terça-feira, 16 de outubro de 2012

226. A Retirada do Patrocínio

Acabo de ler o resumo, elaborado pelo colega Cláudio Leuzinger, da reunião realizada no interior do CNPC para debate sobre o Projeto de Retirada do Patrocínio. Aplaudo o esforço dos nossos representantes de se fazerem OUVIR e ENTENDER pelas autoridades. Encoraja-me perceber que parece que essas autoridades nos querem ouvir e entender.

Preocupa-me, porém, a impressão que me ficou de que se possa dar curso à implementação de uma diretriz de Governo, emanada da própria PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, de forma equivocada, porque atropelando as leis, haja vista o teor do item 2 do supracitado relatório:
“O 2º item da pauta era questão da “RETIRADA DO PATROCINADOR”, assunto da máxima relevância. O expositor iniciou o trato do item fazendo um relatório sobre o assunto, dizendo ser objetivo do Governo Federal “estabelecer prioridades para adequar a legislação, sobretudo as Leis Complementares 108 e 109 aos objetivos do Governo com relação à previdência complementar”.

Confio que os colegas, que tão brilhantemente estão defendendo o respeito ao Estado de Direito lá nos intestinos do CNPC, demonstrarão que o progresso não se faz à margem da Constituição Federal, nem erigindo institutos incompatíveis com as leis. Ouça-se o grito de legalidade que ressoou no Supremo Tribunal Federal no dia 1º deste mês de outubro de 2012: “Não somos governados por homens. Somos governados por LEIS.”

A Presidência da República, acredito piamente, quer soluções através da LEI. Não é a Constituição Federal que se deve ajustar aos objetivos do Governo. São os objetivos do Governo que devem ajustar-se à Constituição Federal, a lei básica da República Federativa Democrática Brasileira do BEM ESTAR SOCIAL. Não pretendemos, é claro, afirmar que a Constituição Federal é um ordenamento imutável, porque evidentemente nada é imutável no Universo, sobretudo no ínfimo espaço de atuação humana. O que quero aqui deixar bem claro é que as normas jurídicas devem respeitar os princípios da coerência sistêmica e da hierarquia normativa: resolução deve respeitar a lei e a lei deve respeitar a Constituição Federal. E dois princípios da Constituição Federal têm que ser cumpridos, enquanto permanecerem inscritos em nossa Constituição Federal: o princípio do direito adquirido (artigo 5º-XXXVI da CF) e o princípio da legalidade (artigo 5º-II da CF).

E qual é a clara política de PREVIDENCIA SOCIAL, estampada no mapa do consenso do Povo Brasileiro, a Constituição Federal? A História do Brasil comprova que a sociedade brasileira sempre tentou, através de múltiplas formas, como o seguro, as Caixas Montepios e as Associações de Ajuda Mútua, manter a dignidade de vida das pessoas incapacitadas para o trabalho, por velhice ou por doença ou por acidente ou por constituição deficiente, bem como de suas famílias.

A Constituição Federal de 1891, constituição liberal, já concedia aposentadoria por invalidez no serviço da Nação (artigo 75). A partir da década de 20 do século passado, o Governo começou a avocar para si a obrigação de proporcionar a Previdência Social à população brasileira trabalhadora, através da Lei Eloy Chaves. Duas observações sobre esse Decreto Legislativo 4682/1923:

- ele não proporcionava aposentadoria integral;

- mas, ele continha o seguinte artigo 6º: “Os fundos e as rendas que se obtenham por meio desta lei serão de exclusiva propriedade da Caixa e se destinarão aos fins nella determinados. Em nenhum caso e sob pretexto algum, poderão esses fundos ser empregados em outros fins, sendo nullos os actos que isso determinarem sem prejuízo das responsabilidades em que incorram os administradores da Caixa.”

O Banco do Brasil, desde o século XIX, proporcionava aposentadoria integral aos funcionários incapacitados ao trabalho, inclusive por velhice. A partir de 1920, quando obrigou a todos os funcionários ingressarem na Caixa Montepio dos Funcionários do Banco do Brasil, entidade dos funcionários, passou também a proporcionar pensão à família dos funcionários falecidos, através da Caixa Montepio.

