segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

143. A Sociedade Que Queremos

Nenhum povo foi mais democrático que o da cidade-estado de Atenas. Lá houve democracia. Democracia direta. O povo reunia-se na ágora. Debatia o interesse público. Fazia as leis de acordo com o consenso obtido. Nomeava os delegados que ficavam incumbidos de aplicar as leis no período de governo subseqüente. Tanta era a democracia que o ateniense podia dizer pela voz de Péricles: Sou livre. Obedeço à Lei que eu fiz. Não obedeço a homens nem a leis feitas por outros homens.
Gregos famosos não apreciavam a democracia. Platão foi um deles. Aprendeu a apreciar a aristocracia com o maior dos gregos e o mais famoso filósofo de todos os tempos, Sócrates, que, por isso, foi condenado à morte. Sócrates foi considerado divulgador entre a juventude da ideia de que os deuses da Grécia e as normas democráticas da sociedade ateniense, recebidas de Atená, deveriam ser abandonados. A juventude ateniense deveria ouvir a respeito desse assunto ao deus que lhe habitava a mente, o daimon, e que lhe falava orientando como proceder. Sócrates propugnaria o individualismo. A supremacia da opinião própria em relação ao consenso da sociedade. Era assim que ao menos as autoridades de Atenas consideravam o grande filósofo. E daí a pena do suicídio. É significativo que a Apologia de Sócrates consista também na exposição de seu profundo apreço pela sociedade ateniense, a quem afirmou dever tudo o que era e tudo o que tinha.
A civilização ocidental de nossos tempos não admite outro sistema de organização política que não seja o democrático. Essa atitude é convencional e, enquanto entendo, foi assumida por circunstâncias históricas e culturais, fundamentada, sobretudo, na concepção filosófica da igualdade de todos os indivíduos humanos. Nada de reis, nada de nobres, nada de classes, todos os indivíduos humanos são iguais. Se todos os indivíduos humanos somos iguais, todos temos os mesmos direitos, todos mandamos e todos obedecemos, todos fazemos as leis e todos cumprimos as leis. Todos somos livres como Péricles.
Isto não é uma verdade absoluta. Nem Maquiavel nem Nietzsche a aceitariam. Acredito que na Coréia do Norte, na China, em Cuba e em muitos outros países esse princípio também não seja atualmente aceito, ou pelo menos ele é escamoteado. Insisto: a democracia é um valor social atual, porque a sociedade hoje acha que ela é o único sistema político condizente com a dignidade de um indivíduo humano livre. E talvez mais ainda, porque se pensa que não se pode obter uma sociedade, isto é, uma convivência pacífica entre indivíduos humanos, a não ser considerando que todos somos iguais. Por que eu iria aceitar conviver com o Príncipe de Maquiavel ou com o Super Homem de Nietzsche? Dessa forma, não se constrói uma sociedade, ela é imposta. Não se convive, subjuga-se.
Assim, a democracia é adotada porque ela é a mais justa, a mais digna e a menos constrangedora das formas de organização política. Isso não significa que seja a mais eficiente. Nas décadas de 30 e 40 do século passado, a Inglaterra foi tomada por uma onda de opinião favorável ao sistema econômico de comando, ante o exemplo de desenvolvimento alcançado pela Alemanha hitlerista. O Road to Serfdom de F. Hayek foi escrito em reação exatamente a essas idéias da economia de comando, que haviam conduzido a Alemanha e a União Soviética a elevado nível de desenvolvimento econômico. O Brasil também nunca alcançou desenvolvimento tão rápido quanto no período dos governos militares. E tudo do que o Brasil hoje se orgulha teve seu início e fundamento sólido naquela época. Os grandes investimentos públicos deste País foram feitos naquela época. E mesmo as grandes conquistas na área das instituições financeiras foram obtidas naquele período. E os historiadores afirmam que declínio político e econômico das cidades-estado gregas se deve, em grande parte, à democracia, dominada pelos interesses de comerciantes sem grande visão e morosa em tomar decisões que exigiam o consenso da população.
Compreendo, por isso, a preocupação dos democratas com tudo aquilo que significa cerceamento da liberdade de imprensa e da liberdade religiosa, desfazimento de acordos pregressos que dizem constar de certo projeto de planejamento social elaborado pelo Governo atualmente. Mas, não posso compreender como se pode reagir, numa sociedade que se diz democrática, a qualquer plano de tornar mais democrático o governo, abrindo espaço para a participação popular direta na elaboração das leis e no julgamento das infrações das leis.
Bertrand Russel e Chomsky acham que os representantes do povo incontrolavelmente se erigem em classe superior, privilegiada e dominante. E, por isso, o Governo deveria tender cada vez mais a desaparecer, o que seria o ideal. O próprio Jean Jacques Rousseau, aquele que acabou se tornando o grande formulador da criação da democracia representativa do mundo contemporâneo, dela dizia: “Os deputados do povo, portanto, não são nem podem ser seus representantes, são apenas seus delegados; não podem resolver nada definitivamente. Toda lei que o povo não ratificou pessoalmente é nula; não é absolutamente lei. O povo inglês pensa ser livre, mas engana-se fortemente; só o é durante a eleição dos membros do parlamento; tão logo esses são eleitos, ele é escravo, não é nada.”
Essa democracia direta funciona em pequenas cidades norte-americanas e suíças. Em Estados dos Estados Unidos da América o plebiscito é utilizado com freqüência para a aprovação de leis. A Constituição Brasileira prevê o plebiscito. Não entendo, portanto, a reação a que o povo brasileiro assuma o seu papel de legislador e governante. Será que temem o nível de instrução do povo brasileiro? Será que se teme a erradicação de privilégios? Será que se teme a decadência do País? É preferível uma democracia limitada como já se falou neste País? Será que se deseja que a democracia brasileira seja uma farsa, um faz-de-conta como tantas coisas importantes neste País? Não sei.
Sei que a democracia representativa é a convenção adotada pela sociedade ocidental no que diz respeito a sistema político. Sei que em vários países o povo tem maior participação direta na atividade de elaboração e promulgação de leis. Entendo que democracia genuína, de fato, é a democracia direta. Sei que a democracia é um risco, quanto menos instruído é o povo e mais descompromissado é o comportamento do povo com o bem da coletividade. Mas, que democracia é o governo do povo, isso eu sei que é, quaisquer que sejam as conseqüências.
E para aqueles que dizem que o sistema político da democracia direta é impossível, lembro as palavras de Albert Einstein: Algo só é impossível até que alguém duvide e acabe provando o contrário.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

