Dileto amigo
Fiz a leitura do estudo sobre o Regime da Previdência Complementar que me foi por você sugerida. Como lhe noticiei em mensagem precedente, a leitura das primeiras folhas daquele trabalho me entusiasmou. Pareceu-me estar lendo trabalho de profundidade, objetividade e clareza peregrina.
Infelizmente não consegui manter essa opinião até o término da leitura. A partir de determinada altura do processo de exposição, o autor se limita a simples descrição da LC 109, sem demonstrar maior interesse por desenvolver considerações, que retirem da fria tessitura do documento legal orientações prenhes de valiosas contribuições para a existência do cidadão amparado pela Previdência Social Complementar.
Procurei investigar o autor. Ele próprio se apresenta alhures como Doutor Professor, com vários títulos acadêmicos nacionais, a partir de determinada data, sempre situado em estratos altos da pirâmide da estrutura administrativa do Estado, em geral na área de seguro e previdência complementar, já tendo sido secretário de nossa bem conhecida SPC.
Ali ainda no início do texto deparei-me com a seguinte afirmativa: só não pode ser contratado o que for proibido pela lei. Considero muito laxa essa formulação, até chocante. Os contratos constitutivos da relação de previdência complementar, - o Contrato de Patrocínio e notadamente este, o Contrato de Participação, que considero o âmago da relação jurídica da Previdência Complementar, - são todos de adesão, e o motivo básico, é exatamente esse: são contratos pactuados no ventre do Regime da Previdência Complementar. Isso quer dizer que, esses contratos se submetem às leis, ainda mais que um contrato em estado puro, porque esses contratos são considerados especiais pelo Estado.
Veja o que diz a respeito Wladimir Novaes Martinez: “Presença da vontade - .... (vontade do legislador)... (vontade da pessoa)... Afirmações... não absolutas, pois o contexto comporta, igualmente, conforme o ponto enfocado, disciplina com um deles ou ambos esses vieses.”
Mais adiante: “Só prevalece a vontade do legislador quando a do particular conflitar com o objetivo do sistema: propiciar benefícios complementares ao básico.”
“...o Estatuto Social e o Regulamento Básico...QUANDO EM CONSONÂNCIA COM A LEI BÁSICA e seu regulamento, postam-se acima destes na hierarquia das fontes formais.”
“Os princípios... EM FACE DA LEI DISPOSITIVA E EXPRESSA NADA SIGNIFICAM; porém, na omissão ou lacuna assumem importância, e nos seus limites, quando cabíveis, são instrumental ideal para cada caso.”
“NÃO SE PODENDO IDENTIFICAR COM O CONTRATO EM ESTADO PURO, praticamente inexistente, postado o vínculo a meia distância do contrato de adesão e da instituição, RESTA EXAMINAR AS REGRAS JURÍDICAS APLICÁVEIS À ESPÉCIE. Se típicas do direito privado ou as do direito público.”
O Dr. Sergio d’Andreia Ferreira, em estudo de profundidade incomparável sobre Previdência Complementar também insiste na limitação legal da autonomia da vontade das partes contratantes nos negócios jurídicos de Previdência Complementar.
Na minha opinião, vale a regra indicada pelo Ministro Luiz Fux, Ministro do Supremo Tribunal Federal:
“A população só tem segurança jurídica a partir do momento em que o magistrado se baseia ou na lei ou na constituição. É claro que essas leis, essas regras constitucionais, precisam ser interpretadas, mas a interpretação só se opera quando há uma dubiedade na lei.”
Mais adiante, o articulista afirma que a EFPC “jamais poderá ser considerada DONA do capital acumulado no plano..”. Acho isso estranho. Dr. Sérgio d’Andreia afirma, e explana sua tese com base em doutrina de Pontes de Miranda, que as EFPC têm patrimônio separado, patrimônio principal e patrimônio geral. Wladimir Novaes Martinez fala de rendimentos patrimoniais auferidos pelas EFPC. E a própria LC 109 no seu artigo 31-§3º manda: “§ 3º - Os responsáveis pela gestão dos recursos de que trata o inciso I do parágrafo anterior deverão manter segregados e totalmente isolados o seu patrimônio dos PATRIMÔNIOS do instituidor e da ENTIDADE FECHADA.” Veja bem, quem é pessoa jurídica, isto é, sujeito de direitos e deveres é a EFPC, não é o Plano de Benefícios Previdenciários. Ora, patrimônio é relação jurídica com expressão econômica, é obrigação ou direito. Só a EFPC, portanto, pode ser a DONA do patrimônio, que é esse negócio jurídico chamado RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS. Dona transitória, é clara, dona fiduciária, porque terá de entrega-las no futuro aos seus donos definitivos, a saber, os ASSISTIDOS.
Quero concluir com esta última consideração, exatamente sobre a esdrúxula Reversão de Valores. O articulista, embora tenha sido Secretário da SPC após 2008, a desconhecia em 2006, época em que redigiu essa explanação. A respeito do reequilíbrio do Plano de Benefícios Previdenciários, limitou-se a reproduzir os artigos 20, 21 e 22 da LC 109. Isso significa que ele, então ao menos, restringia os processos de reequilíbrio aos dois legais, ou via contribuição ou via gastos com benefícios... Isso revela que em 2006 ainda não se ventilava a possibilidade de entronizar a Reversão de Valores como uma faculdade jurídica. Assim, doutos palestrantes sobre Previdência Complementar ainda não ousavam enxerta-la em suas cultas palestras, como um dos dogmas da sã, evoluída e refinada doutrina do Direito Previdenciário Brasileiro...
Veja bem. Trata-se de uma explanação que merece leitura por certos esclarecimentos que fornece. Mas, creio, o articulista não teve maior preocupação em aprofundar a análise, já que, é evidente, que ele tem cultura para fazê-lo, se quisesse.
Seja como for, saída da lavra de um ex-secretário da SPC em 2006, sem nem tocar na Reversão de Valores, esse trabalho é muito significativo do caráter INOVADOR do instituto da Reversão de Valores... Ele é ilegal, inconstitucional, salvo mais doutos ensinamentos... com que espero um dia ser agraciado.