebate com o que se convencionou apelidar a armadilha malthusiana: o impulso sexual provoca aumento da população maior que o aumento de alimentos, irrompendo, por consequência, a carestia; a fome, então, reduz a população pela morte, quando, enfim, se restabelece a normalidade populacional no nível da pobreza.
O Estado do Bem Estar Social, portanto, eliminando a fome e a morte, e promovendo a saúde, incentiva a proliferação, mantém a carestia e impede a existência da normalidade social, pensava Malthus.
Galveas encerra a sua análise da contestação de Malthus ao pensamento de Godwin, ressaltando que aquele, embora considerasse necessária a existência “de uma classe de proprietários e de uma classe de trabalhadores”, não inferia, contudo “que o estado atual de desigualdade da propriedade é necessário e útil à sociedade.” Pelo contrário, deve ser considerado um mal... mas se um governo poderia, com vantagens para a sociedade, interferir ativamente para reprimir a desigualdade de fortunas, é questão duvidosa...” Cita a consideração de Malthus sobre o plano de igualdade entre os dois agentes de uma troca amigável sejam quais forem, e encerra o estudo da contestação à Godwin com esta assertiva de Malthus: “mesmo os maiores inimigos do comércio e das manufaturas, e eu não me considero muito amigo deles, devem reconhecer que, quando eles foram introduzidos na Inglaterra, a liberdade veio de rastro.”
(continua)