142. O Mito

É óbvio que o mito é uma forma de pensar. Forma imaginativa de pensar. Também a Ciência, saber caracteristicamente racional, é uma forma imaginativa de pensar.
Conhecer é saber explicar as coisas que compõem o Cosmos, inclusive o próprio Homem. Nunca se pode dizer que se tem o conhecimento total, perfeito, completo, absoluto dos acontecimentos que nos rodeiam e dos que nos consubstanciam. O processo mais perfeito, que o Homem usa para explicar as coisas, consiste basicamente em imaginar uma explicação e observar se de fato ela explica as coisas para as quais ela foi imaginada. Consiste em construir um mapa mental imaginário e verificar se na realidade as coisas funcionam de acordo com esse mapa. Kant afirmou que este é o único conhecimento válido e que, portanto, o conhecimento humano verdadeiro e certo se limita àquele que pode ser comprovado pelo experimento.
Entendo, por isso, que a mitologia grega constituiu um dos primeiros e tímidos passos nesse processo, que é a construção do conhecimento humano. Os povos gregos primitivos eram agricultores, artesãos, piratas, navegadores, supersticiosos e propensos a reflexões. O povo grego tinha um fascínio pelas explicações dos fenômenos naturais e humanos. Essa propensão às explicações das coisas e do homem acabou conduzindo-o a produzir uma civilização, caracterizada pela atividade da razão na explicação do Cosmos e pela produção de uma arte marcada pela beleza idealizada.
O início desse processo, que durou praticamente um milênio, teve a sua primeira manifestação na produção de deuses humanizados, isto é, o panteão de deuses que nada mais são do que homens superdotados e imortais. Os gregos fabricaram deuses à sua imagem e semelhança para explicar o Cosmos.
Por que os gregos abandonaram aquela primeira intuição do Caos divino, fonte de emanação dos seres e desviaram o processo lógico para o ser inteligente, o Homem superior, fabricante da máquina cósmica? Exatamente, por isso, porque eles passaram a entender o Cosmos como gigantesco e perfeitíssimo mecanismo. Na rotina da vida cotidiana, era o artesão que fabricava as coisas novas, as novidades, que a Natureza não produzia. O artesão fabricava os artefatos agrícolas, as armas de guerra, os barcos, as jarras onde se guardavam o alimento e o óleo, as lamparinas que lhes iluminavam as noites. Os homens formavam bandos organizados de piratas, que partiam até para terras distantes, como a ilha de Creta e a cidade de Tebas, sob o comando de chefes inteligentes, disciplinadores e estrategistas exímios. Os homens construíam os agrupamentos humanos, as vilas e as cidades. Organizavam e governavam as cidades. Estabeleciam as leis e as normas de convivência urbana. A beleza, a justiça, a ordem, o bem estar e a organização da vida humana em convivência, a maravilhosa integração e convivência humana, nasciam da mente humana, da Razão.
Os gregos perceberam que havia no Universo formidável regularidade. A sucessão dos dias e das noites, o sol nascendo e pondo-se diariamente, a duração do dia e da noite modificando-se com regularidade. A sucessão regular do aparecimento e desaparecimento da lua, a sucessão regular dos meses. A sucessão regular e cíclica das estações. A sucessão regular dos anos. As fases e a regularidade da atividade agrícola. Os fenômenos extraordinários do nascimento e da morte. O processo regular de desenvolvimento dos indivíduos humanos, dos animais e das plantas. E a sucessão das gerações. Uma infinidade, enfim, de regularidades que fazem a existência das coisas viável e, quando captadas pelo Homem, tornam-lhe viável a existência.
Todos os fenômenos maravilhosos que constituem o Universo lhes pareceram seguir processos regulares, funcionando de forma tão perfeita, que eles o apelidaram de Cosmos, um universo organizado submetido ao comando dos deuses. Zeus comandava os deuses e os homens, o Céu (a região supraterrestre) e a Terra. Poseidon comandava os oceanos. Hefestos comandava o Tártaro (as regiões subterrâneas). Apolo, o sol, iluminava o Homem com a cultura, a ciência e as artes. Hera, esposa de Zeus, se intrometia na vida de Zeus e dos deuses, e também se enchia de ciúme irado contra as parceiras do esposo infiel. Atena, governava Atenas com o moral de chefe guerreira e a sabedoria de quem nascera da cabeça de Zeus. Deméter governava a produção agrícola. Marte determinava e comandava as guerras. Têmis distribuía a justiça, atribuía a cada um a parcela que lhe cabia por seus méritos ou deméritos. Colocava cada um no lugar que merecia, fazia o fogo e o ar ascender para seu lugar lá em cima, bem como a água e os corpos pesados descerem até em baixo. Os ventos eram deuses humanizados. As fontes emitiam os sons de suas Ninfas. O futuro era governado pelas Moiras. O panteão helênico era constituído de uma infinidade de deuses, um deus humanizado para cada fenômeno da natureza e para cada fenômeno da mente humana.
Essa mentalidade e essa religião estavam tão arraigadas no Ocidente que dominou a cultura ocidental durante um milênio. Nem os filósofos gregos conseguiram fazer com que a cultura helênica, aquela que dominou o mundo conhecido onde se originou o Império Romano, a ultrapassasse. Ao contrário, o Estado ateniense aplicou a pena de morte ao maior dos filósofos de todos os tempos, Sócrates, e forçou a fuga de outros, entre os quais o monumental Aristóteles, sob a alegação de que propagavam a descrença nos deuses da Cidade. Até o próprio Império Romano adotou o panteão helênico. Os exércitos romanos subjugaram a Grécia. Mas, a cultura grega e a religião politeísta grega subjugaram Roma. O panteão grego só foi destruído pelo Cristianismo, que chegou prometendo a fraternidade terrestre de homens divinizados e imortalizados, através do sangue derramado de um deus humanizado, Jesus Cristo, a concluir-se numa apoteose dos irmãos divinizados de Cristo na segunda, final e iminente vinda do Deus-Homem.
Mas, essa ideia de que o Cosmos é uma máquina admirável, que só pode ter sido produzida por uma mente semelhante à humana, mas muito superior a ela, uma mente portentosa, constitui tradição que já vem alimentando uma corrente filosófica por cerca de dois mil e quinhentos anos. Voltaire e Auguste Comte admitiram até uma religião natural que cultuasse o arquiteto do Universo. A prova da existência de Deus com base na existência da perfeição e harmonia cósmica ainda parece válida para muitos filósofos em nossos dias.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

