domingo, 27 de julho de 2014

297. O Representante do Ministério da Previdência Social

Neste texto estamos refletindo sobre a justificativa da legalidade do instituto da Reversão de Valores, apresentada pelo Ministério da Previdência Social, através do Dr. Carlos Marne Dias Alves, nomeado, neste mês de julho de 2014, suplente do representante da Secretaria de Políticas da Previdência Complementar junto ao Conselho Nacional da Previdência Complementar (CNPC), na Audiência Pública do Senado sobre o PDS 275, de autoria do Senador Paulo Bauer, realizada no dia 2 do corrente mês.  Segundo informações, que colhi na Internet, o Dr. Carlos Alves trabalha na área de Previdência Complementar do MPS desde o início deste século, pelo menos, onde vem ocupando posições de destaque.
A premissa de nossa análise é óbvia, fundada no princípio de Hermenêutica Jurídica, ensinada pelos Mestres da Ciência do Direito, e na norma constitucional da legalidade (artigo 5º-II- “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”), a saber, é ilegal a norma que manda fazer o que a lei proíbe fazer e também a que proíbe fazer o que a lei manda fazer. Por isso, o único método de se conferir a legalidade ou ilegalidade de uma norma é cotejá-la com a LEI.
MPS
“Primeiramente, destaco a importância do tema Previdência Complementar... Então, a tendência da Previdência Complementar e a importância dela, no segmento e na economia do País, crescem exponencialmente,... mas a cobertura da Previdência Complementar, em termos da população economicamente ativa, ainda é pequena... Então, temos pouco mais de em torno de 4% só da população coberta pela Previdência Complementar. E A PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR TEM ENCONTRADO UMA SÉRIE DE OBSTÁCULOS PARA O SEU CRESCIMENTO. ATÉ MUITAS VEZES EM FUNÇÃO DE REGRAS DE PROTEÇÃO TANTO DO PARTICIPANTE, QUANTO DO PRÓPRIO PATROCINADOR, PORQUE A PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR DEPENDE DO PATROCINADOR, existem duas formas de criação de um plano de benefícios: ou é via patrocinador, ou via instituidor. O instituidor é via sindicato, no qual o instituidor, em regra, não contribui para a Previdência do seu participante; e os planos patrocinados, que hoje em dia ainda são a maioria dos nossos planos patrocinados que pressupõem uma contribuição do patrocinador – então, essa é a lógica do funcionamento da Previdência Complementar.”
Minha apreciação
Não se trata aparentemente de justificativa do instituto da Reversão de Valores. Mas, é importante refletir sobre toda essa explanação. O amigo leitor encontrará neste blog um texto em que demonstrei minha preocupação com a informação, procedente de personagem que participara de um dos debates na SPPC que precederam à publicação da Resolução CNPC 11, de que se erigira por lá o argumento do BEM PÚBLICO para justificar a retirada do Patrocínio. E que esse BEM PÚBLICO se apresentava também sob a embalagem do mandamento legal (artigo 3º-VI da LC 109/01) do INTERESSE DO PARTICIPANTE. O que está aí dito pelo MPS, na minha opinião, confirma aquela informação. Por quê?
Porque é dito que REGRAS (que regras? legais?) de PROTEÇÃO DO PARTICIPANTE e até do PATROCINADOR estão prejudicando a expansão da Previdência Complementar. Essa regra perniciosa seria o artigo acima citado da LC 109, que proíbe claramente o instituto da Reversão de Valores? Qual é a dificuldade de manter a LC 109/01 TAL COMO ESTÁ (ao invés de violentá-la, INOVANDO através de uma Resolução) ou de alterá-la LEGALMENTE MEDIANTE OUTRA LEI?
O Empregador tem atualmente inúmeras opções de contratação de um Plano de Benefícios para os seus empregados: de Contribuição definida, de Contribuição e Benefícios Definidos, de Benefício Definido com contribuição apenas do Patrocinador, com contribuição somente do Participante (sem Patrocinador), com contribuição de ambos, com contribuição igual de ambos, com contribuição do Participante menor que a do Patrocinador e com contribuição do Participante maior que a do Patrocinador!... Então, essa proposta é claramente restritiva, porque elimina, vejam só!, a EFPC, isto é, exatamente um tipo de ENTIDADE VENDEDORA AUTORIZADA DE PLANOS DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS, e PRECISAMENTE A SEM FINS LUCRATIVOS! Todas passarão a ser EAPC! E tudo isso se faz, INOVANDO-SE, sem lei, simplesmente por uma Resolução do CNPC, ENTIDADE GOVERNAMENTAL SUJEITA À LEI TANTO QUANTO QUALQUER PESSOA NATURAL OU JURÍDICA DESTE PAÍS!
E quem se beneficia? O PATROCINADOR! Às custas de quem? Do PARTICIPANTE! Contra a LC 109/01 e contra inúmeros mandamentos da Constituição Federal (que só admite o fluxo de renda do CAPITALISTA PARA O TRABALHADOR, JAMAIS O OPOSTO), ATÉ CONTRA TODO O TÍTULO VIII! E o Patrocinador se beneficia enriquecendo-se ilicitamente, como vem ao longo do tempo demonstrando de forma inequívoca o nosso colega Ruy Brito, já que o Patrocinador repassa o custo de sua Contribuição para o mercado, esse que, por seu turno, é expandido, como o demonstram os modelos matemáticos econômicos (e o MPS aí reconhece), sob o influxo das aplicações financeiras das Reservas Previdenciárias. Sinceramente é muita violência contra o Estado de Direito, a meu ver!
MPS
Qual é o objetivo da Previdência Complementar? É o pagamento do ... benefício contratado. ...existem três modalidades de planos: um é benefício definido, no qual ele entra e já fica sabendo, de antemão, que todo o esforço contributivo dele e do patrocinador vai vir para no futuro, pode gozar de um benefício, quer seja a última remuneração, 80%, 50% da remuneração ou do salário de contribuição. E existe outra modalidade forte que é a de contribuição definida, que é a maioria dos planos que, hoje em dia, têm sido aprovados. Basicamente, são esses dois modelos, e existe um modelo híbrido, que combina um com o outro. Onde acontece superávit? É no modelo de benefício definido, no qual o participante faz um contrato previdenciário. Em geral, no plano patrocinado, as contribuições dele e do patrocinador são para atingir aquela meta. Então, ele contribui durante toda a sua vida laborativa, 30, 35 anos, 20 anos, o período em que ele estiver sob a proteção daquele plano de benefício, para chegar, no futuro, e ter condições daquele benefício contratado. O plano de benefício não é para dar nem superávit, nem déficit, não é para dar nem lucro, nem prejuízo. O plano de benefício tem que ser o suficiente para que ele faça jus ao benefício contratado. Se contratei um benefício de ultimo salário ou 70% de último salário, o meu plano, as minhas contribuições e os meus investimentos têm que visar o pagamento daquele benefício. A ocorrência de déficit ou superávit são exceções que devem ser equacionadas no decorrer do período. Então, se houver déficit, claramente está previsto na lei, vai ser feito um esforço contributivo maior, ou vai ser feita uma revisão do para plano de benefício.
