domingo, 22 de outubro de 2017

396. Um Passo em Falso


Platão, o aristocrata, foi o grande discípulo de Sócrates e é, sobretudo, através dele que conhecemos seu fabuloso mestre. Platão adquiriu os jardins de Academus exatamente para abrir a sua escola de filosofia, a Academia.

Formulou, então, um das mais brilhantes explicações do Homem e da Natureza, de modo que o vulto de Platão se exibe  entre os mais salientes no imenso caudal de seres humanos cuja memória a História do Pensamento registra de forma indelével e gloriosa, aere perenius, mais perene que o bronze, como disse Horácio em verso imortal.

Não pretendo me ocupar aqui propriamente com Platão. Ouso apenas expor uma ideia pessoal minha sobre o pensamento de Sócrates, que me parece muito plausível como explicação dessa ideia fixa de que a divindade lhe  confiara a missão de difundir o conhecimento, a maiêutica e a racionalidade entre os concidadãos.

Penso que Sócrates entendia que as ideias, o conhecimento, eram pertences da mente humana. Ali existiriam depositadas pela divindade, desde o nascimento. As ideias, então, seriam inatas. Daí o preceito divino, que ele leu e interpretou como missão divina, no pórtico do templo de Apolo em Delfos: “conhece-te a ti mesmo.”

Assim, o pensamento do inatismo das ideias, a meu ver, é socrático. Platão, da sua parte, desenvolveu, a partir dele, a sua famosa teoria do conhecimento, como reminiscência. Somente atribuindo essa autoria a Sócrates é que entendo o diálogo de Platão, intitulado Alcebíades, situado pela crítica, por sinal, entre os que contêm o pensamento do dileto mestre:
“Por acaso é fácil conhecer a si mesmo – e quem inscreveu essas palavras no templo de Delos é um tolo – ou  ao contrário, é uma coisa difícil, não acessível a todos?... Portanto, o que é o homem?... é alguma coisa que se serve do corpo... O que mais se serve do corpo senão a alma?... Assim... a alma, se quiser conhecer a si mesma, deverá fitar uma alma – e principalmente aquela parte dela em que se encontra o atributo da Alma, a sabedoria... Essa parte  da alma é semelhante ao divino e ao fita-la aprende-se tudo o que existe de divino, intelecto e pensamento...”  Pensar é recordar, conhecimento é anamnese, elaboraria Platão, seguindo na esteira do pensamento do mestre.

Mal sepultado Platão, seu discípulo Aristóteles funda sua escola e elabora um sistema filosófico que, através dos séculos, passou a rivalizar com o do mestre. Aristóteles discordou de Platão em muitos pontos. Não aceitou a teoria da anamnese nem a existência do mundo das Ideias. Valorizou a observação da natureza e a atividade indutiva da inteligência humana. Propôs com base nessa observação um axioma fundamental da sua teoria do conhecimento: nada existe no intelecto que não esteja antes nos sentidos. Para Aristóteles, o conhecimento é inicialmente indutivo e progride como dedutivo. Essa ideia é triunfante até hoje e está na base da cultura e da civilização moderna.

A teoria aristotélica, milênios transcorridos, foi abraçada pelos filósofos modernos e foi expressa por Locke na famosa imagem de que o intelecto humano é, ao nascer, uma tabula rasa, com que rejeitou a tese das ideias inatas.

Kant, cem anos transcorridos, acrescentaria que a mente capta nos sentidos o fenômeno na conformidade das estruturas com que a natureza a constituiu e, nos dias atuais, Noam Chamsky afirma que estruturas mentais inatas da linguagem completam a aparelhagem mental humana de elaboração do conhecimento.



                                            



  
                                      


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