141. O Cosmos


A ideia de que o universo é gigantesca máquina organizada vem, pelo menos, desde os primórdios da Grécia. Os grandes filósofos gregos estavam imbuídos da ideia de que o mundo era um Cosmos, isto é, gigantesco e organizado complexo de coisas.
Eles estavam evidentemente influenciados pela própria tradição de sua cultura, que sorviam no berço junto com o leite materno, através das explicações fornecidas pela mitologia grega. A primeira ideia curiosa nessa crença de um mundo cósmico consiste em colocar exatamente a origem do Universo no Caos. O Cosmo não foi criado nem mesmo gerado. O Cosmo não foi produzido do nada por um ser inteligente, um arquiteto portentoso, como afirmou Descartes e insistia Voltaire.
Não. Por mais absurdo que hoje isso nos pareça, para os inteligentes, mas crédulos gregos primitivos, o Cosmo, o gigantesco complexo de todas as coisas organizadas, originou-se exatamente do caos, do caos mais profundo que se possa imaginar. A organização poderia surgir da mais completa desorganização, a ordem podia surgir da desordem, a regularidade da anarquia, o determinado do indeterminado.
E mais surpreendente ainda, esse caos infinito era um Deus, sem forma alguma. Tão sem forma que era explicado como um grande vazio, um abismo infinito, ilimitado, uma escuridão sem limites. Mas, era uma escuridão que apenas significava a completa invisibilidade pela carência de forma, uma escuridão metafórica. Escuridão muito maior que a da Noite, que só surgiu em seguida, e possui, de alguma maneira, alguma forma. Nem a forma da escuridão da Noite o divino Caos dos gregos possuía.
Mas, esse Caos era energia, era força emanadora. E assim do Caos emanaram Geia e Eros. Geia, a Mãe-Terra, a fecundidade. Eros, a força de atração, a força fundamental do mundo, diz Junito de Souza Brandão. E o Caos, esse deus indefinido, sem a mínima forma e a mínima norma de ação, deu início ao processo de formação do Cosmos, o complexo gigantesco e organizado de todas as coisas. Mas o Caos era um deus, era energia produtiva.
E fico a sopesar a formidável potência imaginativa dos gregos, quando leio os atuais cosmólogos afirmando que no início somente existia toda a matéria hoje existente do Universo, condensada num ponto infinitamente diminuto, o plasma, a matéria informe, sob a formidanda potência infinita de energia, o Big Bang, o primeiro fenômeno cósmico, na origem do Universo, captado mediante os instrumentos de experimentação existentes. Segundo a ciência atual, exatamente como para os primitivos gregos, o Universo tem origem num processo energético de evolução organizadora. E Energia que possui na Massa sua ambivalência.
A própria Matéria, pois, passa do caos, da anarquia, para a organização, passo a passo, cada vez maior, sob as forças de atração e repulsão, ao sabor das circunstâncias, que criam possibilidades que o acaso concretiza e consolida, ou não, por certo tempo.
O Cosmo seria auto-suficiente? Seria eterno? A Ciência experimental deteve-se no Caos, esbarrando na Massa infinita ou na Energia infinita, que seriam o mesmo. Esse, pelo menos no momento, é o limite no tempo para a Ciência. Ela afirma que no início era o Caos, a energia infinita ou toda a massa no ponto espacial infinitamente pequeno, na forma plasmática, isto é, sem forma. Energia cuja essência é processo, é movimento, é difundir-se, como o Caos, o deus primordial da mitologia grega. Se o Caos é o próprio processar-se, precisaria ele de princípio? Precisaria ser ele ser feito, criado? Ele é o próprio fazer-se, transformar-se, processar-se, devir. Ele seria auto-suficiente, como afirmou Spinoza.