Atualmente, não consigo mais fazer com as contribuições que tenho hoje em dia, ou eu aumento a contribuição, ou vamos rever para reduzir o benefício que hoje em dia está cada vez mais (...) reduzir o benefício, e hoje em dia está cada vez mais difícil se atingir essas metas. Por quê? Porque antigamente os fundos de pensão aplicavam muito em títulos públicos, que davam retornos extraordinários, e facilmente se cobria a meta atuarial – 6% era o mínimo, era o teto, mas facilmente se conseguia fazer uma projeção em torno disso.
Hoje em dia, com a economia dando certo, graças a Deus, os títulos públicos já não dão mais esse rendimento. Os títulos públicos hoje em dia já dão um rendimento inferior. Então, cabe ao patrocinador, à entidade, chegar para o seu participante e falar: "Participante, olha, para honrar, naqueles planos de benefício definido, para nós atingirmos aquela meta de pagar esse benefício em 60, em 50, ou a última remuneração, ou um valor qualquer pré-definido, nós vamos ter que aumentar a sua contribuição ou rever o seu benefício para reduzir os benefícios." Porque o dinheiro de um fundo de pensão tem limite, é aquele dinheiro tabelado. Ele faz o aporte e vai receber o benefício em função daqueles aportes que ele fizer.
Então, como vimos, o legislador fez a previdência – inclusive, hoje em dia, constitucionalmente, o fundo de pensão deve prever e buscar o equilíbrio financeiro e atuarial, não só os fundos de previdência, mas também os regimes próprios e o próprio regime geral. O equilíbrio financeiro e atuarial, ou seja, eu tenho que arrecadar, constituir as minha reservas, fazer os meus investimentos suficientes para que o plano seja equilibrado, não só agora como no futuro.
A Resolução nº 26 veio num momento, logicamente, em que nós estávamos com a economia dando mais certo, e começou a haver uma série de planos, ou alguns poucos planos, que começou a apresentar superávit demasiado, porque o legislador é sábio. Ele fez o seguinte: não basta só o equilíbrio; eu posso constituir uma reserva de até 25%. Ou seja, se eu vou ter que pagar 100, na verdade, eu posso constituir uma reserva de até 125. Passou disso, já consegue ser uma reserva especial. Essa reserva especial que é considerada superávit. Não é esse 101, ou 102, nem o 120. O que vai ser considerado superávit para ser eventualmente distribuído é o 127, o 128, o 130.”
Minha apreciação
Eis, portanto, o argumento justificador do instituto de Reversão de Valores, invocado pelo MPS: o Princípio do Equilíbrio, isto é, a Constituição Federal e a LC 109/01 MANDAM QUE SE ADMINISTRE O PLANO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS DEFINIDOS EXATAMENTE NO NÍVEL DOS BENEFÍCIOS CONTRATADOS. Logo, todo EXCESSO de recursos é uma ANOMALIA, um ERRO DE CÁLCULO FINANCEIRO e ATUARIAL. Logo, esse erro deve ser reparado. E é óbvio que só existe uma forma de reparar esse erro é a devolução do excesso de contribuição para os respectivos Contribuintes, Participantes e Patrocinador, assim como ambos devem arcar com o aumento de contribuição quando ocorre déficit.
É claro que tal argumentação até que COTEJOU o instituto de Reversão de Valores com alguns artigos da LC 109/01, por exemplo, com o artigo 7º, o artigo 20 e o artigo 21. Mas, não cotejou com o exato sentido desses artigos, nem com todos os artigos da LC 109/01 e com o claro sentido geral dela, e, muito menos, com aqueles que claramente esclarecem o assunto. Vejamos.
O artigo 20 da LC 109/01 quer que o equilíbrio do Plano de Benefícios Previdenciários seja considerado no nível do EXATO VALOR dos benefícios contratados? Noutras palavras, a Lei manda que no Plano de Benefícios nada mais exista que RESERVAS MATEMÁTICAS? Não, absolutamente não. O próprio palestrante diz aí que não! O artigo 20 admite QUALQUER EQUILÍBRIO permanente DESEQUILIBRADO (digamo-lo assim) até 25% acima do valor das Reservas Matemáticas! E sabe por quê, prezado leitor, porque a antiga Lei 6435 admitia aumento permanente do benefício previdenciário até esse valor! (Investigar o que dizia a lei anterior é uma norma básica de hermenêutica jurídica, o Dr. Marne sabe disso!). E mais, a própria Resolução CGPC 26 admite que o valor do benefício contratado pode ser aumentado permanente ou temporariamente. E o próprio setor técnico da antiga SPC, naquela resposta à Câmara dos Deputados, em razão de indagação do Deputado Chico Aguiar (já a analisei aqui no meu blog exaustivamente), reconhece que a LC 109/01 não limita o valor do benefício previdenciário contratado. E o próprio artigo 20 admite esse desequilíbrio temporário por até 3 anos, até em nível INDEFINIDO superior àquele de 25%. Então, prezado leitor, não me parece que o Princípio do Equilíbrio seja o paradigma que vá resolver essa questão de forma definitiva, como pretende o MPS!
Acho que o MPS deveria ter lido também o artigo 18 da LC 109/01. Lá a LEI MANDA que TODO ANO SE FAÇA MINUCIOSO PLANO DE RATEIO! PARA QUÊ? PRECISAMENTE PARA SE AQUILATAR O VALOR DA CONTRIBUIÇÃO NECESSÁRIA PARA EQUILIBRAR TODAS AS CONTAS DO PLANO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS, INCLUSIVE AS RESERVAS! E sabe como a LEI QUER QUE SE OBTENHA ESSE EQUILÍBRIO? SOMENTE DE UMA ÚNICA forma, a saber, FLEXIBILIZANDO-SE O VALOR DA CONTRIBUIÇÃO PARA MAIS OU PARA MENOS. Ela não dá outra forma de obtê-lo. Nem diz que em não conseguindo esse equilíbrio, é porque houve erro no cálculo e que esse erro deva ser corrigido. Não acha, caro leitor, que seria o caso de aí no artigo 18, a lei, se essa fosse a sua concepção sobre resultado excessivo, ter inserido o mandamento da REVERSÃO DE VALORES, como corretivo? E sabe por que não fez? A Lei 6435 oferece a pista da resposta, a saber, porque para as reservas de todos os Planos de Benefícios Previdenciários, até para os das EAPC (entidade capitalista, empresa, entidade que existe somente para isso, a saber, para LUCRAR), ela só tinha esse ÚNICO DESTINO, a saber, GASTAR NO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS!
É claro, prezado leitor, que é praticamente impossível (e a Lei sabe disso) que cálculos financeiros e atuariais para extensíssimos prazos sejam exatíssimos, e para a lei, portanto, esses DESVIOS INEVITÁVEIS NÃO SÃO ERROS, SÃO NORMALIDADE. Claro, se a taxa de contribuição contratada para o período foi de 5% e se pagou taxa de 8%, esse excesso de 3% deve ser devolvido, sem discussão. Nem é isso que está em debate. O que se está afirmando é que QUALQUER EXCESSO DE RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS, RESULTANTO DO VALOR CONTRATADO DA CONTRIBUIÇÃO, CONSTITUI RESERVA PREVIDENCIÁRIA QUE SOMENTE PODE SER GASTA NO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. Não se trata de erro, de anomalia. É Reserva Previdenciária tanto quanto a Reserva Matemática, e, portanto, só pode ser gasta no pagamento de benefícios previdenciários.
Mas, há um artigo, o artigo que os defensores do instituto da Reversão de Valores não lêem nem querem ler, a saber, o artigo 19, que TEXTUALMENTE PROÍBE O INSTITUO DA REVERSÃO DE VALORES (e a hermenêutica jurídica ensina que CONTRA O TEXTO DA LEI NADA VALEM OS PRINCÍPIOS jurídicos):
“Contribuições (todas elas) que são separadas como RESERVAS (quaisquer das três, matemáticas, de Contingência ou Especial) são separadas somente para isso, a saber, serem gastas no pagamento de benefícios previdenciários.”
 
