quarta-feira, 17 de junho de 2020

499. John Stuart Mill


          Nesta minha galeria de grandes vultos da História da Ciência Econômica pensei não incluir John Stuart Mill, porque nada produziu de acréscimo ao patrimônio do conhecimento científico econômico. Sua contribuição restringiu-se à composição do mais conceituado e popular texto de Economia do seu tempo. John Stuart Mill, no entanto, mereceu-me consideração, por motivo de sua exposição do embasamento filosófico de suas convicções econômicas liberais.
            Possuo o “Princípios de Economia Política”, editado por Victor Civita, com prefácio de Raul Ekerman. John Stuart Mill teve infância e adolescência de excepcionalidade realmente raríssima, porque seu pai, outro vulto da história dos sábios, se propôs a proporcionar ao filho a mais perfeita educação que concebera existir. E, de fato, realizou o seu projeto: “Assim, ao completar treze anos, Mill possuía o equivalente a completíssima educação universitária, diz Ekerman, sem nunca ter frequentado qualquer estabelecimento escolar de qualquer grau. Apesar de todo o rigor e severidade paterna, o filho em sua Autobiografia fez questão de esclarecer: “No que se refere à minha educação, não sei bem se tirei mais desvantagens do que proveitos de sua severidade, que, no entanto, não foi tal a ponto de impedir-me uma infância feliz.”
Em 1843, John publicou o “Sistema de Lógica Raciocinativa e Indutiva”, onde afirma que todo silogismo é estéril, não aumenta o conhecimento, porque a conclusão já se acha incluída, afirmada ou negada, na proposição primeira, universal: Todos os homens são mortais, ora eu sou homem, logo eu sou mortal.
O conhecimento, portanto, já se acha na proposição universal. E como se forma esse juízo universal? Pela observação de casos particulares: constatamos que todos que nos precederam, morrem, sem exceção. O passado sempre foi assim, quem nasceu morreu, então, extrapolamos para o futuro, quem nascer, morrerá. Mas, como justifico essa vinculação do futuro ao passado, essa identidade, essa igualdade? Por outra generalização ainda mais universal, que é o princípio da uniformidade da natureza ou o axioma geral da indução: “o curso da natureza é uniforme”, “ o futuro será semelhante ao passado”, “ o universo é governado por leis”.
Mas, o que estou realmente ligando nesse juízo? Duas coisas conhecidas? Não, estou identificando uma coisa desconhecida (o futuro) com uma coisa conhecida (o passado). Estou afirmando que a Natureza, o Universo, funciona sob a lei da uniformidade, sob leis, isto é, que todo o fenômeno que ocorre é precedido de “alguma combinação de objetos ou acontecimentos,,, cuja ocorrência é sempre seguida daquele fenômeno.” Estou admitindo a validade do princípio da causalidade.
Em 1863, Mill publicou o “Utilitarismo”, onde afirma que “as ações são corretas na medida em que promovem a felicidade” e que “felicidade é prazer e ausência de dor... as únicas coisas desejáveis como fins.” Não entende prazer de forma rude como o popular que rabiscou, na lixeira de Montmartre em Paris, "Amar, comer, beber e cantar, isso é a felicidade." Supera o hedonismo do belo e elegante Aristipo, que colocava a excelência humana, a virtude, a sabedoria na busca das sensações agradáveis: o homem sábio é o que busca os prazeres físicos; não sacrifica o bem presente por hipotético bem futuro; só o presente existe e o presente é talvez tão bom quanto o futuro, senão melhor; a arte de viver reside em agarrar os prazeres que passam e aproveitar o mais possível o momento presente; a filosofia não deve ser usada para nos afastar dos prazeres, mas para nos ensinar qual o mais agradável e útil; não é o asceta que se priva do prazer quem o domina, mas o homem que com ele se deleita sem se deixar escravizar, e sabe distinguir com prudência os prazeres perigosos dos que não o são; portanto o homem sábio deve mostrar inteligente respeito pelas leis e pela opinião pública, mas procurará de todos os modos evitar tornar-se senhor ou escravo de qualquer homem.