Em 1934, o Governo continuou sua política de ampliação da Previdência Social à população trabalhadora, instalando o IAPB, cujo Decreto 24615/1934 deu continuidade àquelas mesmas normas adotadas pela Lei Eloy Chaves:

“Art. 9º Terá direito à aposentadoria ordinária o associado, de cinquenta ou mais anos de idade, que houver pago sessenta, ou mais, contribuições mensais ao Instituto e contar trinta anos, ou mais, de serviço.

Parágrafo único. A importância da aposentadoria ordinária será calculada de conformidade com as contribuições efetivamente pagas e de acordo com o resultado dos estudos o atuariais a que se refere o art. 25.

Art. 5º As rendas arrecadadas pela forma estabelecida neste decreto são de exclusiva propriedade do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários, e em caso algum terão aplicação diversa da estabelecida neste decreto e seu regulamento.”

Esse mesmo Decreto permitiu aos funcionários do Banco do Brasil a opção de não se filiarem ao IAPB: “Art. 29. Aos empregados do Banco do Brasil fica assegurada, durante o prazo de 30 dias, contados da instalação do Instituto, a faculdade de recusar a sua inscrição entre os associados, o que deverá ser declarado por escrito.”

Entendo que essa opção foi permitida em razão da Constituição Federal de 1891 que, a meu ver, já consagrava o princípio do direito adquirido: “Art.11-3º - É vedado aos Estados, como à União: ... prescrever leis retroativas.” Princípio que seria, uma semana depois, claramente expresso na Constituição Federal de 1934: “Art.113-3 - A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.” A partir de então, esse princípio passou a integrar todas as Constituições Federais proclamadas!

A Lei 593/1948 elevou para integral a aposentadoria por tempo de serviço de determinadas classes de trabalhadores:

“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º É concedida aposentadoria ordinária em caráter especial, aos ferroviários e demais trabalhadores a que se refere o artigo 1º do Decreto-lei nº 20.465,de 1 de outubro de 1931, admitidos ao serviço antes da vigência dêste decreto, nas seguintes bases:
a) aos trinta e cinco anos de serviço, com salário integral;
b) aos trinta anos de serviço com 80% (oitenta por cento) do salário.”

O Regulamento Geral dos IAPs (Decreto 35448/1954) consagrou a aposentadoria integral:

“Art. 28. A aposentadoria por velhice será concedida ao segurado que, após haver realizado 60 (sessenta) contribuições mensais, completar 65 (sessenta e cinco) ou mais anos de idade e consistirá numa renda mensal calculada na forma dos §§ 4º e 5º do art. 25.

Art. 25-§ 4º A aposentadoria por invalidez consistirá numa renda mensal correspondente a 70% (setenta por cento) do "salário de benefício" , calculado na forma do art. 21 e seus parágrafos, acrescida de mais 1% (um por cento) desse salário, para cada grupo de 12 (doze) contribuições mensais realizadas pelo segurado, até o máximo de 30% (trinta por cento) consideradas como uma única todas as contribuições realizadas em um mesmo mês.”

Mal transcorreram seis anos, e o Governo decidiu limitar o valor da aposentadoria a cinco vezes o valor do salário mínimo e, em caso especial, a dez vezes, através do Regulamento Geral da Previdência Social.

Já que o Governo fracassou em fornecer a todo o Povo Brasileiro trabalhador PREVIDÊNCIA SOCIAL no mesmo nível econômico da época de vida laboral, como presta aos servidores públicos por exemplo, ele elevou TODAS AQUELAS DIVERSAS FORMAS de CONTRATOS PRIVADOS DE NATUREZA PREVIDÊNCIÁRIA TRACIDIONAIS BRASILEIROS ao mais alto patamar de REGIME DE PREVIDÊNCIA PRIVADA COMPLEMENTAR, no ano de 1977, através da Lei 6435.

Segundo entendo, essa lei teve a intenção de utilizar todas aquelas formas tradicionais da Previdência Social Brasileira para realizar aquilo que a Previdência Oficial não conseguiu: manter, na aposentadoria e na pensão, o nível de vida da época da vida ativa do trabalhador de mais elevado nível de renda:

“Art. 42 - Parágrafo 5º - Não será admitida a concessão de beneficio sob a forma de renda vitalícia que, adicionada à aposentadoria concedida pela previdência social, exceda a media das remunerações sobre as quais incidirem as contribuições nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores à data da concessão, ressalvadas as hipóteses dos parágrafos 6º e 7º seguintes.”

