quarta-feira, 22 de junho de 2011

159. Reservas

No dia 11 do corrente foram postadas no site da AAPPREVI notícias, fornecidas pela Presidente da FAAB, a respeito da reunião recente com autoridades da PREVIC, onde se discutiu o destino que se deveria dar ao superávit, apresentado no corrente ano pelo Plano 1 de Benefícios da PREVI.

Desse relato consta que as autoridades justificaram a existência da Resolução CGPC 26 nos seguintes termos: “...a Resolução 26 veio para regular a maneira como se faz a Revisão do Plano, pois as opções para tal não foram abordadas em profundidade pela lei complementar.”
Já lera alhures alguns argumentos favoráveis a essa Resolução, como o enriquecimento ilícito, o da justiça distributiva e o antecipação da entrega ao Patrocinador das gigantescas sobras, que o Plano 1 de Benefícios apresentaria no seu futuro encerramento. Para mim, esse do vácuo de lei é novidade. Será que existe mesmo vácuo de lei? Esse é o objeto dessa minha pesquisa.
A Constituição Brasileira atual trata da Previdência Complementar no artigo 202: “O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.”
O grande jurisconsulto e mestre do Direito, Miguel Reale, ministra logo na introdução à Ciência do Direito a orientação de que a análise do vocabulário da norma jurídica deve ser a primeira tarefa do advogado. Tão importante é essa análise linguística para a prática jurídica que Herbert Hart, segundo Wayne Morrison, utilizou essa metodologia linguística, inspirado pela filosofia da linguagem de Wittgenstein, no estudo do Direito, uma das mais famosas teorias da Escola do Positivismo Jurídico.
A base do instituto da Previdência privada complementar é a constituição de reservas que garantam o benefício contratado. Houaiss ensina que reserva significa “qualquer coisa que se separa, que se mantém guardada, para ser usada no futuro.” Acrescenta que tem origem no verbo latino servare, que significa preservar, salvar, assegurar a saúde ou a conservação de. Reservare tem o sentido de guardar em reserva, enquanto reservatus assume a significação de reservado para, guardado para, destinado para.
Os dicionários de termos jurídicos, de administração financeira e de contabilidade também enfatizam esses quatro elementos conceituais do vocábulo reserva: separar, guardar, garantir, com determinada destinação. Assim, encontramos na Contabilidade e no Direito as seguintes definições para reserva: determinada quantia para cobrir gastos, se vierem a ocorrer; lucros que uma empresa contabiliza à parte, para fins determinados.
Para a Constituição, pois, a Previdência Privada Complementar é no seu mais autêntico núcleo conceitual uma quantidade de recursos financeiros destinada exclusivamente a ser consumida no pagamento de benefícios contratados e em valor tal que o pagamento desses benefícios esteja garantido. A Previdência Privada Complementar só gasta os seus recursos com o pagamento de benefício contratado.
Já é bem mais evidente o significado do vocábulo benefício na linguagem de uso diário: ato de fazer o bem, auxílio, provento concedido a alguém, vantagem, direito, diz Houaiss, que também adita “na previdência social, prestação pecuniária a que tem direito pleno o beneficiário, na letra da lei”. Esse vocábulo é herdado do Latim, beneficium, bem feito, coisa boa. É, pois, evidentíssimo o pensamento da Constituição: a Previdência Privada só pode consumir recursos das reservas na forma de benefício.
Se ainda nada disso fosse suficiente para convencimento definitivo, existe o adjetivo contratado.
O pensamento do Constituinte ao editar o artigo 202 é inequivocamente este: as reservas da Previdência Privada Complementar só podem ser consumidas na forma de benefício previdenciário contratado.
A Constituição enumera os benefícios que a Previdência pode conceder e contratar, as coisas boas em que podem ser consumidas as reservas da Previdência: cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada (aposentadoria); proteção à maternidade, especialmente à gestante; proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes. Como se vê aí não se acha incluída essa coisa boa que é a reversão de contribuições. As reservas da Previdência Privada Complementar não podem, portanto, ser consumidas em reversão de contribuições.
Esse elenco constitucional nos informa outra coisa: todas essas coisas boas só podem ser despesas com eventos sofridos por pessoas físicas: doença, invalidez, morte, velhice avançada, maternidade, desemprego, família e prisão. Logo, as reservas da Previdência Privada Complementar não podem ser consumidas como benefício, coisa boa para pessoa jurídica.
Aliás, ninguém faz um contrato para obter uma reversão de contribuição. Reversão não é bem que se objetive alcançar e que se obtenha por contrato. Logo, mais um motivo constitucional para exorcizar essa reversão de contribuições: ela não pode ser benefício contratado.
Este Regime de Previdência Social Complementar recebeu a sua primeira norma legal em 1977, a Lei 6.435. A partir do ano 2001, ele passou a ser organizado sob os termos de duas leis complementares: a LC 108 e a LC 109.
A LC 109 disciplina o Regime de Providência Complementar. Ele é operado por dois tipos de entidades: EFPC (entidade fechada de previdência complementar) e EAPC (entidade aberta de previdência complementar.
A EFPC se organiza sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos. Ela pode abrigar empregados de uma empresa, ou de um grupo de empresa, ou servidores de entidades públicas ou de sociedades mistas, e, neste caso, tem PATROCINADOR, bem como associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, quando tem INSTITUIDOR. O objeto dela é a administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária.
Como se está constatando, a EFPC NÃO PODE TER A FINALIDADE DE LUCRO. Se ela não pode ser fonte de enriquecimento dos participantes e assistidos, muito menos pode ela ser fonte de enriquecimento de uma empresa, de uma sociedade anônima, segundo entendo. Já a EAPC é uma sociedade anônima. Tem por finalidade o lucro e VENDE OS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS PARA OBTER LUCRO.
A PREVI É, POIS, UMA EFPC, UMA SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS, QUE CONSTITUCIONAL E LEGALMENTE SE DESTINA EXCLUSIVAMENTE A COLETAR E ADMINISTRAR RECURSOS PARA GASTAR NA FORMA DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS A SEUS PARTICIPANTES (OU A SEUS BENEFICIÁRIOS), LEGALMENTE RECONHECIDOS COMO ASSISTIDOS.
A lei denomina participante à pessoa física que adere a um plano de benefícios e de assistido ao participante ou seu beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada. Assim, UMA PESSOA JURÍDICA NÃO SE ACHA LEGALMENTE HABILITADA PARA RECEBER BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. Nem isso tem o menor cabimento, já que pessoa jurídica não adoece, não se torna inválido nem morre.
O Patrocinador é aquela entidade que assina com uma EFPC um contrato de patrocínio de Plano de Benefícios Previdenciários para os seus funcionários. As obrigações legais do Patrocinador consistem em contribuição paritária normal com os participantes do Plano, compartilhar com os participantes das despesas administrativas, compartilhar paritariamente a direção da EFPC, com direito à indicação do conselheiro presidente e o voto de minerva, e supervisionar e fiscalizar a EFPC, inclusive autorizar, juntamente com seu ente controlador, que a EFPC exerça o controle ou participe de acordo de acionistas que tenha por objeto formação de grupo de controle de sociedade anônima.
COMO ESTÁ PATENTE NA DISCRIMINAÇÃO DO PAPEL DO PATROCINADOR, JAMAIS AS LEIS COMPLEMENTARES 108 E 109 INCLUEM O DIREITO DO PATROCINADOR A COMPARTILHAR DO RESULTADO FINANCEIRO DA EFPC, DE OBTER QUALQUER VANTAGEM NAS DESPESAS COBERTAS PELAS RESERVAS DE UM PLANO DE BENEFÍCIOS. O PATROCINADOR SÓ TEM DIREITOS E DEVERES DE CONTRIBUIR, COMPARTILHAR A ADMINISTRAÇÃO, SUPERVISIONAR E FISCALIZAR.
A Lei manda que a EFPC faça o plano de custeio anual, estabelecendo a contribuição exigida para a constituição de reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e demais despesas. Obrigatório é o regime financeiro de capitalização para os benefícios de programação programada e continuada. As reservas técnicas, provisões e fundos de cada plano de benefícios e os exigíveis a qualquer título deverão atender permanentemente à cobertura integral dos compromissos assumidos pelo plano de benefícios, ressalvadas excepcionalidades definidas pelo órgão regulador e fiscalizador. AS CONTRIBUIÇÕES (NORMAIS E EXTRAORDINÁRIAS) DESTINADAS À CONSTITUIÇÃO DE RESERVAS TERÃO COMO FINALIDADE PROVER O PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS DE CARÁTER PREVIDENCIÁRIO.
No final de cada exercício, faz-se o balanço do Plano de Benefício. Sendo o resultado superavitário, ele constitui uma reserva de contingência, até o limite de vinte cinco por cento do valor das reservas matemáticas (técnicas) PARA GARANTIA DE BENEFÍCIOS, diz a lei.
ESSAS RESERVAS MATEMÁTICAS, PORTANTO, SOMENTE ENCERRAM OS RECURSOS EXATAMENTE EQUIVALENTES AO VALOR DOS BENEFÍCIOS A PAGAR. Isso é o que significa EQUILÍBRIO. Esses ativos são da exata medida dos benefícios. Nem mais nem menos. Daí não há como se extrair nenhum valor para pagamento outro que não seja benefício previdenciário, porque o plano ficaria desfalcado. O objetivo da administração de uma EFPC é alcançar esse equilíbrio: a exata correspondência entre as reservas matemáticas e o valor dos benefícios a pagar.
