domingo, 10 de fevereiro de 2013

243. O Artigo 202 da CF e a LC108


Venho estudando texto recentemente publicado a respeito da Reversão de Valores, que pediu a fulminação da Reversão de Valores preconizada pela Resolução CGPC 26, a Direta, diferente, segundo diz esse texto, da Indireta que afirma existir.

Afirma, entretanto, que essa Reversão de Valores Indireta está conforme com a Constituição Federal (CF) e com as Leis Complementares 109, a lei básica da previdência complementar, e a 108, destinada especificamente para ajustar essa lei básica a certas peculiaridades de Patrocinador, que seja pessoa jurídica de direito público (artigo lº da LC 108).

E exatamente esse artigo 1º se reporta aos §§3º, 4º, 5º e 6º do artigo 202 da Constituição Federal, aqueles que o texto aludido diz autorizar a partilha da RESERVA ESPECIAL, na exata proporção do Princípio da Participação Contributiva, entre Patrocinador, Participante e Assistido.

Ora, o artigo 2º desta LC 108 empenha-se em afirmar, logo no preâmbulo, que o Regime da Previdência Complementar é regido pela LC 109. E acrescenta que ela, a LC 108, somente tem prevalência quando se trata de relacionamento entre EFPC e Patrocinador, que seja pessoa jurídica de Direito Público.

A LC 108 está dividida em cinco capítulos. O primeiro capítulo é introdutório e consta exatamente desses dois artigos que acabo de comentar.

O Capítulo II, que trata precisamente dos Planos de Benefícios, está dividido em duas seções, uma de disposições gerais e outra específica para o custeio.

A primeira seção cuida exatamente de pagamentos de benefícios e, em nenhum de seus três artigos, há a previsão de pagamentos na forma de Reversão de Valores, quer Direta quer Indireta. Ela se preocupa em proibir a melhoria dos benefícios, que poderiam advir de determinadas vantagens obtidas pelos empregados da empresa tais como bonificações por produtividade e abonos (§Único do artigo 3º). Mais nada que não esteja na LC 109. Este seria o lugar para a LC 108 mandar que a RESERVA ESPECIAL seja partilhada entre Patrocinador e Participante. E não mandou. Por que? Os Juristas da Idade Média já sabiam por que: ubi lex voluit dixit; ubi lex noluit, tacuit (onde a lei quis, disse; onde não quis, calou).

A LC 108 dedica a segunda seção ao custeio. E a inicia com um claríssimo e momentoso mandamento: “Artigo 6º - O custeio dos Planos de Benefícios será responsabilidade do Patrocinador e dos Participantes, inclusive Assistidos.

Houaiss diz que custeio é o ato de custear e que custear é arcar com o ônus da despesa! Essa seção, pois, trata de normatizar o ônus de pagar os benefícios previdenciários. Noutras palavras, trata de indicar a quem cabe fornecer os recursos para os pagamentos dos benefícios previdenciários. Trata exatamente de normatizar como a EFPC obtém recursos para formar as reservas dos Planos de Benefícios.

Essa seção, pois, trata da formação das reservas e não dos gastos das reservas. Trata do ônus de formá-las, não trata da fruição de gastá-las. É assim exatamente que, por exemplo, entende o Regulamento da PREVI, quando define Plano de Custeio: “LXX. Plano de Custeio – é a determinação dos níveis de contribuição que a entidade deve receber (da patrocinadora e/ou dos participantes) para assegurar o pagamento dos benefícios. Documento elaborado pelo atuário fixando as taxas de contribuição para o participante (ativo e assistido) e patrocinadora.”

Eis o que prescreve essa seção II a respeito do custeio do Plano de Benefícios:
- é ônus do Patrocinador e do Participante, inclusive Assistido (artigo 6º);
- o Patrocinador só assume o ônus que está previsto no plano de custeio, vedada a assunção de qualquer ônus adicional (artigo 6º-§3º);
- o ônus do Patrocinador limita-se à contribuição normal, que, no máximo, será em valor igual à do Participante (artigo 6ª-§1º);
- o Participante pode assumir ônus excedentes para financiar o Plano de Benefícios (art.6º-§2º).
- as despesas administrativas são custeadas pelo Patrocinador e pelo Participante e Assistido, e limitadas pela Autoridade Governamental (artigo 7º).

