domingo, 27 de janeiro de 2013

240. A Reversão de Valores à Luz da Constituição

Tenho, na tela do computador, pormenorizado e responsabilíssimo trabalho jurídico, onde se estuda a legalidade da Reversão de Valores, criada pela Resolução CGPC 26/2008. A mais valiosa análise em defesa da Reversão de Valores que conheço.

O referido estudo rechaça a Reversão DIRETA de Valores, mas afirma que a lei autoriza a Reversão Indireta de Valores, a saber, aquela, mediante suspensão ou redução contributiva, ou, ainda, mediante pagamento do benefício, desde que mantida a paridade entre os valores correspondentes de cada grupo de contribuintes.

Afirma que essa Reversão de Valores Indireta está inscrita na Constituição Federal e nas Leis Complementares 109 e 108.

A Constituição Federal trata da Previdência Social nos seguintes artigos: 194, 195, 201 e 202. Em nenhum desses artigos, o leitor encontra referência a qualquer tipo de Reversão de Valores, quer direta quer indireta.

O estudo sob comentário diz que ela se encontra no §3º do último artigo citado. Eis a íntegra do artigo 202 da CF:

“Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

§ 1º A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de planos de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos.

§ 2º As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.

§ 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado.

§ 4º Lei complementar disciplinará a relação entre a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada, e suas respectivas entidades fechadas de previdência privada.

5º A lei complementar de que trata o parágrafo anterior aplicar-se-á, no que couber, às empresas privadas permissionárias ou concessionárias de prestação de serviços públicos, quando patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada.

§ 6º A lei complementar a que se refere o § 4º deste artigo estabelecerá os requisitos para a designação dos membros das diretorias das entidades fechadas de previdência privada e disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação.”

Ora, é óbvio que esta Contribuição do §3º não é as Reservas do caput do artigo 202. Aquela é um fato econômico de recebimento (receita) de valor e esta é um fato econômico de pagamento (despesa), fatos econômicos tão diferentes que são até opostos. Esse §3º trata de CONTRIBUIÇÃO, isto é, daquele negócio jurídico que só existe fora da EFPC, fato jurídico muito bem tipificado, a saber, parcela do patrimônio pessoal do Patrocinador ou do Participante, por eles apartado do patrimônio total e que está sendo entregue à EFPC para formação de seu patrimônio. Isso é óbvio. Portanto, essa paridade, nos estritos termos da Constituição Federal, não trata de Reversão de Valores, isto é, Reversão de Contribuição, seja de que tipo for, direta ou indireta, simplesmente porque no interior da EFPC só existe o patrimônio dela, isto é, outro negócio jurídico muito bem tipificado, o conjunto de seus direitos e obrigações com valor monetário, a sua propriedade com valor monetário, um conjunto juridicamente amorfo, apenas contabilmente separado por motivos administrativos em razão de preceitos regulamentares.

Isso, pois, que esse estudo apelida de Contribuição, o caput da Constituição Federal chama de RESERVAS, fato econômico e negócio jurídico bem diferente, porque até oposto, repitamos: “O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.” Logo, o §3º , portanto, não está tratando do que trata o caput.

Haja vista que o próprio texto sob reflexão diz que está tratando exatamente de a quem entregar a RESERVA ESPECIAL. E o próprio caput do artigo 202 da Constituição diz: entregam-se, gastam-se reservas pagando-se os benefícios previdenciários contratados. Que benefícios previdenciários constitucionais são esses? O artigo 201 da Constituição Federal elenca-os: todos de natureza alimentar, de subsistência. Quem pode receber um benefício previdenciário? Somente pessoa física, que nasce, cresce e morre, isto é, vive. Patrocinador, pessoa jurídica, portanto, não pode receber pagamentos que sejam gastos de reservas previdenciárias constitucionais. Benefício é uma vantagem. Claro que essa Reversão de Valores Indireta é uma vantagem recebida pelo Patrocinador, que o caput do artigo 202 proíbe, porque não é benefício previdenciário nem é a pessoa física admitida.

Noutras palavras, nos estritos termos da Constituição simplesmente, essa tese da REVERSÃO DE VALORES INDIRETA não se sustenta, a meu ver. Então, se essa Reversão de Valores Indireta é um instituto reconhecido pelo Direito Brasileiro, ele foi criado por Lei, não o foi pela Constituição Federal. É preciso estudar as Leis Complementares, portanto. Exporemos nossa opinião sobre a solidez dessa tese à luz das Leis Complementares, noutra oportunidade.