Se o balanço do fim de exercício da EFPC acusar excesso de recursos sobre o valor de equilíbrio das reservas matemáticas, esse excedente não será, sem mais nem menos, consumido em benefícios, o único destino constitucional conferido às reservas. Não, a Lei é minuciosa e cautelosa. Afinal de contas, é uma Lei de Previdência...
A Lei manda que o excesso eventual de reservas forme um colchão de segurança para as reservas matemáticas: as reservas de contingência, para garantia de benefícios, diz textualmente a Lei 109. Outra vez, a clara fidelidade ao pensamento dos Constituintes: nos planos de previdência complementar só existem recursos para serem consumidos com benefícios previdenciários.
Esse colchão de garantia de benefícios previdenciários pode atingir até o valor correspondente a 25% do valor das reservas matemáticas, do valor atual dos benefícios a conceder, atuarialmente calculado, isto é, matematicamente, com a precisão matemática, calculados.
Mas, a Lei continua sendo minuciosa e pretendendo baixar normas cautelosas sobre o consumo das reservas matemáticas, dos valores que só têm um destino constitucional: serem consumidos em benefícios, exatamente por isso, porque elas são do exato tamanho dos benefícios. E a Lei 109, então, levanta nova hipótese: constituídas as reservas de contingência, para garantir os benefícios previdenciários, se ainda assim, houver superávit, esse valor que excede aos 25% das Reservas de Contingência, constituirá outras reservas, a RESERVA ESPECIAL PARA REVISÃO DO PLANO DE BENEFÍCIOS.
E a Lei 109 prossegue no seu minucioso ordenamento, supõe que se faça a revisão anual, segundo entendo. Mas, até condescende com a cautela eventual dos administradores da EFPC em mais espaçar essa providência, haja vista a característica de instabilidade da área financeira, e até porque pode ser insignificante essa quantia a distribuir. Passados três exercícios consecutivos, porém, com superávit e sem distribuição da reserva especial, a revisão do plano de benefícios torna-se obrigatória, mesmo que o valor seja insignificante.
E a lei, seguindo sua linha de minuciosa ordenação, acrescenta: SE A REVISÃO DO PLANO DE BENEFÍCIOS IMPLICAR REDUÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES, leve-se em consideração a proporção existente entre as contribuições do patrocinador e dos participantes, inclusive assistidos. É que neste ponto do processo analítico, o legislador se deparou não só com a Reserva Especial Para Revisão do Plano de Benefícios, mas também com as contribuições que poderão ingressar nas reservas do Plano de Benefícios, isto é, a fonte de recursos que formam essas Reservas, assim como ele também se encontra com o destino das Reservas, a saber, os benefícios dos assistidos e até os futuros benefícios dos participantes. Nada mais ele encontra, porque nada mais existe que possa ser identificado.
A solução para obter o EQUILÍBRIO DO PLANO MEDIANTE A REVISÃO reside, portanto, nos dois lados: o lado das contribuições e o lado dos benefícios. E a LC dá primazia à solução pelo lado das contribuições: reduzam-se ou até suspendam-se, ambas as dos participantes, inclusive assistidos, e a do Patrocinador. Ele considerou as duas, porque ambas existem. E nessa providência não são consumidos recursos das reservas. Não são transferidos recursos das reservas do Plano de Benefícios para o patrimônio dos contribuintes, quer participantes quer Patrocinador. Não se trata de benefício previdenciário, portanto. Trata-se de poupança privada.
E, se essa solução não for suficiente, agora sim, e só agora ela ordena: consumam-se as reservas. Precisava dizê-lo? Não. É o único destino Constitucional. É tudo o que a LC vem insistindo em afirmar: contribuições normais e extraordinárias são para formar reservas matemáticas, que devem ser exatamente iguais aos benefícios a pagar. Até 25% de excesso formam reservas para garantir o pagamento dos benefícios. Excesso acima desse valor é para Revisão do Plano de Benefícios. Que benefícios? Previdenciários, e somente benefícios previdenciários contratados, manda a Constituição. Quem recebe benefícios previdenciários? Pessoa física, participante legalmente qualificado, assistido. Pessoa jurídica, segundo a Constituição e segundo as duas LC 108 e 109, não se qualifica para receber benefícios previdenciários, os recursos das reservas não lhe podem ser destinados.
Nesta matéria de REVISÃO DO PLANO DE BENEFÍCIOS, a LC 109 se estende, minuciosa e compreensivamente, sobre a sua repercussão sobre as contribuições. Se houver déficit, aumente-se a contribuição ou cobre-se contribuição extraordinária, e até, ISSO É IMPORTANTÍSSIMO, REDUZA-SE O BENEFÍCIO A CONCEDER, NUNCA SE REDUZA O BENEFÍCIO JÁ CONCEDIDO.
A LC 109 foi tão minuciosa que teve até a intenção de ser bem clara, evitando qualquer possibilidade de vácuo legislativo. O que o legislador não fez, foi o que ele não podia fazer, a saber, identificar contribuições passadas, onde existem reservas a serem consumidas em benefícios previdenciários. Não existem contribuições passadas. As contribuições existem no momento em que ingressam no Plano de Benefícios. Ingressados os recursos no Plano de Benefícios, ali somente existem RESERVAS e RESERVAS MATEMÁTICAS, isto é, RECURSOS NO VALOR EXATO DOS BENEFÍCIOS A PAGAR. São cálculos atuariais, matemáticos, os cálculos mais precisos quanto o podem ser.
E o Constituinte tanto quanto o Legislador não podiam levar em conta essa pretensa contribuição passada, ressuscitada das reservas excedentes de excedentes de reservas matemáticas, ressurreição tão mirabolante que nem matéria cadavérica existe, mera fábula, porque em matéria de Previdência Social eles não se regem pela justiça comutativa (a justiça dos negócios, a justiça de talião, do tal qual, da igualdade das coisas trocadas), nem pela justiça distributiva (a justiça da igualdade das relações pessoa/coisa, a justiça da repartição dos lucros segundo a grandeza da participação no capital), mas sim pela justiça social (a igualdade das pessoas, o válido é igual ao inválido, o válido trabalha para o inválido, o rico divide com o pobre, o capital divide com o trabalho, Bill Gates divide com o habitante de palafitas, o trabalhador válido compra antecipadamente a sua renda da época da inatividade, e nunca, nunca mesmo, o contrário!), é o que nos ensina Luís Fernando Barzotto. É a própria Constituição que consagra a Justiça Social no seu portentoso artigo 193, o de abertura do Título VIII da Ordem Social: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”
RESERVAS PARA BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS CONTRATADOS NÃO PODEM SER CONSUMIDAS COM O PAGAMENTO DE REVERSÃO DE CONTRIBUIÇÕES PARA PARTICIPANTES, E MUITO MENOS, PORQUE JÁ RAIA AO ABSURDO, PARA PATROCINADOR.
Na minha opinião, pois, NÃO EXISTE VÁCUO CONSTITUCIONAL E LEGISLATIVO QUE ENSEJE A ELABORAÇÃO DE RESOLUÇÃO NOS TERMOS DA RESOLUÇÃO CGPC 26, CRIADORA DA “REVERSÃO DE CONTRIBUIÇÕES”
Antes que encerremos estas reflexões com um resumo das principais conclusões dessas normas legais, lembremos o preceito constitucional que se mostra oportuno: “NINGUÉM SERÁ OBRIGADO A FAZER OU DEIXAR DE FAZER ALGUMA COISA SENÃO EM VIRTUDE DE LEI.”
A Constituição dá uma única destinação às contribuições: formar reserva. E dá uma única finalidade para essa reserva: pagar benefícios previdenciários.
A EFPC não pode gerar lucro. Logo, não pode gerar lucro para o participante nem para o patrocinador.
A EFPC, ao contrário da EAPC, existe exclusivamente para pagar benefícios previdenciários (aposentadoria e pensão).
As contribuições (normais e extraordinárias) que se destinam a formar reservas têm apenas um único destino: pagamentos de benefícios previdenciários.
Num Plano de Benefícios não existem contribuições. Existe patrimônio de uma EFPC. Existem reservas que só podem ser consumidas em pagamento de benefícios previdenciários.
As reservas matemáticas assumem o exato valor dos benefícios a pagar, nem mais nem menos. Logo não existe como daí extrair recursos que não sejam para pagamento de benefícios previdenciários aos participantes legalmente habilitados a recebê-los.
A reserva de contingência existe unicamente para garantir o pagamento de benefícios, isto é, fornecer garantia de proteção às reservas matemáticas.
A reserva especial destina-se à revisão do plano de benefícios, ou reduzindo o valor das contribuições, ou suspendendo-as totalmente, ou na forma de benefício propriamente dito.
Só o participante de uma EFPC, legalmente habilitado, pode receber recursos provenientes de uma das três reservas (matemáticas, de contingência e especial). O Patrocinador somente poderá auferir a vantagem da redução ou da suspensão de contribuição, que não é um benefício previdenciário.
O Patrocinador jamais poderá auferir recursos provenientes dessas reservas (matemáticas, de garantia e especial), porque não é pessoa física (não adoece, não fica inválido e não morre). É pessoa jurídica.
Entre as descrições legais do papel do Patrocinador de uma EFPC não se acha o de poder ser ele aquinhoado com um benefício previdenciário ou de uma transferência de recursos de qualquer dos três tipos de reservas (matemáticas, de contingência e especial).
A PREVI é uma EFPC, uma sociedade sem fins lucrativos. Não é uma EAPC. Logo, não pode operar para obter lucro para si, nem para os participantes nem para o Patrocinador.
Não existe vácuo constitucional e legislativo que justifique a “reversão de contribuições”, constante da Resolução CGPC 26, em benefício do Patrocinador.

