Tales
de Mileto viveu no século VII AEC. A espécie Homens Sapiens já existia há
duzentos mil anos. A civilização já existia há mais de seis mil anos: o homem
já vivia em cidades e impérios com belos palácios, escrevia em plaquinhas de
barro; já fazia poesias, leis, cálculos aritméticos e astronômicos; tinha até
explicação para a sua existência e a existência da Terra e do Mundo. Explicava
tudo isso de forma imaginosa, fabulosa.
O
povo grego, por exemplo, segundo Luc Ferry, pensava que o Mundo surgiu do nada
na forma do Caos, “uma divindade bem estranha... um buraco negro, no meio do
qual ser algum se encontra que se possa identificar... nas trevas absolutas que
reinam no meio daquilo que, no fundo, é uma total desordem... enfim, nesse
buraco escancarado... reina a total escuridão. Tudo é confuso, desordenado...
um gigantesco precipício obscuro... se você cair dentro dele, a queda é infinita.
Mas seria impossível, pois... ser algum se encontra nesse mundo! Depois, de
repente, uma segunda divindade surge desse caos, sem que se possa realmente
saber por quê. É uma espécie de milagre, um acontecimento original e
fundador... Algo surge, só isso, sai do abismo, e esse algo é uma deusa
formidável, chamada Gaia – o que, em grego, significa terra. Gaia é o chão
firme, sólido, o chão nutriz em que plantas muito em breve vão poder crescer,
rios vão correr, animais, homens e deuses vão poder andar. Gaia, a terra, é ao
mesmo tempo o primeiro elemento, o primeiro pedaço de natureza literalmente
tangível e confiável – nesse sentido é o contrário do Caos: ali não se cai
infinitamente, pois ela nos ampara e carrega -, mas é também a mãe por
excelência, a matriz original da qual todos os seres futuros, ou quase todos,
vão em breve sair.”
O
povo grego, habitando uma região no extremo oriental do Mar Mediterrâneo, elaborara
um conjunto muito extenso de histórias tais sobre a vida conjunta de homens e
deuses, que constituíam uma verdadeira família, para explicar todas as coisas.
A razão de ser de todas as coisas e todos os acontecimentos atribuía-se a atos
praticados pelos homens e por esses deuses, filhos ambos de Gaia, sob o comando
destes últimos, seres superdotados e imortais, e, por isso mesmo, cultuados em
rito religioso.
Foi,
então, naquele século VII AEC que em Mileto, uma cidade da Grécia antiga,
situada em região costeira do Mar Egeu hoje pertencente à Turquia, Tales, líder
político da cidade, legislador, matemático, astrônomo, incluído no rol dos Sete
Sábios da Grécia, passou a explicar, pela primeira vez na História da
Humanidade, os fenômenos da natureza de forma racional, isto é, usando a
faculdade da Razão.
Entende-se,
por Razão, a faculdade mental do indivíduo humano que explica as coisas, os
fatos, os fenômenos com base em justificativas: dá a razão de ser dos fatos,
extraindo-a dos próprios fatos, através da observação. Essas justificativas são
hauridas na observação do fenômeno (objetividade) e mantidas na concatenação
das ideias (lógica, uma ideia exige a ligação com a outra por derivação de
coerência, de impossibilidade do contraditório). Assim, o processo racional de
pensar, é um processo ou método lógico e sistemático de pensar, de explicar as
coisas. A racionalidade é um pensamento objetivo, sistemático e justificado
sobre determinada coisa. É a ideia, a imagem ideal, a imagem mental mais
aproximada que se pode obter de qualquer coisa, a melhor explicação que se pode
obter de um fenômeno.
Essa
invenção de Tales, por isso, assumiu o nome de Filosofia (amigo da sabedoria),
um método de investigação, do estudo dos fenômenos. A História relata uma série
de numerosíssimos filósofos ao longo dos séculos subsequentes e, sobretudo, o
aperfeiçoamento desse método, com o surgimento da ciência moderna. Assim, essa
façanha de Tales é considerada o início da Filosofia e da Ciência. Foi ela tão
extraordinária que, através da Ciência, forneceu uma das características da
civilização ocidental, e vem tendo influência relevante nas características da
civilização nos tempos atuais e no destino da Humanidade.
Não
se sabe se Tales escreveu livros. Apenas se conhecem algumas citações do que
ele ensinava. Aristóteles, em seu livro Metafísica, a ele se refere como “iniciador
desse tipo de filosofia”. Narra que um grupo de filósofos, que foram os
primeiros a observar a natureza (a physis), constataram que nada se gera em
sentido absoluto e nada se destrói em sentido absoluto. Não encontraram outra
razão para tal fato senão que todas as coisas são constituídas de um mesmo
material, um mesmo elemento material. Se esse substrato é a realidade imutável
que está em todas as coisas enquanto todas essas coisas mudam, então essa coisa
é a arché, aquilo do qual tudo provém, aquilo no qual tudo se decompõe e aquilo
o qual tudo de fato é.
Crê-se
que Tales, observando a natureza, a característica contingencial de todas as
coisas, seu estado permanente de transformação, fixou sua atenção no elemento água
e entendeu que a arché seria a água: tudo é água. Ele conhecia as
transformações de estados da matéria, e a presença da água nos fenômenos da
vida. A própria mitologia grega colocava no rio Oceano, rio circundante da
Terra, a origem do planeta. Tão empolgado
era Tales com esse fenômeno natural, que é a água, que ele a julgava o
princípio da vida, alma que move o ferro (magnetismo). Assim, entendia que
todos os seres são vivos, todas as coisas estão cheias de deuses.
Assim,
já decorridos centenas de milênios da marcha da Humanidade pelos cenários da
Terra, naquele VII século AEC, a Humanidade, através do sábio grego Tales, na
cidade de Mileto, tomava conhecimento do seu dom da Racionalidade, que lhe
confere uma das suas mais elevadas e específicas qualificações, elevada
capacidade de se conhecer, de conhecer a Natureza e de saber sempre mais como utilizá-la
eficientemente para a satisfação de suas necessidades e exigências de
sobrevivência e bem-estar.
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