Existem vários outros artigos, assim como toda a arquitetura da LC l09/01, que não se harmonizam com o instituto de Reversão de Valores, como venho demonstrando ao longo do tempo neste blog, e o pequeno círculo de meus leitores os conhece exaustivamente.
 
 
MPS
“Então, o que a Resolução nº 26 veio fazer foi disciplinar esse algo mais, esse 126, 127, considerando 100% o valor do benefício contratado, na hora de disciplinar como vai fazer para, no caso, equacionar esse superávit, porque o fundo de pensão – volto a frisar – é uma anomalia ter superávit. O fundo de pensão não é para ter superávit; o fundo de pensão é para ter equilíbrio financeiro e atuarial. O que fazer, então, quando der 127, 128, 130? Coube ao legislador, no caso ao Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), legislar e disciplinar esse assunto, que é uma anomalia que estava acontecendo naquele momento, que hoje em dia não está se repetindo mais, por uma série de fatores. Mas ao disciplinar esse momento, o que se faria com esse a mais, com esse 127, 128?”
Minha apreciação
Tudo bem. Acho que já demonstrei de modo IRRETORQUÍVEL que excesso de Reservas Previdenciárias acima das Reservas Matemáticas pode até ser considerado ANOMALIA MATEMÁTICA ou VERBAL, mas NÃO É ANOMALIA LEGAL, NÃO É ILEGALIDADE.
Acho também que já demonstrei de forma IRRETORQUÍVEL que QUALQUR excesso de RESERVA PREVIDENCIÁRIA acima da RESERVA DE CONTINGÊNCIA, por TRÊS ANOS CONSECUTIVOS, também NÃO É ANOMALIA LEGAL.
 
E discordo também do MPS, porque quem disciplinou o que fazer com esse EXCESSO DE RESERVA, a RESERVA ESPECIAL, foi a LC 109/01, e era obrigação do CGPC e é obrigação do CNPC obedecer à LEI, como qualquer cidadão brasileiro: ninguém nem o Presidente da República nem o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL está isento da obrigação de cumprir a LEI. Ao CGPC, pois, cabia disciplinar o que disciplinou a LEI, SEM NADA ACRESCENTAR QUE ELA CLARAMENTE PROÍBA, por exemplo, a Reversão de Valores.
 
MPS
“Adotaram-se três condições sucessivas: redução das contribuições, redução do pagamento integral e, num terceiro momento, melhoria do benefício ou reversão dos valores. A reversão dos valores seria a última instância. Então, teria que haver todas aquelas alternativas anteriores para depois chegar ao momento de reversão dos valores.’
Minha apreciação
Em primeiro lugar, existe aí nessa lista, como já vimos, um intruso legal, a saber, a Reversão de Valores. Ela é proibida pela LC 109/01 e, no artigo 19, de forma TEXTUAL!
E se o prezado leitor já leu a Resolução CGPC 26/08, acho que, como eu, não concordará que esse instituto seja ali PRESCRITO COMO ÚLTIMA FORMA de uma sequência de maneiras de EQUILIBRAR PLANO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS desequilibrado por excesso de reservas. Ele me parece preceder ao de melhoria de benefícios previdenciários, ou pelo menos ser concomitante.
E por fim, é incogitável que os defensores do instituto da Reversão de Valores não saibam que o excesso de valor do fato econômico e contábil de uma CONTA DE RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS (Reserva Especial) só admita uma ÚNICA FORMA PARA EQUILIBRAR-SE, a saber, GASTANDO AS RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS NO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. Mas, e a redução ou suspensão das Contribuições? O preciso efeito delas consiste apenas em EVITAR QUE O INGRESSO DE NOVAS CONTRIBUIÇÕES NA CONTA EVITEM O EFEITO ESVAZIADOR (equilibrador) DA SAÍDA DAS RESERVAS NO PAGAMENTO DOS BENEFÍCIOS!
Acho isso tão evidente que OFUSCA!
MPS
“Por que reversão dos valores? Principalmente para o que foi dito até pelo meu antecessor aqui: não existe vedação. Eu acredito que se o legislador quiser vedar, ele tem plena consciência de poder vedar essa reversão. Hoje em dia, não existe essa vedação, não se chegou a essa interpretação, fruto de uma série de pareceres jurídicos.”
Minha apreciação
Existe vedação sim, e textual, é o artigo 19 da LC 109/01, além de vários outros artigos e toda a estrutura dessa LC. Acho que o MPS faria profícuo trabalho de esclarecimento, se produzisse em computador a COLETÂNEA desses pareceres jurídicos e remetesse a todas as EFPC para que elas divulgassem entre os seus gestores, patrocinadores, participantes e assistidos. Assim, já que essa argumentação é tão definitiva a respeito da legalidade da Reversão de Valores, ficaríamos todos definitivamente esclarecidos sobre a legalidade desse instituto da Reversão de Valores e essa insatisfação, esse incômodo da ilegalidade seria para sempre sanado. Acho que a dignidade da pessoa humana nossa, dos Participantes, mereça essa atenção.
MPS
“Coube, então, a um conselho, um órgão colegiado, com representantes de todos os segmentos da sociedade disciplinar o que se faria nesse momento, sempre preservando, procurando preservar o que na própria legislação complementar existe: o interesse do participante, não o participante individual, mas a coletividade dos participantes como um todo. E não só os participantes atuais, como os futuros participantes.”
Minha apreciação
Certo o CNPC está aí exatamente para isso para REGULAMENTAR O QUE A LEI MANDA. Mas, esse poder de regulamentar tem esse limite, a saber, EXATAMENTE O ESPAÇO DA LEI. Ele não pode CONTRARIAR A LEI, NEM MESMO EXTRAPOLAR A LEI. O instituto de Reversão de Valores é ilegal, já o demonstramos, especialmente é CONTRA OS PRÓPRIOS TERMOS DO ARTIGO 19 da LC 109/01.
Não percebo como o instituto de Reversão de Valores, que TRANSFERE RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS DIRETAMENTE PARA LUCRO DE EMPRESAS POSSA SER CONSIDERADO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO E NÃO CUSTO PREVIDENCIÁRIO. Parece-me isso forçar de tal forma a lógica que OFUSCA e OFENDE A PRÓPRIA EVIDÊNCIA!
Ademais, o Patrocinador já possui FORTES INTERESSES na simples instituição da previdência para seus funcionários. Disso já sabia Otto Bismarck, segundo leio nos livros de História. E, como explica de longas datas o nosso colega Ruy Brito, nada lhe custa a Contribuição que transfere para a EFPC, porque ele transfere também o ônus dela para o MERCADO. O instituto de Reversão de Valores é, portanto, isso sim, a consagração do ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO PATROCINADOR. E acrescento eu, entendo que nem o próprio MERCADO É ONERADO COM ESSE CUSTO, porque o valor da Contribuição do Patrocinador é parte ínfima do benefício que o MERCADO AUFERE DAS APLICAÇÕES NELE DAS RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS! Isso está exaustivamente explanado nos livros de Curso de Direito Previdenciário.
MPS
O plano de benefícios tem que ser interessante, tanto para o participante, ou seja, se garantido ao máximo o pagamento do benefício contratado, como o patrocinador também tem que ter a garantia de que, se for além (...) ...também tem que ter garantia de que, se for além desse benefício contratado, porque a preocupação do patrocinador é pagar um benefício que o Estado não paga; o Estado vai até o limite do INSS. O patrocinador entra com essa predisposição de, juntamente com seu participante, numa política de recursos humanos, de pagar um benefício superior ao do INSS e, nesse ato, nesse contrato no qual existem diferentes atores, esses atores, se extrapolasse esse benefício contratado que foi programado, o valor desse extrapolamento, numa terceira hipótese, poderia ser revertido ao patrocinador.
Esse foi o espírito da resolução, que passou por várias instâncias jurídicas, não se vislumbrou ilegalidade em relação a isso aí, em relação ao que foi regulamentado, e esse foi o espírito, principalmente protegendo o interesse do participante, mas não só do participante individual, do participante coletivo, de todos aqueles 2,3 mil que fazem parte do sistema de previdência complementar e daqueles que vão querer entrar e aos quais cabe, sim, uma liberalidade do patrocinador oferecer um plano de benefício aos seus integrantes.”
Minha aprecião
Já me ocupei, aí acima, em refletir sobre esse argumento do interesse do Patrocinador. Agora, rogo apenas, prezado leitor, que coteje o que acaba de ler com este mandamento da Lei Básica da Previdência Complementar, a LC 109/01:
“Artigo 3º-VI-. 3o A ação do Estado será exercida com o objetivo de... proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios.”
Pode existir oposição mais flagrante?!
Acho inconcebível, ademais, que o MPS não tenha conhecimento de que três desembargadores do Tribunal do Trabalho de Brasília tenha achado tão aberrante a inovação do instituto de Reversão de Valores promovida pela Resolução CGPC 26/08 que haja declarado que ele deve ser FULMINADO! Mais inconcebível ainda que desconheça o despacho do Ministro Celso de Melo rejeitando o julgamento da ADI contra o instituto da Reversão de Valores simplesmente porque contido numa norma ancilar, mas elogiando o texto da ação dos advogados dos autores da ADI e emitindo seu parecer afirmativo da ILEGALIDADE do instituto da REVERSÃO DE VALORES.
 