domingo, 19 de junho de 2011

158. O Significado

Os mestres da Ciência Física nos ensinam que no Universo somente existem partículas em movimento, partículas-ondas, que se atraem e se repelem. Essa atração e essa repulsão são efeitos resultantes da ação de forças inerentes às partículas-ondas. As partículas-ondas são, pois, energizadas. Há duas formas fundamentais de energia: a eletromagnética (que engloba as energias nucleares fraca e forte) e a gravidade.
A ação da força não provoca o movimento, isto é, o deslocamento de uma coisa de um lugar para outro. Ela apenas acelera o movimento, isto é, muda a velocidade ou a direção do movimento. O movimento é a relação dos deslocamentos de duas coisas. Se as duas coisas se deslocam à mesma velocidade, elas estão paradas com relação uma à outra. Eu estou à velocidade zero, com relação à Terra, isto é, estou parado, enquanto estou, juntamente com a Terra, a altíssima velocidade com relação ao Sol. Aliás, tanto a Terra se movimenta com relação ao Sol, como o Sol se movimenta com relação à Terra. O movimento é relativo, é o deslocamento de uma coisa com relação a outra coisa.
A Ciência é sistêmica, isto é, é uma unidade coerente. As diversas ciências não podem contradizer-se. Assim, compreendemos que a Neurociência hoje afirme que no Universo não exista luz, nem cores, nem som. O Universo é escuro e silencioso, é cego e mudo. É que a luz e a cor, na realidade física, nada mais são que energia eletromagnética, assim como o som nada mais é que a vibração das partículas aéreas.
O meu corpo nada mais é, em última análise, que imensa multidão de partículas-ondas energizadas que se deslocam à mesma velocidade. Assim, isso é o corpo do leitor, a caneta com que escrevo, o copo que uso para beber, as árvores, os animais, os planetas, as estrelas e as galáxias, todas as coisas.
O espaço não existe no Universo senão como universo, isto é, como o conjunto de partículas-ondas energizadas. O espaço não é um continente das coisas. O espaço é o conjunto de coisas cuja relação de proximidade, distância e orientação o meu aparelho de comunicação, a Mente, constrói, organizando o universo das coisas, uma em relação às outras. Nas longínquas paragens interplanetárias e intergalácticas, nada existe. Nem o espaço existe. É o vácuo. É o Nada. Sei que a Física Quântica afirma que não existe o vácuo absoluto: existem locais com raridade de partículas-ondas.
O espaço é a relação entre os lugares das coisas, lugares e relações que podem mudar e mudam constantemente, já que as coisas podem estar, ou não, se movimentando reciprocamente em velocidades diferentes. As coisas podem estar se aproximando ou se afastando, ora se aproximando ou ora se afastando, ou podem permanecer à mesma distância. O Universo é o imenso torvelinho do movimentar-se de partículas-ondas energizadas, produzido ao acaso de forças da atração e repulsão. É o transformar-se. É mero processo, o tornar-se, o fieri. Nada é. Tudo muda. Tudo é processo. O espaço é relativo.
O espaço é uma construção da Mente, esse instrumento de comunicação do indivíduo humano com o Universo e, sobretudo, com as outras pessoas. Esse aparelho de comunicação humano consta do sistema nervoso, anatômica (hardware) e fisiologicamente (software) considerado, acrescido de todas as diversas funções de ordens cognitivas e emocionais. Não há como conhecer as coisas, na pureza absoluta de sua realidade. As coisas não se colam em nossa Mente. Tudo que conhecemos passa por esse instrumento de conhecimento. Conhecemos tão somente as coisas que a Mente tem condições de captar, as coisas que se adaptam ao nosso aparelho de comunicação e na forma como ele é capaz de captar. Conhecemos apenas a imagem que nossa Mente forma da realidade física existente.
A Verdade, adequação da imagem mental com a realidade física pura, essa Verdade absoluta, não existe, porque nos é impossível ter, de um lado, a imagem mental, e, do outro, a realidade física pura, para, em seguida, compará-las. De um lado e de outro, só conseguiremos a imagem da realidade física formada pela Mente. Até a verdade científica é a confirmação experimental dessa subjetividade da Verdade, já que ela nada mais que a imagem que a Mente dela faz, a mais conveniente para orientar nossa conduta futura. A Cosmologia ensina que 95% do Universo é constituído de energia negra e matéria negra, que não sabemos o que é. Só 5% do Universo é captado e estudado atualmente por esse instrumento de comunicação humano, a Mente, cujo poder de captação é ampliado com diversos outros instrumentos construídos pelo Homem, como o telescópio e o microscópio.
Assim também é o tempo. Ele não existe. Na realidade ele é apenas a relação entre um antes e um depois, um estado anterior e um estado posterior, um lugar ocupado anteriormente e outro ocupado posteriormente. Ele é a relação de continuidade desse deslocamento de um lugar anteriormente ocupado para um lugar posteriormente ocupado. Por sinal, aquela ocupação anterior do lugar só existe na minha memória. Essa relação, portanto, é nitidamente uma construção da Mente. Uma construção que pode até ser medida, através do relógio. Uma convenção em que a distância entre dois pontos é dividida em partes convencionalmente iguais (segundos, ou minutos, ou horas), cada parte constituindo uma unidade de tempo. Ali no relógio não existe tempo. Ali existe projeção mental de espaço (criação da Mente como já vimos) e deslocamento do ponteiro em unidades de espaço, isto é, movimento do ponteiro, convencionalmente (mentalmente) medido. Outra vez, o relógio não é o tempo. O relógio é coisa em movimento, com medição de distância percorrida através de intervalos iguais. O tempo é relativo.
Luz, cor, som, espaço e tempo são produtos da Mente. Nada que é externo ingressa na Mente, senão a energia: energia eletromagnética através dos olhos, energia química através do paladar e do olfato, energia cinética através do ouvido, energia mecânica e bioquímica através do sentido somestésico. Esses diversos tipos de energia são transformados pela Mente em um só tipo de energia, a energia neural (eletromagnética e bioquímica), digamos assim. Essa energia é gerada com a transformação da energia externa recebida pela Mente em energia analógica, que é convertida em energia digital. Essa energia digital é manipulada por um conjunto de neurônios e sinapses que produzem os fenômenos mentais. Para que se tenha ideia da infinita variedade de fenômenos produzidos pela Mente basta saber que o cérebro tem cem bilhões de neurônios e a média de conexões de um neurônio monta a dez mil. Afirma-se que nos intestinos existem outros cem bilhões de neurônios.
A energia externa sensibiliza os receptores sensoriais, a porta de entrada para a Mente, e percorre um dos infinitos caminhos que lhe é possível percorrer na Mente. Cada neurônio dá o seu significado à corrente eletromagnética neural e cada circuito de neurônios percorridos forma, digamos assim, um discurso ou um texto de significados. Há o circuito da luz, da cor, do movimento, da palavra, das percepções, do entendimento da palavra, da música, das formas, do rosto, da música, das emoções, do amor, do ódio, do medo, da coragem, das fantasias, da religiosidade, da memória, das ideias, dos juízos, do raciocínio, da ética, do egoísmo, da solidariedade, de tudo o que se possa imaginar, até o circuito do autossegredo. Há finalmente o circuito da liberdade, aquele da autonomia individual, aquele que confere ao indivíduo humano a sua dignidade de pessoa humana.
Os indivíduos humanos não nascem com um aparelho mental absolutamente idêntico. As Mentes são apenas parecidas, umas muito parecidas, outras até pouco parecidas. Há até indivíduos humanos que nascem anencéfalos. Não se nasce também com ele já apto para funcionar em toda a sua plenitude. Como todas as coisas, ele também é um processo. Ele tem início, desenvolve-se, chega a sua plenitude e entra em decadência. Seja como for, esse aparelho de complexidade orgânica possui a característica da plasticidade. Isso significa que ele também segue as etapas de seu processo sob a influência do meio ambiente.
Uma Mente normal é capaz de aprender qualquer coisa, com maior ou menor perfeição, com maior ou menor facilidade. Ela fará melhor uma coisa quanto mais nela se exercitar. Mas ela terá mais facilidade no exercício daquilo para o qual ela for mais adaptada. O ser humano constroi a sua essência e contribui para a construção de todo o acervo cultural da Humanidade, entre outras coisas, a própria Sociedade. Da mesma forma, a Sociedade é o grande artífice do indivíduo humano, utilizando a forma da Cultura acumulada para moldá-lo.
Esse aparelho maravilhoso de comunicação, a Mente, é que constrói o Universo da nossa vida, esse com que convivemos. Um conglomerado de partículas toca no meu, e eu sinto o prazer do contato com uma pele macia, ou a dor de uma bala no peito. Lá fora só existe o contato de conglomerado de partículas-ondas em movimento. O prazer e a dor são produtos da Mente, só existe em minha Mente. São meras sensações. O que o leitor está lendo é, no Universo físico, mera tinta sobre um papel, isto é, mero conglomerado de partículas-ondas em movimento com igual velocidade. Na minha Mente, é um universo de ideias que governam a minha vida! Um conglomerado de partículas movimenta-se atrás de outro. Minha Mente capta um leão correndo atrás de um homem. Percebo a cena, entendo o perigo e o sofrimento humano. Minha Mente constrói toda uma cena de luz, de cor, de animal, de pessoa, de perigo, de infortúnio, de morte, de sofrimento humano. Outro seria o significado no cenário de um estádio de atletismo, outras ideias, outros sentimentos, outras emoções, outro comportamento.
O Mundo criado pela Mente é que é o Mundo que conta, diria Hegel, sob a influência de Kant e no rastro de George Berkeley. Seria o Mundo da Razão Prática, aquele que conta para Kant. Nós estamos criando, a cada instante, um novo Mundo, uma nova Sociedade, um novo Brasil. Alguém já disse: se a Humanidade desaparecesse não faria falta alguma ao Universo. Pode-se retorquir: se a Humanidade não existisse, não existiria Universo, e, se a Humanidade desaparecesse, também desapareceria o Universo. O que conta é o Mundo que nós queremos construir. E parece que o Mundo inteiro anseia por construir algo novo, algo bem melhor do que o Mundo em que hoje vivemos.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

157. Os Resultados da PREVI, Exercício 2010

Texto lido no almoço mensal da AAFBB, no dia 20/04/11

Os sites das associações de funcionários do Banco do Brasil não estamparam análise alguma dos demonstrativos de resultados da PREVI! Estranho e lamento a omissão! Acho que esse tipo de encontro, determinado pela Lei Complementar 109, seja exatamente para isto:
- para que a PREVI explique claramente o processo administrativo ocorrido no exercício;
- e os participantes, bem informados, possam expressar a opinião que formam a respeito, favorável ou desfavorável.

