sábado, 28 de junho de 2014

292. Reunião na AAPBB

Nesta quinta feira, dia 27, a AAPBB promoveu uma reunião de debate sobre o PDS 275 do Senador Paulo Bauer, que será objeto de Audiência Pública no Senado, no próximo dia 2 de julho.

Participaram dessa reunião os diretores, inclusive Rui Brito, e dois convidados, eu e nosso ilustre colega Curi, que tem dado preciosa contribuição às atividades de Rui Brito.

Ao final das nossas trocas de opiniões a respeito da matéria, Rui Brito fez questão de ressaltar o histórico do nascimento da ideia do instituto da Reversão de Valores: “A Previ apresentava superávits na década de 90 do século passado. A administração da Previ era toda paga pelo Banco do Brasil. Os cargos mais importantes do funcionalismo da Previ eram ocupados por funcionários cedidos pelo Banco, cujos custos eram também pagos pelo Banco do Brasil. O Banco arcava com todos os custos de administração da PREVI. A administração do Banco, convencida de que os resultados da PREVI eram resultados do trabalho de ambos, Banco do Brasil e PREVI, começou a alimentar a ideia de que, por justiça, os superávits também deveriam compensar a ambos, Participantes da PREVI e Banco do Brasil. Mentalidade de patrão capitalista, fixado no lucro, repartido entre os acionistas, segundo o princípio da divisão proporcional. Já no início do século, promulgada a LC 109/01, passou-se a difundir a ideia de que a Lei é incompleta nesse assunto de distribuição do superávit, necessitando por isso que seja interpretada. O Princípio Jurídico a ser invocado para a elucidação da matéria não poderia ser outro senão o Princípio da Isonomia, da Equidade, o Princípio da Proporção Contributiva: os superávits dos Planos de Benefícios devem ser distribuídos entre todos os seus contribuintes - Patrocinador, Participantes e Assistidos – na conformidade com a proporcionalidade das respectivas contribuições.

À vista dessa próxima importante Audiência Pública no Senado, que me parece será decisiva para dirimir o assunto, se de fato for realizada para se esclarecer definitivamente a questão da legalidade do instituto da Reversão de Valores, debatendo-se à exaustão a matéria, pois terá a participação de representante da Advocacia Geral da União, do Secretário da SPPC, do presidente da PREVIC e do Senador José Barroso Pimentel, signatário da Resolução CGPC 26/08, pretendo reanalisar, com roupagem de novidade, esse argumento da lacuna do texto legal e do Princípio da Isonomia, sob dois enfoques.

1º enfoque: O Instituto da Reversão de Valores à luz da Hermenêutica Jurídica.

Wladimir Novaes Martinez, autor citado pela SPC na sua Informação ao Senado em dezembro de 2008, dedica o capítulo CLXXXIV do seu Curso de Direito Previdenciário à “Aplicação e Interpretação”. Ali ele elenca longa lista de normas para uma boa hermenêutica de texto legal. A primeira delas: “Leitura do texto estudado – Em certas circunstâncias, a dificuldade desaparece após leitura detida do dispositivo.” Lá adiante, encerrando o capítulo CLXXXVIII, ele ensina: “Princípios gerais – Os princípios também não são fontes formais... Em face da lei dispositiva e expressa nada significam;...”

Isso é indiscutível: se a lei é clara e não tem lacuna, não há por que se apelar para princípios. Aliás, os próprios inventores do instituto da Reversão de Valores confessam que usam o Princípio da Isonomia, simplesmente porque, alegam eles, a LC 109/01 é omissa no que tange ao assunto da distribuição de superávits.

Ora, caros amigos, é que eles não querem ler o artigo 19 da LC l09/01. Este artigo é precisamente aquele que a Lei dedica a dizer NO QUE ELA QUER QUE SE GASTEM AS CONTRIBUIÇÕES SEPARADAS COMO RESERVAS, SEJAM ELAS DE QUE TIPO FOR. Ei-lo:

“As contribuições (todas, as normais e as extraordinárias) destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar.”

E no capítulo 20, a lei dá as ESPECIFICIDADES:

Reservas Matemáticas,  Reserva de Contingência e Reserva Especial. Todas as três são RESERVAS. Todas três, pois, são contribuições separadas para pagamento de benefícios previdenciários.