 
 
 
 
 

quinta-feira, 17 de julho de 2014

296. O Representante da ABRAPP

Neste texto estou refletindo sobre a justificativa da legalidade do instituto da Reversão de Valores, registrada nas anotações taquigráficas publicadas pelo Senado, apresentada pela ABRAPP-Associação Brasileira das Entidades Fechadas da Previdência Complementar, na Audiência Pública do Senado, do dia 2 do corrente mês, através de seu Diretor Executivo, Dr. Luís Ricardo Marcondes Martins.

Adotarei, nestas reflexões, aquela sistemática de análise, já tantas vezes utilizadas neste blog, de apresentar, passo a passo, a argumentação do defensor da legalidade do instituto de Reversão de Valores juntamente com minha refutação.

Regozijo-me com essa oportunidade, já que o Dr. Marcondes Martins é advogado de conceituadíssima banca da cidade de São Paulo, detentor de vasto e notável elenco de títulos acadêmicos e profissionais, especializado em Direito Previdenciário, proeminente membro da OAB de São Paulo, e, portanto, respeitável jurista. Certamente que Dr. Marcondes Martins argumentou nessa Audiência Pública no Senado de modo a não deixar qualquer dúvida sobre a legalidade do instituto da Reversão de Valores. Investiguemos.

ABRAPP
Esse sistema (Sistema da Previdência Complementar) teve sua criação pela Lei Ordinária 6.435, de 1977, e passou por um grande processo de modernização, de aperfeiçoamento. Foi constitucionalizado através da edição da Emenda Constitucional nº 20, de 1998. Está no art. 202 da Constituição, do lado social. E isso, por si só, mostra a importância do debate aqui travado. O art. 202 traça as premissas constitucionais desse regime. Já foi dito aqui: facultativa, contratual, autônoma, baseada – do regime de capitalização – na constituição de reserva, que vai garantir o quê? O benefício contratado. Disciplinado por duas leis complementares, a 108, todo mundo conhece, a 109 também, que rege o regime como um todo.”

Minha apreciação.
De acordo. Estou na expectativa de que o eminente jurista justifique a legalidade do instituto da Reversão de Valores, demonstrando sua conformidade com a Constituição Federal, as duas Leis Complementares citadas e até com a Lei 6435/77.

ABRAPP
“E foi criada uma estrutura regulatória moderna, que hoje é modelo em termos inclusive internacionais. O Brasil é destaque, inclusive hoje ocupa a oitava posição no ranking mundial em termos de reservas, e é visto por países lá fora como modelo de previdência complementar. O modelo de previdência complementar tem como órgão uma autarquia especial, aqui representada pelo ilustre Dr. José Roberto, a Previc, que vem atuando brilhantemente na condução da fiscalização e supervisão do sistema. Foi criado também um órgão regulador, a lei diz. Esse órgão regulador, que vai regular o sistema, o nome por si só diz, é o Conselho Nacional de Previdência Complementar. Foi criada também uma Secretaria de Políticas de Previdência Complementar ligada ao Ministério da Previdência Social, que mostra a importância de se fomentar esse sistema. Foi criada também uma câmara recursal para as questões disciplinares. Arcabouço legal traçado, moderno e tudo na evolução desse sistema.”

Minha apreciação
De acordo. É clara a intenção da ABRAPP, a saber, estrutura regulatória tão perfeita só produzirá obras perfeitas, resoluções perfeitas, legais. Veremos.

Permito-me apenas ressaltar que o CNPC é composto por SEIS membros do Governo, um representante das EFPC, um representante de Patrocinadores e Instituidores de Planos de Benefícios das EFPC e apenas um representante dos Participantes e Assistidos dos Planos de Benefícios das EFPC. Parece-me, pois, um conselho organizado com poder desproporcional do lado governamental (6 votos) sobre o lado privado (3 votos). E mais ainda com ínfimo poder de decisão dos Participantes e Assistidos (apenas 1 voto), isto é, estes estão inferiorizados para o grupo formado pelas EFPC com os Patrocinadores e Instituidores (2 votos) e, muito mais, se juntarmos este ao grupo governamental (6 votos), que somam 8 votos! Essa desproporção precisamente ensejou a aprovação da Resolução CGPC 26/08 por unanimidade, tendo em vista que o representante dos Participantes e Assistidos, inconformado com o que estava para ser decidido, se retirou da reunião do Conselho naquele final de setembro do ano de 2008.

ABRAPP
“A estrutura do regime de capitalização, o que ela busca? Ela busca um equilíbrio dos planos de previdência. Ela busca um equilíbrio para quê? Para pagar aquele benefício contratado. É um contrato de longo prazo, que precisa ser analisado anualmente através de avaliações de hipóteses atuariais, para se avaliar se ele está ou não equilibrado. Então, o equilíbrio é a regra geral. Isto que todo mundo busca: pagar o benefício que está previsto no contrato previdenciário. Quem são as partes? Participantes, patrocinadoras. Sentaram, elaboraram um contrato previdenciário gerido pelas entidades de previdência complementar naquelas condições regulamentares previstas. (...) funções regulamentares previstas.”

Minha apreciação
Não concordo com o final desse trecho.

O contrato previdenciário patrocinado não tem como contratante vendedor o Patrocinador. A EFPC é que é o contratante vendedor, porque somente uma EPC pode ser vendedor legal do serviço previdenciário (artigo 2º da LC 109/01). Logo, as partes contratantes do Contrato Previdenciário Patrocinado são EFPC e Participantes. O Patrocinador assina um Contrato de Adesão (Contrato de Patrocínio, contrato de garantia) ao Contrato Previdenciário (Regimento Básico, Plano de Benefícios) com a EFPC (artigo 13 da LC 109/01). E o Participante assina com a mesma EFPC o Contrato Previdenciário (Contrato de Participação, outro Contrato de Adesão, consoante o artigo 8º da LC 109/01). Ambos, portanto, se relacionam jurídica e diretamente com a EFPC e, indiretamente através da EFPC, simplesmente porque sujeito de direito às Contribuições de ambos, em razão de duas relações jurídicas diferentes, oriundas de dois contratos de adesão diferentes. Fique bem claro: Patrocinador e Participantes não se relacionam diretamente, relacionam-se diretamente com a EFPC. Relacionam-se, por isso, indiretamente, e esse relacionamento indireto é em razão de um objeto jurídico e econômico COMUM apenas, que é a CONTRIBUIÇÃO.

Mais. O Contrato Previdenciário Patrocinado NÃO é resultado de uma negociação de cláusulas entre Patrocinador (Empregador) e Participantes (Empregados). O Empregador, ainda no seu papel social e jurídico de Empregador, é que negocia as cláusulas do Contrato Previdenciário (Plano de Benefícios, Regimento Básico) com a EFPC. Mais, essa EFPC pode até existir como simples documento aprovado pela PREVIC e registrado em Cartório, isto é, pode ter sido totalmente formalizado pelo Empregador e aprovado pela PREVIC. Depois de aprovado pela PREVIC, é verdade, nem o próprio Empregador pode mais modificar o Contrato Previdenciário.

Assim, esse CONTRATO PREVIDENCIÁRIO, ofertado pela EFPC, ou é aceito ou não é aceito na sua totalidade, tanto pelo Empregador como pelo Empregado, e eles se tornam, por adesão, Patrocinador e Participante, respectivamente, ou nada feito.

Mais. Esse contrato é formalizado sob a égide do REGIME da Previdência Complementar, isto é, ele deve CONTER TODAS AS NORMAS DE FAZER E DE NÃO FAZER CONTIDAS NA CONSTITUTIÇÃO FEDERAL E NA LC 109/01, e também na LC 108/01, se a EFPC for ligada a entidade estatal.