Concluindo, essa explanação sobre a Reversão de Valores Indireta, que estamos considerando, a meu ver, sofre restrições por três motivos:
- não a examina à luz de todas as normas constitucionais que tratam da Previdência Social;

- faz confusão conceitual entre fatos econômicos e negócios jurídicos diferentes, até opostos, a saber, Contribuição e Reservas Previdenciárias;

- estende às Reservas Previdenciárias aquilo que a norma constitucional claramente afirma apenas da Contribuição.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

239. Dialogando com Luis Dalton no Blog do Marcos

Prezado Luiz Dalton

Antes de manifestar minha opinião a respeito das questões que o amigo levantou, gostaria de manifestar-lhe uma vez mais minha grande admiração pela pessoa que você é e minha incontida decepção por você não ter sido recentemente escolhido pelos colegas para a administração de nossa Caixa de Previdência. Nós, os chamados Participantes da Caixa de Previdência, certamente saímos perdendo.

Mas, vamos às questões que o amigo coloca em debate. Meu foco, em tudo o que escrevi, nestes três anos sobre o instituto de Reversão de Valores, é exclusivamente demonstrar que ele é inovação ilegal e inconstitucional. Atenho-me à Constituição Federal e às Leis Complementares 109 e 108.

Quando escrevi o primeiro texto “O Superávit da Previ Sob o Foco da Lei”, o meu propósito era suscitar reação entre os colegas, associações de funcionários e ex-funcionários do Banco do Brasil, e as instituições, Banco do Brasil, Previ e Ministério da Previdência Social, na forma de um trabalho jurídico bem elaborado, que demonstrasse que eu estava equivocado.

Nada apareceu que me contestasse, apesar de minha meia centena de trabalhos já publicados, até meados de junho de 2011. Em meados de 2012, tomo conhecimento de duas manifestações das autoridades do Ministério da Previdência Social dirigidas, uma ao Senado Federal e outra à Câmara dos Deputados, em que, entendo, foram lançados todos os argumentos que se julgam fundamentar a normalidade jurídica da Reversão de Valores.

Infelizmente, na minha visão, esses documentos, como também as manifestações mais recentes, no decorrer do ano passado, em algumas palestras proferidas por aquelas autoridades, mutilam a lei, não detectam o mais íntimo significado da lei e desconhecem a própria estrutura dos principais fatos econômicos disciplinados pela LC 109. Penso que deixei minhas dúvidas muito patentes através daquele estudo, que publiquei em meu blog, sob o título “Perguntas Que Não Consigo Calar”, e que foi difundido por vários outros blogs de associações dos funcionários e ex-funcionários do Banco do Brasil.

Evito, portanto, discutir o embasamento filosófico, ético e social de nosso ordenamento político, porque, no meu entender, poderia desestruturar a força vinculante da lógica por mim adotada e que, afinal, é a que vale na fase presente do processo histórico do Estado Brasileiro.

Noutras palavras, entendo que as autoridades políticas deste País estão plenamente conscientes de que o artigo 5º-II da Constituição Federal as submete ao domínio da Lei e, como se expressou o eminente Ministro Celso de Mello, em memorável sessão do Supremo Tribunal Federal de lº de outubro do ano passado, de que “Somos governados por leis. Não somos governados por homens.”

Veja que o próprio artigo 202-§ 2º da Constituição Federal extingue a natureza trabalhista da contribuição do Patrocinador e dos contratos básicos da estrutura do Regime de Previdência Complementar: “As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.”

Óbvio que essa Emenda de 1998 foi inspirada por uma mentalidade neoliberal, então prevalecente na mente dos legisladores brasileiros e dos líderes políticos mundiais da ECONOMIA GLOBALIZADA, que ainda se acha entranhada no mundo capitalista de nossos dias, até na China, e fato impactante, o país progressista por excelência, conquanto, fato assombroso, sociedade e Estado comunistas! Essa mentalidade somente não ousou proceder a uma revisão clara e abrangente da mentalidade social que inspirou a Carta Magna do Estado do Bem Estar Social de 1988.

É exatamente essa chance que, na minha argumentação, não tenciono oferecer aos defensores da Reversão de Valores, a de discutir em bases escorregadias, porque constituídas de opiniões doutrinárias. Aprumo-me nos fundamentos imperativos da Lei, cujo poder de coação não se discute, limitando-se o debate ao esclarecimento imparcial e leal do sentido da Lei.

