Fico-lhe
grato por me ter dado a conhecer esse extraordinário texto de Jason Stone. Ele
realmente mereceria ser mais difundido, já que se trata de vibrante e
apropriada expressão do sentimento e da mente humana diante desse absurdo
fenômeno que é a morte, e, sobretudo, da morte em plena fase de desenvolvimento
ou em plena idade madura: aquela, mera época de inocência e preparação e
descoberta, esta, a própria fase das realizações.
Em a Megera Domada,
Shakespeare nos recorda o absurdo da morte, agredindo-a com palavras de
incontida repulsa: "medonha morte, como tua pintura é feia e
repulsiva!" Essa inconformidade humana com relação à morte é um sentimento
que perpassa toda a mais elevada expressão cultural na trajetória histórica da
Humanidade. A primeira epopeia, produzida pelo gênio humano nos albores da
civilização, Gilgamesh, trata da busca incontrolada do Homem pela imortalidade.
A maior revolução da História, aquela que definiu o rumo da Cultura e da
Civilização Ocidental, a invenção do Cristianismo, foi produzida pela incontida
aspiração de Paulo de Tarso e seus discípulos à imortalidade, que ele dizia ter
sido conquistada através da morte de Jesus Cristo.
Os
dramaturgos gregos expressaram em versos imortais a repulsa humana à morte e ao
sofrimento. Limito-me à citação de Sófocles:
"Que
maior prova de loucura pode haver
que
desejar o homem a vida prolongada?
Certo
é que uma longa existência
encerra
em seus caminhos muitos males.
E
quem muitos anos ambiciona
não
pode ver a alegria onde ela realmente se encontra:
não
ter nascido vale mais que tudo."
Esse
menosprezo pela vida foi um sentimento humano de milênios, pois já, um século
antes de Sófocles, afirmara o poeta Teógnis de Megara:
"Não
ter nascido, não ver jamais o sol,
acaso
existirá bênção maior?"
A
Humanidade da Idade Média foi forjada nos claustros dos mosteiros. O
papa,sucessor de São Pedro e guardião das chaves do Reino dos Ceus, ousou
deslocar-se de Roma para intimidar Carlos Magno com a ameaça de fechar-lhe as
portas da eternidade feliz e precipitá-lo nos tormentos infinitos do Inferno,
se não defendesse os territórios pontifícios contra a ambição dos lombardos. A
mentalidade daquela época está expressa naquela oração milenar, que eu e você
aprendemos a rezar ainda crianças, a Salve Raínha:
"A
vós bradamos os degradados filhos de Eva.
A
vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas."
A
Humanidade só passou a tomar gosto pela vida, quando, no início da Era Moderna,
os negociantes ricos de Veneza e Gênova, os burgueses, passaram a comprar todas
as comodidades e todos os prazeres, proporcionados pela Natureza e pela
Cultura. O Homem do início da Era Moderna aprendeu a tudo comprar para ser
feliz nesta vida terrena. Decidiu ser feliz nesta existência e nesta existência
realizar-se de tal forma que até o sacerdote ele mantinha em seus palácios,
para a aquisição da absolvição de seus pecados na hora da morte e das
indulgências, que até do Purgatório o livrariam!
O
Homem da Idade Moderna tem seu mais alto paradigma histórico talvez em Izabella
d’Este, a duquesa italiana, que conhecia o Grego e o Latim, entendia de
Aristóteles e Cícero, cantava, tocava, dançava, era bonita e elegante e
charmosa, ditava moda e abrigava em seu palácio os mais eminentes vultos da
sociedade italiana: sacerdotes sábios, filósofos, professores, médicos, poetas,
pintores, escultores, arquitetos, músicos e novelistas. Foi dito que nunca a
Humanidade vira mulher igual a Izabella d’Este.
Erasmo
de Roterdã expressou essa mentalidade naquela famosa frase: "Antes de
tudo, dizei-me: haverá no mundo coisa mais doce e mais preciosa do que a
vida?" E, séculos depois, essa mentalidade já havia evoluído a tal ponto
que, o nosso poeta maior, Olavo Bilac, encerra, na minha opinião, o seu mais
belo e importante poema, A Alvorada do Amor, com uma síntese audaciosa da
mentalidade do Homem Contemporâneo: "Terra, melhor que o Céu! Homem, maior
que Deus!"
O
que importa ao Homem Contemporâneo é o momento presente, é a intensidade com
que se vive o momento presente de cada um"Carpe diem" (Usufrui do dia
de hoje"). Esse momento presente apresenta as mais variadas faces: as
relações familiares, os amigos, os campus universitários, as viagens, o
turismo, a natureza, as praias, os rios, as florestas, as montanhas, os
desertos, as geleiras, os mares, Seichelles, Ilhas Mauricias, Dubai, Cingapura,
Las Vegas, New York e o Carnegie Hall, o cinema e o Oscar, a Cultura e o Nobel,
Paris e o Louvre, a Wall Street e as multinacionais com seus bilionários, Davos e Bill Gates, o Vale do Silício e a
tecnologia com o rádio e a televisão e o celular, a ONU e o Grupo dos 20, os esportes e as
Olimpíadas.
Assim,
um homem do povo em Paris deixou expressa numa lixeira de Montmartre essa
mentalidade, bem como a face com que se lhe mostrava a Felicidade: "Amar,
comer, beber e cantar, isso é a felicidade." Já para Pierre Bayle outra
era a face terrena da felicidade: "Encontro doçura e repouso nos estudos
em que me tenho empenhado e que me deleitam."
O
valor da Vida, aquilo que realmente importa, a meu ver, está sintetizado naquela
famosa e conhecida frase de Fernando Pessoa:"O valor das coisas não está
no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso,
existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas
incomparáveis."
Mas,
talvez haja sido Virgílio, o notável vate latino, quem nos tenha legado a mais
sensata atitude diante da Vida e diante da Morte: "Feliz quem pode
entender a existência e dominar todas as angústias, o implacável destino e a
tragédia da morte."
Prezado Edgardo. O seu ensaio, de didática brilhante e rico de pensadores, é um cálice do melhor vinho, para inebriar o nosso amor pela vida. Desconheço o antes, sem lembranças, e não espero o depois, da mesmice eterna. A vida é existência, para ser usufruída, sem maldades, nem culpas, e sempre pronta pra terminar. Eis a sabedoria e o prazer da vida.
ResponderExcluirA angústia humana, que floresce no Vale de Lágrimas, é regada pela tolice que menospreza a vida finita e única, enaltecendo vãs esperanças de graças infinitas.
Já avançamos muito, mas ao contrário da tese de Yuval Noah Harari, nunca chegaremos ao “Homo Deus”.
Abraço cordial do Aristophanes
Meu caro e inesquecível Diretor
ResponderExcluirSeu nome - Manifestação Perfeita, Aparição Sublime, Revelação Maravilhosa - revela tudo o que se deve esperar quando nos permite fruir de seu relacionamento e de sua sabedoria.
Edgardo