Como se vê, não posso concordar com essa premissa em que a ABRAPP parece querer insinuar que o Contrato Previdenciário Patrocinado é um contrato PURO, cujas cláusulas são ajustadas por consenso amplo entre Patrocinador e Participante. Ele está muito longe disso, todos os autores de Curso de Direito Previdenciário o dizem, isso é UNÂNIME.

A ABRAPP manifestou-se na Audiência através de eminente Jurista que também é eminente Advogado. Os papeis de ambos os profissionais, embora próximos, são bem diferentes. O Jurista prima pela fidelidade à norma jurídica sistemática. O Advogado lida com a norma jurídica de modo que o interesse de seu cliente fique por ela protegida da forma que lhe seja mais favorável. Isto é, o interesse do cliente tem influência na interpretação do Advogado, enquanto ao Jurista só interessa o exato conhecimento do preceito legal. Fica-me a impressão que a ABRAPP se manifestou na Audiência Pública do Senado através do brilhante Advogado... E isso começou a manifestar-se nessa alegada premissa que não se pode aceitar à luz da Hermenêutica Jurídica, como acho que acabei de demonstrar.

ABRAPP
“Dentro dessa regra do equilíbrio, temos exceções – como em tudo, é uma regra: exceções déficit, exceções superávit. Se houver insuficiência de reservas, temos o déficit; se houver suporte, excesso, temos o superávit. Senhores, quando tratamos de exceções, há necessidade de haver uma previsão legal. E lá está. Está prevista no art. 20 da Lei Complementar nº 109 como será tratada a hipótese da exceção do superávit; está tratada no art. 21 a hipótese da exceção do déficit.”

Minha apreciação
Aqui a ABRAPP dá início à sua argumentação justificando a legalidade do instituto da Reversão de Valores. E mais uma vez é a ABRAPP advogado que se expressa, ao invés da ABRAPP Jurista. Exceções déficit? Exceções superávit?

Como bom jurista e para uma boa Hermenêutica Jurídica, a ABRAPP deveria ter delimitado com precisão o objeto da discussão: Plano de Benefícios Previdenciários Definidos Patrocinado. E também explicado déficit de RESERVAS previdenciárias e excesso de RESERVAS previdenciárias, isto é, reservas de valor inferior ao valor dos benefícios contratados ou reservas de valor superior ao valor dos benefícios contratados. Acho, portanto, mais uma falha na argumentação, talvez porque interesse à ABRAPP Advogado e, portanto, não está argumentando a ABRAPP Jurista interessada na fiel interpretação da Lei, nem adotando a perfeita metodologia hermenêutica, isto é, a confrontação do fato econômico previdenciário com os exatos termos da lei (a primeira das normas de uma correta Hermenêutica Jurídica).

Mais. A ABRAPP Advogado pode fazer-se de desentendida e afirmar que a questão se cifra na interpretação do artigo 20. A ABRAPP Jurista, todavia, sabe muito bem que a questão é bem outra. A questão é esta:

A LC 109/01 É CLARA OU É CONFUSA NO TOCANTE AO USO (AO DESTINO) DAS RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS, É OU NÃO É OMISSA NESSA QUESTÃO?

Então, caro leitor, a ABRAPP Advogado não quer ler muitos artigos da LC 109/01, entre os quais o artigo 19, aquele precisamente que PRESCREVE EM QUE SE GASTAM E NO QUE NÃO SE GASTAM AS RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS! Esse artigo 19 para os defensores do instituto da Reversão de Valores NÃO EXISTE NA LC l09/01 (péssima hermenêutica jurídica, portanto; hermenêutica de advogado, não hermenêutica de Jurista).

Leiamos mais uma vez o artigo 19 da LC 109/01, aquele que diz em que se gastam e no que se não gastam as RESERVAS DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. Ela é tão clara, tão evidente, tão precisa que até parece que o legislador anteviu toda essa falácia criada pelos inventores do instituto da Reversão de Valores:

“Todas as CONTRIBUIÇÕES separadas como RESERVAS (matemáticas, de contingência, ou Especial) são SEPARADAS PARA SEREM GASTAS SOMENTE NO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS.”

Os termos do artigo 19 não admitem outra leitura. O artigo 19 é claro, é completo, é sem lacuna, é taxativo, é incontroverso, é contundente. Isto é, não existe lugar para interpretação alguma. É HERMENEUTICAMENTE INADMISSÍVEL APELAR-SE PARA PRINCÍPIOS: “Os princípios também não são fontes formais... Em face da lei dispositiva e expressa nada significam;...”, ensina Wladimir Novaes Martinez.
 
O artigo 20 é CONSEQUÊNCIA desse artigo 19 e trata de outro assunto, a saber, O QUE SE DEVE ENTENDER POR PLANO DE BENEFÍCIO DESEQUILIBRADO E, portanto, QUANDO E COMO SE DEVE EQUILIBRÁ-LO.
Assim, ele considera TRÊS TIPOS DE RESERVAS: reservas matemáticas (contribuições separadas como reservas até o valor igual ao valor dos benefícios previdenciários contratados), reserva de contingência (excesso de contribuições separadas como reservas sobre o montante das reservas matemáticas até o valor de 25% destas reservas matemáticas). É claro que o Plano de Benefícios nessa situação está financeira e atuarialmente desequilibrado. Mas, o artigo 20 não quer que se tome qualquer medida equilibradora - porque sabe que o valor monetário é instável -, enquanto essas não ultrapassarem o valor correspondente a 125% (reservas matemáticas + reserva de contingência) do valor dos benefícios contratados. O que ultrapassar esse montante, o artigo 20 considera Reserva Especial, isto é, reserva que deve ser gasta, obedecidas determinadas normas, a fim de que seja restabelecido o equilíbrio do Plano de Benefícios Definidos Patrocinado. Gasta em quê? Somente no pagamento de benefícios previdenciários, em razão do artigo 19, é evidentíssimo.

ABRAPP
“Quando você trata do art. 20, estamos discutindo aqui uma questão técnica de interpretação jurídica, essencialmente é isto: se o Conselho Nacional de Previdência Complementar, o CGPC, tem competência para regular o sistema. Tem. A lei estabeleceu. A lei estabeleceu uma composição no Conselho Nacional de Previdência Complementar amplamente democrática, com representantes do Governo, com representantes da sociedade, com técnicos que debatem, que discutem, que, com suporte em pareceres técnicos, vão à exaustão em diálogos, para que as resoluções sejam editadas. Isso ocorreu com relação ao art. 20.

Quando a ilustre Drª Isa diz que extrapolou a disposição da resolução, eu volto a dizer que essa é uma questão técnica. Quer nos parecer que, quando você fala na revisão estabelecida no art. 20 ao estabelecer o superávit, quando fala na revisão da diminuição das contribuições, ela não foi taxativa; ela foi exemplificativa. Ela deixou ao órgão regulador do sistema, legalmente intitulado para tanto, o estabelecimento do disciplinamento dessas exceções do contrato previdenciário.”

Minha apreciação
Novamente sentimos que é a ABRAPP Advogado que se expressa. Ninguém põe em dúvida a autoridade do CNPC para regular o Regime da Previdência Complementar e de regular o conteúdo do artigo 20 da LC 109/01. Nós afirmamos, e disso a ABRAPP Jurista NAÕ DIVERGE, é que ela NÃO TEM PODER PARA LEGISLAR, PARA INOVAR INTRODUZINDO NA REGULAMENTAÇÃO DA LEI O QUE A LEI NO ARTIGO 19 PROÍBE FAZER, a saber, PAGAR BENEFÍCIOS NÃO PREVIDENCIÁRIOS A PESSOAS ÀS QUAIS A LEI PROÍBE PAGAR (o PATROCINADOR). Essa proibição, já mostramos aí acima, está claramente contida no artigo 19 e salta à mente pela simples leitura de seu texto.

A ABRAPP Advogado, porém, está aí alegando que o artigo 20, quando cita a redução das Contribuições e o aumento do valor dos Benefícios Previdenciários, como forma de equilibrar Plano de Benefícios Previdenciários desequilibrado por excesso de reservas, está apenas fornecendo uma lista exemplificativa, não taxativa, de formas de reequilibrar plano desequilibrado por excesso de reservas. Logo, o CNPC pode acrescentar outras formas.