Atente também para o fato de que a segunda matéria, que você trouxe à baila, foi também atingida pelos remodeladores do Estado Brasileiro em 1998, e com QUATRO parágrafos do artigo 202 da Constituição Federal.

Mais do que eu, Dalton amigo, em razão de sua formação acadêmica simplesmente peregrina, você sabe que, nesta era após Kant, está consagrado o princípio da relatividade subjetiva da verdade e da certeza, imperando, nesta fase histórica presente, o princípio da abrangência maior e simplesmente da melhor explicação, do racionalismo crítico de Karl Popper. Afinal de contas, o conhecimento humano reduziu-se, com base nas ciências físicas quânticas e na neurociência, a mera fenomenologia. E a tal ponto que a Neurociência afirma que o mesmo indivíduo não possui do mesmo fato natural a mesmíssima imagem mental duas vezes que seja.

Por isso prefiro em tudo isso, guiar-me pelo processo cartesiano da marcha mental que passa das bases firmes das ideias claras e precisas para esclarecer na fase seguinte ideias confusas e imprecisas. Prefiro o método da hermenêutica jurídica, tendo como base as normas legais e como guia os princípios jurídicos.

Finalizando, caro Dalton, até creio que você tem tanta razão, que confesso que experimento a sensação de que todos esses parágrafos, introduzidos no artigo 202 da Constituição Federal, o foram exatamente com o propósito de impor decisões judiciais contrárias àquelas que os Juízes do Trabalho normalmente adotariam na ausência deles.

Mensagem do Dalton

Caro Edgardo,

Mais uma página primorosa vinda de sua erudição sobre o Regime da Previdência Complementar. Parabéns.

Ocorrem-me DUAS TESES que tenho defendido com ardor em todos os debates onde participo as quais submeto à sua judiciosa apreciação.

Primeiro: NÃO CONCORDO COM O ASPECTO DE O EMPREGADOR "CONTRIBUIR" PARA AS EFPCS. Isso é uma falácia. Na verdade, por força do contrato laboral "ab initio", firmado entre as partes, empregados e patrões, acertam-se, ADEMAIS DOS SALÁRIOS, OUTROS EMOLUMENTOS, OS CHAMADOS "SALÁRIOS INDIRETOS", ASSIM ESTATUÍDOS PARA ECONOMIAS NAS RESPECTIVAS FOLHAS DE PAGAMENO COM A OBTENÇÃO DAS ISENÇÕES DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS EVENTUALMENTE DAÍ DECORRENTES, BEM COMO DE ÔNUS FISCAIS. Essas "contribuições", REPITO "salários indiretos", naturalmente incluídos nas planilhas de custos das empresas ou empregadores são, obviamente, bancadas pelos "consumidores finais" de seus serviçoes e produtos no mercado.

Veja bem, eu disse "consumidores". Não é a sociedade como um todo que nos paga os complementos das pensões de aposentadoria a que fazemos jús. ESSES VALORES DEVEM SER BEM GERIDOS FINANCEIRA E ATUARIALMENTE E SÃO FRUTO DE POUPANÇAS ACUMULADAS POR NÓS, OS EMPREGADOS. Por ninguém mais.

Outra coisa que se precisa afastar do folclore elitista é a pecha de marajás e privilegiados que nos colaram, tal como a estrela de Davi tatuada nas roupas dos e nos judeus dos tempos do nazifascismo.

Segundo: OS EMPREGADORES NÃO SÃO "PATROCINADORES" DE NADA. De coisa nenhuma. Esse apodo é uma anomalia vinda da legislação inerente à matéria aqui tratada. Eles nos compram o trabalho que lhes prestamos. Desde há muito somos nada mais do que insumos de produção. Portanto, não lhes cabe "participar" na gestão dos valores que "nós", exclusivamente "nós", os empregados, entregamos em confiança à "guarda e gestão" das EFPCs. Sejam elas de empresas privadas ou públicas. Muito menos de receberem reversões daquilo para o qual não colaboraram. ISSO É UM ABSURDO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE VALORES DE OUTREM.