O artigo 46 demonstra claramente que a RESERVA ESPECIAL da LC 109 destina-se exclusivamente aos PARTICIPANTES. Afinal nada mais é que ideia já constitutiva das normas que regeram as CAPs e os IAPs, como já vimos, a saber, as reservas de uma entidade previdenciária, uma EFPC, DESTINAM-SE EXCLUSIVAMENTE AO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. EXATAMENTE O QUE MANDA O ARTIGO 19 DA LC 109. Eis o supracitado artigo 46:

“Nas entidades fechadas, o resultado do exercício, satisfeitas todas as exigências legais e regulamentares, no que se refere aos benefícios, será destinado: à constituição de uma reserva de contingência de benefícios ate o limite de 25% (vinte e cinco por cento) do valor da reserva matemática; E, HAVENDO SOBRA, AO REAJUSTAMENTO DE BENEFÍCIOS ACIMA DOS VALORES ESTIPULADOS NOS PARÁGRAFOS 1º E 2º DO ARTIGO 42, LIBERANDO, SE FOR O CASO, PARCIAL OU TOTALMENTE AS PATROCINADORAS DO COMPROMISSO PREVISTO NO PARÁGRAFO 3º DO MESMO ARTIGO.”

Eis o que prescrevem os parágrafos 1º, 2º e 3º acima citados:

“Parágrafo 1º - Para efeito de revisão dos valores dos benefícios, deverão as entidades observar as condições que forem estipuladas pelo Órgão Normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social, baseadas nos índices de variação do valor nominal atualizado das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN.

Parágrafo 2º - Admitir-se-á cláusula de correção dos benefícios diversa da de ORTN, baseada em variação coletiva de salários, nas condições estabelecidas pelo Órgão Normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social.

Parágrafo 3º - Faculta-se às patrocinadoras das entidades fechadas a assunção da responsabilidade de encargos adicionais, referentes a benefícios concedidos, resultantes de ajustamentos em bases superiores às previstas nos parágrafos anteriores, mediante o aumento do patrimônio liquido, resultante de doação, subvenção ou realização do capital necessário à cobertura da reserva correspondente, nas condições estabelecidas pelo Órgão Normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social.”

Aliás, no texto da ADI que recentemente foi intentada pela ANAPAR, lê-se que, na exposição de motivos, o legislador afirma que pretende criar um instrumento de fornecimento de Previdência Complementar, cujos RECURSOS SEJAM INTEGRALMENTE DESTINADOS AO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS AOS PARTICIPANTES.

A LC 109 foi mais generosa, porque não fixou nenhuma limitação ao valor do benefício e estendeu o ELENCO DE OPÇÕES POR TIPOS DE PLANO DE BENEFÍCIOS. Há-os os mais diversos. O importante é que existe Previdência Social Complementar para todo tipo de empresa e para todo tipo de gosto ou interesse. Segundo entendo, não é necessário violentar a Lei e a Constituição para dar curso à concretização dos objetivos do Governo, que me parece ser aumentar o montante das reservas previdenciárias para que sejam investidas no desenvolvimento econômico e social do País, bem como no processo de homogeneização econômica e social da população brasileira.

Quando da famosa intervenção governamental na PREVI no ano 2000, o Governo realizou os seus objetivos determinando que o Banco do Brasil participasse do EXCESSO DE RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS na proporção contributiva de 2 para 1, reduzindo a proporção contributiva de 1 para 1 e colocando o Plano de Benefícios Previdenciários BD existente em regime de extinção e, finalmente, criando um outro Plano de Benefícios Previdenciários MISTO para os novos servidores, segundo o livro DA CAIXA MONTEPIO À PREVI.

Creio que a exposição acima nos permite estabelecer alguns princípios que a NOVA NORMA DE RETIRADA DE PATROCÍNIO DEVE OBEDECER:

- respeitar a Constituição Federal e as leis (artigo 5º-II da CF);

- respeitar o direito adquirido (artigo 5º-XXXVI da CF);

- respeitar a destinação integral das RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS AOS PARTICIPANTES (artigo 202 da CF, a íntegra da LC 109, principalmente o artigo 19);

- respeitar o principio da coerência sistêmica;

- respeitar o princípio da hierarquia normativa;

- guiar-se pela própria razão de ser do Regime de Previdência Complementar, que é proporcionar aos assistidos nível de vida no mesmo patamar da época de vida laboral.

