A
Constituição de Maquiavel, como vimos, fundou um Estado republicano democrático
do Bem-Estar Social.
Foi
dividida em dez títulos, o último tratando das disposições constitucionais
transitórias e o penúltimo das disposições constitucionais gerais. O Título VIII, portanto, é o coroamento da
constituição. Trata do assunto exatamente para o qual o Povo se reuniu, através
de seus representantes, isto é, ali naquele título, está descrito o Estado que
o Povo quis criar. Ali está o que o Povo quis alcançar. É por isso que esse
Título se inicia com um diminuto capítulo, o mais diminuto capítulo da
Constituição, não completa duas dezenas de palavras, mas o terceiro mais
importante, e sob certo aspecto, a finalidade, o mais proeminente: “Art. 193. A ordem
social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a
justiça sociais.”
O Estado foi criado para criar condições que gerem oportunidades tais
que todos os cidadãos hígidos trabalhem em empregos que proporcionem
remuneração compatível com a dignidade humana (justiça social) e propiciem a realização
pessoal (bem-estar). A sociedade civilizada é, sem dúvida, aquela idealizada
pelo lord Beveridge, a sociedade liberta dos grandes flagelos: a escassez, a doença, a ignorância, a
miséria e a ociosidade.
O cidadão hígido do reino de Maquiavel, pois,
tem o direito ao trabalho e a obrigação de trabalhar, de modo que realize o seu
bem-estar,
na conformidade de suas potencialidades e de sua percepção, enquanto o homem
incapacitado por acidente, doença ou idade tem o direito de ser assistido, em
condições de vida digna, pelo Estado que lhe deve retribuição pelas
contribuições feitas na época da vida ativa.
Há
décadas, desde a de trinta do século passado, segundo o livro “Da Caixa
Montepio à PREVI”, quando se criaram os Institutos de Aposentadoria e Pensão,
que se fala no reino de Maquiavel, de cálculo atuarial, e no entanto, pasme-se,
nos dias de hoje, final da segunda década do século XXI, jovens senhores,
cheios de vitalidade, ufanos de realizações
e em pleno gozo de saúde, entram
na fruição de fabulosos benefícios de aposentadoria para os quais nem mesmo
proporcionaram as contribuições atuarialmente adequadas.
Na
década de sessenta do século passado, Maquiavel concordou com o Banco do Brasil
em transferir para o Banco do Brasil e seus funcionários o ônus de sua
previdência. Previdência é sobrevivência de incapacitado. É relacionamento
sustentado nos laços da dignidade humana que unem gerações, laços de amor e
reconhecimento da geração presente para com a geração passada, relacionamento,
todavia, não gracioso, porque construído sobre um contrato financeiro da mais
elevada qualidade. E é precisamente, por isso, porque contrato entre gerações e
fundado na dignidade da pessoa humana, que esse contrato só pode ser pactuado
entre o indivíduo humano necessitado, parte da geração presente, com o Estado,
o único possível representante, ora existente, da geração futura.
Maquiavel
universalizou esse desvirtuamento na década de setenta e consagrou-o como
mandamento constitucional na década de oitenta do século passado. Desde então,
não é mais sobre o Estado, que recebeu fortunas da geração passada que incide o
ônus maior da Previdência no reino de Maquiavel, mas sobre os próprios
incapacitados da geração presente, como se lê no livro de Economia de Paul
Krugman: “Quem paga a previdência social (FICA)?...A razão por que os
economistas pensam que os empregados, e não os empregadores, são os que de fato
pagam a FICA (previdência), é que a oferta de trabalho...é muito menos sensível
ao nível de salários do que a demanda por trabalho... De acordo com esse
raciocínio, ...,os empregadores conseguem facilmente passar para eles a carga
do imposto, através de salários baixos.”
Essa
lição do mestre norte-americano, abre-me nova inteligência desse fenômeno, que
se vem repetindo de o Patrocinador de um Plano de Benefícios previdenciários
incentivar a aposentadoria dos seus funcionários. Está claramente transferindo
para, pasme-se!, os próprios assistidos, aqueles cidadãos incapacitados que não
mais têm renda do trabalho, mas têm uma poupança depositada no Estado para
sustento de sua sobrevivência, a responsabilidade pelo seu sustento! O
trabalhador paga duas vezes o seu benefício previdenciário: antecipadamente na
época ativa e posteriormente na época de incapacidade! E tudo isso é produzido maquiavelicamente: o
Plano de Benefícios tem Patrocinador, isto é, quem garante os recursos do fundo
de pensão. E isso foi afirmado solenemente, lá no já longínquo 1967, quando
coagiu os funcionários a nele ingressarem. Nem mesmo se interessou, então, por
dissimular sua intenção, pois já repartia às claras com os empregados o ônus do
fornecimento dos recursos, já que até então o assumia integralmente.
