terça-feira, 17 de agosto de 2010

151. A Política Tem a Sua Ética

Pense nisso. Sobretudo em tempo de eleição. Os políticos têm sua própria ética. Ela é diferente da ética dos indivíduos humanos comuns. Isso não é novo, é muito antigo. Há séculos isso é assim. Mas nós, os indivíduos comuns do Ocidente cristianizado, há séculos convivemos, sem que percebamos, com vários tipos de ética, entre elas a ética do indivíduo comum, como eu e você, e a ética do indivíduo político, isto é, aquele que tem a ambição de mandar nos outros.

Na Idade Média, os monges cristãos tentaram implantar na Europa Ocidental a ética mosaica, a ética judaica. Os monges ensinavam que só existe um tipo de conduta boa, aquela que agrada a Deus e que ele revelou aos homens através de Moisés. Por que essa conduta é boa? Por isso mesmo, porque agrada a Deus e Deus se compraz com a companhia dos que se comportam dessa forma. Noutras palavras, os indivíduos que se comportam dessa maneira gozam da amizade de Deus: logo estão no Céu, são felizes. Os indivíduos, que não se comportam da forma que agrada a Deus, não gozam da companhia de Deus: eles se comportam da forma que agrada ao Demônio, vivem na companhia do Demônio, são amigos do Demônio, estão no Inferno, são infelizes.

Os Dez Mandamentos da Lei de Deus são o básico da ética cristã: adora a Deus e ama o próximo como a ti mesmo, não mates, não furtes, não desejes a mulher do próximo, não sejas falso.

Essa ideia de que só existe uma ética, só uma conduta aceitável, um tipo de comportamento adotável, permitido, se implantou na mente das pessoas que viveram até o século XVI EC. Quem vivia de forma diferente só tinha uma forma de conseguir a felicidade, a companhia de Deus, o Céu: arrepender-se, suplicar o perdão de Deus, fazer penitência, martirizar-se, confessar os crimes perante a Igreja, orar, doar os bens à Igreja ou distribuí-los com os pobres, comprar indulgências. Até os mais bandidos dos reis ou senhores feudais tremiam de medo, quando percebiam que a hora da morte estava chegando.

No século XVI, um culto empregado do governo da cidade de Florença, Maquiavel, escreveu o livro, O Príncipe, onde descreve como ele via que um nobre conseguia ser Príncipe, isto é, o governante de qualquer daqueles Estados italianos de seu tempo. Ele descreveu, portanto, a ética própria de um governante, isto é, a forma de comportar-se que leva ao poder e possibilita permanecer nele.

Para conseguir ser Príncipe:

Trate com extrema crueldade os inimigos. Elimine-os todos. Não deixe sobreviver nenhum familiar de seus inimigos, nenhum descendente. Infunda tal terror aos seus inimigos que ninguém ouse atrever-se a ser seu inimigo.
Dispense todo o bem que puder aos seus amigos. Infunda profunda confiança do povo em você e gratidão para com você.
Entenda que mais vale parecer que ser cruel para com os inimigos bem como mais vale parecer que ser bondoso e generoso para com os amigos e o povo. Isto é o que se entende por maquiavelismo, ser maquiavélico.
Em resumo: o fim justifica os meios, qualquer coisa é boa, seja o que for, desde que contribua para que se consiga o poder e se permaneça no poder.
Por fim, existe ainda algo de que necessita o indivíduo para ser e permanecer Príncipe, a Sorte, e essa não depende da vontade do indivíduo, do Príncipe.

É claro que esta ética do sucesso político é completamente diferente da ética cristã, a ética mosaica. A partir de então, passou a existir a ética do político e a ética do homem comum. A ética deixou de ser absoluta, uma só, única, para todos os indivíduos, em todas as circunstâncias. A ética passou a ser encarada como uma relativa norma de vida, isto é, a minha conduta na vida passou a depender dos objetivos que estabeleço para a minha vida. Eu devo agir de forma que obtenha o sucesso desejado na vida, isto é, preciso assumir uma forma de conduta que me faça chegar ao objetivo que estabeleci para a minha vida.

Feitas essas considerações, agora estou pronto para ligar minha televisão e assistir ao desfile dos maquiavélicos, que sabem que pretendem ser maquiavélicos, e dos maquiavélicos, que tão ignorantes são que não têm nem idéia de que são maquiavélicos.

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