terça-feira, 27 de março de 2012

178. A ADI Da "Reversão de Valores"

Quando tomei conhecimento da bela peça jurídica, elaborada pelo Dr. Marthius Savio Cavalcante Lobato, que até recebeu agora elogio no despacho do Ministro relator, fiz questão de estudá-la. Esse estudo, que se encerra com um resumo daquele trabalho, distribuí-o entre amigos, enfatizando o caráter restrito que queria atribuir-lhe. Não pretendi dar nenhuma publicidade ao que pensava a respeito, sobretudo porque antevia o arquivamento, em razão da natureza ancilar da Resolução CGPC 26. É a esse estudo, sem o resumo do texto da ação, que ora estou dando publicidade, não sem proclamar o elevado valor que atribuo ao trabalho do Dr. Marthius e ao mérito que entendo ter sido por ele alcançado, a despeito de a ação não ter prosperado, na medida em que no próprio despacho o Ministro Celso de Mello, além do elogio já referido, cita algumas exorbitâncias da "Reversão de Valores" apontadas pelo autor. Meu propósito é tão somente contribuir, se assim entenderem os Doutos, para aperfeiçoar a argumentação demonstrativa das extrapolações legais da Resolução CGPC 26.

Prezados Colegas Alberto, Medina, Adrião, José Aranha, Toledo, Arthur, Ivo Ritzmann, José Ribeiro, Lívio, Tavares, Teixeira, Betto Dias, Carlos Armando, Francisco Monteiro, João Henrique, Carlos Alberto, Sócrates, Noé e Célia.

Estou-lhes enviando esta mensagem, sem qualquer intenção de desfazer ou menosprezar o valioso trabalho elaborado pelo Dr. Marthius Savio Cavalcante Lobato, autor da ADI a respeito da “Reversão de Valores”, criada pela Resolução CGPC 26. Meu propósito consiste exclusivamente em compartilhar com os colegas a minha opinião sobre ação que nos diz respeito, porque trata de interesse comum, e de receber dos colegas também informação sobre o juízo que formaram a respeito dessa peça jurídica. Esta mensagem tem, portanto, caráter estritamente particular, de forma que não gostaria que assumisse o caráter de mensagem com destinação ao público indistintamente.
Um abraço do
Edgardo

Comentários

Sem dúvida que a ADI a respeito da “reversão de valores”, criada pela Resolução CGPC 26, se trata de bela peça jurídica, que merecia ter passado por revisão mais rigorosa, que teria evitado erros vernaculares e até citação equivocada da Constituição Brasileira (CB), o artigo 201, quando, ao que me parece, seria o artigo 202.

Peça jurídica muito bem elaborada, fulcra-se no “PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA GARANTIA PERMANENTE”, na forma de reservas, instituído pelo artigo 202 da Constituição. Qualquer que seja a entidade previdenciária, Entidade Fechada (EFPC) ou Entidade Aberta (EAPC), ela, desde a primeira contribuição até a última, deve ser gerida de tal forma que, desde o primeiro pagamento de benefício até o último de um Plano de Benefícios, detenha os recursos necessários para fazê-lo. É, assim, que o autor lê esse artigo 202 da CB. Acho que ninguém dele discordará.

Mas, também penso que ele deveria ter insistido no PRINCÍPIO DE DESTINAÇÃO DAS RESERVAS, a saber, para PAGAMENTO DO “BENEFÍCIO CONTRATADO”. Na minha opinião, ele exagerou na ênfase daquele Princípio da Garantia Permanente, quando afirma com tanta insistência esse princípio que nega a possibilidade de que sejam sacados valores dessas reservas. Se não pode existir saque das reservas, nem pagamento de benefícios pode existir. Claro que não é negativa de alcance tão amplo o que o autor está tentando esclarecer. Lá adiante ele irá afirmar que, é evidente, saques de benefícios são, não apenas permitidos, mas devidos. Mas, a prova que prova em demasia, dizem os professores de Lógica, nada prova...

Creio, por isso, que, estabelecido O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA GARANTIA PERMANENTE DOS PAGAMENTOS DOS BENEFÍCIOS, o autor deveria ter insistido no PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO, econômico-financeiro e atuarial, que a Lei Complementar 109, apelidada por Wladimir Novaes Martinez de Lei Básica da Previdência Complementar (LBPC), erige no artigo 3º-III, para qualquer Plano de Benefício de EFPC e EAPC, como a formulação legal do Princípio Constitucional da Garantia Permanente. Esse PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO, a meu ver, concentra harmoniosamente, aqueles dois princípios constitucionais: o da garantia permanente e o da destinação das reservas.

Aí, sim, insistiria como a LBPC se preocupa de forma muito mais insistente e minuciosa nesse PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO, quando se trata de uma EFPC (artigos 18 a 21).

O autor completa o princípio da garantia permanente com o do equilíbrio, o da caracterização da EFPC (entidade sem fins lucrativos) e o da administração compartilhada. A meu ver, ele exagerou a ênfase no princípio da garantia permanente e não salientou suficientemente o do equilíbrio, como já vimos.

Já no que tange ao Princípio da Pessoa Jurídica sem Fins Lucrativos, que é a EFPC, acredito que foi ele exposto, mas não suficiente e adequadamente explorado. Penso que deveria ter sido bem esclarecido que a EFPC é uma pessoa jurídica autônoma, que o Patrocinador não a administra, que a administração suprema da EFPC pertence ao Conselho Deliberativo, que os administradores da EFPC só se subordinam a esse Conselho, que o Patrimônio da EFPC é somente dela, isto é, pertence à coletividade dos Participantes do Plano de Benefícios (ALI NÃO EXISTE NADA QUE PERTENÇA A OUTRA PESSOA FÍSICA OU JURÍDICA, DIFERENTE DA EFPC), que o Patrocinador não administra NEM PARTICIPA DA EFPC, NÃO É DELA SÓCIO, que só existe um patrimônio que é o patrimônio do Plano de Benefícios, isto é, todo aquele patrimônio é PATRIMÔNIO PREVIDENCIÁRIO. Ali não existe contribuição de Participante nem contribuição de Patrocinador, ali existe apenas PATRIMÔNIO PREVIDENCIÁRIO DOS PARTICIPANTES DO PLANO DE BENEFÍCIOS, PROPRIEDADE DA EFPC. Reservas Matemáticas, Reservas de Contingência e Reserva Especial são uma e mesma coisa, a saber, patrimônio da EFPC, reservas previdenciárias, que, portanto, só possuem um destino constitucional e legal: benefício previdenciário. Que benefício previdenciário só pode ser pago a pessoa física, nunca a pessoa jurídica.


É verdade que o autor tratou desse assunto, e até trouxe contribuição notável demonstrando que, na década de 30 do século passado, a França criou entidades previdenciárias sem fins lucrativos exatamente para isso, para evitar que o Patrocinador a quisesse administrar e administrar segundo os seus interesses, interesses esses com fins lucrativos, é claro. E revelou que em 1977, quando o Governo Brasileiro criou as EFPC e as EAPC, declarou expressamente que as EFPC deveriam ser administradas sem fins lucrativos, tendo exclusivamente o objetivo de pagamento de benefícios previdenciários.

Mas, na minha opinião, ficou esse assunto importantíssimo obscurecido com a insistência muito forte no PRINCÍPIO DA ADMINISTRAÇÃO COMPARTILHADA entre Participantes e Patrocinador. É evidente que o autor queria insistir no fato de que a EFPC é pessoa jurídica regida pelas normas do Direito Privado e não do Direito Público. Alias, isso está lá dito no artigo 202 da CB. E isso é muito importante, porque o Direito Privado modela os direitos contratuais onde impera a vontade das partes, enquanto o Direito Público modela as obrigações da Sociedade, onde impera o império do Estado. Entendem, todavia, os Mestres de Direito, e disso o autor não discorda, que se trata de Regime de Previdência Complementar. A Previdência Complementar rege-se pelas normas do Direito Civil, mas respeitadas todas aquelas normas que o Governo estabeleceu para a operacionalidade dela, independente da vontade individual dos contratantes. Assim, EMBORA OS PARTICIPANTES SEJAM OS DONOS DO PATRIMÔNIO DA EFPC, ELES NÃO SÃO DONOS DA EFPC. Eles são dela sócio por adesão: ou aceita ou não aceita, é tudo ou nada.

Entendo que o Bloco de Constitucionalidade se confunde com as Cláusulas Pétreas. E aqui acho que o autor poderia ter insistido no papel da Justiça Social (cláusula pétrea do artigo 193) e na diferença entre os papeis da Justiça Social e da Justiça Distributiva. A Justiça Comutativa é a justiça do contrato de compra e venda: ela iguala os objetos de troca. A Justiça Distributiva é a justiça da repartição: ela iguala o resultado à contribuição de cada participante. A Justiça Social é a justiça que embasa a sociedade: ela iguala todas as pessoas no que diz respeito à Vida, ao Bem Estar e ao Trabalho. A Seguridade Social e, portanto, a Previdência Social, são regidas pelos PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PRIMADO DO TRABALHO, DO BEM ESTAR SOCIAL E DA JUSTIÇA SOCIAL (artigo 193).

