sábado, 31 de outubro de 2015

350. O Absolutismo Político Europeu. Precedentes da Religião Cristã

No início do século IV EC, Constantino torna-se o imperador de Roma. No convívio daquela sociedade multicultural da cidade de Roma, filho de Helena, mulher cristã que a Igreja de Roma elevou à dignidade de santa, Santa Helena, ele pode avaliar a qualidade do caráter dos cidadãos daquela seita judia, apelidada Cristianismo, que, em muitos casos, nem a tortura nem a mais atroz morte conseguiam renegar a adoração a Cristo, e prestar esse culto ao Imperador. Ele constatava igualmente que, nesses trezentos anos de existência, o Cristianismo se propagara pela população e pelas legiões do Império. Ele até a utilizara para manter elevado o moral de suas legiões e derrotar os exércitos de Maxêncio e Licínio, na sua marcha açodada pela conquista do trono de Imperador Romano.

Essa união da Igreja Cristã e Estado teve início com o Imperador romano Constantino no século IV EC. Will Durant diz que para Constantino “o Cristianismo significava... um meio, não um fim... Constantino aspirava a monarquia absoluta, forma de governo que se beneficiaria do apoio religioso, a disciplina hierárquica, e a autoridade ecumênica da Igreja talvez proporcionassem um correlativo espiritual à monarquia.”

Will Durant relata que Constantino, já Imperador Romano, promoveu um concílio dos bispos cristãos  num salão do palácio imperial em Niceia em 325 EC. Abriu os debates em exortação à unidade. Acompanhou-os. Moderou a violência dos debatedores. Participou dos debates. E aprovou o Credo de Niceia, aquele em que se consagrou o dogma de fé da divindade de Jesus Cristo e da Trindade Divina. Agiu como Pontifex Maximus, título, segundo Geoffrey Barraclough, de que o imperador romano só foi despojado em 397 EC. Esse historiador esclarece ainda mais: Constantino “...resolveu, em 325, no famoso Concílio de Niceia, a controvérsia com os arianos, impondo a sua própria fórmula.”

 Will Durant afirma que o Concílio de Niceia “...assinalou a substituição do paganismo pelo cristianismo como expressão religiosa do Império, tornando definitiva a aliança do imperador com a fé triunfante. Uma nova civilização, baseada em uma nova religião, iria agora erguer-se das ruínas de uma cultura exausta e de um credo moribundo. A Idade Média começava.” Atribui também à sagacidade de Constantino, que matou irmão, filho e mulher, o fato de só se haver batizado em idade avançada, próximo a morte, para garantir-se da pureza da alma, a fim de não ser impedido pelos seus pecados de ingressar no Reino dos Céus.

Teodósio I foi o último imperador romano, últimos anos da Idade Antiga. Tão poderoso que interferia na administração da Igreja e até na definição da doutrina cristã, conduzindo, como Constantino, os sínodos e concílios para a definição dos dogmas, segundo o que julgava ser conveniente ao interesse do Império. Fez-se batizar e agia para que todo o império adotasse a doutrina cristã romana. Foi saudado pelos bispos no Concílio de Constantinopla (448 EC) como imperador-pontífice! Ele se achava em Milão, quando os habitantes de Tessalônica insurretos assassinaram a autoridade local. Em represália, o imperador ordenou a matança de todos os amotinados. Calcula-se que sete mil pessoas tenham sido executadas. Quando em Milão, após esse episódio, Teodósio pretendeu participar dos atos litúrgicos na igreja da cidade, Ambrósio, o bispo da Igreja local, postou-se à porta do templo, impediu-lhe a entrada, acusou-o da morte de inocentes, e impôs-lhe humilhantes atos de longa penitência. Teodósio submeteu-se humildemente ao castigo, permanecendo recluso no seu castelo, sem vestir os trajes imperiais, segregado da comunidade cristã milanesa por oito meses, quando, comprovado seu arrependimento e tendo suplicado publicamente perdão pelo genocídio, foi reintegrado no seio da comunidade cristã da cidade.

 Por essa época, surge Agostinho, que é descrito por Will Durant nestes termos: “Poucos homens na História exerceram tão grande influência quanto ele... Antecipando e inspirando Gregório VII e Inocêncio III, reivindicou para a Igreja a supremacia sobre o Espírito e o Estado; as grandes lutas dos papas contra os reis e imperadores foram corolários políticos de suas ideias. Dominou até o século XIII a filosofia católica. Até mesmo o aristotélico Santo Tomás de Aquino seguiu muitas vezes a orientação de Agostinho. Wycliff, Huss e Lutero julgaram voltar-se para as teorias de Agostinho... Calvino baseou seu implacável credo nas teorias que Agostinho tecera sobre o eleito e o condenado. Ele é a voz mais autêntica, mais eloquente e mais poderosa da Idade da Fé, na cristandade.”

