sexta-feira, 2 de outubro de 2009

138. Condolências I


Nesta hora, em que você é destroçado pelo inapelável tornado existencial, tenho a pretensão de não lhe dirigir somente as expressões triviais das condolências habituais, consciente, é verdade, da advertência de Mário Quintana: cada um fala como pode.
Se união conjugal tem alguma explicação, creio que o casal Deolindo e Margarida se estruturou, porque você - homem belo, culto e educado, cirurgião exímio também – e ela - mulher envolvente, culta e cientista da linguagem – construíram laços físicos, emocionais e mentais, capazes de realizar numa existência pessoal o ideal humano da cultura greco-romana, expresso por Juvenal naquela frase famosa: mente saudável em corpo saudável.
Como Horácio, ambos poderão dizer: ergui monumento mais duradouro que o bronze e mais alto que as pirâmides dos reis... Não morrerei de todo. Vocês se perpetuaram em suas obras culturais.
A trajetória, que se percorre na vida, é o que vale. Você sabe muito bem o que os dramaturgos gregos pensavam da existência humana. Sófocles, no século V AEC, fazia ecoar nos anfiteatros gregos:
Que maior prova de loucura pode haver
que desejar o homem a vida prolongada?
Certo é que uma longa existência
encerra em seus caminhos muitos males.
E quem muitos anos ambiciona
não pode ver a alegria onde ela realmente se encontra:
não ter nascido vale mais que tudo.
Sófocles só fazia ressoar na Hélade de seu tempo a opinião expressa um século antes pelo poeta Teógnis de Megara:
Não ter nascido, não ver jamais o sol,
acaso existirá bênção maior?
Só à morte sem dor podemos compará-la:
maior bem, só a paz duradoura do túmulo.
É bem verdade que a Humanidade nunca se conformou com os limites impostos pela Natureza às condições da existência humana. Nós, os micróbios humanos existentes neste ponto indistinguível e irrelevante do Cosmos, sempre nos rebelamos contra a onipresente ameaça existencial titânica que nos circunda. O sonho de imortalidade de Gilgamesh é até percebida e experimentada por crianças, como aquele garoto italiano, que se queixava para Papai Noel: Papai Noel, não entendo você. Você leva os velhinhos para o Céu e põe as crianças no lugar deles aqui na Terra... Por que não deixa, então, os velhinhos na Terra, de uma vez?...
Mais do que eu, sabe você – aí estão os telômeros dos cromossomas limitando os anos da existência humana - que os gregos bem que tinham razão, quando imaginaram o mito das Moiras tecendo o destino dos deuses e dos humanos e determinando destes o término da existência.
Por isso, adoto o pensamento de Ortega y Gasset que resumiu o indivíduo humano naquela frase famosa: eu sou eu, e minhas circunstâncias. E o neurocientista Roberto Lent nos esclarece que esse eu é aquela experiência de unicidade e de continuidade que une todos os pontos do filme mental da existência do indivíduo, desde o primeiro clarão da consciência até o último lampejo da vida. E os sociólogos nos dizem que a sociedade, através de seus agentes, grava em nossa mente os papeis que decidimos desempenhar no contexto da vida em sociedade.
Assim, o indivíduo produz o filme de acordo com a cultura e a subcultura da sociedade em que vive. Podemos, então, entender a infinita diversidade de realizações individuais e de formas como acontece a felicidade de cada pessoa. Uns colocam a felicidade em amar, comer, beber e cantar, como gravou o romano no piso de um anfiteatro e o turista escreveu no depósito de lixo de Montmartre.
Outros, entre os quais se incluem você e Margarida, entendem que o processo da felicidade se realiza no nomos, que filósofos gregos imaginavam a origem da ordem universal, implantada pela Alma do Cosmos, e que gera a paz e a felicidade social.
Vocês preferiram os papeis de sábios, cujo processo de felicidade me parece explicitado por Virgílio nos famosos versos: feliz quem pode entender a existência e dominar todas as angústias, o implacável destino e a tragédia da morte.
Não quero deixar de lembrar-lhe, considerando os familiares e os amigos que o cercam, e para os quais você significa mais ainda do que pensa, as palavras de Pablo Neruda: aprende a nascer com a dor e a ser maior que o maior dos obstáculos.
Um abraço pleno de admiração e amizade do
Edgardo

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