domingo, 8 de novembro de 2009

140. O Que É a Inteligência


A mente humana é insondável mistério. Os psicólogos narram que certa criança, chamada Alex, com claro desenvolvimento mental retardado, de repente, em razão de obstáculo às tentativas de ligar um ventilador, descobriu subitamente a razão de seu fracasso, e proferiu o discurso de estréia: Jesus Cristo! Esse ventilador não funciona! Desde aquele momento em diante, um discurso desenvolvido e parecendo adulto jorrou da boca de Alex como se tivesse sido armazenado lá, completo e prontinho para usar, apenas esperando pelo momento certo para irromper. Aos nove anos, seu vocabulário e seu domínio da gramática, sintaxe, modulação e ênfase eram tão bons quanto de qualquer adulto. Desde então, ele tinha ficado extraordinariamente confiante e extrovertido, circulando nos salões como um diplomata experiente em um coquetel. Em termos de conteúdo, porém, sua conversa nunca se tornou mais conseqüente que sua observação sobre o ventilador. E, bem provavelmente, nunca ficará. A síndrome de Williams é causada por uma mutação genética que produz acentuado retardo mental..., juntamente com extraordinária aptidão lingüística. Embora frequentemente exibam incrível intuição e empatia, o QI médio de pessoas com a síndrome de Williams fica entre 50 e 70... (transcrito do livro Mente, de Rita Carter, tradução portuguesa, editado por Ediouro).
Outros psicólogos descrevem as características físicas dos portadores da síndrome de Williams: baixa estatura na idade adulta, problemas odontológicos, voz rouca e problemas de postura (cifose e lordose).
Não tenho a pretensão de formular qualquer diagnóstico nem tenho autoridade científica nem profissional para tanto. Até mesmo concordo com a observação de que se estaria forçando o enquadramento.
Apenas acho que seja, em verdade, difícil definir-se o que seja a inteligência. Há várias teorias a respeito da inteligência. Alguns dizem que a inteligência é uma capacidade especializada e inerente ao organismo humano de decifrar e resolver os problemas práticos e teóricos com que o indivíduo humano se depara. Seria uma dádiva da natureza: o indivíduo nasce com ela. A maioria dos que defendem a teoria naturalista afirmam que uns nascem com mais inteligência e outros com menos inteligência. A Natureza produz o carisma, os líderes. E parece que essa abordagem é que está sendo, no momento, adotada por interessados, neste País.
Essa teoria já causou recentemente vítima entre os ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina, quando James Watson foi constrangido a demitir-se do Laboratório de Cold Spring Harbor, simplesmente porque disse que ia pesquisar a relação entre inteligência e raça, já que suspeitava existir conexão da inteligência com o DNA. Nada há de democrático nessa abordagem. Ela é elitista. Nada mais distante do materialismo-histórico-dialético e da mentalidade dos progressistas e esquerdistas nacionais. Ela afirma que uns nasceram para mandar, para ser reis, e outros nasceram para serem comandados, para ser povo. É um retrocesso na História. Regride-se à Idade Média.
A afirmação de que inteligência é carisma não pode caber no discurso de quem é democrata e esclarecido. E é aí que a Universidade faz falta. Falta o conhecimento que a Universidade fornece para que o indivíduo tenha total noção do que está falando e fazendo. Sem Universidade torna-se difícil possuir o domínio sobre o próprio discernimento. O discurso varia conforme as circunstâncias e os interesses tal qual a biruta se move ao sabor dos ventos. Quem desconhece a Cultura, porque não se aprofundou através do estagio universitário, pode achar normal que se tenha um discurso quando se é oposição e outro quando governo, sobre a mesma matéria. Conhecimento faz parte da inteligência humana. Conhecimento é o processo mental metodicamente conduzido pela cultura acumulada pela Humanidade, ao longo de quinhentos milênios. O falecido líder esquerdista Leonel Brizola apreciava jactar-se de que sempre teve um discurso político coerente. Penso que ele queria dizer que tinha um conhecimento sólido, consciente, esclarecido dos assuntos de interesse público.