Se o Princípio da Justiça Social tem alguma precedência constitucional é exatamente aqui nessa questão da Seguridade Social, da Previdência Social. E a direção do fluxo de recursos, regido pela Previdência Social na Constituição e na LBPC indiscutivelmente, é de quem tem renda para quem não tem renda. Ora, a esdrúxula “reversão de valores” provoca exatamente a reversão da direção desse fluxo de quem não tem renda para quem não apenas tem renda, como tem a mais capitalista das rendas, o lucro. Isso, todavia, não impede que a Justiça Distributiva seja considerada no Regime de Previdência Complementar no seu exato papel de distribuição de responsabilidades e repartição de direitos, já que a LBPC apresenta normas para a Contribuição e para o Pagamento de Benefícios, DOIS NEGÓCIOS JURÍDICOS DIFERENTES E SEPARADOS, aquela repartida entre Participantes e Patrocinador, e este repartido entre os Participantes, os únicos beneficiários constitucionais e legais. E aqui poderia o autor ter alegado a diferença abissal existente entre redução, e até suspensão de Contribuição, e “Reversão de Valores”: aquela não implica consumo de reservas (gasto, saída de recursos do Plano de Benefícios), esta constitui efetivo consumo de reservas (gasto, saída de recursos do Plano de Benefícios) e, ainda, com destinação diversa da constitucional e ilegal, isto é, para fins não previdenciários, para benefício de pessoa jurídica, com fins lucrativos, para aumento de lucro. Não existe, portanto, a menor consistência para se embasar o Princípio de Interpretação Extensiva no compartilhamento da Contribuição (entre Participantes e Patrocinador) para estendê-lo ao Pagamento de Benefícios (que só contempla Participantes, pessoas físicas, sem renda e que de fato os recebe de acordo com a Justiça Distributiva). Se a EFPC não paga um benefício devido, é ela e somente ela que é responsável, e que é acionada em juízo, jamais o Patrocinador, porque a EFPC é pessoa jurídica autônoma, não se confunde com a pessoa jurídica do Patrocinador.

Acho também que deveria ter sido explorado com mais ênfase o argumento do enriquecimento ilícito, o que mais sensibiliza os juízes. Não há possibilidade de enriquecimento ilícito na distribuição de superávit da EFPC, se for obedecido o princípio do equilíbrio. Superávits exacerbados e contínuos resultam de política administrativa capitalista propositada.

Por fim, o autor afirma, logo no início, que a Resolução é um ato normativo qualificado para objeto de Ação de Declaração de Inconstitucionalidade junto ao STF: ato autônomo, abstrato e genérico.

Acho que é evidente ser abstrato e genérico. Mas, não consigo entender como seja autônomo. O que significa um ato autônomo? O autor da petição diz que ela é um ato autônomo, porque tem caráter normativo primário, propondo-se explicitar os princípios constitucionais. Já o Professor Uadi Lammêgo Bulos, Professor da Universidade Católica de São Paulo, ensina que não é autônomo um normativo jurídico que é editado para completar outro. Ora, a Resolução CGPC 26 diz claramente que existe porque é exigida pelos artigos 3º, 5º e 18/22 da LC 19 e pelo Decreto 4678/03. Ao que eu entendo, ela pretende disciplinar a apuração anual de resultado das atividades da EFPC e garantir a preservação do equilíbrio econômico-financeiro e atuarial exigido pela Lei.

Segundo o artigo 3º, ela está exercendo o papel do Estado, especificamente:
II – disciplinando a apuração de resultados das EFPC e a correção de desequilíbrio financeiro
III – estabelecendo padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial
Segundo o artigo 5º, ela está normatizando atividade da EFPC.
O artigo 18 manda o órgão regulador e fiscalizador fixar critérios, a serem anualmente usados pela EFPC, a fim de estabelecer o valor da contribuição.
Já o Decreto 4.678/03 diz que a CGPC destinava-se a exercer a regulação, a normatização e coordenação das atividades das EFPC estabelecidas na LC 109.

Há outros inúmeros locais onde a LC 109 manda ou supõe existir um ato normativo complementar: Art. 9ª caput e §1º, art. 13-§1º e 2º, art. 14 e, finalmente, o próprio artigo 18 e até mesmo o artigo 21, que trata da forma de eliminar o déficit.

Por tudo isso, concluo que a Resolução 26 se apresenta claramente como uma complementação da LC 109. E é exatamente isso que diz a SPC na Informação 58/2008/SPC/GAB/AG, ela foi editada para preencher lacuna da LC 109 que existiria na LC 109. Ela seria, portanto, um ato normativo ancilar, que o Ministro Gilmar Mendes diz não ser objeto de ADI. Um ato que adquire sentido, significado, em razão de outro que ele completa. Não seria, portanto, um ato autônomo.

domingo, 25 de março de 2012

177. O Dedo Na Ferida

Recentemente, foi dada publicidade à opinião de profissional de direito, credenciado por respeitáveis títulos acadêmicos e pela brilhante atuação junto aos tribunais do País, de que superávit apresentado por Entidade Fechada de Previdência Complementar (EFPC), como é a PREVI, é mera sobra de dinheiro, cujo destino cabe ser decidido com base no Direito Civil, de acordo com as normas que regem as relações contratuais e, portanto, de acordo com o Princípio da Equidade, que orienta dividi-lo entre Patrocinador e Participantes.

Este argumento de superávit, mera sobra de dinheiro, foi também um dos argumentos usados pela Secretaria da Previdência Complementar, na Informação nº 58/2008/SPC/GAB/AG , dirigida ao Senado Federal, em 24/12/2008, resposta ao pedido de esclarecimentos sobre a Resolução CGPC 26, formulado pelo Senador Álvaro Dias:
"SE DEPOIS AINDA HOUVER RECURSOS “SOBRANDO” NO PLANO, ...,SERÁ CONSTITUÍDA OUTRA RESERVA CHAMADA RESERVA ESPECIAL, CUJA FINALIDADE ÚNICA E EXCLUSIVA, É A REVISÃO DO PLANO, OU SEJA, O RESTABELECIMENTO DO EQUILÍBRIO DO PLANO, que, no máximo, poderá manter indefinidamente apenas o superávit da reserva de contingência de 25%.
...a lei considera o superávit que está na reserva especial uma verdadeira “anormalidade”... A lei não quer desequilíbrio, ela apenas o tolera por um curto lapso temporal: 3 anos."
" A análise atuarial demonstra que um Plano de Benefícios pode atingir montante tal de superávit que se mantenha superavitário até o seu término, mesmo extintas as contribuições.
Não é permitido que esse superávit permaneça no Plano por vários motivos:
A LC 109 não o tolera por mais de 3 anos consecutivos.
O SUPERÁVIT PERDE O VÍNCULO COM OS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS, RAZÃO DE SER DO FUNDO DE PENSÃO."

Em meados do ano passado, em Ofício 3565/2011/GABIN/DISUP/PREVIC dirigido à Câmara Federal, em resposta ao Requerimento de Informação nº 720, de 2011, de autoria do Deputado Chico de Alencar, registramos as seguintes perguntas e respostas:
Pergunta do Deputado
"Como são discriminados os valores patrimoniais superiores às necessidades de Reservas Matemáticas? É tudo superávit ou alguma coisa deve ser lançada como reserva? A criação dessas reservas é obrigatória ou é opcional?
Resposta da PREVIC
"A discriminação do superávit está prevista no artigo 20 da LC 109 que será composto de duas parcelas: a reserva de contingência e a reserva especial para ajuste do plano, conforme segue:
Art. 20. O resultado superavitário dos planos de benefícios das entidades fechadas, ao final do exercício, satisfeitas as exigências regulamentares relativas aos mencionados planos, será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de vinte e cinco por cento do valor das reservas matemáticas. (grifo nosso)
§ 1o Constituída a reserva de contingência, com os valores excedentes será constituída reserva especial para revisão do plano de benefícios."

Como se vê, o ilustre causídico e a SPC apelidam o superávit de sobras, aquele de sobras de dinheiro, esta de sobras de recursos sem vínculo com os benefícios previdenciários, razão de ser do fundo de pensão. Já a atual PREVIC limita-se a citar a LC 109, sem maiores considerações! Intrigante! Significativo? Não sei.

O que sei é que aqui estamos colocando o dedo na FERIDA do raciocínio falacioso do ilustre causídico e da SPC, que justifica essa falaciosa, perversa e absurda "Reversão de Valores" da Resolução CGPC 26.

Leiamos o artigo 19 da LC 109:
"As contribuições destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar.
Parágrafo único. As contribuições referidas no caput classificam-se em:
I - normais, aquelas destinadas ao custeio dos benefícios previstos no respectivo plano; e
II - extraordinárias, aquelas destinadas ao custeio de déficits, serviço passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal."

Aí está bem claro: O DESTINO DE TODAS AS CONTRIBUIÇÕES (AS NORMAIS E AS EXTRAORDINÁRIAS, acrescenta o parágrafo único) É A FORMAÇÃO DAS RESERVAS, DE TODAS ELAS, E TERÃO ESTA FINALIDADE: O PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS DE CARÁTER PREVIDENCIÁRIO. Por isso, todas essas Reservas se chamam RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS.

Superávit não é mera sobra de dinheiro. Não é dinheiro desvinculado do pagamento de benefício previdenciário, não. E AÍ ESTÁ A FERIDA SANGRENTA POR ONDE FLUI O PROCESSO FALACIOSO DESSE ARGUMENTO USADO PARA JUSTIFICAR A "REVERSÃO DE VALORES": SUPERÁVIT É SOBRA, SIM. MAS, NÃO É MERA SOBRA DE DINHEIRO. Dinheiro não tem carimbo. Mas, SUPERÁVIT É SOBRA DE RESERVAS E RESERVAS TÊM CARIMBO, SIM. ISSO É O QUE SIGNIFICA RESERVAS, em Contabilidade, Direito e Finanças: recursos com destinação determinada, que só podem ser gastos na finalidade determinada pelo autoridade competente, neste nosso caso pela LEI. Aqui, ESSE ARTIGO 19 O DECLARA TEXTUALMENTE: RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS, isto é, RECURSOS QUE SÓ PODEM SER GASTOS NO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS.

