domingo, 10 de agosto de 2014

299.A Importância da Audiência Pública do Senado, de Julho/2014

É preciso que se compreenda a importância da Audiência Pública, promovida pelo Senado no dia 2 de julho do mês passado. Ela ocorreu na casa alta do Poder Legislativo, o órgão criado pelo Estado (o Povo Soberano) para produzir a Lei, isto é, a única norma que pode sobrepor-se à autodeterminação do cidadão, isto é, à minha liberdade e à sua liberdade de fazer ou não fazer alguma determinada coisa, caro leitor.

 

O Poder Legislativo é a Casa da Legalidade. SOMENTE A LEI OBRIGA: o cidadão é obrigado a fazer o que a lei manda fazer e é obrigado a não fazer o que a lei proíbe fazer (artigo 5º-II da Constituição Federal). Qualquer outra norma ou autoridade que queira impor-se à minha autodeterminação é abusiva, é destituída de coação, e deve ser eliminada pelo Poder Judiciário.

 

E lá, na Casa da Legalidade, o que se debatia naquela Audiência? A legalidade do instituto da Reversão de Valores, criado pela Resolução CGPC 26, Conselho esse presidido pelo Ministro da Previdência Social, órgão do Ministério da Previdência Social. Discutiu-se, pois, a legalidade de uma norma criada pelo Ministério da Previdência Social.

 

E quem lá, na Casa da Legalidade, defendeu a legalidade do instituto da Reversão de Valores? O próprio Ministério da Previdência Social, através de seus representantes, o Dr. Carlos Marne Dias Alves, suplente do representante da Secretaria de Políticas da Previdência Complementar junto ao CNPC, e o Dr. José Roberto Ferreira, Diretor de Análise Técnica da PREVIC, autarquia subordinada ao Ministério da Previdência Social, e, finalmente, o Senador José Barroso Pimentel, o ex-Ministro da Previdência Social que assinou a Resolução CGPC 26/08.

 

E discutia-se precisamente o que? A LEGALIDADE do instituto da REVERSÃO DE VALORES, criado pelos artigos 15 e 20-III da Resolução CGPC 26/08.

 

E como se sabe se uma norma é legal ou não? SÓ EXISTE UMA MANEIRA, a saber, COTEJÁ-LA COM A LEI.

 

E como se faz o cotejo de uma norma com a LEI? SÓ EXISTE UMA MANEIRA: lê-se a NORMA e lê-se SIMULTANEAMENTE TODA A LEI e procura-se COMPROVAR que ela é:

LEGAL, se mandar o que a Lei manda ou proíbe o que a Lei proíbe;

ILEGAL, se mandar o que a Lei proíbe ou proíbe o que a Lei manda.

 

Ora, meus amigos, como procederam naquela Audiência os defensores da LEGALIDADE do instituto da Reversão de Valores? COTEJARAM O INSTITUTO DA REVERSÃO DE VALORES com a LC 109/01 a LEI BÁSICA DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR, com TODA ESSA LEI BÁSICA? Não, nenhum deles. Decepcionante, simplesmente!

 

E qual é a primeira coisa que se precisa fazer para se cotejar o instituto da Reversão de Valores com a LC 109/01? É entender o que é esse instituto. Os defensores da legalidade fizeram isso? Não.

Atente-se bem, Reversão de Valores pretende ser a DEVOLUÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES COM TODAS AS RENDAS ACUMULADAS, isto é, no seu valor presente.

 

Contribuições? Mas, no ativo das EFPC só existe a sua propriedade, o seu patrimônio e a parte predominante, quase a totalidade de seu ativo, é de RESERVAS DO PLANO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS! Aí já começa um problema para os DEFENSORES. A Reversão de Valores já está contrariando o que afirma o artigo 34-I-b da LC 109/01. Deixemos isso pra lá, porque existe coisa mais importante.

 

Volte-se a indagar: o que significa essa REVERSÃO DE VALORES? Significa, como se viu acima, a devolução das contribuições pelo seu valor presente aos respectivos Contribuintes, a saber, Participantes e Patrocinador. E o que significa essa DEVOLUÇÃO DE CONTRIBUÇÃO para o Participante e o para o Patrocinador? Significa GASTAR A RESERVA ESPECIAL NO PAGAMENTO DO VALOR PRESENTE DA RESPECTIVA CONTRIBUIÇÃO AO PARTICIPANTE E AO PATROCINADOR.

