Platão,
o aristocrata, foi o grande discípulo de Sócrates e é, sobretudo, através dele
que conhecemos seu fabuloso mestre. Platão adquiriu os jardins de Academus
exatamente para abrir a sua escola de filosofia, a Academia.
Formulou,
então, um das mais brilhantes explicações do Homem e da Natureza, de modo que o
vulto de Platão se exibe entre os mais
salientes no imenso caudal de seres humanos cuja memória a História do
Pensamento registra de forma indelével e gloriosa, aere perenius, mais perene
que o bronze, como disse Horácio em verso imortal.
Não
pretendo me ocupar aqui propriamente com Platão. Ouso apenas expor uma ideia pessoal
minha sobre o pensamento de Sócrates, que me parece muito plausível como
explicação dessa ideia fixa de que a divindade lhe confiara a missão de difundir o conhecimento,
a maiêutica e a racionalidade entre os concidadãos.
Penso
que Sócrates entendia que as ideias, o conhecimento, eram pertences da mente
humana. Ali existiriam depositadas pela divindade, desde o nascimento. As
ideias, então, seriam inatas. Daí o preceito divino, que ele leu e interpretou
como missão divina, no pórtico do templo de Apolo em Delfos: “conhece-te a ti
mesmo.”
Assim,
o pensamento do inatismo das ideias, a meu ver, é socrático. Platão, da sua
parte, desenvolveu, a partir dele, a sua famosa teoria do conhecimento, como
reminiscência. Somente atribuindo essa autoria a Sócrates é que entendo o
diálogo de Platão, intitulado Alcebíades, situado pela crítica, por sinal,
entre os que contêm o pensamento do dileto mestre:
“Por
acaso é fácil conhecer a si mesmo – e quem inscreveu essas palavras no templo
de Delos é um tolo – ou ao contrário, é
uma coisa difícil, não acessível a todos?... Portanto, o que é o homem?... é
alguma coisa que se serve do corpo... O que mais se serve do corpo senão a
alma?... Assim... a alma, se quiser conhecer a si mesma, deverá fitar uma alma
– e principalmente aquela parte dela em que se encontra o atributo da Alma, a
sabedoria... Essa parte da alma é
semelhante ao divino e ao fita-la aprende-se tudo o que existe de divino,
intelecto e pensamento...” Pensar é
recordar, conhecimento é anamnese, elaboraria Platão, seguindo na esteira do
pensamento do mestre.
Mal
sepultado Platão, seu discípulo Aristóteles funda sua escola e elabora um
sistema filosófico que, através dos séculos, passou a rivalizar com o do
mestre. Aristóteles discordou de Platão em muitos pontos. Não aceitou a teoria
da anamnese nem a existência do mundo das Ideias. Valorizou a observação da
natureza e a atividade indutiva da inteligência humana. Propôs com base nessa
observação um axioma fundamental da sua teoria do conhecimento: nada existe no
intelecto que não esteja antes nos sentidos. Para Aristóteles, o conhecimento é
inicialmente indutivo e progride como dedutivo. Essa ideia é triunfante até
hoje e está na base da cultura e da civilização moderna.
A
teoria aristotélica, milênios transcorridos, foi abraçada pelos filósofos
modernos e foi expressa por Locke na famosa imagem de que o intelecto humano é,
ao nascer, uma tabula rasa, com que rejeitou a tese das ideias inatas.
Kant,
cem anos transcorridos, acrescentaria que a mente capta nos sentidos o fenômeno
na conformidade das estruturas com que a natureza a constituiu e, nos dias
atuais, Noam Chamsky afirma que estruturas mentais inatas da linguagem completam
a aparelhagem mental humana de elaboração do conhecimento.
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