Quando o LEGISLADOR redigia este Artigo 19, ele já estava antevendo o que ia prescrever logo adiante no Artigo 20 e, por isso, encerrou este artigo 19, com aquela observação preciosa: "observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar." Quais são as principais e mais imediatas ESPECIFICIDADES PREVISTAS NESTA LEI COMPLEMENTAR?

Exatamente o que prescreve o Art. 20, caput e §1º: as reservas excedentes irão formar as Reservas de Contingência e, excesso superior a 25%, a Reserva Especial para revisão do PLANO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. Eram sobras de RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS MATEMÁTICAS e CONTINUAM RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS, cada tipo de reserva com sua especificidade, RESERVA PREVIDENCIÁRIA de Contingência e RESERVA PREVIDENCIÁRIA Especial! ONDE A LC 109 DIZ QUE A RESERVA ESPECIAL DEIXOU DE SER RESERVA PREVIDENCIÁRIA?

"Nos termos do artigo 19 da LC 109, as CONTRIBUIÇÕES entram numa EFPC transformando-se em RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS: RESERVAS MATEMÁTICAS PREVIDENCIÁRIAS, RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS DE CONTINGÊNCIA E RESERVA ESPECIAL PREVIDENCIÁRIA. Esta Reserva Especial só diverge das outras porque já pode ser totalmente gasta na forma de benefício previdenciário, é claro. E esta é a CARACTERÍSTICA, A NATUREZA DA RESERVA ESPECIAL: RECURSOS PREVIDENCIÁRIOS PARA DESEMBOLSO IMEDIATO!!! Atente-se bem. Este é o nome, RESERVA ESPECIAL, que a própria LC 109 confere ÁS SOBRAS DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS, e ainda adiciona PARA REVISÃO DO PLANO DE BENEFÍCIO, isto é, reforça a destinação dada ao artigo 19, a saber, para ser gasto com o Plano de Benefícios PREVIDENCIÁRIOS. Pode-se ser mais claro? Estas sobras são RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS: elas têm o carimbo de RECURSOS DESTINADOS A BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS!Isso tudo está dito no contexto da LC 109 e explicitamente no Artigo 19.

É delicioso ler a própria resposta que a PREVIC deu à seguinte pergunta formulada pelo Deputado Chico de Alencar: "Podem benefícios ser pagos a patrocinadores?"
Resposta da PREVIC: "Não, uma vez que os benefícios previstos no regulamento do plano de benefícios são pagos exclusivamente aos seus participantes."
Pronto. Acabou-se "Reversão de Valores". A própria PREVIC sepultou-a.

Permitam-me encerrar estas considerações pedindo a atenção para outro assunto polêmico, mas correlato, tanto que usado pela SPPC, naquele Ofício em resposta às perguntas do Deputado Chico de Alencar: "Existe limite máximo legal para aumento de benefício?"
A PREVIC responde: "Não, dado o caráter contratual e privado da previdência complementar fechada, observados os limites de solvência e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial, previstos na LC 109."

E a SPPC (para corrigir a PREVIC?!) fez questão de esclarecer o seguinte:
"Ressalte-se que a Reserva Especial não é destinada exclusivamente à melhoria de benefícios, sendo essa uma das possibilidades de sua utilização haja vista que as reservas foram constituídas por patrocinadoras, participantes e assistidos para atender as compromissos CONTRATADOS."

Esta afirmação é graciosa. Nada no texto da lei a autoriza. Ao contrário, ela afronta o texto da Lei. A Lei, já demonstramos em artigo anterior, aplica o PRINCÍPIO DA EQUIDADE onde pode e deve ser aplicado, isto é, no lado das CONTRIBUIÇÕES, onde o Patrocinador, mesmo o de DIREITO PÚBLICO, ingressa porque lhe interessa, a fim de comprar, através desse PRÊMIO, precisamente EXIMIR-SE DE INGRESSAR NAQUELA OUTRA RELAÇÃO, a saber, a DE RESPONSABILIZAR-SE POR BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS, aposentadoria e pensões. Essa responsabilidade ele lançou nos ombros da EFPC, mediante um contrato de natureza securitária. A RESPONSABILIDADE DE ADMINISTRAR E PAGAR BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS É RESPONSABILIDADE SOLITARIA DA EFPC. As Contribuições entram na EFPC transformando-se em PROPRIEDADE PRIVADA da EFPC, mesmo que sejam contribuições de entidades do DIREITO PÚBLICO. PATROCINADOR NÃO É SÓCIO DA EFPC. Não participa dos resultados da EFPC e, por isso, não há razão alguma para se falar de PRINCÍPIO DE EQUIDADE. A EFPC é a proprietária solitária das RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS. PARA ISSO EXATAMENTE ELA FOI CRIADA PELA LEI E PELO LEGISLADOR. Ufa! Tem coisa mais clara?! NÃO EXISTE PATROCINADOR DE EFPC. EXISTE PATROCINADOR DE PLANO DE BENEFÍCIOS, através de um contrato, de natureza securitário, entre uma EMPRESA com uma EFPC.

E quanto aos benefícios CONTRATADOS, que ressalta a SPPC, esses benefícios, observe-se antes de qualquer outra coisa, só podem ser PREVIDENCIÁRIOS, por tudo que expusemos acima e, como vimos, a própria PREVIC reconhece. Portanto, NÃO PODEM SER PAGOS A PATROCINADOR, pessoa jurídica. Claro que os benefícios têm um limite contratual, mas, não legal, como bem o afirmou a PREVIC. E como até a própria SPPC reconhece, esse limite contratual pode ser aumentado, tanto que a própria SPPC advoga-lhe a distribuição da metade do superávit pelos participantes, sob o disfarce de "Reversão de Valores". Se pode ser aumentado da metade do valor do superávit, por que não pode pela sua integralidade? Isso não tem lógica.

Assim, esse argumento de sobras de recursos para justificar a "Reversão de Valores" é falacioso (é um raciocínio falso que simula a veracidade), é perverso (em desacordo com a Constituição e as LC 108 e 109) e é absurdo (destituído de lógica).

sexta-feira, 23 de março de 2012

176. A Resposta da Diretoria Técnica da PREVIC

O colega Juarez Barbosa acaba de publicar em seu blog a resposta, dada pela Ouvidoria da PREVIC agora, em 19.03.2012, à mensagem que o colega João Rossi Neto endereçara, em fevereiro último, àquela instância do órgão fiscalizador das atividades das EPC, denunciando o compartilhamento do superávit das EFPC com o Patrocinador.

Aquela Ouvidoria responde através de um texto elaborado pela Diretoria de Análise Técnica da PREVIC, que considero deva constituir o mais autorizado órgão na ciência do Direito Previdenciário no Brasil. Eis porque me interessou ler detidamente aquela explanação da justificativa da "Reversão de Valores", instituída pela Resolução CGPC 26. O processo explicativo adotado segue o roteiro que orienta esta análise.

Texto da Ouvidoria

1. A Resolução 26 do CGPC disciplinou "as condições e os procedimentos a serem observados pelas entidades fechadas de previdência complementar na apuração de resultado, na DESTINAÇÃO e utilização de superávit e no equacionamento de déficit dos planos de benefício de CARÁTER PREVIDENCIÁRIO que administram", na conformidade das atribuições que lhe conferiram os "3º, 5º e 74 da LC 109" e "o artigo 1º do Decreto 4678/2003... vindo a regulamentar, em um CONTEXTO DE CRISE ECONÔMICA, o disposto nos artigos 20 e 21 da LC 109."

Análise

1.1.O artigo 3º da LC 109 invocado enumera os objetivos da ação do Estado em matéria de Previdência Complementar. Nada fala de "Reversão de Valores" e muito menos confere poder de legislar ao CGPC.

1.2.O artigo 5º da LC 109 diz: "A normatização, coordenação, supervisão, fiscalização e controle das atividades das entidades de previdência complementar serão realizados por órgão ou órgãos regulador e fiscalizador, conforme disposto em lei, observado o disposto no inciso VI do art. 84 da Constituição Federal."
Já a CF-84-VI diz o seguinte: "Compete privativamente ao Presidente da República dispor, mediante decreto, sobre organização e funcionamento da administração federal..." De fato, o Presidente da República, mediante o Artigo 1º do Decreto 4678/2003, conferiu ao CGPC, o poder de "...exercer as competências de regulação, normatização e coordenação das atividades das entidades fechadas de previdência complementar, estabelecidas na Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001."
Está claro que esse conjunto de legislação trata apenas da criação da CGPC com autoridade para REGULAR, NORMATIZAR E COORDENAR AS ATIVIDADES DAS EFPC. A CGPC não foi criada para LEGISLAR, nem podia.

1.3.O Art. 74 da LC 109 apenas confere à CGPC esses três poderes, até que a regulamentação fosse baixada: "Até que seja publicada a lei de que trata o art. 5o desta Lei Complementar, as funções do órgão regulador e do órgão fiscalizador serão exercidas pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, por intermédio, respectivamente, do Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC)..."
1.4.Como se vê, todos esses artigos de Lei citados não tratam de "Reversão de Valores". Apenas se reportam ao fato administrativo futuro de publicação de uma REGULAMENTAÇÃO que oriente a aplicação da Lei e a consecução dos objetivos para o que essa Lei foi editada.