Fiz a minha crítica na recente exposição desses demonstrativos pela diretoria da PREVI na AABB. Permitam-me insistir nesta oportunidade em alguns pontos.

O Ministro Luiz Fux do STF forneceu-nos, faz poucos dias, a orientação:

“A POPULAÇÃO SÓ TEM SEGURANÇA JURÍDICA A PARTIR DO MOMENTO EM QUE O MAGISTRADO SE BASEIA OU NA LEI OU NA CONSTITUIÇÃO. É CLARO QUE ESSAS LEIS, ESSAS REGRAS CONSTITUCIONAIS, PRECISAM SER INTERPRETADAS, MAS A INTERPRETAÇÃO SÓ SE OPERA QUANDO HÁ UMA DUBIEDADE NA LEI.”

O Art.5º- II da Constituição prescreve:

“NINGUÉM SERÁ OBRIGADO A FAZER OU DEIXAR DE FAZER ALGUMA COISA SENÃO EM VIRTUDE DE LEI.”

A Lei Complementar 109 prescreve:

TODAS AS CONTRIBUIÇÕES, TODAS AS RESERVAS, TODOS OS RECURSOS, TODO PATRIMÔNIO DE UMA EFPC DESTINAM-SE A PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS.

Logo, o FUNDO PREVIDENCIÁRIO de R$7,5 bilhões para o PATROCINADOR não deveria existir.

Mas, há mais. A EFPC (e a PREVI é uma EFPC), de acordo com a LC 109, distingue-se da EAPC também nisto:

A EFPC DEVE ESTAR SEMPRE EM SITUAÇÃO FINANCEIRA EQUILIBRADA, ISTO É, O PLANO DE BENEFÍCIOS DEVE SEMPRE CONTER O VALOR PRESENTE DE TODAS AS OBRIGAÇÕES COM APOSENTADORIAS E PENSÕES DOS PARTICIPANTES E ASSISTIDOS, NEM MAIS NEM MENOS.

Por que? Porque a EFPC não tem fins lucrativos. Não existe para proporcionar superávit. É sobretudo nisso que ela se distingue da EAPC.

PORTANTO, A EFPC (A PREVI) SÓ DEVE POSSUIR OS EXATOS RECURSOS NECESSÁRIOS PARA PAGAR BENEFÍCIOS. NÃO DEVERIA TER RECURSOS EXCEDENTES PARA DOAR AO PATROCINADOR.

Ora, todos os anos o Plano de Benefícios 1 apresenta fabulosos superávits. Então, alguma coisa não imbrica com a lei. Que apresente um pouco mais, um pouco menos, até se admite. Que sempre apresente um pequeno excesso de recursos, até se admite como de boa administração.

Mas, que apresente todos os anos fabulosos superávits, isso se faz ao arrepio da LC 109.

O que está acontecendo? Não sei.

Sei que os auditores nada dizem a respeito. Sei que a Diretoria da PREVI parece estar contentíssima com esse fenômeno. Sei que os participantes e assistidos do Plano de Benefícios 1 estão satisfeitíssimos. Sei que o Banco do Brasil e o Ministério da Previdência parecem também felicíssimos com esse fato já consuetudinário.

Sei que o Relatório Anual de 2010 apresenta a seguinte mensagem do Conselho Consultivo do Plano 1:
“Vamos continuar apostando nesse binômio: ESTIMULAR A PRUDÊNCIA NA GESTÃO DOS NEGÓCIOS DA PREVI e FORTALECER o caldo de cultura da CONFIANÇA dos associados na nossa entidade e NOS RUMOS QUE ELA VEM TOMANDO, AGORA SOB NOVA GESTÃO. Este é o caminho a ser seguido e por ele continuaremos batalhando.”

Deixo o meu apelo por mais transparência.

segunda-feira, 28 de março de 2011

156. A Sábia Lei Complementar 109

Há cinco meses, quando principiei a frequentar este blog, uma das mais debatidas questões era a futura destinação do fabuloso patrimônio do Plano de Benefícios 1 para o Banco do Brasil, quando falecer o último assistido, dentro de umas poucas dezenas de anos. A preocupação atual já está sendo outra, pelo que deduzo dos questionamentos agora postos neste blog: quão parco é o montante do superávit de 2010.

A reflexão sobre este atual questionamento conduziu-me à percepção de quão sábia foi a edição da Lei Complementar 109! O que manda a LC 109? Que todos os anos se façam os cálculos atuariais e, se houver superávit, que ele seja distribuído em forma de benefícios aos assistidos. O que pretende essa determinação? Que o plano de benefícios sempre esteja em equilíbrio, isto é, não apresente menos recursos que obrigações, nem também apresente mais recursos que obrigações. Portanto, colegas, no fim do exercício anual não deveria existir superávit algum.

Se há superávit, tudo bem, melhor que déficit. Mas, o objetivo mesmo é que haja equilíbrio. Logo, nada de se espantar com um pequeno superávit. E, se meditarmos mais um pouco, veremos que o superávit vultoso distribuído agora, neste inicio de 2011, representa o superávit de três anos consecutivos. É por isso que ele é vultoso. Divida-se por três e ver-se-á que as parcelas não excederão significativamente ao que foi apurado neste exercício de 2010.

E há ainda outros fatores a contribuir para o excedente de cada exercício. Iniciar exercícios com superávit provoca, todas as outras circunstâncias constantes, maior superávit. Penso também que o simples fato de se estar diante de uma entidade, que tem excessivo investimento no mercado acionário, cria a tendência de provocar superávit mais substancioso em cada exercício. Nós somos do ramo financeiro e estamos acostumados a conviver com a máxima de que maior renda é remuneração de maior risco.

Isso tudo dito sobre a sábia redação da Lei Complementar 109, creio que ainda se tenha mais algo, e o mais importante, a ressaltar. Ecoam murmúrios a respeito dessa esdrúxula aparição da Resolução CGPC 26, insinuando que ela foi publicada para que o Patrocinador recebesse paulatinamente, ao fim de cada exercício parcela modesta do portentoso capital, que ele iria inevitavelmente receber, no encerramento do Plano de Benefícios 1, quando do falecimento do último assistido, dentro de algumas décadas.

Ora, amigos, esse argumento se me afigura destituído de qualquer fundamento, haja visto que, se a cada ano se faz o ajuste para que o plano esteja em equilíbrio, é óbvio que se espera que sempre, em qualquer momento da existência do Plano, nunca haja superávit. Logo, respeitada a prescrição da sábia Lei Complementar 109, quando falecer o último assistido (desculpem-me os colegas, espero que seja eu, apesar dos meus modestos 85 anos a completar brevemente, este ano), só existirão os recursos que lhe serão devidos naquele mês, ou, se quisermos ser mais rigorosos, confiando na perfeição dos cálculos dos técnicos da PREVI, naquele dia!