Sobreviver é socializar-se. E socializar-se é infundir a cultura no indivíduo humano, a cultura que nada mais é que o conhecimento acumulado por toda a Humanidade ao longo dos quinhentos milênios de sua existência. O indivíduo, que despreza a Universidade, renega todo o conhecimento humano – presente e passado – e se erige num ser humano quase divino, tal qual os gregos imaginavam os seus heróis. É simplesmente ridículo.
Outra abordagem dos que adotam a teoria da inteligência natural é a dos psicólogos progressistas radicais. Eles imaginam que todos nascem com a mesma capacidade mental, isto é, todos têm a mesma mente ao nascer. As influências do meio ambiente, interno e externo ao indivíduo, é que desencadeiam o processo de diferenciação da inteligência individual. Todos os fatores internos e externos, físicos e sociais, moldam a inteligência e determinam-lhe a dimensão. Essa teoria sócio-histórica é adotada por psicólogos da PUC de São Paulo. Teria sua origem com o psicólogo Vigotski, na ex-União Soviética, e teria sido aplicada no Brasil em Educação por Emília Ferreiro e na Psicologia Social pela professora Sílvia Lane. Essa abordagem parte, portanto, da nada óbvia constatação de que todos nascemos idênticos. O indivíduo humano nada mais é que o resultado da socialização. Socialização idêntica, indivíduos humanos iguais e sociedade humana democrática. Nada de carismas, nada de predestinações. O povo em sociedade, e só o povo em sociedade, é que comanda as transformações. Esta teoria, portanto, não se coaduna com a mente dos que, ao menos no discurso, deslustram o valor da cultura e da Universidade.
A maioria dos psicólogos estão com Ortega y Gasset: Eu sou eu, e minhas circunstâncias. Cada indivíduo humano nasce com o seu organismo e com a sua mente inconfundíveis com o organismo e a mente dos outros indivíduos humanos. E cada processo existencial individual é diferente de todos os outros. Mas, tudo isso que é inconfundível, é também muito semelhante. Eu nasci com uma mente muito semelhante a de todos os outros, mas não igual, assim como é a mesma cultura que me foi infundida através da socialização, embora em circunstâncias muito próprias minhas. Daí os indivíduos humanos diferentes e semelhantes, capazes de conviverem e necessitando da convivência para sobreviver e, sobretudo, para conquistar uma convivência em grau de excelência.
Aí, sim, há lugar para o carisma e para a democracia. Tudo na vida, com efeito, só existe, porque existem todas as condições favoráveis para que aconteça. Assim, o processo de desenvolvimento humano individual e social segue as coordenadas das condições favoráveis. É o resultado do esforço histórico da Humanidade, algumas vezes desabrochando através de uma individualidade carismática como Albert Einstein ou como Mozart, ou como Carlos Magno, mas sempre resultado do amadurecimento do esforço da Equipe Humana, que mais tarde ou mais cedo teria de ocorrer, permanecendo os mesmos estímulos ambientais.
A cultura e a Universidade valem muito. A cultura e a Universidade são sobretudo conhecimento, entre outras coisas. A cultura e a Universidade são inteligência acumulada, sim. Não podemos, de modo algum, separar indivíduo e sociedade. O bem do indivíduo não é dádiva de nenhum outro indivíduo, não é favor. O bem do indivíduo é conseguido na sociedade e na medida em que ele se integra à sociedade. Assim, pode-se bem afirmar: a inteligência é cultura, é sociedade, e é Universidade.