Mill reinventa o hedonismo de Epicuro, a felicidade é viver “sem dor no corpo e sem angústia na mente” Assim, “Segundo o princípio da máxima felicidade, o fim último em razão do qual todas as outras coisas são desejáveis, é uma existência o tanto quanto possível isenta de dores e o mais rica possível de prazeres.” Deve valorizar a qualidade do prazer em comparação com a quantidade: “É preferível ser um Sócrates do que um porco satisfeito.”  Inexiste oposição entre felicidade individual   e felicidade social, porque o indivíduo é produto da sociedade: a sociedade é que educa o indivíduo e nele infunde sentimentos desinteressados. Vasta multidão do mundo contemporâneo, o Mundo Ocidental político desde a Revolução Francesa indiscutivelmente, adota esses princípios de comportamento. Assim, parece-me incontestável largo espectro da cultura atual ter assimilado esses princípios básicos de comportamento, de modo que para vasta parte da população mundial e das instituições políticas, inclusive a Constituição Brasileira,  realizou-se a sua convicção de que a Humanidade seja capaz de produzir a Justiça e a Ordem Social.
Dois anos antes, Mill publicara o “Da Liberdade”, outra produção cujas ideias nutrem o vigor da cultura que permeia as instituições sociais contemporâneas. A necessidade da liberdade individual reside no fato de que apenas o indivíduo sabe o que o faz feliz, é uma experiência íntima, solitária. Mas para Mill, ela é necessária para o bem estar e para o progresso da sociedade: “a importância, para o homem e a sociedade, de ampla variedade de características e de completa liberdade da natureza humana a expandir-se em direções inumeráveis e contrastantes.” A liberdade individual deve ser protegida contra o despotismo e também contra “ a tirania da opinião e do sentimento predominantes, contra a tendência da sociedade de impor, com outros meios além das penalidades civis, suas próprias ideias e seus costumes como regras de conduta para os que dela se dissociam.” O indivíduo tem o direito de viver como lhe aprouver: “Cada um é o guardião único de sua saúde, corporal e mental, e mesmo espiritual”, porque  desenvolvimento social é consequência do desenvolvimento das mais variadas iniciativas individuais.” A liberdade de um indivíduo só é limitada pela liberdade de outro.  È vedado ao indivíduo “”lesar os interesses alheios ou determinado grupo de interesses que, por expressa disposição da lei ou por tácito consenso, devam ser considerados como direitos.”  É igualmente o indivíduo obrigado a “assumir sua parte nas responsabilidades e sacrifícios necessários à defesa da sociedade e de seus membros contra todo prejuízo ou dano,”  A liberdade civil implica liberdade de pensamento, de religião e de expressão; liberdade de gostos e de projetar a vida segundo o próprio caráter;  liberdade de associação. Enfim, a máxima liberdade individual possível de cada um para o bem estar máximo possível de todos.
Nessas três supracomentadas produções, John Stuart Mill legou para a Humanidade o acervo de princípios que constituem o espírito característico da cultura contemporânea, que baliza todas as organizações políticas globais, a ONU e suas diversas instituições, e que Olavo Bilac sintetizou em famoso e temeroso verso daquela que julgo a mais primorosa poesia produzida pelo gênio poético brasileiro: “Terra, melhor que o céu! Homem, maior que Deus!”