1.5. Fixemos, logo de início, um princípio INQUESTIONÁVEL e CONSTITUCIONAL: " Artigo 5ºda CF: "II - NINGUÉM SERÁ OBRIGADO A FAZER OU DEIXAR DE FAZER ALGUMA COISA SENÃO EM VIRTUDE DE LEI."
Miguel Reale explica: "Lei, no sentido técnico desta palavra, só existe quando a norma escrita é constitutiva de direito, ou, esclarecendo melhor, quando ela introduz algo de novo com caráter obrigatório no sistema jurídico em vigor, disciplinando comportamentos individuais ou atividades públicas... somente a lei, em seu sentido próprio, é capaz de inovar no Direito já existente, isto é, de conferir, de maneira originária, pelo simples fato de sua publicação e vigência, direitos e deveres a que todos devemos respeito." (Lições Preliminares de Direito,pg.163) Isto é, Lei é a norma que gera direitos e obrigações. Noutros termos, direitos e obrigações só são gerados através de Lei. Lei e "direitos e obrigações" são irmãos siameses, que nem bisturi separa!...

1.6. Ora, em todo o Capítulo II, da Seguridade Social, inclusive na Seção IIII, da Previdência Social, do Título VIII, da Ordem Social, não existe a mínima referência a "Reversão de Valores", nem mesmo o menor vestígio desse instituto. Ao contrário, ali se estabelece no Artigo 193: "A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais". Esses princípios, o do PRIMADO DO TRABALHO e o do BEM ESTAR E JUSTIÇA SOCIAIS, emolduram todo arcabouço da Constituição Federal, de tal forma que dela o Título VIII, da Ordem Social, é o COROAMENTO. A Constituição Brasileira foi elaborada pelo Povo Brasileiro para organizar uma sociedade que, através do TRABALHO, alcance o BEM ESTAR E A JUSTIÇA SOCIAIS. A Justiça Social é a justiça da EQUIDADE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. O indivíduo, seja ele qual for, instruído ou ignorante, ético ou aético, operoso ou ocioso, legal ou criminoso, hígido ou incapacitado, tem direito aos recursos necessários para a sobrevivência. E isto é exatamente o que faz a Previdência Social: o cidadão brasileiro, enquanto hígido, com a colaboração do empregador, do Governo e da Sociedade, paga um prêmio (a contribuição) para que na época da incapacidade, obtenha da sociedade o benefício da sobrevivência, na forma de prestação continuada, de natureza protetora, substitutiva alimentar, em seu conceito mais amplo. TUDO AQUI É FLUXO MONETÁRIO COM UMA ÚNICA DIREÇÃO, A DIREÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL, DE QUEM TEM RENDA (SOBRETUDO O LUCRO) PARA QUEM NÃO TEM RENDA (A PESSOA FÍSICA, INCAPACITADA DE TRABALHAR). Descrevem-no, de forma límpida, os cinco incisos do Artigo 201 da Constituição Federal. Não existe a menor ideia de que a direção do fluxo monetário seja o inverso: de quem não tem renda para quem o tem, e sobretudo para quem o tem na forma de LUCRO.
A mesma coisa se verifica nas Leis Complementares 108 e 109. Inexiste qualquer alusão a "Reversão de Valores".
Logo, a "Reversão de Valores" é um falso direito e uma falsa obrigação, porque não foram criados pela Constituição nem pelas Leis Complementares 108 e 109. Logo, esse direito e essa obrigação não existem. A Resolução CGPC 26, que a criou, não tem o poder de legislar, que compete ao Poder Legislativo. É como orienta Miguel Reale (ibidem): "A essa luz, não são leis os regulamentos ou decretos, porque estes não podem ultrapassar os limites postos pela norma legal que especificam ou a cuja execução se destinam. Tudo o que nas normas regulamentares ou executivas esteja em conflito com o disposto na lei não tem validade, e é suscetível de impugnação por quem se sinta lesado. A ilegalidade de um regulamento importa, em última análise, num problema de inconstitucionalidade, pois é a Constituição que distribui as esferas e a extensão do poder de legislar, conferindo a cada categoria de ato normativo a força obrigatória que lhe é própria."

1.7. Aquele trecho da resposta da PREVIC diz que a Resolução CGPC 26 disciplinou "as condições e procedimentos... na DESTINAÇÃO... de superávit.. dos planos de benefício... de CARÁTER PREVIDENCIÁRIO..., vindo a regulamentar, em um CONTEXTO DE CRISE ECONÔMICA, o disposto nos artigos 20 e 21 da LC 109."
É precisamente aqui, nesta localização da DESTINAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES NESSES DOIS ARTIGOS CITADOS, QUE SE INICIA O PROCESSO FALACIOSO DO ARGUMENTO JUSTIFICATIVO DA LEI, (desculpem, me equivoquei!) DA RESOLUÇÃO CGPC 26. Há um equívoco: os artigos 20 e 21 da LC 109 não tratam da destinação do superávit, absolutamente. Eles apenas disciplinam como a EFPC deve se comportar na ocorrência de superávit e de déficit: COMO SE PROCESSA O REEQUILÍBRIO DE UM PLANO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS DESEQUILIBRADO POR SUPERÁVIT ou DÉFICIT.
A destinação das reservas (recursos) da EFPC já foi dada em artigos anteriores, sobretudo, em termos indiscutíveis, pelo artigo 19, que estabelece o DESTINO DAS CONTRIBUIÇÕES E DAS RESERVAS:
"As contribuições destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar.
Parágrafo único. As contribuições referidas no caput classificam-se em:
I - normais, aquelas destinadas ao custeio dos benefícios previstos no respectivo plano; e
II - extraordinárias, aquelas destinadas ao custeio de déficits, serviço passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal."
Aí está bem claro: O DESTINO DE TODAS AS CONTRIBUIÇÕES (AS NORMAIS E AS EXTRAORDINÁRIAS, acrescenta o parágrafo único) É A FORMAÇÃO DAS RESERVAS, DE TODAS ELAS, E TERÃO ESTA FINALIDADE: O PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS DE CARÁTER PREVIDENCIÁRIO. Por isso, todas essas Reservas se chamam RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS.
Superávit não é mera sobra de dinheiro. E AÍ ESTÁ O SEGUNDO PASSO DO ARGUMENTO FALACIOSO QUE É USADO PARA JUSTIFICAR A "REVERSÃO DE VALORES": SUPERÁVIT É SOBRA, SIM. MAS, NÃO É MERA SOBRA DE DINHEIRO. Dinheiro não tem carimbo. Mas, SUPERÁVIT É SOBRA DE RESERVAS E RESERVAS TÊM CARIMBO, SIM. ISSO É O QUE SIGNIFICA RESERVAS, em Contabilidade, Direito e Finanças: recursos com destinação determinada, que só podem ser gastos na finalidade determinada pelo autoridade competente, neste nosso caso pela LEI. Aqui, ESSE ARTIGO 19 O DECLARA TEXTUALMENTE: RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS, isto é, RECURSOS QUE SÓ PODEM SER GASTOS NO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. Nos termos do artigo 19 da LC 109, as CONTRIBUIÇÕES entram numa EFPC transformando-se em RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS: RESERVAS MATEMÁTICAS PREVIDENCIÁRIAS, RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS DE CONTINGÊNCIA E RESERVA ESPECIAL PREVIDENCIÁRIA. Esta Reserva Especial só diverge das outras porque já pode ser totalmente gasta na forma de benefício previdenciário, é claro. E esta é a CARACTERÍSTICA, A NATUREZA DA RESERVA ESPECIAL: RECURSOS PREVIDENCIÁRIOS PARA DESEMBOLSO IMEDIATO!!! Isso tudo está dito no contexto da LC 109 e explicitamente no Artigo 19.

1.8.Diante de tanta evidência, ainda não me dou o direito para me permitir entender que os inegavelmente doutos cientistas do Direito, da Diretoria de Análise Técnica da PREVIC, se tenham sentido tão desconfortáveis nessa empreitada da justificação da "Reversão de Valores" que, com a alusão ao CONTEXTO DE CRISE ECONÔMICA, hajam invocado o bem maior da Pátria para que os aposentados e pensionistas aceitem, para salvação da coletividade, na forma de uma atitude de EXCEÇÃO, o sacrifício do compartilhamento do superávit com o Patrocinador!... Não se constata esse espírito patriótico de renúncia assim tão difundido pela sociedade brasileira, mesmo na camada mais esclarecida e dirigente!... É ou não um fato óbvio?! E quer dizer que a "Reversão de Valores" só vale em época de crise econômica? Em época de boom econômico, o superávit não é compartilhado com o Patrocinador? Não consigo ler essa restrição em parte alguma da Resolução CGPC 26!

1.9. Está, portanto, claramente estabelecido que é o artigo 19, e não os artigos 20 e 21 da LC 109, que cogita da destinação dos recursos dos Planos de Benefícios, que são RESERVAS (isto é, dinheiro com destino determinado, certo, definido) PREVIDENCIÁRIAS (isto é, dinheiro que só pode ser gasto na forma de benefício previdenciário, AQUELE ELENCO DE BENEFÍCIOS DESCRITOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, na forma de prestações de natureza protetora, substitutiva alimentar). Reserva Especial não é sobra de dinheiro. É sobra de Reserva Previdenciária e como tal tem destinação definida por Lei: ser gasta no pagamento de benefícios previdenciários. Está ou não está patente tudo isso?