Reservas Matemáticas gastam-se nos rotineiros pagamentos dos benefícios previdenciários contratados. Reserva de Contingência gasta-se no pagamento de benefícios previdenciários, quando eventualmente as reservas matemáticas se apresentarem desfalcadas. Reserva Especial gasta-se no pagamento de benefícios previdenciários contratados (reduzindo-se a contribuição) ou aumentando-se o valor do benefício contratado, dependendo da situação financeira do Plano de Benefícios, e sob certas condições, entre elas a da revisão dos parâmetros financeiros e atuariais do Plano de Benefícios.

O artigo 20, meu caro leitor, já não trata do DESTINO DAS RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS. Para a LC 109/01 este assunto está regulado pelo artigo 19 e nele está encerrado: contribuição separada como reserva gasta-se pagando-se benefício previdenciário.  Ele já trata de outro assunto, a saber, como se equilibra um Plano de Benefícios Previdenciários desequilibrado por excesso de reservas. Ele trata, por isso, das ESPECIFICIDADES dos gastos das Reservas Previdenciárias com o pagamento de benefícios previdenciários, porque a LC 109/01, por prudência, estabelece três parâmetros: o do valor dos benefícios contratados, o do valor da Reserva de Contingência e o valor que pode ser distribuído sem prejuízo do prudente valor de garantia do equilíbrio entre Reservas e Benefícios Contratados.

Há texto mais contundente? Mais categórico? Mais pormenorizado? Há texto mais insistente? Todas as contribuições separadas como reservas (e essas reservas são de três tipos) gastam-se no pagamento de benefícios previdenciários. Assunto encerrado, esclarecido e completamente regulamentado.

Wladimir Novais Martinez, naquela primeira norma de hermenêutica jurídica, acrescenta mais uma particularidade: “Convém verificar, também, o texto anterior, se revogado, e a história da disposição. Esse esforço será aclarador.”

Os textos legais anteriores à LC 109/01 são a Lei 6435/77, a Lei 6462/77 e a Lei 8020/90.

O artigo 46 da Lei 6435/77 manda o seguinte: “Nas entidades fechadas o resultado do exercício, satisfeitas todas as exigências legais e regulamentares no que se refere aos benefícios, será destinado: a constituição de uma reserva de contingência de benefícios até o limite de 25% (vinte e cinco por cento) do valor da reserva matemática; e, havendo sobra, ao reajustamento de benefícios acima dos valores estipulados nos §§ 1° e 2º do artigo 42, liberando, se for o caso, parcial ou totalmente as patrocinadoras do compromisso previsto no § 3º do mesmo artigo.”

Atente bem, prezado leitor, o que a Lei 6435 chamava de SOBRA (claro, sobra de reservas) a LC 109/01 chama textualmente, propositadamente, de RESERVA (Reserva Especial). Qual é o propósito? Evidente que não pode ser outro: afirmar que estes valores excedentes de 25% das Reservas Matemáticas são tão reservas quanto as Reservas Matemáticas, que são separados para serem gastos, portanto, da mesma forma no pagamento de benefícios previdenciários.

A Lei 6435 era tão rigorosa nessa matéria que até essa SOBRA (o excesso sobre 25% do valor das Reservas Matemáticas) no Plano de Benefício das EAPC (EPC capitalista, empresa, sociedade com fins lucrativos), ela mandava fosse gasta em benefício dos Participantes exclusivamente: “Art. 23. Nas entidades abertas sem fins lucrativos, o resultado do exercício, satisfeitas todas as exigências legais e regulamentares no que se refere aos benefícios, será destinado à constituição de uma reserva de contingência de benefícios e, se ainda houver sobra, a programas culturais e de assistência aos participantes, aprovados pelo órgão normativo do Sistema Nacional de Seguros Privados.”

A Lei 6462/77 somente alterou a Lei 6435/77 neste pormenor: o aumento do valor do benefício não poderia ser permanente, mas temporário.