Como se vê, a seção II do Capítulo 2º não trata de gastos de RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS, não trata de gastos da RESERVA ESPECIAL. Ela trata do CUSTEIO, isto é, da formação das RESERVAS dos Planos de Benefícios, precisamente do oposto. E a respeito DESSA MATÉRIA, entre outras coisas, ela manda: A CONTRIBUIÇÃO do PATROCINADOR LIMITA-SE À NORMAL E ESTA, NO MÁXIMO, É PARITÁRIA! Ubi lex voluit, dixit: A CONTRIBUIÇÃO DO PATROCINADOR NO MÁXIMO É PARITÁRIA com relação à do Participante e Assistido!

E atentem para outra coisa muito importante: fica óbvio em todo esse texto que a LC 108 foi publicada exatamente para blindagem ainda maior do Patrocinador, entidade de direito público, do que aquela fornecida pela LC 109 a todos os Patrocinadores.

E fica patente, pois, também, que o benefício previdenciário pode ser aumentado, desde que haja recursos para financiá-lo: “§ 2º - Além das contribuições normais, os planos poderão prever o aporte de recursos pelos participantes, a título de contribuição facultativa, sem contrapartida do patrocinador.

§ 3º - É vedado ao patrocinador assumir encargos adicionais para o financiamento dos planos de benefícios, além daqueles previstos nos respectivos planos de custeio.” Isto é, a medida de valor dos benefícios é plano de custeio, que nada impede de ser revisto!...

O artigo 3º § Único claramente admite a alteração, desde que aprovada pela Autoridade Governamental: “As alterações no plano de benefícios que implique elevação da contribuição de patrocinadores serão objeto de prévia manifestação do órgão responsável pela supervisão, pela coordenação e pelo controle referido no caput.”

O Capítulo III dedica-se à organização da EFPC ligada a pessoa jurídica de direito público. É patente a intenção de blindagem do Patrocinador:
- administração e execução de Planos de Benefícios é a tarefa da EFPC, que assume a forma de sociedade civil ou fundação sem fins lucrativos (art. 8º);
- a estrutura organizacional consta de Conselho Deliberativo, órgão máximo com poder máximo, Conselho Fiscal e Diretoria Executiva (art. 9º e 10º);
- Conselho Deliberativo compor-se-á de representantes do Patrocinador e dos Participantes em número igual, com o voto de qualidade do Presidente, que é representante do Patrocinador (art.11);
- Conselho Fiscal é órgão também paritariamente dividido entre Patrocinador e Participante e Assistidos, cabendo a estes a presidência com o voto de qualidade. (Artigo 15)

O Capítulo IV trata da fiscalização das EFPC que cabe à Autoridade Governamental, sem que fique isento dessa obrigação o Patrocinador (artigos 24 e 25);
- as EFPC patrocinadas por entidade de direito público precisam de autorização da Autoridade Governamental para participar de grupo de controle de sociedade anônima (artigo 29).

Está claro que esta LC 108 foi publicada exatamente com aquela preocupação de BLINDAGEM do Patrocinador, pessoa jurídica de direito público! Fê-la ainda mais blindada do que as EFPC em geral haviam sido pela engenharia jurídica da LC 109. E blindou-a no seu patrimônio, impedindo que ele seja corroído por contribuições incontroladas para a Previdência Social Complementar. Mas, insisto que toda blindagem que dela consta se restringe ao negócio jurídico da CONTRIBUIÇÃO, SEM A MÍNIMA INSINUAÇÃO DE QUE AS RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS, e, portanto, a RESERVA ESPECIAL seja incluída nessa cuidadosa e minuciosa estrutura jurídica de blindagem.