Esta conclusão, a meu ver, óbvia, evidentíssima, desfaz dois mitos a respeito do Plano de Benéfícios 1. O primeiro, aquele de que o Patrocinador merece perceber parcela desse superávit. Por quê? Porque, de acordo com os cálculos atuariais ali no Plano de Benefícios 1em equilíbrio, só existem recursos equivalentes aos valores dos benefícios a serem pagos. E benefícios só são pagos a pessoas físicas, aos assistidos, de acordo com a Sábia Lei. O segundo, as sentenças judiciais, que invocam o princípio do enriquecimento ilícito para fundamentar a transferência de metade do superávit para o Patrocinador, não têm embasamento atuarial nem consistência de validade objetiva, já que esse superávit, quando existe, é de valor insignificante, se referido ao número de assistidos que a ele têm direito.

Aliás, a respeito desta última conclusão, é oportuno citar a opinião do eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dr. Luiz Fux, exposta em entrevista, hoje publicada na UOL, a respeito de seu decisivo voto na questão da validade da Lei da Ficha Limpa. Esclareceu ele o que pensa a respeito da interpretação de um texto constitucional ou lei:
:
“A POPULAÇÃO SÓ TEM SEGURANÇA JURÍDICA A PARTIR DO MOMENTO EM QUE O MAGISTRADO SE BASEIA OU NA LEI OU NA CONSTITUIÇÃO. É CLARO QUE ESSAS LEIS, ESSAS REGRAS CONSTITUCIONAIS, PRECISAM SER INTERPRETADAS, MAS A INTERPRETAÇÃO SÓ SE OPERA QUANDO HÁ UMA DUBIEDADE NA LEI.”

E pergunto que dubiedade existe nos termos destes artigos da LC 109?, a saber:
Art. 19. As contribuições destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar.
Art. 20. O resultado superavitário dos planos de benefícios das entidades fechadas, ao final do exercício, satisfeitas as exigências regulamentares relativas aos mencionados planos, será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de vinte e cinco por cento do valor das reservas matemáticas.
§ 1o Constituída a reserva de contingência, com os valores excedentes será constituída reserva especial para revisão do plano de benefícios.

Há já alguns meses, mereci a honra de ver exposto neste blog da AAPPREVI, e, através dele difundido em outros blogs, um texto que intitulei: “Há Outra Interpretação?” Até este momento, nenhum expert em direito apareceu para mostrar que existe interpretação alternativa! Continuo aguardando. E, se ela aparecer, garanto que não terei a mínima dificuldade em reconhecer que estou errado, e publicamente.