sábado, 3 de outubro de 2009

139. Condolências II


Nesta hora, em que o inapelável tornado existencial se abate sobre vocês, temos a pretensão de lhes dirigir não apenas as expressões de condolências de praxe, embora conscientes, é verdade, da advertência de Mário Quintana: cada um fala como pode. Gostaríamos de transmitir-lhes, isso sim, os pensamentos com que, nestas circunstâncias inevitáveis, estaríamos tentando nutrir a nossa mente.
Esta é a circunstância mais certa da existência humana, e para ela ninguém, ou muito poucos, está preparado. Por isso, Shakespeare a encarou com horror: medonha morte, como tua pintura é feia e repulsiva! E o nosso arguto Mário Quintana preferiu considerar a nossa confortável e consciente desconsideração habitual para com essa realidade da vida humana:
Esta vida é uma estranha hospedaria,
De onde se parte quase sempre às tontas,
Pois nunca as nossas malas estão prontas,
E a nossa conta nunca está em dia.
Os dramaturgos gregos, que viveram antes da tríade clássica de filósofos, teciam considerações sobre a vida bem diferentes das que, nestes últimos séculos da civilização capitalista e tecnológica, costumamos alimentar. Sófocles, no século V AEC, fazia ecoar nos anfiteatros gregos este brado de angústia diante da vida:
Que maior prova de loucura pode haver
que desejar o homem a vida prolongada?
Certo é que uma longa existência
encerra em seus caminhos muitos males.
E quem muitos anos ambiciona
não pode ver a alegria onde ela realmente se encontra:
não ter nascido vale mais que tudo.

Ele nada mais fazia que ressoar na Hélade de seu tempo a opinião expressa um século antes pelo poeta Teógnis de Megara:
Não ter nascido, não ver jamais o sol,
acaso existirá bênção maior?
Só à morte sem dor podemos compará-la:
maior bem, só a paz duradoura do túmulo.
É bem verdade que a Humanidade nunca se conformou com os limites impostos pela Natureza às condições da existência humana. Nós, os micróbios humanos existentes neste ponto indistinguível e irrelevante do Cosmos, sempre nos rebelamos contra a onipresente ameaça existencial titânica que nos circunda. O sonho de imortalidade de Gilgamesh é até percebida e experimentada por crianças, como aquele garoto italiano, que se queixava para Papai Noel: Papai Noel, não entendo você. Você leva os velhinhos para o Céu e manda as crianças para o lugar deles aqui na Terra... Por que não deixa, então, os velhinhos na Terra, de uma vez?...
Mais do que nós, sabe Dr. Ivar – aí estão os telômeros dos cromossomas limitando os anos da existência humana - que os gregos bem que tinham razão, quando imaginaram o mito das Moiras tecendo o destino dos deuses e dos humanos e determinando destes o término da existência.
A cultura cristã nos transmitiu uma versão alterada do mito grego dos três mundos – celeste, terrestre e subterrâneo – e transformou a vida terrestre numa época transitória de teste para a vida eterna após a morte.

Essa cultura começou a modificar-se, quando os mercadores de Veneza e outras cidades italianas se tornaram ricos, na primeira metade do segundo milênio de nossa era. Eles possuíam meios de transformar a vida terrestre em anos de prazeres e momentos deliciosos. Eles então conheceram e adotaram o estilo de existência humana, concebido pelos sábios de Atenas, e sintetizado naquela frase conhecida do poeta romano Juvenal: mente saudável em corpo saudável.

Assim, a vida terrestre começava a despir a veste andrajosa dos dramaturgos gregos e a ser o palco da existência de uma Isabela d’Este, a mulher mais linda, mais elegante, mais culta, mais graciosa e mais feliz que a Terra jamais admirou até aqueles tempos! E Erasmo de Roterdã, o gênio maior do Humanismo, revelou a sua opinião sobre a existência humana: antes de tudo, dizei-me: haverá no mundo coisa mais doce e mais preciosa do que a vida? E Voltaire, já na era moderna e nas vésperas da civilização tecnológica, podia expressar-se da seguinte forma: Como éramos felizes! ... Para que precisaríamos de uma abundância vã? Possuíamos muito mais, nós tínhamos a felicidade. E o laicismo do pensamento chegou ao extremo, já nos anos da era tecnológica, com Olavo Bilac naquele verso blasfemo significativo: Terra, melhor que os Céus! Homem, maior que Deus!
Já era o ápice daquela visão filosófica da vida humana, que se iniciara com Thomas Hobbes e hoje é abraçada pelo famoso sociólogo inglês Anthony Giddens, de que a felicidade não é um bem final que se conquista, mas, sim, um processo de vida que se desdobra: A felicidade desta vida não consiste no repouso de espírito satisfeito. Pois não há finis ultimus (último fim) nem summum bonum (sumo bem) como se diz nos livros dos antigos filósofos moralistas... Felicidade é contínuo progresso do desejo, de um desejo a outro; a obtenção do primeiro é apenas caminho para o segundo.
Já era essa a idéia que se expressa naquela frase gravada no piso das ruínas de um anfiteatro romano: caçar, banhar-se, divertir-se e rir, isso é viver. E milênios depois repetida por aquele turista, que escreveu num depósito de lixo de Montmartre: amar, comer, beber e cantar, isso é a vida!
Claro que, assim como as culturas, também muitas, muitíssimas, são as formas diferentes como se desenvolve o processo da felicidade. Mais que isso. Ele é criação individual e, portanto, existem tantos processos de felicidade quantas vidas humanas. Isso também se acha entendido naquela frase famosa de Ortega y Gasset: eu sou eu, e minhas circunstâncias. Por isso, compreende-se que para Pierre Bayle a felicidade consista no estudo: Encontro doçura e repouso nos estudos em que me tenho empenhado e que me deleitam. E os psiquiatras atuais dir-nos-ão que Virgílio tinha razão quando escreveu o lapidar e imorredouro verso: feliz quem pode entender a existência e dominar todas as angústias, o implacável destino e a tragédia da morte.
Entendemos, portanto, que Maria Amélia foi realmente feliz, porque sempre tivemos a impressão de que o que ela realmente apreciava na vida era desempenhar com extrema dedicação e paixão o seu papel de mulher, nas modalidades de esposa e mãe. E é assim que os vemos, prezadíssimos Dr. Ivar e Ana, juntamente com a Maria Amélia, formando uma família, à moda tradicional. Dizem os sociólogos que nós possuímos uma identidade social. E Maria Amélia - é nossa impressão - foi exatamente a alma, que fez vocês três realizarem juntos o papel da família consistente, célula da sociedade. Dr. Ivar, sem dúvida, percorreu o processo do médico e do professor, e neles se realizou e foi feliz também. Mas, tem sido, sobretudo, o esposo e o pai admirável. Já Maria Amélia, ah! essa! estava no seu olhar, estava na sua voz, estava nas suas atitudes, ela sempre viveu para o Dr. Ivar e para Ana! Eles foram, no processo existencial de sua existência, a felicidade plena de Maria Amélia. Maria Amélia foi feliz. Realizou com paixão, afeto e obstinação a sua felicidade, a cada instante da vida.
E isso é o que vale, como já disse Fernando Pessoa: O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.
Isto é o que vale. É o que importa. Maria Amélia viveu! Maria Amélia foi feliz! O resto é nada!