 

Como se sabe que é isso? É a própria Resolução CGPC 26/08, a autora do instituto da Reversão de Valores, que o afirma no seu artigo 2º. Então, chegou-se ao exato significado do instituto da Reversão de Valores, a saber:

 

“PAGUE-SE O VALOR PRESENTE DA CONTRIBUIÇÃO AO PARTICIPANTE E AO PATROCINADOR, GASTANDO-SE NESSE PAGAMENTO A RESERVA ESPECIAL.”

 

Memorize bem essa norma, porque ela É A NORMA DA REVERSÃO DE VALORES, QUE DEVE SER COTEJADA COM A LC 109/01 PARA SE SABER SE A REVERSÃO DE VALORES É LEGAL OU ILEGAL!.

 

Que se deve fazer, a esta altura da indagação, para saber se esse mandamento (o instituto da Reversão de Valores) é legal ou ilegal? Cotejá-lo com a LC 109/01. Os três eminentes e sábios defensores do instituto da Reversão de Valores, os dois representantes do Ministério da Previdência Social e o Senador assinante da Resolução CGPC 26/08, fizeram esse cotejo? Não, absolutamente NÃO.

 

O representante da PREVIC NÃO FEZ ESSE COTEJO. Atente-se para o que ele disse:

“Ele ( O Projeto de Decreto Legislativo nº 275). trata da apuração de resultados e utilização de superávit com foco na reversão de valores, em particular para os patrocinadores.”

Não concordo.  Esse Projeto afirma que o instituto de Reversão de Valores é ilegal e, se é ilegal, não pode obrigar, não pode ser mandamento de fazer e, por isso, não pode constar da Resolução. Não constar da Resolução é, pois, mera e necessária consequência do fato de ser ilegal. É disso, e precisamente disso , da ilegalidade da Reversão de Valores e de sua consequente impossibilidade de constar como mandamento de uma Resolução. O PDS nº 275 restringe-se a este assunto. Esse cotejo do mandamento da Reversão de Valores com o texto da LC 109/01 ele não fez.

 

Atente para o raciocínio do representante da PREVIC. Ele leu a LC 109/01. Fixou-se no artigo 7º que manda que o Plano de Benefícios Previdenciários se submeta a padrão que proporcione “assegurar transparência, solvência, liquidez e EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO E ATUARIAL.” Concordo.

 

Isso estabelecido, ELE TIRA A SUA CONCLUSÃO, ei-la:

A regulação em vigor, em particular, a Resolução nº 26, de 2008, que é objeto do projeto de decreto legislativo, prevê tratamento em relação ao superávit, em relação ao chamado excesso. Lembro mais uma vez, recuperando o que inicialmente eu disse, que, sendo o objetivo do plano o equilíbrio, tudo aquilo que fuja ao equilíbrio é percebido ou como excesso ou como insuficiência, ou seja, déficit ou superávit.” Concordo.

 

E, por fim, EXTRAI SUA CONSEQUÊNCIA DEFINITIVA: “Então, entende-se que SUPERÁVIT, na realidade, É UM EXCESSO CONTRIBUTIVO. Houve um excesso de contribuição em algum momento, tendo em vista que, para garantia do benefício, aquilo, exceto o superávit, já seria suficiente.” Onde o ilustríssimo expositor encontrou isso na LC 109/01? Onde?!

 

Há na LC 109/01 dois artigos que demonstram claramente que essa consequência é SIMPLESMENTE INACEITÁVEL:

O artigo 18 exige que PERMANENTEMENTE SE FLEXIBILIZE A CONTRIBUIÇÃO PARA QUE NÃO EXISTA SUPERÁVIT ATUARIAL NEM DÉFICIT ATUARIAL. A LC 109/01 sabe, porém, que esse equilíbrio é um dos três resultados possíveis de uma administração econômica, financeira e atuarial. (ATUÁRIA É PROBABILIDADE!). Equilíbrio atuarial é uma possibilidade dentre três: igualdade, déficit e superávit. É, por isso, que existem, em seguida, dois outros artigos o 20 e o 21, depois daquele FAMOSO ARTIGO 19, que os DEFENSORES DO INSTITUTO DA REVERSÃO DE VALORES NÃO QUEREM LER, NÃO QUEREM QUE EXISTA na Lei 109/01, simplesmente dela o ELIMINAM!