sexta-feira, 18 de março de 2011

155. Como e Quando a PREVI Enriqueceu

A Constituição Brasileira de 1891 só prescrevia um único benefício social: a aposentadoria por invalidez para o servidor público. Acho que por essa razão o católico praticante, Affonso Penna, presidente do Banco da República do Brazil, naquele ano de 1896, segundo relato do Livro da História da PREVI, viu-se obrigado a recusar a solicitação de funcionários do Banco para que o Banco do Governo seguisse o exemplo do Banco do Commercio e Industria de São Paulo, e criasse uma Caixa Montepio, que amparasse as famílias de servidores falecidos, proporcionando-lhes o benefício da pensão.
Seis anos passados, um grupo de audazes funcionários criou, sob a vigilância do Banco da República do Brazil, a Caixa Montepio. Ela nasceu pobre, sustentada por recursos próprios dos associados, bem como donativos de clientes do Banco compadecidos (ou interessados? ou precavidos?) e do pai (envergonhado ele?!). A História completa da Previ poderá esclarecer...
Nem mesmo havia decorrido um lustro, e já a Caixa Montepio tinha constituído seu fundo de apólices. Uma década passada, o Banco do Brasil já havia percebido quão útil lhe era a Caixa Montepio, que estancava a preocupação dos funcionários com a situação financeira da família, caso o chefe lhe faltasse por falecimento. No início da segunda década do século passado, o Banco decide baixar normas para as doações à Caixa e as torna permanentes. Regulamenta igualmente as aposentadorias: aposentadoria por invalidez, com vencimentos integrais, aos trinta anos de serviço ou mais, e proporcional a quem tenha menos de trinta anos. Corroborava-se a praxe, até então praticada, de que o Banco concede o benefício da aposentadoria e a Caixa o benefício da pensão.
Outra década passada, o Banco se rende à evidente utilidade da Caixa Montepio e torna compulsório o ingresso de todos os funcionários nela. No início dessa terceira década, era exuberante a situação financeira da entidade, por diversas razões, inclusive porque a renda do fundo de apólice chegara a quase igualar ao das contribuições do Banco. Mas, logo a crise econômica mundial se instalaria e deterioraria a situação da Caixa. O Tesouro Nacional também entrou em crise e a renda das apólices cessou, tendo elas integrado o pacote de dívidas negociadas por Oswaldo Aranha com os credores internacionais do País, no início da década de 30.
Na década de 30 quem entra no comando da Seguridade Social e assume a pretensão de conceder os benefícios da Previdência Social é o próprio Estado. Ele se arroga o papel de provedor único da Previdência Social no País. Cria o IAPB como provedor único da seguridade social aos bancários e coloca a Previ em processo de extinção. O livro da História da Previ não conta como ocorreu a transformação da Caixa Montepio em Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil. Suspeito que tenha sido por iniciativa deste. O fato é que, a partir daquele ano de 1934, a já agora Caixa de Previdência, além do pagamento das pensões, passa também a ser responsável pelo pagamento da aposentadoria aos servidores que não optaram pelo IAPB.
O Banco, portanto, passa a contribuir para o IAPB e, imagino eu, para a PREVI, assim como os funcionários. Mas, em tese, ele ficaria significativamente desonerado do ônus das obrigações previdenciárias, já que apenas passaria a desembolsar benefícios complementares diminutos para os contribuintes aposentados pelo IAPB e para as pensionistas deste. Afinal de contas, a própria Lei proporcionava aposentadoria e pensão, em valor inferior ao que a PREVI concedia e era direito adquirido dos servidores.
O Governo desonerou sensivelmente o Banco do Brasil criando a Previdência Social Oficial, é verdade. Mas, por outro lado, provocou crise de gestão incontornável na PREVI, em razão do impedimento legal de admissão de novos sócios, que a lançou em situação de inviabilidade financeira, apesar da gestão extraordinariamente criativa executada pelos seus diretores. A PREVI atravessou o longo período de crise, da década de 30 até a de 60, com o apoio do Banco, que desde a década de 20 compreendera quão útil lhe era a entidade..
Naqueles quarenta anos, a criatividade dos administradores da PREVI direcionou o investimento para o setor imobiliário, até que, de novo, nas décadas de 50 e 60, a política econômica governamental, atuando com juros subvencionados negativos neste setor, provocou também a inviabilidade da manutenção do plano de benefícios com fulcro no investimento imobiliário. O Banco continuou amparando a PREVI e novo Estatuto, em 1960, além de majorar as contribuições dos associados ativos, estendeu-as aos associados inativos. Saliente-se, por oportuno, que durante longa parte desse período, o valor das pensões foi fortemente aviltado.
No final da década de 60, o Governo, enfim, compreendeu quão grande instrumento de poupança poderia ser para eles, Estado e Banco do Brasil, a Previ, já que a Previdência Oficial se tornara incapaz de manter o nível dos benefícios prometidos. O INPS só pagava aposentadorias até dez vezes o salário mínimo, logo elevado esse limite para vinte vezes, tendo posteriormente decaído para apenas dez vezes o salario referência, inferior ao salário mínimo.
Assim, o Governo desiste de extinguir a PREVI e decide acatar a sugestão, várias vezes formulada, de permitir o ingresso nela de todos os funcionários que o desejassem. Naquela época, o regime financeiro da Previdência Social ainda era o chamado regime da repartição simples, a saber, o valor das contribuições recolhidas num período deveria igualar o valor de todos os benefícios previdenciários pagos pela entidade nesse período. Para a manutenção de um plano de benefícios era, portanto, crucial que houvesse substancial quantidade de sócios e de ingresso de novos sócios, cujas contribuições fariam a cobertura dos compromissos previdenciários. Isso ocorreu em 1967, e foi precedido por novo Estatuto para a CAPRE, como passou a denominar-se a PREVI por curto período de tempo..
A CAPRE recebeu a adesão voluntária da grande maioria dos funcionários do Banco, que ousou pressionar o ingresso de todos os servidores, declarando a decisão de não mais se responsabilizar, daí em diante, pelo complemento de novas aposentadorias e pensões. O complemento das aposentadorias e pensões passaria a ser responsabilidade da CAPRE. O Livro da História da Previ esclarece o que foi a criação da CAPRE: ela nasceu uma entidade complementadora dos benefícios previdenciários, uma entidade fechada de previdência complementar.
É muito importante citar o próprio livro da História da Previ para se entender o significado de todas essas medidas: “... aquela possibilidade era incentivada pelos próprios dirigentes do Banco, como modo de “alcançar e garantir, em bases mais vantajosas, e mediante razoável taxa de custeio, complementos de aposentadorias e pensões”, o que, até então, fora encargo da instituição bancaria, com evidente e crescente ônus, uma vez que sua política de pessoal tinha como objetivo garantir benefícios que repusessem a aposentados e pensionistas a integralidade da renda do trabalhador ativo.” Não sou eu quem o diz, é o próprio Livro da História da Previ que o atesta: ela foi recriada para proporcionar a aposentados e pensionistas a integralidade da renda do trabalhador ativo e para fazê-lo com menor ônus para o Banco.