O artigo 3º da Lei 8020/90 (válida somente para EFPC com patrocinador estatal ou ligado a entidade estatal), sem perceber que a redução ou mesmo suspensão de contribuição, rigorosamente falando-se, NÃO EQUILIBRA Plano de Benefício desequilibrado por excesso de reservas, mandou que a SOBRA de reserva excedente ao excesso de 25% das Reservas Matemáticas fosse aplicada na “redução das taxas de contribuições das patrocinadoras e dos participantes, na proporção em que contribuírem para o custeio.” Redução de Contribuição evita que o excesso de reserva seja aumentado ou que o efeito equilibrador dos GASTOS de reservas seja anulado. O que, de fato, equilibra um Plano de Benefícios desequilibrado por excesso de Reservas Previdenciárias é o gasto das Reservas. Claro a redução da Contribuição é uma medida que merece ser tomada para equilibrar um Plano de Benefícios superavitário. Ela é uma medida equilibradora. Mas, ela o é indiretamente, porque permite que os gastos de reservas (essa, sim, a medida propriamente equilibradora) atuem com total eficiência equilibradora.

Constata-se, assim, utilizando-se essa norma hermenêutica jurídica indicada pelo autor citado pela própria SPC, que a LC 109/01 só admite duas formas de equilibrar um Plano de Benefícios superavitário: reduzindo as contribuições e aumentando o valor dos benefícios previdenciários.

Fica, assim, também EVIDENTE que afirmar que a LC 109/01 é incompleta raia os limites da ignorância porque, de fato, NÃO EXISTE OUTRA FORMA DE EQUILIBRAR UM PLANO DE BENEFÍCIOS SUPERAVITÁRIO SENÃO GASTANDO AS RESERVAS. Torna também EVIDENTE OUTRO FATO, a saber, o afirmante não entendeu que o artigo 19 é que trata exatamente da DESTINAÇÃO que a lei dá às RESERVAS (às contribuições especificamente separadas), enquanto o artigo 20 trata de outro assunto, a saber,  SE EQUILIBRA UM PLANO DE BENEFÍCIOS SUPERAVITÁRIO (primeiro, diz ela, só considere superavitário o Plano com excesso superior a 25% das Reservas Matemáticas e, em seguida, equilibre-o gastando esse excesso de reserva, ou simplesmente reduzindo as contribuições ou aumentando os benefícios previdenciários).

Lei evidentíssima e completa para quem sabe ler. E saber ler, segundo Wladimir Novaes Martinez, é a primeira norma da Hermenêutica Jurídica.

2º enfoque: O Instituto da Reversão de Valores à luz do conceito de Regime da Previdência Complementar.

A primeira norma baixada pelo artigo 202 da Constituição Federal e pelo artigo 1º da LC 109/01 é que a Previdência Complementar é um REGIME.

Regime é um conjunto de normas legais que regem as relações entre as pessoas em determinados negócios jurídicos. Os contratos que se firmam no âmbito dessa matéria estão submetidos necessariamente a essas normas legais. Todo estudante de advocacia sabe disso.

Outras normas do artigo 202 (caput e parágrafos) da Constituição Federal e do artigo 1º da LC 109/01 estabelecem que a Previdência Complementar assume a forma de contratos e esses contratos, por sua vez, apresentam a forma de Planos de Benefícios Previdenciários.

Os artigos 1º e 2º da LC 109/01 determinam que o Plano de Benefícios Previdenciários seja um contrato entre uma Entidade de Previdência Complementar (EPC – EFPC ou EAPC) – única contratante ofertante autorizada de Plano de Beneficio - e uma pessoa física (Participante) para a formação de reservas, que garantam o Participante manter na inatividade nível de vida superior ao proporcionado pelos benefícios previdenciários do Regime Básico da Previdência Social (artigo 1º e 2º). Logo, impossível as partes (EFPC e Participantes) ou o Patrocinador (nem parte é dessa relação previdenciária) ou mesmo o Governo (através de Resolução) introduzir nessa relação o Patrocinador seja em que papel for, muito menos de beneficiário, ele Patrocinador que exatamente por seu interesse não integra essa relação. Toda a LC 109/01 é elaborada exatamente para isso, para proteger esse interesse do Patrocinador: que ele não integre a relação previdenciária. Isso é alegado em todos os Tribunais pelos Patrocinadores, pelas EFPC e reconhecido pelos Juízes.

Embora o artigo 1º diga que o Participante é livre para contratar o Plano, o artigo 8º esclarece que o Contrato de Participação é um contrato de adesão, isto é, o Participante nada pode negociar com a EPC, cláusula alguma, ou aceita o contrato ofertado por ela na sua totalidade ou não faz contrato algum.

