Maquiavel,
quando percebeu o povo insatisfeito e tão intranquilo que já se prenunciava uma
rebelião, tratou de promulgar a mais humana e progressista constituição do
bem-estar social, através de áulicos que lhe davam a aparência de uma
assembleia democrática. Sugerida a aprovação por referendo popular, Maquiavel
evitou-o alegando desnecessidade.
Mas,
a Constituição lá estava com o seu mais importante mandamento, o
parágrafo único do artigo 1º: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
Nenhum homem governa este país. Este país é governado pela Lei! Até a
mais alta autoridade administrativa se submete à Lei. A Lei é feita pelo Povo.
A lei é a vontade do Povo. O Povo autogoverna. Este Pais é politicamente liberal: o Povo detém o poder soberano.
Nada obstante, exceto duas ocasiões, nunca Maquiavel se dignou permitir o exercício da soberania popular: “Artigo
14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto
direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei,
mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa
popular.”
O segundo mais importante artigo da Constituição é o artigo 3º: “Constituem
objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil:
I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação.”
Maquiavel sabia que o Povo, portanto,
não queria e não quer um Estado equipado com um dispositivo econômico liberal.
Ele pretende que o Estado seja dotado de um dispositivo econômico norteado para
o bem-estar social, um tipo de desenvolvimento econômico em que todos os
cidadãos gozem de bem-estar, tenham condições de conseguir o seu bem-estar (a
vida sem dor no corpo e sem angústia na alma): o ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL.
Compare-se o nível de vida e a exibição de pompa de qualquer habitante
das centenas de palácios de Brasília, de capitais de Estado e de sedes de
município com a modéstia de hábitos da comandante dos destinos da rica Alemanha,
e é flagrante a constatação de que a realidade é governada por normas de
conduta à margem dos comandos constitucionais. Atente-se para o panorama atual das
atividades da justiça e da polícia e constate-se que a elite empresarial e
política no país é governada por lei antípoda da constitucional. Essa disparidade
se vai encontrar, de forma atomicamente explosiva, até nos fundos de pensão do
reino, onde a elite de diretores e até funcionários públicos, têm sua gorda remuneração
municiada pela contribuição até de assistidos que, muitos deles, nem lhes cobre
as básicas necessidades da vida.
A terceira mais importante lei constitucional é o artigo 193: “A ordem social tem como base o primado do
trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”
Este é o mais curto artigo da constituição, artigo que é um capítulo! Um
artigo que não vejo ser analisado pelos autores de livros didáticos do Direito!
O primado do trabalho, o trabalho é mais importante que o capital, porque
ele é que acumula o capital e promove o lucro que forma o capital. O trabalho é
que cria o capital. O trabalho humano é que preserva a vida, defende a vida , prolonga
a vida, ameniza a vida e aperfeiçoa a vida de forma tal que a torna fruível e
digna de ser vivida. O homem moderno, ao
contrário do antigo que preferia a morte à vida, e até preferia não ter
nascido, entende que nascer é um bem tão grande que o concebe ser um direito do próprio embrião humano! Se o
embrião humano tem o direito à vida, essa vida a que tem direito só pode ser
uma vida digna (sem dor no corpo e sem angústia na alma), uma vida feliz. É
inconcebível o direito à miséria, à privação, à desgraça, a nada! É isso que
significa o primado do trabalho.
Mas, não é isso que de fato ocorre no reino de Maquiavel. A Constituição
manda (artigos 6º e 170-VIII) que todos os cidadãos hígidos trabalhem, mas na realidade
treze milhões procuram emprego e não encontram, enquanto umas três dezenas nem
emprego mais procuram porque de tanto procurar e não encontrar, desistiram dessa
procura do inexistente, conformados com a miséria de uma existência ao nível de
uma assistência estatal básica e precária
do Bolsa Família.
Maquiavel, apesar de tudo isso, estimula a substituição do emprego pela
mecanização da produção, sob o plausível argumento da eficiência e
produtividade, mas sem preparar a população para outro tipo de sociedade e trabalho,
nem mesmo proteger o trabalhador da desumana atividade dos trabalhos
automáticos, repetitivos, depressivos e incapacitantes a médio prazo. Enquanto
isso, em Abu Dhabi, no reino tribal e liberal dos Emirados Árabes Unidos, o
governo constrói o mais luxuoso metrô do universo, onde só se viaja sentado, não
em assento qualquer, mas em luxuosa poltrona, e que funciona sem um único
trabalhador, sem motorista, sem bilheteiro, sem fiscal, com prestação de serviço
gratuito. Não se pode entender de outra maneira, ante todas as premissas acima:
a substituição do trabalho humano pela máquina só faz sentido, se o serviço por
ele prestado se tornar melhor e menos oneroso para o homem.
O artigo 170-VII da Constituição de Maquiavel determina: “A ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, (observado o princípio da) redução das desigualdades regionais e sociais. Diz-se, entretanto, que a realidade seria exatamente o oposto: apenas
seis cidadãos conseguiram acumular patrimônio em valor equivalente ao de 100
milhões de seus cidadãos outros. Nada obstante, o parágrafo quarto do artigo
173 ordena precisamente o seguinte: “A
lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados,
à eliminação da concorrência e ao
aumento arbitrário dos lucros. E, em determinada época, sem referendo nem
plebiscito, como é praxe no Reino de Maquiavel , eliminou-se o artigo original
da Constituição, que limitava a taxa de juros no teto de 12% a. a.,
considerando o excesso crime de usura, ensejando-se destarte a escandalosa
prática atual de juros às taxas de 100% a.a, 200% a.a. e até 400% a.a.!
A partir de certa época do Reino de Maquiavel, ao invés de ajustar-se uma
lei antiga, editada numa época de sociedade economicamente mais liberal, à Constituição
de Maquiavel, passou-se a utilizá-la para enfraquecer os robustos princípios
protetivos do direito contratual, relegando as cláusulas de realização futura à
mera situação de uma expectativa de direito.
Isso foi utilizado nos tribunais do reino de Maquiavel sobretudo para o
enfraquecimento dos direitos do trabalhador, todos eles de realização futura!
Não é para se admirar que o clima social no reino de Maquiavel se tenha
tornado por demais intranquilo e incerto, já que de fato, ao que parece, o lema
da bandeira nacional também se converteu num instrumento de política
maquiavélica: A fraternidade por
motivação, a ordem por base e o progresso por objetivo!
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