Naqueles poucos anos iniciais de CAPRE, a administração da Previ tomou duas medidas financeiras importantes. Introduziu o reajuste dos empréstimos imobiliários pela equivalência salarial e passou a aplicar os recursos em Obrigações Reajustáveis do Tesouro. Esse momento histórico nos revela outro fato importante: o Banco acompanha as atividades financeiras da Previ e exige dela retribuição nessas aplicações.
Na década de 70 houve extraordinária expansão dos fundos de pensão e ocorreram também muitas fraudes nessa atividade econômica. Na própria PREVI já ocorrera fraude significativa, relata o Livro. Por isso, em 1977, o Governo baixa a lei 6435 regulamentando a previdência privada.
Em razão dessa lei, mas só a partir de 1980, a Previ, entidade fechada de previdência privada, passou oficialmente a funcionar na qualidade de órgão complementar ao sistema previdenciário público, diz o Livro da História da Previ. A Lei subordinou essas entidades fechadas ao Ministério da Previdência Social. Suas atividades financeiras passaram a seguir diretrizes emanadas do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional. A PREVI pode, portanto, passar a aplicar parte de suas reservas no mercado de valores mobiliários.
O Livro da Previ ressalta: “Estas e outras determinações legais, seguidas prontamente pela Previ nas disposições do Estatuto de 1980, estabeleceram um suporte legal que acabaria por servir de base para o seu crescimento institucional...” E acrescenta: “Os anos 80 foram de prosperidade para a PREVI.” E explica: “A década teve como marco inicial a superação, logo em 1981, do crescente déficit técnico...gerado pelas inconsistências herdadas do antigo Estatuto de 1967...três medidas teriam sido fundamentais...( segundo entende Joaquim Amaro, ex-presidente da PREVI): a citada mudança do regime financeiro... de repartição simples para capitalização;...cobrança aos inativos da taxa de 10%; e um acordo com o Banco, que concordou em assumir a complementação dos benefícios relativos ao passivo atuarial gerado em 67.”
Eis, portanto, como a PREVI conseguiu sucesso nas últimas décadas:
- O regime de capitalização. Entendo que esse regime consiste em deter no início de cada exercício o valor presente de todos os benefícios, que nele se iniciam, ao longo da expectativa de vida restante. É claro, portanto, que as rendas futuras desse capital completam o valor futuro de benefício, que será efetivamente pago.
- A alta taxa de contribuição dos inativos.
- A assunção do passivo atuarial, gerado em 67, pelo Banco. Entendido o regime de capitalização, como acima expresso, é claro que Banco e funcionários, deveriam desembolsar, juntos, grande soma de recursos para viabilizar o projeto que se iniciava. Isso não foi efetuado, porque era altamente oneroso, ou até mesmo financeiramente inviável.
- A aplicação dos recursos financeiros no mercado de ações.
Claro que a assunção do passivo atuarial de 1967 pelo Banco viabilizou a PREVI. Reconheça-se, todavia, que ele tinha todo interesse nessa viabilização. E se estava nada mais do que abandonando um caminho ilusório de várias décadas, legalmente imposto. Curioso que as autoridades pressionaram durante quatro anos pelo cumprimento da prescrição legal da capitalização... Em 1997, aquele passivo atuarial foi avaliado em praticamente R$11 bilhões. O valor correspondente a 46,3% foi imediatamente honrado pelo Banco com utilização de superávit da própria PREVI. O valor restante o Banco se comprometeu a pagar em 32 anos.
A capitalização da PREVI se fez com recursos do Banco e dos funcionários, inclusive aposentados, sem dúvida. Mas, o que, a meu ver, foi, de fato, crucial para isso foi a atuação da PREVI no mercado de ações. Doze anos passados da Lei 6435, diz o Livro da História da Previ, ela já detinha um portfólio de participação no capital social de 131 empresas. Em 1991, possuía o maior portfólio de ações do mercado brasileiro. Em 1997 já exibia superávit capaz de reduzir à metade o déficit atuarial produzido em 1967 em sua recriação. Em 2001, ela ostentava superávit de R$5,7 bilhões, dos quais R$3 bilhões foram utilizados para manter o equilíbrio atuarial em face do enquadramento estatutário à prescrição legal da paridade. Note-se que os funcionários sempre entenderam que a paridade, tal qual como foi praticada, feriu um direito adquirido, instituto constitucional. Em 2004, após os anos de privatizações, ela participava do capital social de 93 empresas, com direito a compor os Conselhos Administrativos e Fiscais.
Acho que a conclusão que se tira da leitura do Livro da História da PREVI é que a fiscalização do Governo é necessária, mas que as suas orientações nem sempre são benéficas. A fiscalização do Banco do Brasil também é necessária, mas, sem dúvida, sua atuação não é absolutamente isenta, de modo que frequentemente os interesses da Previ são interpretados sob a ótica dos interesses do Banco. Os recursos aportados pelo Banco e pelos funcionários, é óbvio, foram importantes para o desenvolvimento e enriquecimento da PREVI. Não foram eles, todavia, que constituíram o motivo principal do enriquecimento da PREVI.
Penso, isso sim, que a qualidade da gestão financeira foi e é o formidável motor do desenvolvimento e enriquecimento da PREVI. Assim foi no início do século passado, quando a PREVI foi uma pobre mendicante. Isso se repetiu no início da década de 20. Fê-la atravessar, auxiliada pelo Banco é verdade, quase meio século de desatenção governamental, atuando no mercado imobiliário. Até que conseguiu demonstrar sua importância para os funcionários, o Banco e o Governo. Investiu no mercado de valores mobiliários na segunda metade do século passado. Desbravou trajetórias novas para a Previdência Social brasileira.. Conquistou posição destacada no mercado acionário nacional. É instrumento do desenvolvimento nacional. O sucesso é tal que os relatórios anuais do Banco do Brasil precisam conferir-lhe relevo. A PREVI, órgão da previdência social brasileira, é a mais lucrativa que qualquer uma das empresas subsidiárias do Banco do Brasil. É tão importante a sua atuação no mercado amplo de dinheiro, que o Plano de Benefícios 1 nem mais precisa dos aportes contributivos do Banco do Brasil bem como dos participantes e assistidos. A PREVI não é uma holding, certíssimo. Mas, ela tem, sem dúvida, influência e interesse cruciais em vasto leque de empresas nacionais de grande porte, das quais aufere hoje, acredito, a parte mais importante de suas rendas.
Não se pode deixar, entretanto, de ressaltar também que esse sucesso administrativo, que é representado por superávits anuais repetidos, tem também parte de sua explicação no fato de que os benefícios não se mantiveram nos níveis prometidos e compromissados em Estatutos pelo Banco do Brasil: aos trinta anos de contribuição não mais se conta com aposentadoria e pensão no valor integral da remuneração que se percebia na ativa. Acho que o instituto constitucional do direito adquirido não foi respeitado...
Claro, importa também ter em mente que, como tudo neste Cosmos, a PREVI é condicionada por inúmeras incertezas existenciais, inclusive as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis da economia nacional e estrangeira. Este é um condicionamento de alto e decisivo peso nos resultados da PREVI, como nos resultados de qualquer outra empresa.