O §3º do artigo 202 da Constituição Federal estabelece que uma EPC na forma de EFPC, ligada a entidade estatal, só pode ter Patrocinador, isto é, a EFPC pode negociar com ele, na qualidade de Empregador, as cláusulas do Plano de Benefícios Previdenciários que ofertará aos empregados dele. Esse contrato preparado será, em seguida, por ela ofertado ao Empregador estatal e por ele será aceito na sua totalidade, através de um convênio de adesão (o Contrato de Patrocínio), de acordo com o artigo 13 da LC 109/01. O Empregador, portanto, a partir de sua adesão ao Plano, torna-se Patrocinador do Plano de Benefícios Previdenciários, e não mais tem autoridade nem direito para alterar o Plano de Benefícios.

Segundo o parágrafo IV do artigo 14, parágrafo 3º do artigo 20, artigo 21, parágrafo 2º do artigo 41, Patrocinador de um Plano de Benefícios Previdenciários tem obrigação de pagar a contribuição, de supervisionar e fiscalizar a gestão do Plano. Nisso consiste o Patrocínio, portanto, na obrigação de contribuir bem como de monitorar (note-se que essa supervisão está no capítulo de Fiscalização da LC 109/01) e fiscalizar. Nada mais. Como, então, pode o Governo, através de uma Resolução mudar essa natureza totalmente obrigacional do Patrocínio para um direito a um benefício, direito exclusivo da relação criada por outro contrato, o Contrato de Participação, e próprio exclusivamente do Participante tanto em razão do seu conceito (benefício de subsistência, próprio de uma pessoa física) como em razão de qualquer Regime Previdenciário, seja ele Básico ou complementar?

Poderemos ir seguindo ao longo de todas as relações jurídicas criadas pela LC 109/01 e constatar que esse instituto é aberração tal que afronta uma multidão delas em tal quantidade que se pode afirmar que ela agride toda a LC 109/01.

Mas, existe um núcleo de mandamentos, aquele exatamente que constitui o cerne da LC 109/01 e do mandamento do caput do artigo 202 da Constituição Federal, que esse instituto da Reversão de Valores agride de forma contundente, óbvia, insofismável, a saber, o conjunto formado pelos artigos 19 e 20, como já vimos acima. Nunca, portanto, nem as partes nem o próprio Governo através de Resolução poderão conferir ao Patrocinador o direito de participar do resultado superavitário de um Plano de Benefícios Previdenciários. Por que? Porque o Plano de Benefícios Previdenciários é um contrato firmado no SEIO DO REGIME DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR, e, portanto, TEM QUE SE SUBMETER AOS ARTIGOS 19 e 20 DA LC 109/01.

Peço humildemente que os ilustres representantes dos Participantes dos Planos de Benefícios Previdenciários lá na Audiência do Senado, no próximo dia 2 de julho, alguns deles meus amigos queridos, e todos eles personalidades por mim admiradas, tenham bem presentes esses dois enfoques do assunto que será debatido. E não aceitem estender o assunto do debate para reforma da legislação da Previdência Complementar. O assunto da Audiência Pública deve restringir-se ao PDS 275 do Senador Paulo Bauer.

 

4 comentários:

  1. Admirável e Emérito Mestre Edgardo,

    Um texto soberbo, insofismável. Em meu entender digno de uma jurisprudência do STF. Receba meu caloroso e forte abraço.

    ResponderExcluir
  2. Mestre
    Obrigado. Suas palavras me emocionam e estimulam
    Edgardo Amorim Rego

    ResponderExcluir
  3. Parabéns Colega Edgardo,

    Suas palavras deve servir de aprimoramento das teses jurídicas.

    Costuma-se indicar os sujeitos da argumentação jurídica com a fórmula "doutrina e jurisprudência".

    Parabéns colega, não é menor que nenhum dos céleres advogados do Brasil, seja ele de que Estado for.

    Nós aprendemos a admirar seus trabalhos em prol dos aposentados e pensionistas do PB-1 da Previ.

    Com muito respeito.

    Rosalina de Souza
    Pensionista

    ResponderExcluir
  4. Grande e respeitável colega Rosalina
    Admiro a grandeza de sua personalidade. Heroína anônima, porque povo e não celebridade!... Obrigado. Suas palavras servem-me de estímulo.
    Edgardo

    ResponderExcluir