Durante mais de um milênio, do século V ao século XVIII EC, a sociedade europeia foi organizada à luz da mentalidade cristã romana agostiniana. Entre os dogmas indiscutíveis incluía-se o da Providência Divina. F.-J. Thonnard, em seu Compêndio de História da Filosofia, informa que o dogma da Providência Divina era fundamental na concepção filosófica de Agostinho, juntamente com o de Deus, Verdade Subsistente. E explica que Agostinha entendia que eternamente Deus, a Verdade Subsistente, tem a ideia de tudo que existe e é exatamente isso que faz que existam as coisas, tudo, inclusive, os atos que nós homens praticamos, até os nossos pensamentos e desejos. Deus é causa eficiente e estrutural de absolutamente tudo o que existe.

Assim, toda aquela concepção cosmológica, filosófica, teológica e social da Idade Média sofre influência de Agostinho. Thonnard ensina que, segundo Agostinho, “A Igreja e o Estado são duas sociedades perfeitas e soberanas, a primeira na ordem sobrenatural da salvação eterna, a segunda na ordem temporal; assim o Estado fica subordinado à Igreja,...; o Estado deve pois ser, nos seus chefes como nos seus membros, o filho submisso da Igreja...”

Entre as suas premissas constava a teoria de que a Terra é o centro do Universo, criado por Deus, que quer viva o Homem nesse paraíso central, para ser pelo Homem reconhecido e glorificado! Entre os seus corolários encrustam-se o da organização social (senhores e servos) e o da origem divina dos reis (certas famílias nascem para comandar, a realeza é destino divino, o poder político é herança). A sociedade compõe-se de três classes: o clero (ora, harmoniza a sociedade com a divindade e, sobretudo, doutrina), a nobreza (manda, garante a segurança, faz guerras de seu interesse, diverte-se e, com o clero, dispõe de toda riqueza) e o povo (trabalha, arca com as despesas de toda sociedade, sobretudo a luxuosa existência da nobreza e do clero, e morre na guerra como turba de combatentes). O rei é o dono da terra do reino e o senhor das pessoas. No final do século XVIII, já decorridos três séculos da Idade Moderna, a França era o maior e mais rico império europeu, com população de 27 milhões de habitantes, ainda composta do clero (restringia-se a 130 mil pessoas), da nobreza (cerca de 200 mil) e do povo (os restantes 26,670 milhões de indivíduos)! O povo era obrigado até a pensar na conformidade da vontade do rei, que governava o país no seu interesse, apoiado pelo clero e nobreza que compartilhavam prodigamente dos resultados da administração régia.

A sujeição do povo era, pois, crucial para a segurança da sociedade medieval. Essa sujeição era obtida através de cruel repressão às transgressões da lei e fiel prática da doutrina pregada pelo clero, que ensinava que a vida terrena seria mero estágio probatório para obtenção do prêmio de uma vida feliz eterna no Reino dos Céus. Muito embora a Inquisição só haja sido instituída no século XIII, e como instituição eclesiástica, o Estado medieval entendia a heresia como grave atentado à ordem pública, de modo que era reprimida com extremo rigor, cruelmente. Punia-se com confissões e penitências públicas, longas e vexatórias; com prisões perpétuas em masmorras inabitáveis, com açoites e mutilações de todos os tipos; com torturas; com trabalhos forçados e degredos em locais inabitáveis; com a morte na forca, na guilhotina, na fogueira, decapitado, empalado, esquartejado, etc.

Século e meio depois de Agostinho, um nobre romano e prefeito de Roma se convence de que o fim do mundo está próximo. Emprega toda a sua fortuna na fundação de um mosteiro de que se torna o abade. Em certa ocasião, vago o trono do Papa, o povo de Roma se levanta e obriga o abade Gregório, que nem sacerdote era, a aceitar ser Papa. Gregório enviou seus monges para todos os recantos da Europa. Os monges de Gregório Magno estenderam o domínio da Igreja de Roma a toda a Península Itálica, à Península Ibérica, à França, às Ilhas Britânicas, aos países nórdicos, à Alemanha, à Europa Central e até a regiões do Oriente Europeu, pregando a doutrina agostiniana, ameaçando todos os povos, que não aderissem ao credo e à moral cristã, com o fogo do Inferno que queima atrozmente sem consumir, eternamente.
 
 
 
 

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