A meu ver, uma coisa tem que ficar bem clara: cada um dos diferentes tipos de Plano de Benefícios Previdenciários não se ajusta aos interesses e à realidade de todas as empresas. Por exemplo, o Plano de Benefícios Definidos, o BD, é mais ajustado a grandes empresas, com perspectivas de extensa duração, grande número de participantes, necessidade de quadro de servidores permanentes e, sobretudo, empresas de economia mista.

Atente-se para esses dados da População Economicamente Ativa do IBGE e do IPEA, onde, de saída, se depara com enorme disparidade, apesar do IPEA estar fazendo análise dos dados do IBGE:

IBGE (ano 2009)

PEA absoluto 107 milhões Urbana 87,5 Rural 17,5
relativo 65,7 milhões Urbana 55 Rural 10,7
Informalidade 16% Conta própria 20%
Salário:
mais de 5 salários mínimos 4,8%
mais de 10 apenas 1,3%

IPEA (1º semestre 2012):

PEA 25,7 milhões.
11 ou mais anos de instrução 15 milhões
Procurando emprego 2 milhões
Movimentação: Admissões 10,5 milhões Demissões 9,8 milhões
Informalidade 15,6%
Conta própria 17,9%
Rendimentos mensais médios reais 1.735,33
Setor privado 1523,38
s.p. efetivo c/ carteira 1577,92
s/ carteira 1228,53
conta própia 1484,74
Setor público 1723,51
s.p. efetivo 2723,91

Certamente que isso demonstra que as EXPLICITAÇÕES que o CNPC pretende fazer a respeito da CONSTITUIÇÃO FEDERAL e das LC 109 e 108, no que tange à RETIRADA DE PATROCÍNIO, não poderão ser realizadas sem um estudo consciencioso da REALIDADE DO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO. À primeira vista, com extrema superficialidade de visão desses dados, POUQUÍSSIMA é a população com TRABALHO ESTÁVEL, com SALÁRIO SUPERIOR A 5 VEZES O SALÁRIO MÍNIMO e servindo a GRANDES EMPRESAS, isto é, aquela que necessita do Regime de Previdência Complementar e que precisa ser ATRAÍDA e MANTIDA mediante a OFERTA DE PLANO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS DEFINIDOS (BD).

A população, que necessita do Regime de Previdência Complementar, restringe-se, segundo esse superficialíssimo exame dos dados do IPEA, creio, a 1% da População Economicamente Ativa, uns 300.000 trabalhadores. E, convém notar, como dissemos, limita-se praticamente ao âmbito das EMPRESAS DE ECONOMIA MISTA, já que o SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL TEM REGIME DE PREVIDÊNCIA PRÓPRIO COMPLEMENTAR.

Existem na arquitetura jurídica da LC 109 as mais diversas formas de se fornecer PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR, compatíveis com todo tipo de empresa e associação, grande, média ou pequena. O importante é incentivar o que existe, isto é, todos os diversos tipos e promover a difusão deles. O que certamente o GOVERNO NÃO QUER é que se difunda o REGIME DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR e se faça crescer o VOLUME DAS RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS, tão importantes para o desenvolvimento econômico do País, mediante a agressão aos direitos adquiridos e à extinção de uma de suas formas, precisamente aquela apropriada às GRANDES EMPRESAS COM QUADRO DE FUNCIONÁRIOS ESTÁVEL. Isso acontece, quando se torna o PATROCÍNIO algo de fato meramente TEMPORÁRIO, existindo ou não, ao bel prazer dos interesses momentâneos do PATROCINADOR. CRIA-SE, destarte, O PATROCÍNIO MAQUIAVÉLICO, uma farsa, um engodo, tal qual a armadilha para se atrair abelha. Tenho absoluta certeza: O GOVERNO REJEITA O PATROCÍNIO MAQUIAVÉLICO!

Quero apenas chamar atenção para o fato de que há concretização de orientações de interesse do Bem Público que pode afetar negativamente o BEM PÚBLICO INCONTESTÁVEL que é o REGIME DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR, consagrado na Constituição Federal e arquitetado pela engenharia jurídica da LC 109. Tenho plena certeza de que os objetivos do Governo estão harmonizados com aquele descrito no Título VIII da Constituição Federal, o mapa do consenso do Povo Brasileiro. Por que? Porque também o Governo é governado pela Constituição Federal.




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