2. E o que é "disposto nos artigos 20 e 21 da LC 109"? Ei-los em sua íntegra:
"Art. 20. O RESULTADO SUPERAVITÁRIO dos planos de benefícios das entidades fechadas, ao final do exercício, satisfeitas as exigências regulamentares relativas aos mencionados planos, será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de vinte e cinco por cento do valor das reservas matemáticas.
§ 1o Constituída a reserva de contingência, com os valores excedentes será constituída reserva especial para revisão do plano de benefícios.
§ 2o A não utilização da reserva especial por três exercícios consecutivos determinará a revisão obrigatória do plano de benefícios da entidade.
§ 3o Se a revisão do plano de benefícios implicar redução de contribuições, deverá ser levada em consideração a proporção existente entre as contribuições dos patrocinadores e dos participantes, inclusive dos assistidos.
Art. 21. O RESULTADO DEFICITÁRIO nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar.
§ 1o O equacionamento referido no caput poderá ser feito, dentre outras formas, por meio do aumento do valor das contribuições, instituição de contribuição adicional ou redução do valor dos benefícios a conceder, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador.
§ 2o A redução dos valores dos benefícios não se aplica aos assistidos, sendo cabível, nesse caso, a instituição de contribuição adicional para cobertura do acréscimo ocorrido em razão da revisão do plano.
§ 3o Na hipótese de retorno à entidade dos recursos equivalentes ao déficit previsto no caput deste artigo, em consequência de apuração de responsabilidade mediante ação judicial ou administrativa, os respectivos valores deverão ser aplicados necessariamente na redução proporcional das contribuições devidas ao plano ou em melhoria dos benefícios.

Texto da Ouvidoria

A respeito desses dois artigos da LC 109, aquela resposta da Diretoria de Análise Técnica da PREVIC, prossegue com a seguinte explanação:
"Na LC nº 109/2001, o legislador expressou que tanto para destinação de superávit como para equacionamento de déficit, deverá ser observada a proporção existente entre as contribuições dos patrocinadores e participantes, inclusive assistidos."

Análise

2.1. Aqui está um novo passo dado no desenvolvimento falacioso desse argumento. Onde esses dois artigos tratam da DESTINAÇÃO DO SUPERÁVIT? E PRINCIPALMENTE ONDE ELES DIZEM QUE O SUPERÁVIT DEVE SER GASTO EM BENEFÍCIO DE PATROCINADORES E PARTICIPANTES? ONDE?
Para se evidenciar essa argumentação falaciosa e ideológica (para usar adjetivo que a SPC, o órgão fiscalizador antecessor da PREVIC, em Informação ao Senado no ano de 2008, para desvalorizar-lhes o entendimento, pretendeu pespegar naqueles que divergiam da sua interpretação), vamos fazer rápida leitura sistêmica desses dois artigos 20 e 21.
2.2. A CF-Art.202 manda: "O REGIME DE PREVIDÊNCIA PRIVADA, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, BASEADO NA CONSTITUIÇÃO DE RESERVAS QUE GARANTAM O BENEFÍCIO CONTRATADO, E REGULADO POR LEI COMPLEMENTAR."
2.3 A LC 109, conhecida como a Lei Básica da Previdência Complementar (LBPC), organizou da seguinte forma:
- o RPC é executado por Entidades da Previdência Complementar - EPC - (Art.2º)
- Reconheceu dois tipos de EPC: as Entidades Fechadas de Previdência Complementar e as Entidades Abertas de Previdência Complementar. (Art. 4º)
- A característica diferenciadora da EFPC da EAPC é que nestas, sempre sociedades anônimas, qualquer cidadão pode ingressar, enquanto naquelas apenas os empregados podem ingressar, ou os cidadãos de determinada profissão ou grupo social. (Art. 36 e Art.31)
- Estas EFPC ostentam outras características importantes:
- Institui e executa os Planos de Benefícios Previdenciários (Art.2º e 32)
- § 1o As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos. (Art.31)
- deverão manter estrutura mínima composta por conselho deliberativo, conselho fiscal e diretoria-executiva.(Art.35)
- participante é a pessoa física que aderir aos planos de benefícios. (Art.8º)
- assistido, o participante ou seu beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada.(Art.8º)

- Como se vê, a EFPC, sobretudo na forma de sociedade civil sem fins lucrativos, como é a PREVI, é juridicamente livre, independente, autogovernada. Ela é autônoma. É dirigida por si própria, pelo seu Conselho Deliberativo. Não pertence ao Patrocinador, nem é dele subsidiária, NEM COM ELE FORMA UM GRUPO ECONÔMICO! O empregador é Patrocinador de um Plano de Benefícios Previdenciários. NÃO É PATROCINADOR DA EFPC. É tão afirmativa a personalidade jurídica da EFPC que Wladimir Novaes Martinez afirma: "A individualidade das duas pessoas jurídicas autoriza débitos e créditos de ambas as partes e até possibilidade de cobrança executiva. Enquanto mantido o elo protetivo..., subsiste o elo obrigacional civil. (Curso de Direito Previdenciário, pg.1263)
- Que elo protetivo é esse? É o "convênio de adesão a ser celebrado entre o patrocinador ou instituidor e a entidade fechada, em relação a cada plano de benefícios por esta administrado e executado, mediante prévia autorização do órgão regulador e fiscalizador, conforme regulamentação do Poder Executivo." (Art.13) O EMPREGADOR É PATROCINADOR SOMENTE DE PLANO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. E por que a Lei assim o faz? PARA QUE O EMPREGADOR NÃO SEJA RESPONSÁVEL PELO PAGAMENTO DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS, não seja responsável pelo pagamento de aposentadorias e pensões! Ele faz um contrato, de característica securitária com a EFPC. Fica responsável pelo pagamento do prêmio (contribuição igual à do Participante no caso da PREVI) e a RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DOS BENEFÍCIOS RECAI TODA SOBRE A EFPC! É tão atrativo esse contrato que pode até acontecer que, em determinadas épocas, nem necessário seja o pagamento do prêmio, já que a boa administração e as circunstâncias favoráveis da Economia podem permitir que o Plano de Benefícios se mantenha simplesmente com a renda das aplicações no Mercado Financeiro!
- Por fim, a LC 109 determina, para cumprir a CF-Art.202 (reservas garantidoras do benefício contratado) e para respeitar a característica de entidade sem fim lucrativo da EFPC, que os planos de benefícios devem apresentar "EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO E ATUARIAL".(Art.7º)

2.4. Estamos agora em condições de entender esses dois artigos 20 e 21 da LC. A EFPC tem a obrigação de administrar um Plano de Benefícios de modo que ele sempre se apresente EQUILIBRADO, isto é, as RESERVAS TÊM QUE APRESENTAR O MESMO VALOR QUE OS BENEFÍCIOS CONTRATADOS. É claro que a imprecisão dos negócios não garante que essa meta seja permanentemente cumprida. Numa EFPC administrada com a meta do equilíbrio, algumas vezes ocorrerá equilíbrio, outras vezes superávit e outras vezes déficit. Uma boa administração sempre administrará a aplicação de reservas para que se alcance sempre algum superávit. Essa é medida básica para que se obtenha o mais frequentemente o equilíbrio. Não interessa ao Participante, nem a EFPC e muito menos ao Patrocinador que o Plano de Benefícios apresente déficit. Isso significa aumento de Contribuição, aumento de despesas para Participante e Patrocinador. É por isso que o Art. 20 começa tratando do superávit.

2.5. E o que ele prescreve? ELE NÃO PRESCREVE O DESTINO DESSE SUPERÁVIT. Isso, como vimos já foi feito antes, especificamente pelo art. 19, quando disse que na EFPC só existem RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS. O Art. 20 diz apenas como se REEQUILIBRA UM PLANO DE BENEFÍCIOS DESEQUILIBRADO PELO SUPERÁVIT. Manda gastar distribuindo benefícios? Não. Estabelece uma medida de prudência: AS SOBRAS DE RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS ATÉ O CORRESPONDENTE A 25% DAS RESERVAS DE EQUILÍBRIO FICARÃO RETIDAS. Ter-se-ão, assim, dois tipos de reservas, AS RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS MATEMÁTICAS (reservas=benefícios contratados) e RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS DE CONTINGÊNCIA (um colchão de garantia para as reservas matemáticas). Mas, ainda existem SOBRAS DE RESERVAS! O que fazer com esse excesso de RESERVAS sobre as RESERVAS DE CONTINGÊNCIA? Podem-se gastar em benefícios? O Art. 20 continua: não. Faça-se a REVISÃO DO PLANO DE BENEFÍCIO.