 

Esse artigo 20 MANDA EXATAMENTE O CONTRÁRIO DO QUE ENTENDE O EMINENTE REPRESENTANTE DA PREVIC. Ele afirma que QUALQUER SUPERÁVIT É RESERVA DO PLANO DE BENEFÍCIOS, ou RESERVA DE CONTINGÊNCIA ou RESERVA ESPECIAL. Se Reserva de Contingência TEM QUE PERMANECER NO PLANO DE BENEFÍCIOS (o Plano de Benefícios continuará ECONÔMICA, FINANCEIRA e ATUARIAMENTE DESEQUILIBRADO). Esse é o mandamento da Lei. Se RESERVA ESPECIAL, ela precisa ser eliminada (mas essa eliminação far-se-á sob a condição de prévia revisão do Plano de Benefícios), mas é tolerável que PERMANEÇA DESEQUILIBRANDO O PLANO DE BENEFÍCIOS POR ATÉ TRÊS ANOS CONSECUTIVOS!

 

Conclusão inequívoca: O ARTIGO 20 DA LC 109/01DIZ QUE OS EXCESSOS DE RECURSOS QUE SUPERAM O VALOR DAS RESERVAS MATEMÁTICAS (O VALOR DOS BENEFÍCIOS CONTRATADOS, O VALOR DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO, FINANCEIRO E ATUARIAL) SÃO RESERVAS ENQUANTO PERMANECEREM NO PLANO DE BENEFÍCIOS! E, enquanto existirem essas Reservas no Plano de Benefícios, o Plano de Benefícios está no nível de equilíbrio que a LC 109/ 01 quer que ele esteja!

 

NENHUM ARTIGO DA LC 109/01 DIZ QUE A RESERVA DE CONTINGÊNCIA ou a RESERVA ESPECIAL SÃO EXCESSOS DE CONTRIBUIÇÃO, portanto. Ao contrário, o ARTIGO 20 AFIRMA CLARAMENTE, EXPRESSAMENTE, QUE SÃO EXCESSOS DE RESERVAS! E isto que estou afirmando é lucidamente reforçado pelo mandamento do artigo 21-3º (“Na hipótese de retorno à entidade dos recursos equivalentes ao déficit previsto no caput deste artigo, em consequência de apuração de responsabilidade mediante ação judicial ou administrativa, os respectivos valores deverão ser aplicados necessariamente na redução proporcional das contribuições devidas ao plano ou EM MELHORIA DOS BENEFÍCIOS).

 

E o eminente representante da PREVIC, em lugar de cotejar o instituto da Reversão de Valores com a LC 109/01, FUNDAMENTA A JUSTIFICATIVA DA LEGALIDADE DO INSTITUTO DA REVERSÃO DE VALORES PRECISAMENTE NESTA CONCLUSÃO DE SEU RACIOCÍNIO:

ENTÃO, COMO EXCESSO, ELE HÁ DE TER UMA DESTINAÇÃO, E, PARA ESSA DESTINAÇÃO, EXISTE UM COMANDO INICIALMENTE DE NATUREZA LEGAL, E A RESOLUÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA TRATA DE COMO FAZÊ-LO. Ele prevê sucessivamente três encaminhamentos: um, em relação à redução parcial de contribuições; outro, em relação à contribuição total ou suspensão de contribuições por pelo menos três anos; e, por fim, melhoria de benefícios e reversão de valores.”

 

Atente-se bem. O representante da PREVIC diz que existe um EXCESSO DE CONTRIBUIÇÃO e o artigo 20 da LC 109/01 se contrapõe dizendo que existe RESERVA. O representante da PREVIC diz que o CGPC precisa dar destinação a esse EXCESSO DE CONTRIBUIÇÃO, enquanto o artigo 20 da LC 109/01, afirmando que é RESERVA ESPECIAL, JÁ DETERMINOU A DESTINAÇÃO DESSA RESERVA! Por que? Porque se é RESERVA é recurso já separado para alguma coisa.

 

Está claro, pois, que o representante da PREVIC NÃO COMPAROU O INSTITUTO DA REVERSÃO DE VALORES COM A LC 109/01. Comparou com o RESULTADO DE UM RACIOCÍNIO SEU: Plano superavitário tem EXCESSO DE CONTRIBUIÇÃO AO QUAL O CGPC (CNPC hoje) PRECISA DAR DESTINAÇÃO!

 

Isso para mim é simplesmente surpreendente. Reserva em Economia, em Contabilidade, em Direito é UM RECURSO QUE É SEPARADO PARA SER GASTO PRECISAMENTE NO PAGAMENTO DE DETERMINADA COISA, DE MODO QUE NÃO PODE SER GASTO NO PAGAMENTO DE OUTRA COISA ALGUMA. O conceito RESERVA INCLUI UM MANDAMENTO DE FAZER E UM MANDAMENTO DE NÃO FAZER (uma proibição).