Assim, s.m.j., a LC 108 não só é inconstitucional como bate de frente contra o valor básico da isonomia coexistente entre direitos e deveres prevalecente entre empregados recebedores de salários. Sejam de companhias privadas ou de instituições públicas, mormente aquelas de economia mista, cujo corpo funcional também se aposenta sob o regime da previdência oficial. Os complementos de aposentadoria a que temos direito e de responsabilidade dos respectivos fundos de pensão de cada categoria de assalariado, em realidade, mera devolução "atualizada" daquilo poupado no decurso das vidas laborais de cada um de nós. Nada mais, nada menos. Não são privilégios, favores ou vantagens indevidas pagas com o "dinheiro do povo" como se acostumaram a nos apedrejar os sabujos da mídia venal, oligopolista, mercantil e corrupta, a serviço das elites da casa-grande que só olha para o próprio rabo.

Por último, cabe ao governo tão somente regular e fiscalizar a boa gestão das poupanças entregues às EFPCs, entidades jurídicas criadas por normas legais oriundas do poder do Estado. Se não o faz, prevarica. Comete crime de responsabilidade e deve pagar por isso.

No caso específico da PREVI, sequer temos um corpo social estabelecido, uma vez extinto por regras atrabiliárias e nitidamente inconstitucionais. Fato inusitado, jamais contestado pelo poder concedente.

Em última instância, por isso cabe a nós, exclusivamente, a gestão das EFPCs, quem sabe com a mera participação de eventual representante dos empregadores. Não mais que um no Conselho Deliberativo e outro no Conselho Fiscal. Não mais que isso.

Quem nos dera evitássemos novos casos semelhantes e emblemáticos como os dos AEROS e AERUS, das VARIG, TRANSBRASIL e VASP. Nossos companheiros dessas empresas falidas vivem hoje em estado de penúria pela incúria das autoridades reguladoras e fiscalizadoras da boa gestão dessas EFPCs.

Gostaria de ouvir suas sábias ponderações a respeito.

Abraços,

Luiz Dalton.





sábado, 19 de janeiro de 2013

238. O Contrato de Participação


Costumo insistir em que o mais importante artigo da LC 109 é o 19, porque ele é a versão legal do artigo 202 da Constituição Federal, aquele artigo da Lei Magna, que consagra o Princípio da Preservação do Nível de Subsistência na Fase de Decadência Física da pessoa humana. Esse famoso artigo 19, o estrategicamente olvidado!...

Existe, todavia, um conjunto de artigos herdados da Lei 4365, aquela que criou o Regime da Previdência Complementar, alguns lá meio escondidos entre tantos outros da LC 109, mas extremamente importantes. É que esse conjunto de artigos apresenta, com clareza meridiana, que a LC 109, como a Lei 6345 o foi, nada mais é, de fato, que elaborada engenharia legal para instituir uma relação de previdência complementar, que blinde o Empregador e seu patrimônio contra qualquer desastroso insucesso financeiro de sua especial participação no empreendimento da Previdência Social. Trata-se dos artigos 2º, 8º-I, 10º, 16-§2º, 31-§2º-II e, 32.

Esse conjunto de artigos é a arquitetura concebida pela engenharia jurídica da LC 109 com o fito de instituir a EPC, notadamente a EFPC, uma espécie de INSS do Regime de Previdência Complementar. É uma arquitetura jurídica calcada no modelo do Regime Geral da Previdência Social. A EFPC é o INSS, o Empregador e o Empregado são contribuintes, o Empregado é beneficiário e o Estado supervisiona. Claro que a arquitetura da LC 109 tem suas particularidades.

Mas, o importante é isto: o âmago da relação previdenciária consiste no Contrato de Participação, contrato de adesão do empregado ao Plano de Benefícios Previdenciários, instituído, gerido, executado e oferecido pela EFPC aos empregados de um ou vários Empregadores. Esse Contrato de Participação é negócio jurídico entre EFPC e Participante, o empregado. O sujeito passivo da obrigação de pagar contribuição é o Participante e o sujeito ativo do direito a receber a contribuição é a EFPC. O sujeito ativo do direito de receber o benefício previdenciário é o Participante e o sujeito passivo da obrigação de pagar o benefício previdenciário é a EFPC. A relação jurídica previdenciária no seu âmago é assunto ao qual o Empregador está ausente, porque quer estar ausente e também o Estado quer que fique dele afastado.