2.6. O que é fazer a revisão de um Plano de Benefício? É tomar as providências necessárias para que ele se REEQUILIBRE. E como ele se reequilibra? Reduzindo o ingresso de recursos, isto é, reduzindo ou suspendendo as Contribuições, ou gastando a Reserva Especial com benefícios previdenciários. E o Art. 20 diz mais: "SE A REVISÃO DO PLANO DE BENEFÍCIOS IMPLICAR REDUÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES, deverá ser levada em consideração a proporção existente entre as contribuições dos patrocinadores e dos participantes, inclusive dos assistidos." (Art.20-§3º)

2.7. Localiza-se exatamente aí o passo nevrálgico da argumentação falaciosa da PREVIC! O Art. 20 está, com toda a evidência, utilizando o PRINCÍPIO DE EQUIDADE! Está ou não está? Está. Mas... com UMA CLARÍSSIMA RESTRIÇÃO, a saber, SOMENTE para quando se promove o REEQUILÍBRIO MEDIANTE A REDUÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO, SOMENTE NESSE CASO. E por que a LC está fazendo questão de colocar aqui, quando se faz o reequilíbrio pela lado da Contribuição, o mandato explícito do respeito ao PRINCÍPIO DA EQUIDADE? Porque, no caso do DESEQUILÍBRIO SUPERAVITÁRIO, é ONDE UNICAMENTE ELE PODE APLICAR-SE.
Atente-se bem. Quando você fecha a torneira das Contribuições, deixa de entrar recursos na EFPC, RECURSOS QUE HAVIAM SIDO PREVISTOS NO CÁLCULO ATUARIAL PARA EQUILIBRAR O PLANO DE BENEFÍCIO. Assim o nível das Reservas Matemáticas SE DESFALCA E DESEQUILIBRA. As Reservas de Contingência, então, também baixam de nível transformando-se em Reservas Matemáticas, até o valor necessário para reequilibrá-las. E, por fim, a Reserva Especial igualmente baixa de nível, transformando-se em Reservas de Contingência, podendo até esgotarem-se. A Reserva Especial, dessa forma, se extingue, é consumida no reequilíbrio do Plano de Benefícios, sem DESEMBOLSO DE RESERVAS, SEM PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS, SEM SAÍDA DE RESERVA PARA VANTAGEM, isto é, BENEFÍCIO DE NINGUÉM, DE NENHUM ASSISTIDO. Quando se faz o reequilíbrio do desequilíbrio superavitário VIA CONTRIBUIÇÃO, NÃO SAI RESERVA DA EFPC, NÃO SAEM RECURSOS DA EFPC. É EXATAMENTE O CONTRÁRIO QUE ACONTECE: NÃO INGRESSAM RECURSOS, ELA NÃO RECEBE RECURSOS!
Quando, porém, se processa o reequilíbrio via CONSUMO DA RESERVA ESPECIAL NA FORMA DE PAGAMENTOS, EXISTEM SAÍDAS DE RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS DA EFPC PARA VANTAGEM, BENEFÍCIO DE ALGUÉM. EXISTE UM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. Já vimos o que significa RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS, BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. Já vimos que EFPC foi criada para ADMINISTRAR E PAGAR BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. Já vimos que BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO SÓ PODE SER PAGO A ASSISTIDO, isto é, PARTICIPANTE, PESSOA FÍSICA LEGALMENTE QUALIFICADO. Já vimos que BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO É UMA PRESTAÇÃO CONTINUADA PROTETORA, SUBSTITUTIVA ALIMENTAR e, portanto, SÓ PODE SER PAGA A PESSOA FÍSICA, que vive, isto é, nasce, trabalha, se alimenta, adoece e morre. Logo, A RESERVA ESPECIAL NÃO PODE DE FORMA ALGUMA SER GASTA EM PAGAMENTOS AO PATROCINADOR, PESSOA JURÍDICA, que não vive!
Sinceramente, há coisa mais óbvia?! Pode haver controvérsias a respeito desta conclusão?! Existe paralelo entre o reequilíbrio via Contribuição e o reequilíbrio via DESEMBOLSO DE RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS?! Existem neste último caso, dois tipos de possíveis beneficiários, um pessoa física, pessoa jurídica o outro, como existem no caso do reequilíbrio via Contribuição, um contribuinte pessoa física, e um contribuinte pessoa jurídica?! Existem?! Ora, se não existem, NÃO HÁ O MENOR SENTIDO APELAR PARA O PRINCÍPIO DE EQUIDADE, entre Patrocinador e Participantes no caso do REEQUILÍBRIO DO DESEQUILÍBRIO SUPERAVITÁRIO VIA DESEMBOLSO DA RESERVA ESPECIAL! Atente-se bem. Este é o nome, RESERVA ESPECIAL, que a própria LC 109 confere ÁS SOBRAS DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS, e ainda adiciona PARA REVISÃO DO PLANO DE BENEFÍCIO, isto é, reforça a destinação dada ao artigo 19, a saber, para ser gasto com o Plano de Benefícios PREVIDENCIÁRIOS. Pode-se ser mais claro? Estas sobras são RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS: elas têm o carimbo de DESTINADOS A BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS! "Reversão de Valores" é falácia, perversão e absurdo! Poderia parar por aqui. Mas, continuemos a trajetória traçada pelo raciocínio da Diretoria de Análise Técnica da PREVIC.

3. Texto da Ouvidoria.

"Na LC nº 109/2001, o legislador expressou que tanto para a destinação do superávit como para o equacionamento do déficit, deverá ser observada a proporção existente entre as contribuições dos patrocinadores e participantes, inclusive assistidos. Seja, ... o patrocinador público será chamado a custear metade de eventual resultado deficitário. Portanto, igual tratamento é dado no caso de resultado superavitário - a outra face do princípio da paridade contributiva -, de modo que é vedado ao patrocinador público renunciar à parte dos recursos que lhe cabem, uma vez que, assim como o déficit, em última instância, é custeado por toda a sociedade, a ela deve-se restituir eventuais sobras de recursos..."

3.1. Não sei onde a Diretoria da Análise Técnica da PREVIC leu na LC 109 essa aplicação assim tão generalizada do PRINCÍPIO DA EQUIDADE. Nem mesmo encontro essa aplicação na LC 108, a que se destina a disciplinar o funcionamento das EFPC ligadas a entidades de direito público. Leio EXCLUSIVAMENTE NOS ARTIDOS 20 e 21 da LC 109, A APLICAÇÃO RESTRITA DO PRINCÍPIO DA EQUIDADE NO CASO DE DESEQUILÍBRIO DEFICITÁRIO e NO CASO DE DESEQUILÍBRIO SUPERAVITÁRIO PARA EFEITO DE REEQUILÍBRIO VIA CONTRIBUIÇÕES.
Por que? Por vários motivos. Já vimos este, a saber, porque TODO RECURSO QUE ENTRA NUMA EFPC É RESERVA PREVIDENCIÁRIA, que só pode ser gasta com BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS, cuja CARACTERÍSTICA É DESTINAR-SE A PESSOA FÍSICA PARA SUA SOBREVIVÊNCIA E, portanto, CONSTITUI UMA PERVERSÃO O DESEMBOLSO DELA PARA UMA PESSOA JURÍDICA! Existe algo mais claro?! Mas, há outros argumentos que desautorizam essa aplicação generalizada do Princípio da Equidade, apresentada pela PREVIC.

3.2. Vamos aceitar que foi a SOCIEDADE ou o PODER PÚBLICO que completou a Contribuição para formar as Reservas da EFPC. Na verdade, mesmo no caso de EFPC ligada a entidades de direito público, quem a completa é um EMPREGADOR ou uma ASSOCIAÇÃO DE CLASSE. Ele separa parte do seu patrimônio e TRANSFERE PARA A PROPRIEDADE da EFPC. A partir daí o que pode ele mais exigir? Pode ele exigir participar dos resultados da administração da EFPC? Os resultados da administração de uma pessoa jurídica pertence a ela. E o Patrocinador não é sócio da EFPC. A EFPC não é subsidiária do Patrocinador. Não há o mínimo elo de contrato econômico com o Patrocinador. O superávit não é lucro. O superávit DEVERIA SER UM ACIDENTE DE ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA. O PRÓPRIO CAPITAL QUE O EMPREGADOR, pessoa de direito público, TRANSFERE PARA A EFPC SE TRANSFORMA EM PATRIMÔNIO PRIVADO, pertence a pessoa do direito privado. Sinceramente, essa argumentação me soa a tentar produzir EFEITOS ESPETACULARES PARA IMPRESSIONAR.

3.3. Por vezes, esse argumento se apresenta da seguinte forma: O SUPERÁVIT É RESULTADO DO ESFORÇO DE AMBOS, PATROCINADOR E PARTICIPANTE; logo, DEVE SER REPARTIDO ENTRE OS DOIS. Se esse esforço de ambos significa a Contribuição de ambos, é verdade. Mas, a partir do momento em que a Contribuição entra na EFPC, ela deixa de ser contribuição e passa a ser propriedade da EFPC. Esse patrimônio pode ser mantido, acrescido ou desperdiçado. Por quem? Pela EFPC. Quem, de fato, faz o sucesso da EFPC é ela. E O PATROCINADOR NÃO QUER TER RESPONSABILIDADE NENHUMA NISSO. Só existe EFPC PARA LIVRAR A CARA O PATROCINADOR NA GESTÃO E NA CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS. Ele quer ter todas as vantagens de ter empregados satisfeitos e tranquilos, devotados ao trabalho, sem preocupação com o futuro próprio e dos dependentes, APENAS PAGANDO O PRÊMIO DO SEGURO DA APOSENTADORIA E PENSÃO DELES. E, quem sabe?, talvez até reduzindo cada vez mais o valor dessa Contribuição, ou até mesmo dela prescindindo! A verdade é que 60% ou mais dos recursos das EFPC são resultado da administração financeira delas!