Conclui-se, portanto, que a LC 108 também FULMINA a REVERSÃO DE VALORES, QUALQUER REVERSÃO DE VALORES, DIRETA E INDIRETA. Reserva de Plano de Benefícios Previdenciários é exatamente para isso, qualquer que ela seja, Reserva Matemática, Reserva de Contingência ou Reserva Especial, para ser gasta no pagamento de benefícios previdenciários. Não pode, pois, ser gasta num benefício que não é previdenciário, a saber, VANTAGEM DO PATROCINADOR, mesmo que essa vantagem venha a converter-se no futuro, em Contribuição para Plano de Benefícios Previdenciários de uma EFPC, que só se converterá em Benefício Previdenciário, numa outra fase ainda mais remota, a saber, quando for gasta no pagamento de uma vantagem previdenciária, isto é, num benefício previdenciário a um Assistido!

O exame do texto inovador que consagra a Reversão de Valores Indireta continuará em futuros textos.


4 comentários:

  1. Caro colega Edgardo,

    Sua série de artigos a respeito das LCs 108 e 109 e Res. CGPC 26 são altamente esclarecedores, vazados em termos de facil entendimento para nos, leigos, principalmente no que tange à vontade do legislador. Tenho convicção de que a ilegalidade "parcial" acordada pelo TRT 10ª Região, ao admitir a reversão indireta de valores, restrita, porém, à sua aplicação em contribuições para a EFPC, misturou alhos e bugalhos, ou seja contribuição (despesa) com benefício (receita), como bem já o disseste. Tomaram a isonomia na redução e/ou suspensão contributiva como fator igualitário para a concessão de benefício indevido. Baseado em sua explanação ampla da matéria, não sera difícil a ilustrado causídico arguir perante instancia superior a total inconstitucionalidade de apropriação pelo patrocinador de recursos destinados exclusivamente ao pagamento de benefícios do plano. Sou grato por suas preleções, que cada vez mais me levam à convicção de que o "blindado" patrocinador, como verdadeiro predador, olha com voracidade os resultados positivos apresentados pela PREVI. É chegada a hora de impedi-lo de abocanhar nosso quinhão, o que só acontecerá se insistirmos na revisão do plano, abandonando de uma vez por todas qualquer benefício especial temporário. Peço desculpas pelo desabo e se antecipei-me ao exame que o preclaro colega fará sobre a tal "Reversão de Valores Indireta", mas a indignação geral já esta a transbordar de nossas consciencias.

    Cordialmente,
    Luiz Faraco, de Florianópolis (SC)

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    1. Estimado Luiz Faraco
      Sou um cidadão de 86 anos, a um passo já dos 87 anos. Não possuo mais a saúde que uma arregimentação de pessoas, através do convencimento, tal que se pudesse influenciar na criação de um movimento para conseguir o exato respeito do Estado de Direito. Mas, fiz e continuo fazendo o que posso para isso conseguir, apesar da profunda sensação de tristeza que me invade, quando leio a reação de alguns, diante do que escrevo, como esta "todos sabemos que a Resolução CGPC 26 é ilegal", como que a desmerecer esse meu esforço que não é pequeno e é gratuito. Digo mais, amigo Faraco, tenho plena consciência do valor do papel de esclarecimento que venho desempenhando. Um dia, quem sabe, ainda publicarei um texto a respeito. Obrigado pelo estímulo que me proporcionou.

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  2. Prezado Edgardo, voce é muito mais jovem que muitos ! Não permita que um "jovem" imaturo, desrespeitoso e ignorante o machuque, o entristeça. Homens de sua cepa são raros e uma dádiva para os demais. Continuarei agradecendo sempre o compartilhamento de seu conhecimento. Se precisar de uma "soldada" em seu batalhão, CONTE COMIGO !
    Tentei me incluir como sua "seguidora no blog e não consegui, vou tentar novamente em breve.
    Se puder me incluir como leitora de seus textos ficarei muito feliz.

    Sou filha de ex-funci BB e também aposentada BB.

    Respeitosamente, Cecília Estivallet - Porto Alegre - RS

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    1. Estimada colega e amiga Cecília
      Obrigado pelas palavras de estímulo. Tive grandes e muito queridos amigos entre os colegas das agências do Rio Grande do Sul. Vivi dias maravilhosos de trabalho entre eles nas décadas de 70 e 80. Guardo-os na Mente e no Coração. Envie-me seu endereço de e-mail para remeter-lhe os meus textos, logo que os escrevo, como faço para um grupo de colegas amigos.
      Um abraço do
      Edgardo

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