O relacionamento, portanto, do Participante com o Patrocinador é indireto, isto é, ele não reside na relação jurídica da previdência social. Esse relacionamento ocorre no papel exercido pela pessoa jurídica da EFPC. O Plano de Benefícios Previdenciários, instituído e oferecido aos empregados do Empregador pela EFPC, tem a este como Protetor, com um guarda-chuva de alcance protetor limitado, é claro, apresentando-se na roupagem jurídica de Patrocinador, mediante o Contrato de Patrocínio, que ele assinou com a EFPC.

Só isso, é somente isso mesmo: ele se relaciona com o Participante através da EFPC, porque garante que fará também a contribuição para que se forme o patrimônio da EFPC, SUFICIENTE para que a EFPC execute o Plano. Nada mais que isso, o SUFICIENTE e, por isso, a lei lhe confere o direito e a obrigação de supervisionar a gestão e execução do Plano de Benefícios Previdenciários.

Note-se que esse direito de supervisionar é chancelado com a mesma denominação que a LC 109 atribui ao Estado, a saber, supervisionar, fiscalizar. A LC 109, é óbvio, não atribui ao Estado poder de gestão de um Plano de Benefícios Previdenciários. Nem, igualmente, ao Patrocinador. A LC 109 confere aos participantes o direito de indicar pessoas de sua confiança para administrar a EFPC, pessoa jurídica autônoma, isto é, que se autogoverna. A LC 108, que legisla para EFPC ligadas a Patrocinadores da área estatal, manda que estes indiquem pessoas de sua confiança para participar na gestão da EFPC. É desvirtuar esse ordenamento pensar em submeter a EFPC aos interesses próprios do Empregador. Os indicados dele ali estão em razão do Patrocínio, na condição de profissionais da EFPC, imersos exclusivamente na gestão dos objetivos previdenciários da EFPC, que são interesses muito peculiares, a saber, previdenciários.

O Plano de Benefícios Previdenciários é como um ringue de boxe. Há inúmeros relacionamentos entre diversas pessoas jurídicas num Plano de Benefícios Previdenciários, como existe num ringue de box. A luta de box consiste, é óbvio, na relação direta entre os boxeadores. A luta de box é entre eles, é o que eles fazem. A vitória ou a derrota é consequência de seus sopapos. Mas, o resultado da luta depende também de alguém que nem dentro do tablado aparece, nem quer ali aparecer, nem mesmo pode ali se fazer presente: os juízes. Os juízes não lutam, apenas expressam a imagem que formaram do espetáculo: quem mais bateu, quem menos apanhou...

E é por isso que muitas vezes nos insurgimos contra os árbitros esportivos e nem as genitoras são poupadas... E essas santas, então, nada mesmo têm a ver com o ocorrido.






domingo, 13 de janeiro de 2013

237. Mensagem a Juarez Barbosa


Dileto amigo

Fiz a leitura do estudo sobre o Regime da Previdência Complementar que me foi por você sugerida. Como lhe noticiei em mensagem precedente, a leitura das primeiras folhas daquele trabalho me entusiasmou. Pareceu-me estar lendo trabalho de profundidade, objetividade e clareza peregrina.

Infelizmente não consegui manter essa opinião até o término da leitura. A partir de determinada altura do processo de exposição, o autor se limita a simples descrição da LC 109, sem demonstrar maior interesse por desenvolver considerações, que retirem da fria tessitura do documento legal orientações prenhes de valiosas contribuições para a existência do cidadão amparado pela Previdência Social Complementar.

Procurei investigar o autor. Ele próprio se apresenta alhures como Doutor Professor, com vários títulos acadêmicos nacionais, a partir de determinada data, sempre situado em estratos altos da pirâmide da estrutura administrativa do Estado, em geral na área de seguro e previdência complementar, já tendo sido secretário de nossa bem conhecida SPC.

Ali ainda no início do texto deparei-me com a seguinte afirmativa: só não pode ser contratado o que for proibido pela lei. Considero muito laxa essa formulação, até chocante. Os contratos constitutivos da relação de previdência complementar, - o Contrato de Patrocínio e notadamente este, o Contrato de Participação, que considero o âmago da relação jurídica da Previdência Complementar, - são todos de adesão, e o motivo básico, é exatamente esse: são contratos pactuados no ventre do Regime da Previdência Complementar. Isso quer dizer que, esses contratos se submetem às leis, ainda mais que um contrato em estado puro, porque esses contratos são considerados especiais pelo Estado.

