terça-feira, 5 de dezembro de 2017

400.No Reino de Maquiavel


Venerável sacerdote italiano, meu professor sábio e compreensivo, no solo vasto, límpido, generoso e lindo da Serra de Baturité, no estado do Ceará, apreciava contar histórias sobre um reino que existiu em alguma parte do Universo, o Reino de Maquiavel, um reino regido sob o império da violência e da farsa.

A Constituição fora redigida pelo próprio rei, mas o rei convencera a população de que ela própria a elaborara, contendo, pois, a vontade soberana do Povo, uma constituição democrática.

O rei nela outorgou-se, com enorme, suntuoso e festivo aparato a missão de Protetor do Povo. Ele se obrigava a elaborar todas as leis com a finalidade de promover o bem-estar do Povo e a proferir todas as sentenças do Tribunal no interesse do Povo. O principio fundamental do reino era o interesse do povo. A meta da sociedade era que todos os cidadãos vivessem sem dor no corpo e sem angústia na alma!

Tudo isso o rei de Maquiavel estabeleceu no reino, na verdade, tão só para se livrar da pressão interna do Povo e da pressão externa dos outros Estados que já se haviam humanizado, civilizado, guiando-se pela ideia de que povo feliz, sem dor no corpo e angústia na alma, é povo trabalhador, criativo, eficiente, progressista, realizado e pacífico. A vida é uma festa e a Terra é um paraíso.

Certa vez, em razão das muitas rapinagens que o rei Maquiavel e seus comparsas haviam solertemente praticado, a situação do reino, uma das terras mais férteis e ricas do Universo, havia chegado a tanta degradação que o reino não mais possuía recursos para sustentar-se e era mantido às custas de empréstimos que estavam na iminência de estancar, porque os credores já não mais confiavam na capacidade de pagamento do reino.

O rei Maquiavel, então, convocou o povo e lhes dirigiu eloquente discurso, descrevendo a trágica e iminente ameaça da falência do reino, imputando a situação aos grandes gastos com o programa do reino, “sem dor no corpo e sem angústia na alma”, previdência social e saúde do povo, hospitais.  Disse-lhes que ia substituir a previdência por poupança de reponsabilidade pessoal, que era uma coisa maravilhosa, dava até para o indivíduo passear no estrangeiro durante uma aposentadoria que se estenderia por décadas. Já a saúde, ele a confiaria, com todos os recursos necessários, fornecidos em valor paritário entre ele e o povo, à exclusiva supereficiente administração do povo, tão integralmente, que doravante cessaria toda a sua contribuição financeira para o fundo de saúde.

Esse discurso do rei Maquiavel passava ao largo, tentando ocultá-lo ao Povo,  do fato de que ele permitira solertemente que no reino somente seis cidadãos detivessem riqueza equivalente à de outros cem milhões de cidadãos... Ele pretendia resolver o problema do reino com a fome e a morte de cem milhões de pessoas,  e a proteção do patrimônio integral dos seus seis amigos íntimos.


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