Esse, portanto, é o VERDADEIRO ARGUMENTO que a ABRAPP Advogado apresenta para sustentar a legalidade do instituto da reversão de valores:

“O artigo 20 da LC 109/01 é um elenco exemplificativo, não taxativo, de como se deve equilibrar Plano de Benefícios Previdenciários Definidos, desequilibrado por excesso de reservas.”

A ABRAPP Jurista, porém, sabe que, em hermenêutica válida, ao invés de invocar princípio tão raquítico, a ABRAPP Advogado deveria ter era tentado entender o texto da LC 109/01, principalmente os textos do artigo 19 (que omitiu) e do próprio artigo 20 (que não entendeu, como demonstraremos). A ABRAPP Jurista sabe que esse elenco é taxativo, porque ela conhece muito bem o fenômeno econômico que se acha subjacente a esse negócio jurídico que é o excesso de reservas.

A Reserva do Plano de Benefícios, com efeito, é uma conta de ativo, a maior conta de ativo de um Plano de Benefícios. Como todo valor econômico, ela se alimenta (aumenta de valor) com a valorização no mercado de dinheiro, com a renda proveniente da aplicação no mercado de dinheiro e, em parte muito menor, com as contribuições do Patrocinador e do Participante. E ela SE GASTA (o valor diminui) APENAS DE DUAS MANEIRAS, a saber, com a desvalorização no mercado de dinheiro e com o PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. Por quê? Porque a desvalorização pelo mercado é imposta democraticamente por toda a comunidade de negócios, independente da vontade (das decisões) da EFPC e de qualquer indivíduo. Já O GASTO DAS RESERVAS MATEMÁTICAS NO PAGAMENTO DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIO CONTRATADOS É A ROTINA COTIDIANA                                                          DA EFPC e, por mandamento do artigo 19, SOMENTE EM BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS ELA PODE SER GASTA.

 

Num mercado de dinheiro em situação equilibrada, o resultado daqueles três ingressos de recursos EMPATAM com o resultado dos dois canais de gastos, de modo que AS RESERVAS SE MANTÊM NO NÍVEL DESEJADO DE EQUILÍBRIO, a saber, das RESERVAS MATÉMÁTIACAS. Já na situação de mercado em alta, o ingresso de recursos pode superar de tal forma a rotineira vazão de reservas matemáticas que pode até ultrapassar o limite da Reserva de Contingência! Qual é a primeira e única medida possível de ESTABILIZAÇÃO DAS CONTAS RESERVAS NO NÍVEL DA RESERVA DE CONTINGÊNCIA? Só existe UMA, a saber, REDUZIR OU ATÉ SUSPENDER O PAGAMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. Por quê? Porque a EFPC não tem domínio sobre a valorização proveniente do mercado de dinheiro e, é claro, não interessa, porque é bom e é isso administração financeira, reduzir a renda proveniente do mercado. Mas, se até suspensas as Contribuições, ainda assim o valor das reservas continua a ultrapassar o nível da RESERVA DE CONTINGÊNCIA?! O que fazer? O artigo 20 o diz: aumente os gastos com pagamentos de benefícios previdenciários, isto é, o valor dos benefícios previdenciários. Por que somente gastos COM BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS? Porque isso, como vimos, é EXATAMENTE O QUE MANDA O ARTIGO 19. Não se podem gastar REVERTENDO AS CONTRIBUIÇÕES? NÃO, porque, como vimos, ISSO ESTÁ PROIBIDO PELO ARTIGO 19. Logo, A ABRAPP Jurista sabe (mas à ABRAPP Advogado interessa desconhecer) que o elenco reduzir contribuições e aumentar o valor dos benefícios previdenciários contratados é um ELENCO TAXATIVO, NÃO É UM ELENCO EXEMPLIFICATIVO.

Resumindo, e explicado noutros termos: a ABRAPP Jurista sabe que a única forma LEGAL de se estabilizar Plano de Benefícios Previdenciários, desequilibrado por excesso de Reservas, é PAGAR BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS, porque REDUZIR ou SUSPENDER O PAGAMENTO DE CONTRIBUIÇÕES APENAS EVITA QUE ESSE PAGAMENTO REDUZA OU ATÉ MESMO NEUTRALIZE O EFEITO ESTABILIZADOR DO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. (Esse conhecimento não interessa, é claro, à ABRAPP |Advogado).

ABRAPP
“O superávit e o equacionamento do déficit foram discutidos amplamente no Conselho Nacional de Previdência Complementar. Foram vários e vários meses de trabalho, em que se estruturou uma normatização, quer me parecer, de maneira prudente, de maneira conservadora, ditando etapas até se equalizar o déficit ou se distribuir o superávit entre quem? Entre aquelas partes que contribuem para aquele benefício. Quem são? Patrocinadoras e participantes. Se patrocinadoras e participantes têm de suportar o déficit – isso a lei estabelece –, quer me parecer, de maneira isonômica, equilibrada, equânime, que tem de haver também uma possibilidade de reversão desse superávit também aos seus contratantes, patrocinadoras e participantes.”

Minha apreciação
Alegado o pretexto do elenco exemplificativo, a ABRAPP Advogado invoca, em seguida, o Princípio de Isonomia, para justificar o instituto da Reversão de Valores, a saber:

“Se os dois, Patrocinador e Participante, contribuíram para formar as Reservas Previdenciárias, então, os dois, Patrocinador e Participante, têm direito ao valor das Contribuições que forneceram à EFPC para formar o excesso de Reservas. É uma questão de justiça.”

A ABRAPP Jurista sabe que esse argumento não justifica o instituto de Reversão de Valores, porque:

- o artigo 19 da LC 109/01 textualmente o proíbe;

-o artigo 20 elencou as únicas duas formas legais de se promover o reequilíbrio de um Plano de Benefícios desequilibrado por excesso de reservas, a saber, flexibilizando para menos o valor das Contribuições ou aumentando o valor dos benefícios previdenciários;

-contra os termos claros da lei, princípios NADA VALEM;

-Patrocínio é uma contribuição gratuita e definitiva;

-Patrocínio não é investimento financeiro nem capitalístico;

-Patrocinador nada mais é, contratualmente, que garantidor (mediante pagamento de contribuição) da EFPC (o único vendedor autorizado dos serviços previdenciários);

-Patrocinador contratualmente nenhum direito tem com relação à EFPC, somente tem a obrigação de que não permita que se desfalquem as reservas previdenciárias do Plano de Benefícios Previdenciários;

-o Patrocinador nem mesmo contribui com recursos próprios para a EFPC, ele transfere esse ônus para o mercado, embutindo-o nos preços;

-a Reversão de Valores para o Patrocinador, portanto, é enriquecimento ilícito do Patrocinador e é textualmente proibido pela LC 109/01 que exige que a EFPC seja uma entidade SEM FINS LUCRATIVOS.

Tudo isso a ABRAPP Jurista sabe.