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

138. Condolências I


Nesta hora, em que você é destroçado pelo inapelável tornado existencial, tenho a pretensão de não lhe dirigir somente as expressões triviais das condolências habituais, consciente, é verdade, da advertência de Mário Quintana: cada um fala como pode.
Se união conjugal tem alguma explicação, creio que o casal Deolindo e Margarida se estruturou, porque você - homem belo, culto e educado, cirurgião exímio também – e ela - mulher envolvente, culta e cientista da linguagem – construíram laços físicos, emocionais e mentais, capazes de realizar numa existência pessoal o ideal humano da cultura greco-romana, expresso por Juvenal naquela frase famosa: mente saudável em corpo saudável.
Como Horácio, ambos poderão dizer: ergui monumento mais duradouro que o bronze e mais alto que as pirâmides dos reis... Não morrerei de todo. Vocês se perpetuaram em suas obras culturais.
A trajetória, que se percorre na vida, é o que vale. Você sabe muito bem o que os dramaturgos gregos pensavam da existência humana. Sófocles, no século V AEC, fazia ecoar nos anfiteatros gregos:
Que maior prova de loucura pode haver
que desejar o homem a vida prolongada?
Certo é que uma longa existência
encerra em seus caminhos muitos males.
E quem muitos anos ambiciona
não pode ver a alegria onde ela realmente se encontra:
não ter nascido vale mais que tudo.
Sófocles só fazia ressoar na Hélade de seu tempo a opinião expressa um século antes pelo poeta Teógnis de Megara:
Não ter nascido, não ver jamais o sol,
acaso existirá bênção maior?
Só à morte sem dor podemos compará-la:
maior bem, só a paz duradoura do túmulo.
É bem verdade que a Humanidade nunca se conformou com os limites impostos pela Natureza às condições da existência humana. Nós, os micróbios humanos existentes neste ponto indistinguível e irrelevante do Cosmos, sempre nos rebelamos contra a onipresente ameaça existencial titânica que nos circunda. O sonho de imortalidade de Gilgamesh é até percebida e experimentada por crianças, como aquele garoto italiano, que se queixava para Papai Noel: Papai Noel, não entendo você. Você leva os velhinhos para o Céu e põe as crianças no lugar deles aqui na Terra... Por que não deixa, então, os velhinhos na Terra, de uma vez?...
Mais do que eu, sabe você – aí estão os telômeros dos cromossomas limitando os anos da existência humana - que os gregos bem que tinham razão, quando imaginaram o mito das Moiras tecendo o destino dos deuses e dos humanos e determinando destes o término da existência.
Por isso, adoto o pensamento de Ortega y Gasset que resumiu o indivíduo humano naquela frase famosa: eu sou eu, e minhas circunstâncias. E o neurocientista Roberto Lent nos esclarece que esse eu é aquela experiência de unicidade e de continuidade que une todos os pontos do filme mental da existência do indivíduo, desde o primeiro clarão da consciência até o último lampejo da vida. E os sociólogos nos dizem que a sociedade, através de seus agentes, grava em nossa mente os papeis que decidimos desempenhar no contexto da vida em sociedade.
Assim, o indivíduo produz o filme de acordo com a cultura e a subcultura da sociedade em que vive. Podemos, então, entender a infinita diversidade de realizações individuais e de formas como acontece a felicidade de cada pessoa. Uns colocam a felicidade em amar, comer, beber e cantar, como gravou o romano no piso de um anfiteatro e o turista escreveu no depósito de lixo de Montmartre.
Outros, entre os quais se incluem você e Margarida, entendem que o processo da felicidade se realiza no nomos, que filósofos gregos imaginavam a origem da ordem universal, implantada pela Alma do Cosmos, e que gera a paz e a felicidade social.
Vocês preferiram os papeis de sábios, cujo processo de felicidade me parece explicitado por Virgílio nos famosos versos: feliz quem pode entender a existência e dominar todas as angústias, o implacável destino e a tragédia da morte.
Não quero deixar de lembrar-lhe, considerando os familiares e os amigos que o cercam, e para os quais você significa mais ainda do que pensa, as palavras de Pablo Neruda: aprende a nascer com a dor e a ser maior que o maior dos obstáculos.
Um abraço pleno de admiração e amizade do
Edgardo