3.4. Não quero me alongar mais nesta manifestação de inconformidade com a explicação dada pela Diretoria de Análise Técnica da Previc. Não quero, todavia, encerrar esta minha contestação sem demonstrar o terrível prejuízo social que pode resultar do desvio administrativo provocado por essa "Reversão de Valores". Admitida a "Reversão de Valores", a EFPC se tornará uma fábrica disfarçada de lucro para o Patrocinador e outras pessoas físicas e jurídicas, às custas da paulatina, injusta e encoberta compressão dos benefícios previdenciários. No mundo de hoje, a Era do Conhecimento, nada disso acontecerá sem prejuízo para a sociedade. Daí, o sábio Artigo-3º-VI: "A ação do Estado será exercida com o objetivo de... proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios."

terça-feira, 20 de março de 2012

175. Princípios de Ordenação de uma EFPC

Princípios de ORDENAÇÃO de uma EFPC, Patrocinada Pelo Poder Público e Suas Empresas

A EFPC deve ser organizada na conformidade da Constituição Brasileira (o mapa do consenso da sociedade brasileira) e das Leis brasileiras, particularmente das Leis Complementares 108 e 109 (Lei Básica da Previdência Complementar).

Todas as normas emanadas dos Ministérios do Governo Brasileiro, para ordenação do Regime Previdenciário, devem conformar-se às supracitadas normas (CF-Art.5º-II).

O Estatuto Social e o Regulamento Básico da EFPC devem conformar-se a todas essas supramencionadas normas do Estado Brasileiro (CF-Art.5º-II).

A EFPC é um instituto do Regime da Previdência Complementar, caracterizado como pessoa jurídica autônoma sem fins lucrativos, criada pela Patrocinadora no ventre do Regime Privado Complementar ao Regime Geral Básico Público da Previdência Social (LC 109, art.31-§1º).

A Patrocinadora cria a EFPC como instrumento de elevação do nível de qualidade dos empregados e para se retirar da relação Pagamento de Benefícios. Este é o único benefício, porque não previdenciário, compatível com a natureza da Patrocinadora: reduzir ao máximo, até a extinção, o prêmio do contrato previdenciário, a saber, a sua Contribuição para a EFPC, a sua parte no prêmio contratado (LC 109-Art.19).

A EFPC destina-se a constituir e administrar Reservas Previdenciárias, desembolsadas na forma de benefícios previdenciários, direito adquirido pelo Participante na época de atividade, mediante pagamento de Contribuições dele e do Patrocinador à EFPC, prêmio de natureza securitária, com base em contrato, de caráter securitário, entre o Participante, a Patrocinadora e a EFPC (LC 109, art. 2º, 9º, 13, 19, 32 e 35-§5º e §6º).

Benefícios Previdenciários são prestações continuadas de reservas previdenciárias, de natureza protetora e securitária, alimentar e substitutiva, desembolsadas na época de inatividade legal a Participante Assistido, pessoa física, ou, após sua morte, ao beneficiário por ele designado, também pessoa física (CF-Art.201 e 202).

As Contribuições, todas elas, as normais e as extraordinárias, ingressam na EFPC transformando-se em RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS (salvo, aquela diminuta parcela destinada ao pagamento das despesas administrativas em geral) e RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS só podem ser gastas no pagamento de benefícios previdenciários (LC 109-Art.19).

A RESERVA ESPECIAL é reserva previdenciária e só se distingue das demais - Reservas Matemáticas e Reservas de Contingência - por esta característica: pode ou deve ser imediatamente exaurida, ou mediante redução das Contribuições ou mediante distribuição na forma de benefícios previdenciários (LC 109-Art.19 e 20).

A RESERVA ESPECIAL é instituto da PREVIDÊNCIA SOCIAL, técnica protetora, cujo objetivo é melhorar e estabilizar a situação dos trabalhadores(CF-Art.201 e 202; LC 109-Art.19 e 20).

O valor da prestação continuada deve corresponder ao pactuado no seu contrato de trabalho, no dia do seu ingresso na Patrocinadora, agregando-se as melhorias que ocorrerem ao longo do período de atividade, e jamais assimilando as restrições (CF-5º-XVII,XXXVI e CLT-Art. 468; C.TST-Súmula nº51,I), ou, no caso de ingresso posterior às LC 108 e 109, o que for estabelecido nos Estatutos e no Regulamento Básico, na conformidade LC 109-Art.7º, 17 e 21 e LC 108-Art.3º-II-Parágrafo Único.

Respeitado o princípio básico do Direito Previdenciário - o direito ao benefício é adquirido através do pagamento do prêmio da Contribuição -, a Reserva Especial deverá também respeitar o Princípio de Solidariedade, promovendo, quando possível, a melhoria dos Assistidos colocados nos mais inferiores níveis de benefícios (CF).

EFPC é pessoa jurídica autônoma, sem fins lucrativos, instituto do Regime de Previdência Complementar. Não é subsidiária da Patrocinadora. Não forma grupo econômico com a Patrocinadora. Não é administrada pela Patrocinadora. O poder de gestão da EFPC é detido pelo seu Conselho Deliberativo, Diretoria Executiva e Conselho Fiscal (LC 109-Art. 6º, 13, 21 e 31-§1º e LC 108-Art.10 e 13).

A administração dos recursos da EFPC deve ser orientada unicamente nesta direção: atingir e manter o EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL, sem pretender alcançar lucro para si nem para a Patrocinadora (CF-Art.202, LC 109-Art.7º, 18, 20 e 21 e LC 108-Art.29).

Os objetivos da participação da Patrocinadora nos órgãos diretivos da EFPC são os seguintes:
garantir que a EFPC está sendo administrada da melhor forma possível de atingir o citado EQUILÍBRIO, e que promoverá o seu único interesse na EFPC, a saber, não aumentar o valor do prêmio, até mesmo reduzi-lo ou extingui-lo (LC 109-Art.20 e 21);
realizar com a mais alta perfeição a sua obrigação legal de supervisionar as atividades da EFPC, de modo que o objetivo previdenciário seja alcançado, para o bem da EFPC, da Patrocinadora, da sociedade e dos Participantes e Assistidos (LC 109, Art.41-§2º e LC 108-Art.25).

As RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS são patrimônio, propriedade, da EFPC e, portanto, dos Participantes e Assistidos (LC 109-Art.2º e 19).

A repartição igualitária do poder de gestão entre Patrocinadora e Participantes indica que o Estado Brasileiro quer que a EFPC seja administrada por consenso entre Empregador e Empregados e que esse consenso é possível, se ambas as partes se guiarem unicamente pelo interesse de ver realizado o objetivo para o qual a EFPC foi criada: proporcionar benefícios previdenciários (LC 109 e 108).

O voto de qualidade conferido pelo LC 109 à Patrocinadora não lhe confere o direito de dirigir a EFPC, muito menos de submetê-la aos seus interesses, mas é o mais eficaz instrumento para dar cumprimento ao seu dever legal de supervisionar a administração da EFPC, a fim de coibir abusos administrativos, que ponham em risco o equilíbrio financeiro e atuarial, bem como evitar que se eleve o nível do prêmio, em lugar de se alcançar sua redução (LC 109 e 108-Art.10 e 13).

quinta-feira, 15 de março de 2012

174. O Senso Comum, a Filosofia e a Ciência

O indivíduo humano sobrevive graças à sensação da necessidade de utilizar os meios que lhe fornecem sobrevida e de evitar aquelas circunstâncias que lha podem impedir. Todas essas informações, ele as capta, de forma consciente ou inconsciente, através da atividade mental, da MENTE, que abarca a totalidade da atividade do sistema nervoso, ao longo de todo o corpo, desde o cérebro até as extremidades dos dedos das mãos e dos pés, interna e externamente, utilizando-se de toda essa aparelhagem natural que denominamos sentidos. E a única forma de ligação da MENTE com o EXTRA MENTE é a captação pelos sentidos da energia emitida pelo conjunto de coisas que constituem o ambiente onde ela, a MENTE, se insere.

Estimulada pelos estímulos energéticos provenientes do ambiente, a MENTE elabora um mapa, uma imagem, um modelo de si própria e do ambiente onde se insere. Esse modelo do MUNDO, do UNIVERSO, da EXISTÊNCIA está em permanente transformação, desde a geração do indivíduo até a sua morte. O SENSO COMUM é esse MODELO DO UNIVERSO, que cada indivíduo forma na vida prática do dia a dia, e fornece-lhe condições de guiar-se na existência, tomar as suas decisões a todo o instante e sobreviver. Qualquer conhecimento nada é mais que isso: comparar uma imagem atual (que agora se elabora) de alguma coisa com aquela do MAPA DO UNIVERSO que temos na MENTE.

É claro que jamais poderemos dizer que possuímos a imagem exata do que as coisas são. Jamais poderemos dizer que a imagem que delas tem o MODELO MENTAL, ELABORADO PELA MENTE, seja exatamente igual àquilo que a coisa é. O Modelo mental é uma imagem subjetiva, depende de cada indivíduo. O modelo mental de Madona não é igual ao de Gandhi, que não é igual ao de Carla Bruni, que não é igual ao do Papa, que não é igual ao da mendiga das ruas do Rio de Janeiro, que não é igual ao de Bill Gates, que não é igual ao da índia dessas raras tribos isoladas de silvícolas amazônicos. O MODELO MENTAL de uma pessoa absolutamente sã jamais será igual ao de um cego, ao de um surdo, ao de um deficiente mental. Lembremo-nos, para respeitá-los, deficientes mentais existem que veem pessoas que não vemos e com elas até dialogam!