ABRAPP
“Agora a questão é como se deu essa resolução, e aí eu voto e registro: quer me parecer que todas as hipóteses foram estudadas, quer me parecer que todos os pareceres foram construídos, que todo diálogo foi feito no âmbito do Conselho Nacional de Previdência Complementar à época, o CGPC, que é o órgão regulador do sistema. E, após esse exaustivo debate, foram disciplinados aspectos de apuração, de destinação de superávit, passando pelos conceitos de reserva de contingência, reserva especial, revisão, equacionamento, conceitos técnicos para se regrar aquela exceção. Ninguém quer trabalhar na exceção. Nós queremos trabalhar num plano equilibrado, mas exceções acontecem e elas foram regradas, quer me parecer – de novo – de maneira muito prudente e técnica. Tanto foi assim que o próprio Judiciário, quando examinou a questão nessas ações que foram aqui apontadas, vem conduzindo entendimento pela legalidade da edição Resolução nº 26. A própria OAB foi chamada a opinar nessa questão da Resolução nº 26, em 2008, e também exauriu um parecer no sentido da legalidade da resolução. Então, o que nós estamos discutindo aqui, de novo, quer me parecer que é uma questão técnica, que foram respeitadas as disposições da Lei nº 109, que foi dentro do limite de competência do órgão regulador do sistema e que, veja, tem de passar inclusive pelo crivo do conselho deliberativo das entidades, ao qual a lei garante, por justiça e com transparência, pelo legislador constituinte que assim ditou – e tem de ser assim, que o participante, que é a parte contratante, tenha o assento no órgão maior da entidade –, que passe pelo crivo desse órgão maior a questão do equacionamento e da reversão dos valores. E não só isso. Outras restrições mais: só se aplica a planos fechados; o plano deve estar quitado; antes da reversão tem de ser feita uma auditoria; essa reversão deve ocorrer de forma parcelada para que se acompanhe a evolução dela; tem se que formar... (...) para que se acompanhe a evolução dela. Tem que se formar reserva de contingência, para, depois, no trâmite da reserva especial, prévia autorização da Previc. Então, me parece que não houve um açodamento na deliberação do Conselho Nacional de Previdência Complementar. Pelo contrário, houve amplo debate, houve suporte técnico, o Judiciário reconheceu isso, a OAB reconheceu isso, e doutrinadores que opinam sobre o tema o reconheceram.
(Soa a campainha.)
Então, data maxima venia, quer me parecer que não houve essa extrapolação, de novo, de técnica jurídica, de interpretação lógica e gramatical da estrutura da hermenêutica do Direito, na edição da Resolução nº 26. Eram essas as rápidas ponderações que eu queria fazer. Queria, mais uma vez, destacar aqui a importância do debate democrático, com técnicos e com os Senadores, nossos ilustres representantes nesta Casa de leis. Isso é importante para o crescimento do País, isso é importante para a Previdência Complementar. Como eu disse, acho que a Previdência Complementar é a grande meta de solução para permitir uma dignidade humana no período da inatividade para todos nós, inclusive eu, como participante de um fundo de pensão. Muito obrigado. Coloco-me à disposição.”

Minha apreciação
Como se vê, nesse final, a ABRAPP apela para o argumento de autoridade. O assunto foi democrática e diuturnamente debatido, inclusive por todos os interessados (Patrocinador e Participante), por autoridades, por juristas governamentais e até pela OAB que elaborou parecer favorável. É respeitável argumento, sem dúvida. Nada vale, porém, quando a evidência demonstra que as autoridades falharam.
Não tenho conhecimento desses diuturnos debates. Não me interessava por esse assunto antes do ano de 2009. Acreditava, como ainda tento acreditar, que o Estado, como manda a LC 109/01, protege os meus direitos de Participante Assistido. Seja como for, se o argumento em que todas aquelas autoridades basearam a legalidade do instituto da Reversão de Valores é esse que a ABRAPP exibiu na Audiência Pública do Senado, lamento dizer que os inúmeros textos que venho escrevendo neste blog são muito mais robustos para qualifica-lo como instituto ilegal.

Cabe aos leitores julgar quem expõe argumento mais convincente, a ABRAPP naquela exposição ou este blog nestas dezenas de textos.

Apreciaria ter a oportunidade de ler o parecer que a ABRAPP disse foi proferido pela OAB para justificar o instituto de Reversão de Valores. Infelizmente, lá pelo início do ano 2012, um colega de Curitiba me disse ter enviado por duas vezes à OAB estudo demonstrando a ilegalidade da Reversão de Valores, motivado exatamente por isso que ela teria apresentado parecer favorável em reuniões de debate promovidas pela SPC para a institucionalização da Reversão de Valores, e solicitado o favor de conhecer o seu conteúdo. Infelizmente, não obteve resposta alguma, pois certamente, creio, teríamos luzes definitivas de esclarecimento desse assunto.

No meio desse argumento de autoridade, a ABRAPP tenta reforçar sua argumentação, apelando para o fato de que a Reversão de Valores só pode ser realizada sob determinadas condições, entre elas se o Plano de Benefícios é fechado e quitado. ´

É claro que esse fato não permite que se lhe abra exceção, já que a proibição do artigo 19 da LC 109/01 é claramente geral e irrestrita: reservas previdenciárias não podem ser gastas noutra coisa, a não ser no pagamento de benefícios previdenciários.

 

sábado, 12 de julho de 2014

295. As Ideias Claras da PREVIC

Na Audiência Pública no Senado, realizada no dia 2 do corrente mês, a PREVIC iniciou a sua participação com a seguinte informação: “É importante destacar princípios que norteiam a atuação da Previc, por inspiração, por orientação dos fundamentos legais, em particular da Lei Complementar nº 109, de 2001. Temos muita clareza em relação a esse chamado contrato previdenciário, as relações estabelecidas entre as partes. E são três essas partes: temos o fundo de pensão, entidade fechada de previdência complementar; o patrocinador e os participantes e assistidos.”

Creio que a PREVIC tenha, de fato, ideias muito claras sobre tudo o que diga respeito ao Regime da Previdência Complementar, porque esse é o dever dela e porque ela existe e é paga exatamente para isso, a fim de que possa cumprir eficiente e satisfatoriamente sua obrigação de fiscalizar as EPC e mantê-las no cumprimento de sua finalidade: o correto pagamento dos benefícios previdenciários contratados.

Acontece, porém, que fiquei chocado com aquela frase exordial, porque ela me pareceu patentemente confusa. Espere!, contrato previdenciário? Elo entre três partes?

Façamos esta análise lendo detidamente o texto da LC 109/01, ajudados pelo Capítulo CXCI do Curso de Direito Previdenciário, de Wladimir Novaes Martinez, único autor citado pelo MPS naquela sua Informação ao Senado, de final de dezembro de 2008, onde se alongou em argumentações favoráveis ao instituto da Reversão de Valores, inovação promovida pela Resolução CGPC 26.

O artigo 2º da LC 109 diz que só existe um contratante ofertante (vendedor do serviço previdenciário) de benefício previdenciário complementar, a EPC, isto é, a EPC é o INSS da Previdência Privada Complementar. E o artigo 8º diz que só existe um contratante recebedor de benefício previdenciário, o Participante (ou Assistido ou Beneficiário). Logo, é claríssimo que o Contrato Previdenciário é o acordo firmado entre Participante e EPC tendo como objeto o benefício previdenciário. O Participante é o sujeito de direito (ativo) ao benefício previdenciário e a EPC é o sujeito de obrigação (passivo) do benefício previdenciário. Esse é o contrato previdenciário – o contrato de adesão do Participante ao Plano de Benefício (artigos 8º, 9º e 16). E a relação jurídica previdenciária é esta entre a EPC e o Participante, oriunda do Contrato de Participação assinado pelo Participante com a EPC.

Essa leitura confirma-se pelo que se acha dito nos tópicos 1911 e 1912 do citado capítulo do Curso de Wladimir Novaes Martinez e, ainda no tópico 1772 do Capítulo CLXXVII onde ele afirma a existência de Plano de Benefícios “sem contribuição pessoal ou não contributivo”.

A análise de Martinez continua, no tópico seguinte daquele capítulo primeiro citado, com relação ao contrato previdenciário das EFPC, precisamente o que foi objeto das considerações da PREVIC na Audiência Pública:

“De igual forma, suscita DOIS polos emergentes: a) de um lado, entidade civil...; e, de outro, b) o participante, pessoa física,...”.

E adiante cita Arnaldo Sussekind: “A inscrição como participante da entidade... configura uma relação contratual... típico contrato de adesão, em que uma das partes manifesta sua vontade de aderir às condições uniformes previamente estabelecidas pela outra parte, tornando-a relação BILATERAL.” E também apela para a autoridade de Manuel Sebastião Soares Póvoas: “...estado jurídico de contrato de Direito Previdenciário, isto é, tipo específico de contrato de seguro, jacente na relação entre a ENTIDADE PREVIDENCIÁRIA PRIVADA FECHADA E O PARTICIPANTE... Seria ato jurídico BILATERAL pelo qual uma pessoa – o participante... acorda com uma pessoa legalmente autorizada a efetuar... o pagamento de uma importância – a contribuição – (e) receber... benefícios previdenciários.”