sábado, 26 de setembro de 2009

137. Luzes da História


Era criança, na década de trinta do século passado, mas lia nas páginas dos jornais de minha cidade natal, Parnaíba no estado do Piauí, notícias sobre o rei da Etiópia, Hailê Selassiê, ou as ouvia em transmissões radiofônicas. Hoje, só ouço falar da Etiópia, quando assisto às transmissões televisivas de competições atléticas. Sabia que aquele imperador africano havia sido destronado pelas tropas invasoras italianas, que em 1935, conquistando a Etiópia, deram início ao fracassado plano de Benito Mussolini de replicar o fastígio do Império Romano.
Sei hoje que aquele imperador africano foi eminente chefe de nação em sua época. Destronado, refugiou-se na Inglaterra. Comandou as tropas etíopes, engajadas no exército inglês que libertou a Etiópia na Segunda Guerra Mundial. Visitou vários países europeus. Esteve no Brasil em 1960, no período de governo do Presidente Juscelino Kubitschek.
Hailê Selassiê significa Poder da Trindade. Nasceu Tafari Maikonnen, o Indomável Maikonnen, e era primo do Imperador da Etiópia. Foi educado por missionários franceses e se expressava com muita facilidade e brilho. Conquistou, assim, a admiração do primo imperador que, além de confiar-lhe posições de administração em seu governo, também aceitou o casamento do talentoso primo com uma das filhas. Maikonnen, então, tornou-se Ras Tafari, isto é, o Príncipe Terrível.
Hailê Selassiê era personalidade tão carismática e tão brilhante orador que se fazia ouvir pelos governantes dos mais importantes países do mundo. Suas idéias ainda hoje são repetidas por muitos dirigentes de países em desenvolvimento nas conferências políticas mundiais.
Em 1936, ele proferiu na Liga das Nações as seguintes palavras:
"Enquanto a filosofia que declara uma raça superior e outra inferior não for finalmente e permanentemente desacreditada e abandonada; enquanto não deixarem de existir cidadãos de primeira e segunda categoria de qualquer nação; enquanto a cor da pele de uma pessoa não for mais importante que a cor dos seus olhos; enquanto não forem garantidos a todos por igual os direitos humanos básicos, sem olhar a raças, até esse dia, os sonhos de paz duradoura, cidadania mundial e governo de uma moral internacional irão continuar a ser uma ilusão fugaz, a ser perseguida mas nunca alcançada. E igualmente, enquanto os regimes infelizes e ignóbeis que suprimem os nossos irmãos, em condições subumanas, em Angola, Moçambique e na África do Sul não forem superados e destruídos, enquanto o fanatismo, os preconceitos, a malícia e os interesses desumanos não forem substituídos pela compreensão, tolerância e boa-vontade, enquanto todos os Africanos não se levantarem e falarem como seres livres, iguais aos olhos de todos os homens como são no Céu, até esse dia, o continente Africano não conhecerá a Paz. Nós, Africanos, iremos lutar, se necessário, e sabemos que iremos vencer, pois somos confiantes na vitória do bem sobre o mal".
Hailê Selassiê irradiava tal fascínio que lideranças históricas do movimento negro foram estimuladas por suas ideias e seu exemplo, como Martin Luther King e Nelson Mandela. Essa força carismática de Selassiê atingiu a Jamaica, onde o sonho de liberdade dos afrodescendentes de escravos nutria a saudade do continente de origem e alimentava o desejo de um dia retornar àquelas terras.
Esse fascínio atingiu com tanta intensidade o ambiente fértil da mentalidade negra jamaicana, que o carisma se transformou em mito, que hoje nutre os sentimentos religiosos de mais de seiscentos mil negros, os rastafaris. Acreditam que Selassiê vive e é o próprio Deus. A exemplo de Moisés, o guia do povo de Israel, conduzirá os negros de Jamaica à Mãe Terra africana.
Carisma e crença são vetores de energia fundamentais na psicologia individual e coletiva da Humanidade.