 

Por que, então, o eminente representante da PREVIC não se deu ao trabalho de examinar se a LC 109/01 já havia determinado NO QUE GASTAR A RESERVA ESPECIAL?! Isso me surpreende. Não quero crer, não posso crer, não me é lícito crer que tão credenciado profissional não tenha lido o artigo 19 da LC 109/01! Por que todos os defensores da LC 109/01 não enxergam esse artigo na LC 109/01?! Ei-lo:

“As contribuições destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar.

        Parágrafo único. As contribuições referidas no caput classificam-se em:

        I - normais, aquelas destinadas ao custeio dos benefícios previstos no respectivo plano; e

        II - extraordinárias, aquelas destinadas ao custeio de déficits, serviço passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal.”

 

Acho que se pode expressar fielmente esse mandamento num texto mais simples e direto:

“Todas as CONTRIBUIÇÕES, que sejam SEPARADAS COMO RESERVAS, SERÃO GASTAS EXCLUSIVAMENTE NO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS.”

 

Lembra-se, prezado leitor, do mandamento do instituto da Reversão de Valores que foi exibido acima? Repitamo-lo:

 

“PAGUE-SE O VALOR PRESENTE DA CONTRIBUIÇÃO AO PARTICIPANTE E AO PATROCINADOR GASTANDO-SE NESSE PAGAMENTO A RESERVA ESPECIAL.”

                                                           

Cotejemo-los ambos os mandamentos aí confrontados, o mandamento do instituto da Reversão de Valores com o mandamento do artigo 19 da LC 109/01. Devolução de Contribuição é benefício previdenciário? Não. O instituto de Reversão de Valores manda o que o artigo 19 da LC 109/01 proíbe? Manda sim, a saber, manda gastar a Reserva Especial no pagamento de devolução da Contribuição ao PATROCINADOR e ao Participante, BENEFÍCIO QUE EVIDENTEMENTE NÃO É BENEFICIÁRIO. Norma que manda o que a lei proíbe é ilegal? É. O instituto de Reversão de Valores é ilegal? É.

 

O argumento apresentado pelo representante do Ministério da Previdência Social é o mesmo do representante da PREVIC, que acabo de analisar. Só diverge num pormenor, a saber, apelida a RESERVA ESPECIAL de anomalia, quando o representante da PREVIC a apelidou de EXCESSO DE CONTRIBUIÇÃO! Se é anomalia, disse ele, exatamente como o disse o representante da PREVIC sobre EXCESSO DE CONTRIBUIÇÃO, esse assunto de ANOMALIA NÃO ESTÁ PREVISTO NA LC 109/01 e precisava ser regulamentado por uma Resolução!

 

Como não está previsto, se a LC 109/01 trata desse assunto PORMENORIZADAMENTE NOS ARTIGOS 18, 19 e 20? Incredibile dictu! Já exclamavam há milênios os Romanos: Inacreditável que tal se diga!

 

Já o honrado e eminente Senador José Barroso Pimentel simplesmente abdicou de iluminar-nos sobre o assunto, haja vista o indiscutível abalizado conhecimento que dele possui como advogado e principal reconstrutor da Previdência Social Brasileira de hoje, circunstância que ele mesmo fez questão de longamente focar naquela Audiência. Prometeu-nos utilizá-la em imparcial parecer técnico que, na qualidade de relator do PDS 275, apresentará à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Temos que aguardar. Por ora, como já sabemos, limitou-se a afirmar que o instituto de Reversão de Valores está fundamentado em pareceres da Advocacia Geral da União e da OAB, bem como por decisões da Justiça em algumas ações judiciais, cuja grande maioria foi arquivada sem julgamento do mérito. Omitiu, não sei a razão, vários sentenças de Juízes, inclusive a proferida no STF, que afirmam a ilegalidade do instituto da Reversão de Valores.

 

Eis a grande importância que para mim teve aquela Audiência Pública no Senado, uma das Casas do Poder Legislativo da República Federativa do Brasil: parece-me que ficou patente que a autoridade máxima em Previdência Social na República Federativa do Brasil, o Ministério da Previdência Social, bem como o ex-Ministro da Previdência Social, que assinou a Resolução que criou o instituto da Reversão de Valores, não provaram a legalidade do instituto da Reversão de Valores!

 

FIQUEI CONVENCIDO DE QUE O INSTITUTO DA REVERSÃO DE VALORES É ILEGAL!

 

 

 

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