Isso é o que diz claramente a LC 109/01 e isso é o que diz claramente a doutrina jurídica:

- O Contrato Previdenciário é o Contrato de Participação;

- O Contrato Previdenciário origina, portanto, a relação previdenciária entre Participante e EPC, seja ela EAPC ou EFPC;

- O Contrato Previdenciário é, portanto, bilateral, isto é, entre Participante (sujeito de direito ao recebimento do benefício previdenciário) e EPC (sujeito da obrigação de pagar o benefício previdenciário).

-a relação previdenciária é gerada pelo Contrato de Participação;

-a relação previdenciária é BILATERAL, a saber, entre EFPC e PARTICIPANTE (ativo, assistido ou beneficiário).

E por que a PREVIC insiste tanto que esse contrato previdenciário é tripartite? Porque em alguns casos a ele se agrega outro contrato, por exemplo, nos casos de Plano de Benefícios Previdenciários patrocinados:

A formalização da condição de patrocinador ou instituidor de um plano de benefício dar-se-á mediante convênio de adesão a ser celebrado entre o patrocinador ou instituidor e a entidade fechada, em relação a cada plano de benefícios por esta administrado e executado, mediante prévia autorização do órgão regulador e fiscalizador, conforme regulamentação do Poder Executivo.” (Artigo 13 da LC 109/01)

Atente para isso, prezado leitor. A LC 109/01 aí diz que, quando a EFPC oferece a um Participante um Plano de Benefícios patrocinado, ela lhe está apresentando DOIS contratados: um para ele assinar, o Contrato de Participação (o contrato previdenciário), o qual foi previamente acrescido de outro contrato, o Contrato de Patrocínio, é claro.

Assim, quando o Participante assina a inscrição, ele está assinando o Contrato de Participação, ele está assinando o Contrato Previdenciário, do qual brota a relação jurídica previdenciária entre ele Participante e a EFPC. Como se vê, esse contrato previdenciário continua sendo BILATERAL (isto é, entre Participante e EFPC) e a relação previdenciária continua BILATERAL (isto  é, entre Participante e EFPC). Como vimos, a LC 109/01diz que só a EPC pode vender serviços previdenciários, proíbe portanto que Patrocinador os venda. O Participante, pois, não firmou contrato algum com o Patrocinador e, portanto, não tem relação alguma jurídica com o Patrocinador. O Participante se relaciona com a EFPC, somente com a EFPC, que tem, esta sim, relação jurídica com o Patrocinador. O Participante somente integra a relação previdenciária (o Contrato Previdenciário). O Patrocinador não integra o Contrato Previdenciário (a relação previdenciária).

É que, neste caso do Plano de Benefícios Patrocinado, a EFPC está informando ao Participante, que ela EFPC está oferecendo ao Participante um CONTRATO PREVIDENCIÁRIO PATROCINADO, isto é, em que ela PREVIAMENTE, por deliberação dela, adicionou uma garantia de uma fonte de recursos para a formação das reservas previdenciárias, a garantia constitucional do pagamento dos benefícios previdenciários contratados (artigo 202 da Constituição Federal), o Patrocinador, o Empregador. Está informando que ela assinou um Contrato de Patrocínio, mas é patente que ele também é BILATERAL entre EFPC e Patrocinador, e dele brota uma relação jurídica de patrocínio BILATERAL entre EFPC e Patrocinador. O Participante, pois, não se relaciona juridicamente com o Patrocinador. Ele se relaciona juridicamente com a EFPC.

Os dois se relacionam, portanto, indiretamente, através da EFPC, simplesmente pelo fato de que a EFPC aparece como CONTRATANTE EM AMBOS OS CONTRATOS, a saber, o CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO (o Contrato Previdenciário) e no CONTRATO DE PATROCÍNIO (o contrato de reforço de contribuição, de garantia).

Tudo isso que eu e o leitor inferimos da correta leitura da LC109/01 ensina também o Curso de Direito Previdenciário de Wladimir Novaes Martinez.

No início do capítulo CXCIII ele esclarece: “...enfim, o ato solene de adesão (do Participante) ao plano chama-se inscrição”. Ressalta que se trata de um ato complexo, que tem princípio como ato de iniciativa do empregado, futuro Participante, e se conclui com o ato de aprovação, de aceitação pela EFPC.

Inscrito, o Participante assinou o Contrato de Participação, o Contrato Previdenciário, que, segundo o autor (Capítulo CLXXXVIII, tópico 1888), consta do Estatuto Social, Regulamento Básico e Convênio de Adesão, sendo que o Regulamento Básico “é a norma previdenciária”. Entenda-se o que aí ensina Martinez: o Contrato Previdenciário, de fato, assinado pelo Participante é o Regulamento Básico, ao qual se acha agregado dois outros documentos, o da identidade da pessoa jurídica ofertante (vendedora do serviço previdenciário), acrescido de mais outro documento, o Convênio de Adesão do Patrocinador ao Plano de Benefícios Previdenciários (Regimento Básico), que ela EFPC firmou com o Patrocinador (Empregador).

Aliás, essa é, sem dúvida, a concepção que encontramos na Resolução CGPC nº 8/2004! Não pode ser outra!

E algo MUITO INTERESSANTE surge dessa análise:

-dois sujeitos de duas relações jurídicas diferentes (Patrocinador e Participante) se relacionam com a mesma pessoa jurídica, a EFPC, sujeito do direito a receber a Contribuição, na relação previdenciária, do Participante e, na relação de patrocínio, do Patrocinador;

-a única relação jurídica que existe entre essas duas pessoas jurídicas (Patrocinador e Participante) é INDIRETA, em razão de DOIS CONTRATOS DISTINTOS, E NA OBRIGAÇÃO DE PAGAR CONTRIBUIÇÃO AO MESMO SUJEITO DE DIREITO (a EFPC)!

Afigura-se verdadeira contorção da lógica o querer inferir daí que um SUJEITO DE OBRIGAÇÃO DE UMA RELAÇÃO JURÍDICA DE GARANTIA, GERADA NOUTRO CONTRATO, SE ARVORE EM SUJEITO DE DIREITO DE BENEFÍCIO EM OUTRA RELAÇÃO JURÍDICA PREVIDENCIÁRIA GERADA POR OUTRO CONTRATO. E mais, ele está ausente dessa relação jurídica previdenciária porque QUER (por interesse próprio, vulgarmente poder-se-ia humoristicamente dizer que ele arranjou um testa-de-ferro) e a LC 109/01 aquiesceu nesse ponto de tal forma que tornou a VONTADE DO PATROCINADOR UMA DAS VIGAS MESTRAS DO REGIME DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR!

E chegando a essa conclusão, confesso que fico pasmo! Não entendo realmente como a PREVIC que realmente TEM QUE POSSUIR IDEIAS CLARÍSSIMAS sobre o Contrato Previdenciário e a Relação Previdenciária, não percebe que ESTA NÃO É TRILATERAL, mas SIM BILATERAL! Não entendo como insiste em difundir que Participante e Patrocinador integram UMA RELAÇÃO JURÍDICA PREVIDENCIÁRIA! Não entendo como não entende que Participante e Patrocinador se unem através de DOIS CONTRATOS DISTINTOS E DE SUAS RELAÇÕES JURÍDICAS DISTINTAS SIMPLESMENTE PORQUE ESSES DOIS CONTRATOS E ESSAS DUAS RELAÇÕES JURÍDICAS POSSUEM UM E MESMO SUJEITO DE DIREITO AO RECEBIMENTO DA CONTRIBUIÇÃO! Nada mais. Por que será?

E essa minha incompreensão chega até a doer na alma, porque ela me apresenta toda essa argumentação como pretexto e não como justificação lógica! Será? Não, deve haver algo mais sábio que não alcanço, já que creio nas ideias claríssimas da PREVIC sobre Direito Previdenciário.