2 comentários:

  1. Colamos no blog do Dr. Medeiros:

    TÁ COMPLICADO
    quinta-feira, 18 de junho de 2020

    Olhem gente a coisa tá complicada. Ao menos para mim.

    Parece que não tá para alguns, como, por exemplo, para essa figura misteriosa do trader anônimo. 

    Contra minhas expectativas a bolsa melhorou. Saiu de 92.000 e foi para 96.000. [...]

    - Verdade! Para nós o "preço de mercado" é secundário. Para nós, o indicador ótimo é o "tempo", pois sustentamos que o hodierno capitalismo bursatil brasileiro se equipara a uma pirâmide financeira planejada e/ou administrada. Como é de conhecimento comum, toda pirâmide depois de revelada tende a deixar de existir. Naturalmente, estamos cônscios que tal sustentação vai de encontro a interesses poderosos.

    Para sustentarmos que o hodierno capitalismo bursatil brasileiro se equipara a uma pirâmide financeira planejada e / ou administrada apresentamos a seguir os argumentos 1 e 2:

    Argumento 1.

    [...] Aqui nos parece oportuno fazermos uma pausa em nossa abordagem para colocarmos uma pergunta importante: por que os títulos de Petrobras e Vale, além de ter tido valorização extravagante, como podemos ver na Tabela “1”, igualmente tiveram valorização desproporcional de aproximadamente “12” (doze) vezes a mais do que a média de valorização dos demais títulos da composição do índice Ibovespa no período de “1” de 1991 à “8” de maio de 2006?

    - A resposta é simples e inequívoca: porque tais valorizações extravagantes e desproporcionais possibilitaram a certos “agentes” transferir riquezas para si próprios, como sustentamos na primeira hipótese. Neste sentido, vimos na primeira hipótese que tal transferência de riquezas foi e é viabilizada por meio de um misto de informações privilegiadas e pelo uso de mecanismos endógenos da liquidez. De maneira profunda, veremos o uso de informações privilegiadas no próximo item. Por seu turno, igualmente de forma profunda, o uso dos mecanismos endógenos da liquidez será apresentado no item III.7.

    (continua)

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  2. (continuação)

    Argumento 2.

    [...] Neste ponto de nossa tratativa parece- nos oportuno fazermos uma pausa para colocarmos um importante questionamento: por que se o valor dos títulos de Petrobras e de Vale está próximo de zero, tais títulos são cotados no mercado bursatil, nas proximidades de um número infinito?

    - A resposta inequívoca encontramos nas sustentações apresentadas nas duas primeiras hipóteses do presente trabalho: assim, em primeiro lugar, na primeira hipótese sustentamos que “o hodierno capitalismo bursátil brasileiro se equipara a uma manipulação planejada e continuada”. Em outros termos, na primeira hipótese sustentamos que “o hodierno capitalismo bursatil brasileiro se equipara a uma pirâmide financeira planejada”. Em segundo lugar, na segunda hipótese, sustentamos que “o hodierno capitalismo bursátil brasileiro tem como seu principal objetivo transferir riquezas por meio da forma mais sutil possível”. Ademais, no próximo item desta terceira hipótese vamos sustentar que o hodierno capitalismo bursatil brasileiro afronta “a lei do valor”. Em síntese, podemos dizer que “o hodierno capitalismo bursatil brasileiro pode ser equiparado a uma conspiração relacionada ao tempo”. Para ilustrarmos o conjunto destas três observações, acima mencionadas, encontramos na literatura técnica o seguinte fragmento de texto:

    [...] Sur un marché, les acteurs ne se déterminent pas en fonction de leur estimation de la valeur fondamentale, mais en fonction de l’évolution attendue des cours. (63)
    Traduzindo:

    [...] Em um mercado, os atores não decidem de acordo com sua estimativa do valor fundamental, mas de acordo com a evolução esperada das cotações. (63)

    A semelhança da inteligência das afirmações vale a transcrição:

    [...] Na falta de qualquer ativo real capaz de cobrir os rendimentos anunciados, Ponzi oferecia a seus primeiros clientes o capital aportado pelos que vinham depois. A sustentabilidade do conjunto supunha, portanto, a manutenção infinita do fluxo de novos clientes. (14)

    Logo, quando relacionamos entre si estas duas observações, acima mencionadas, não nos parece exagerado concluirmos que este é um SEGUNDO INDÍCIO de que o hodierno capitalismo bursátil brasileiro pode ser equiparado a uma pirâmide financeira administrada e/ou planejada.

    Estamos bem perto de uma importante conclusão: a evolução dos preços das ações é uma conseqüência simples e direta da magnitude da “cauda de volume” e do surgimento da opinião do próprio mercado.

    Em outros termos, a “cauda de volume”, acima mencionada, além de nos permitir indicar a evolução dos preços das ações em determinada direção é um “resíduo de volume” que equivale exatamente àquela forma mais acentuada que encontramos na visualização dos três primeiros gráficos do presente trabalho, tanto na tendência primária de alta, quanto na tendência primária de baixa, o que vem a confirmar algo frequentemente dito pelos analistas: “contra fluxos não há argumentos”.


    (14)diplomatique.org.br/o-mundo-refem- das-finanças/;

    (63) https://www.cairn.info/revue-reflets- et-perspectives-de-la-vie-economique- 2004-2-page-35.htm

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