Veja o que diz a respeito Wladimir Novaes Martinez: “Presença da vontade - .... (vontade do legislador)... (vontade da pessoa)... Afirmações... não absolutas, pois o contexto comporta, igualmente, conforme o ponto enfocado, disciplina com um deles ou ambos esses vieses.”
Mais adiante: “Só prevalece a vontade do legislador quando a do particular conflitar com o objetivo do sistema: propiciar benefícios complementares ao básico.”
“...o Estatuto Social e o Regulamento Básico...QUANDO EM CONSONÂNCIA COM A LEI BÁSICA e seu regulamento, postam-se acima destes na hierarquia das fontes formais.”
“Os princípios... EM FACE DA LEI DISPOSITIVA E EXPRESSA NADA SIGNIFICAM; porém, na omissão ou lacuna assumem importância, e nos seus limites, quando cabíveis, são instrumental ideal para cada caso.”
“NÃO SE PODENDO IDENTIFICAR COM O CONTRATO EM ESTADO PURO, praticamente inexistente, postado o vínculo a meia distância do contrato de adesão e da instituição, RESTA EXAMINAR AS REGRAS JURÍDICAS APLICÁVEIS À ESPÉCIE. Se típicas do direito privado ou as do direito público.”

O Dr. Sergio d’Andreia Ferreira, em estudo de profundidade incomparável sobre Previdência Complementar também insiste na limitação legal da autonomia da vontade das partes contratantes nos negócios jurídicos de Previdência Complementar.

Na minha opinião, vale a regra indicada pelo Ministro Luiz Fux, Ministro do Supremo Tribunal Federal:
“A população só tem segurança jurídica a partir do momento em que o magistrado se baseia ou na lei ou na constituição. É claro que essas leis, essas regras constitucionais, precisam ser interpretadas, mas a interpretação só se opera quando há uma dubiedade na lei.”

Mais adiante, o articulista afirma que a EFPC “jamais poderá ser considerada DONA do capital acumulado no plano..”. Acho isso estranho. Dr. Sérgio d’Andreia afirma, e explana sua tese com base em doutrina de Pontes de Miranda, que as EFPC têm patrimônio separado, patrimônio principal e patrimônio geral. Wladimir Novaes Martinez fala de rendimentos patrimoniais auferidos pelas EFPC. E a própria LC 109 no seu artigo 31-§3º manda: “§ 3º - Os responsáveis pela gestão dos recursos de que trata o inciso I do parágrafo anterior deverão manter segregados e totalmente isolados o seu patrimônio dos PATRIMÔNIOS do instituidor e da ENTIDADE FECHADA.” Veja bem, quem é pessoa jurídica, isto é, sujeito de direitos e deveres é a EFPC, não é o Plano de Benefícios Previdenciários. Ora, patrimônio é relação jurídica com expressão econômica, é obrigação ou direito. Só a EFPC, portanto, pode ser a DONA do patrimônio, que é esse negócio jurídico chamado RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS. Dona transitória, é clara, dona fiduciária, porque terá de entrega-las no futuro aos seus donos definitivos, a saber, os ASSISTIDOS.

Quero concluir com esta última consideração, exatamente sobre a esdrúxula Reversão de Valores. O articulista, embora tenha sido Secretário da SPC após 2008, a desconhecia em 2006, época em que redigiu essa explanação. A respeito do reequilíbrio do Plano de Benefícios Previdenciários, limitou-se a reproduzir os artigos 20, 21 e 22 da LC 109. Isso significa que ele, então ao menos, restringia os processos de reequilíbrio aos dois legais, ou via contribuição ou via gastos com benefícios... Isso revela que em 2006 ainda não se ventilava a possibilidade de entronizar a Reversão de Valores como uma faculdade jurídica. Assim, doutos palestrantes sobre Previdência Complementar ainda não ousavam enxerta-la em suas cultas palestras, como um dos dogmas da sã, evoluída e refinada doutrina do Direito Previdenciário Brasileiro...

Veja bem. Trata-se de uma explanação que merece leitura por certos esclarecimentos que fornece. Mas, creio, o articulista não teve maior preocupação em aprofundar a análise, já que, é evidente, que ele tem cultura para fazê-lo, se quisesse.

Seja como for, saída da lavra de um ex-secretário da SPC em 2006, sem nem tocar na Reversão de Valores, esse trabalho é muito significativo do caráter INOVADOR do instituto da Reversão de Valores... Ele é ilegal, inconstitucional, salvo mais doutos ensinamentos... com que espero um dia ser agraciado.