Da mesma forma é a FILOSOFIA. O conhecimento filosófico também é um MODELO MENTAL. E não podia ser diferente, porque essa é a forma como a MENTE se comunica com o UNIVERSO, é a forma como a MENTE funciona. A diferença do conhecimento filosófico para o conhecimento do senso comum reside nas matérias que perquire e na característica crítica que o distingue. A Filosofia se ocupa de assuntos cujo conhecimento confere ao indivíduo a capacidade de se situar, de se identificar e de se encontrar nesse imenso torvelinho de coisas que compõem o UNIVERSO. Ela se ocupa de investigar as características que distinguem os fenômenos que nos cercam. Por exemplo, o que é a existência? a existência carrega algum sentido, alguma finalidade? o Universo teve começo? tem fim? é eterno? o que é a Ciência? o conhecimento tem alcance limitado ou é ilimitado? o que é a Arte? o que é o Bem? o que é a Justiça? O conhecimento filosófico pretende ser um modelo o mais simples possível, o mapa mais singelo possível e o mais claro, o mais evidente, com que se expliquem os fenômenos mais fundamentais da existência com o máximo de rigor racional, com a maior coerência, um conhecimento sistêmico que explique a Natureza, o Universo. Um mapa, um modelo que se ajuste aos fatos proporcionados pela Natureza, através de observações rigorosas e do estudo da herança científica e cultural que as gerações precedentes nos legaram.

A Ciência, como o Senso Comum e a Filosofia, também é um MAPA, um MODELO de toda a Natureza ou de parte dela, o mais simples e evidente possível, expresso em linguagem matemática, matematicamente coerente e sistêmico, ornado da precisão matemática e comprovado pela experimentação. Através desse Modelo do Universo, que é a Ciência, somos capazes de oferecer explicação tal para os fenômenos que constituem o Universo que, conhecidas com precisão as circunstâncias atuais onde nos encontramos, temos condições de prever as circunstâncias em que no futuro nos acharemos, assim como de reconhecer como as coisas se apresentavam no passado.
Todos esses conhecimentos são relativos e subjetivos. Valem como instrumento de sobrevivência, de Vida e de Existência. Esses conhecimentos são valiosos porque são instrumentos úteis para a sobrevivência humana ou porque tornam mais esclarecida a existência humana. Não são valiosos porque ostentem a característica da VERDADE, isto é, porque o MAPA seja a reprodução fiel da REALIDADE. Essa característica, infelizmente, não temos condição de afirmar que o conhecimento humano possua.

terça-feira, 6 de março de 2012

173. A Origem do Cosmos

Estamos habituados a colocar a origem do Universo no coração de Deus. Lá, nos longínquos milênios que antecederam a Jesus Cristo, a lenda dos povos da Ásia Menor descreveu como Deus criou o Universo, por etapas, utilizando-se apenas de sua palavra mágica imperiosa: “Faça-se”. O quarto Evangelho, ao final do primeiro século da Era Cristã, afirmou que no princípio só existia o Verbo. Verbo, logos em Grego, é a palavra. É também o conceito, o inteligível, o que se coaduna, o que se agrega, o que se organiza. Para os Israelitas, portanto, no início só existia a energia organizadora, Deus. O próprio autor do quarto Evangelho explica-o: e o Verbo era Deus. Logo a seguir, o mesmo Gênesis nos revela um Deus artífice que tudo faz utilizando-se da matéria bruta e informe, como o imaginavam os filósofos do Iluminismo.

A ideia de que o universo é gigantesca máquina organizada dominou o pensamento grego desde os primórdios da Grécia. Os grandes filósofos gregos estavam imbuídos da ideia de que o mundo era um Cosmos, isto é, gigantesco e organizado complexo de coisas.

Eles estavam evidentemente influenciados pela própria tradição de sua cultura, que sorviam no berço junto com o leite materno, através das explicações fornecidas pela mitologia grega. A primeira ideia curiosa nessa crença grega de um mundo cósmico consiste em colocar exatamente a origem do Universo no Caos, ao contrário, portanto, da explicação hebraica de situá-la numa mente portentosa. O Cosmo não foi criado nem mesmo gerado. O Cosmo não foi produzido do nada por um ser inteligente, um arquiteto portentoso, como afirmou Descartes e insistia Voltaire.

Não. Por mais absurdo que hoje isso nos pareça, para os inteligentes, mas crédulos gregos primitivos, o Cosmos, o gigantesco complexo de todas as coisas organizadas, originou-se exatamente do caos, do caos mais profundo que se possa imaginar. O mito grego afirma que no início só existia o Caos, um abismo insondável, um vazio ilimitado, uma vastidão incomensurável de impenetrável escuridão.

Ovídio, vate romano, pode-se dizer contemporâneo de Jesus Cristo, concebia o Caos como uma massa informe. Segundo Ovídio, portanto, antes só existia uma substância única e sem forma alguma. Não existiam os diferentes seres vivos, nem os diferentes elementos minerais, nem as diferentes partículas elementares da matéria. Diríamos hoje, tudo era o plasma, nada era distinto, tudo se confundia: era o Caos. Aliás, nem mesmo plasma existia. Só existia a mixórdia de todos os opostos, o poder ser, o nada prolífico, a energia, o poder de transformar-se.

A organização poderia surgir da mais completa desorganização, a ordem podia surgir da desordem, a regularidade da anarquia, o determinado do indeterminado, o ser do nada. E mais surpreendente ainda, esse caos infinito era um Deus, sem forma alguma. Tão sem forma que era explicado como um grande vazio, um abismo infinito, ilimitado, uma escuridão sem limites. Mas, era uma escuridão que apenas significava a completa invisibilidade pela carência de forma, uma escuridão metafórica. Escuridão muito maior que a da Noite, que só surgiu em seguida, e possui, de alguma maneira, alguma forma. Nem a forma da escuridão da Noite o divino Caos dos gregos possuía.

Mas, esse Caos era energia, força emanadora, energia produtiva. Era um Deus. E assim do Caos emanaram Geia e Eros. Geia, a Mãe-Terra, a fecundidade. Eros, a força de atração, a força fundamental do mundo, diz Junito de Souza Brandão. E o Caos, esse deus indefinido, sem a mínima forma e a mínima norma de ação, deu início ao processo de formação do Cosmos, o complexo gigantesco e organizado de todas as coisas.

E fico a sopesar a formidável potência imaginativa dos gregos, quando leio os atuais cosmólogos afirmando que no início somente existia toda a matéria hoje existente do Universo, sob densidade infinita, pressão infinita, temperatura infinita, condensada num ponto tão infinitamente diminuto que nem dimensão nem tempo existiam!

Aquele início é o INFINITO, o incomensurável, o inatingível pela Ciência, cujo poder de explicação se limita ao comensurável. Chega até o plasma, a matéria informe, sob a formidanda potência infinita de energia, o Big Bang, o primeiro fenômeno cósmico, na origem do Universo, captado mediante os instrumentos de experimentação existentes. Segundo a ciência atual, exatamente como para os primitivos gregos, o Universo tem origem num processo energético de evolução organizadora. E Energia que possui na Massa sua ambivalência.

A própria Matéria, pois, passa do caos, da anarquia, para a organização, passo a passo, cada vez maior, sob as forças de atração e repulsão, ao sabor das circunstâncias, que criam possibilidades que o acaso concretiza e consolida, ou não, por certo tempo.

O Cosmos seria auto-suficiente? Seria eterno? A Ciência experimental deteve-se no Caos, esbarrando na Massa infinita ou na Energia infinita, que seriam o mesmo. Esse, pelo menos no momento, é o limite no tempo para a Ciência. Mas, a especulação matemática tenta ultrapassar o Big Bang e investigar o próprio Caos, a energia infinita ou a massa infinita no ponto espacial infinitamente pequeno, antes mesmo da forma plasmática, isto é, sem forma. Energia cuja essência é processo, é movimento, é difundir-se, como o Caos, o deus primordial da mitologia grega. Se o Caos é o próprio processar-se, precisaria ele de princípio? Precisaria ser ele feito, criado? Ele é o próprio fazer-se, transformar-se, processar-se, devir. Ele seria auto-suficiente, como afirmou Spinoza.

Marcelo Gleiser descreve o Caos da seguinte forma: "...uma sopa borbulhante de geometrias, talvez até de todos os tipos possíveis de geometrias, coexistindo no infinito do multiuniverso... nosso cosmo teria surgido dessa sopa quântica, uma bolha com a combinação rara de constantes da Natureza que permitiria a matéria se organizasse gradativamente em estruturas cada vez mais complexas, incluindo formas de vida capazes de refletir sobre a sua existência... Talvez tudo venha mesmo de uma pequena região excêntrica do cosmo... para gerar o nosso Universo homogêneo, bastava que, numa região minúscula, num pequeno canto do cosmo, um campo escalar estivesse fora de sua posição de equilíbrio, feito uma bola no alto de uma ladeira... As equações da cosmologia mostram que, num campo escalar com pressão negativa com uma certa quantidade mínima de energia, pode facilmente inflar uma pequena região do cosmo numa bolha gigante que engloba todo o nosso Universo... No Modelo Padrão, o campo escalar é conhecido como Higgs, uma homenagem ao físico escocês Peter Higgs, que propôs seu papel como "doador de massa" das partículas... o campo escalar que alimentou a inflação cósmica foi, também, o primeiro antepassado da matéria, nosso ancestral comum." (Trechos do livro "Criação Imperfeita")