Já
no final do século passado, Maquiavel, num ato raro de desequilíbrio,
contrariando sua característica forma dissimulada de proceder, decidiu
transformar o benefício da aposentadoria para os seus novos empregados,
incapacitados por tempo de serviço, a uma mera poupança. A aposentadoria por
tempo de serviço não mais garante o nível de vida da ativa. O assistido fruirá o nível de vida que a
poupança lhe facultar. E Maquiavel, desde então, engendra meios de incluir em
acordos coletivos de trabalho verbas que não geram contribuições para formação
de reservas previdenciárias.
Transcorrem
mais alguns poucos anos, e Maquiavel decide modificar a própria Constituição, de
modo dissimulado, através de representantes do Povo, mas sem permitir a
manifestação direta do Povo, declarando, contra todas as evidências, a inexistência
de uma previdência gerada pelo emprego, quando a razão de ser da Previdência é
precisamente a existência do contrato de trabalho, da relação jurídica
empregador/empregado, e essa previdência do empregado é a mais ampla e a mais
importante previdência existente: “Art.§ 2º As contribuições do empregador, os
benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e
planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o
contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios
concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei. (Nova
redação dada pela EC nº 20, de 1998).” Um Bill Gates não
necessita de uma previdência durante séculos. Ele até se arvora em Patrocinador
de povos africanos paupérrimos, com um quarto ou mais de sua fabulosa fortuna, que
supera a de muitos países! Ninguém pode desconhecer que a contribuição do
empregado integra o contrato de trabalho do participante e que a contribuição
do empregador só existe porque ele é empregador, isto é, participa do contrato
de trabalho!
Maquiavel, desde então, utiliza-se desse artigo constitucional para
evitar o julgamento das disputas judiciais previdenciárias pelos tribunais
trabalhistas, guiados pelo princípio da proteção do trabalhador, a parte mais
fraca.
Poucos anos transcorridos, Maquiavel, com
base na lei 3238 de 1957, anterior à Constituição republicana democrática do
bem-estar social, através do artigo 17 da LC 109/2001 (“As alterações processadas nos regulamentos dos planos
aplicam-se a todos os participantes das entidades fechadas, a partir de sua
aprovação pelo órgão regulador e fiscalizador, observado o direito acumulado de
cada participante. Parágrafo único. Ao participante
que tenha cumprido os requisitos para obtenção dos benefícios previstos no
plano é assegurada a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em
que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria.) passa a desqualificar os direitos futuros dos participantes,
gerados por cláusulas do contrato previdenciário, em mera expectativa de
direito, isto é, em nada, que se pode arredar sem qualquer obstáculo quando bem
aprouver.
Civilização é urbanização, informação, conhecimento,
paz e prosperidade. Civilização é a sociedade onde todos os homens realizam o
ideal de Virgílio: “Feliz é o homem que compreende o que é a existência e domina
todas as suas angústias, o implacável destino e a estupidez da morte!” Civilização
é a sociedade em que todos os indivíduos podem realizar o ideal de Epicuro: “corpo
sem dor e mente sem angústia”. Civilização é uma mãe que acalenta em seu seio o
filho desde a concepção até a morte! Civilização, diz a Psicologia, é uma vida feliz
de realizações numa comunidade de pessoas. Civilização, diz a Economia, é uma
vida de intenso e profícuo relacionamento das pessoas, que gera a completa
satisfação das pessoas, em nível progressivo ao ritmo da sucessão das gerações.
Civilização, diz a Sociologia, é uma sociedade que tem “A fraternidade por
princípio, a ordem por base, e o progresso por finalidade.” A fraternidade é o
polo de convergência das individualidades, onde elas se transformam em
sociedade, no ecossistema da felicidade.
Por isso Maquiavel mantém o lema “Ordem e Progresso”
na bandeira do seu reino, o único Estado cuja bandeira ostenta um lema!
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