sexta-feira, 11 de março de 2011

154. Reflexão Sobre a Vida

Fico-lhe grata por me ter dado a conhecer esse extraordinário texto de Jason Stone. Ele realmente mereceria ser mais difundido, já que se trata de vibrante e apropriada expressão do sentimento e da mente humana diante desse absurdo fenômeno que é a morte, e, sobretudo, da morte em plena fase de desenvolvimento ou em plena idade madura: aquela, mera época de inocência e preparação e descoberta, esta, a própria fase das realizações.
Em a Megera Domada, Shakespeare nos recorda o absurdo da morte, agredindo-a com palavras de incontida repulsa: "medonha morte, como tua pintura é feia e repulsiva!" Essa inconformidade humana com relação à morte é um sentimento que perpassa toda a mais elevada expressão cultural na trajetória histórica da Humanidade. A primeira epopeia, produzida pelo gênio humano nos albores da civilização, Gilgamesh, trata da busca incontrolada do Homem pela imortalidade. A maior revolução da História, aquela que definiu o rumo da Cultura e da Civilização Ocidental, a invenção do Cristianismo, foi produzida pela incontida aspiração de Paulo de Tarso e seus discípulos à imortalidade, que ele dizia ter sido conquistada através da morte de Jesus Cristo.
Os dramaturgos gregos expressaram em versos imortais a repulsa humana à morte e ao sofrimento. Limito-me à citação de Sófocles:
"Que maior prova de loucura pode haver
que desejar o homem a vida prolongada?
Certo é que uma longa existência
encerra em seus caminhos muitos males.
E quem muitos anos ambiciona
não pode ver a alegria onde ela realmente se encontra:
não ter nascido vale mais que tudo."
Esse menosprezo pela vida foi um sentimento humano de milênios, pois já, um século antes de Sófocles, afirmara o poeta Teógnis de Megara:
"Não ter nascido, não ver jamais o sol,
acaso existirá bênção maior?"
A Humanidade da Idade Média foi forjada nos claustros dos mosteiros. O papa,sucessor de São Pedro e guardião das chaves do Reino dos Ceus, ousou deslocar-se de Roma para intimidar Carlos Magno com a ameaça de fechar-lhe as portas da eternidade feliz e precipitá-lo nos tormentos infinitos do Inferno, se não defendesse os territórios pontifícios contra a ambição dos lombardos. A mentalidade daquela época está expressa naquela oração milenar, que eu e você aprendemos a rezar ainda crianças, a Salve Raínha:
"A vós bradamos os degradados filhos de Eva.
A vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas."
A Humanidade só passou a tomar gosto pela vida, quando, no início da Era Moderna, os negociantes ricos de Veneza e Gênova, os burgueses, passaram a comprar todas as comodidades e todos os prazeres, proporcionados pela Natureza e pela Cultura. O Homem do início da Era Moderna aprendeu a tudo comprar para ser feliz nesta vida terrena. Decidiu ser feliz nesta existência e nesta existência realizar-se de tal forma que até o sacerdote ele mantinha em seus palácios, para a aquisição da absolvição de seus pecados na hora da morte e das indulgências, que até do Purgatório o livrariam!
O Homem da Idade Moderna tem seu mais alto paradigma histórico talvez em Izabella d’Este, a duquesa italiana, que conhecia o Grego e o Latim, entendia de Aristóteles e Cícero, cantava, tocava, dançava, era bonita e elegante e charmosa, ditava moda e abrigava em seu palácio os mais eminentes vultos da sociedade italiana: sacerdotes sábios, filósofos, professores, médicos, poetas, pintores, escultores, arquitetos, músicos e novelistas. Foi dito que nunca a Humanidade vira mulher igual a Izabella d’Este.
Erasmo de Roterdã expressou essa mentalidade naquela famosa frase: "Antes de tudo, dizei-me: haverá no mundo coisa mais doce e mais preciosa do que a vida?" E, séculos depois, essa mentalidade já havia evoluído a tal ponto que, o nosso poeta maior, Olavo Bilac, encerra, na minha opinião, o seu mais belo e importante poema, A Alvorada do Amor, com uma síntese audaciosa da mentalidade do Homem Contemporâneo: "Terra, melhor que o Céu! Homem, maior que Deus!"
O que importa ao Homem Contemporâneo é o momento presente, é a intensidade com que se vive o momento presente de cada um"Carpe diem" (Usufrui do dia de hoje"). Esse momento presente apresenta as mais variadas faces: as relações familiares, os amigos, os campus universitários, as viagens, o turismo, a natureza, as praias, os rios, as florestas, as montanhas, os desertos, as geleiras, os mares, Seichelles, Ilhas Mauricias, Dubai, Cingapura, Las Vegas, New York e o Carnegie Hall, o cinema e o Oscar, a Cultura e o Nobel, Paris e o Louvre, a Wall Street e as multinacionais com seus bilionários, Davos e Bill Gates, o Vale do Silício e a tecnologia com o rádio e a televisão e o celular, a ONU e o Grupo dos 20, os esportes e as Olimpíadas.
Assim, um homem do povo em Paris deixou expressa numa lixeira de Montmartre essa mentalidade, bem como a face com que se lhe mostrava a Felicidade: "Amar, comer, beber e cantar, isso é a felicidade." Já para Pierre Bayle outra era a face terrena da felicidade: "Encontro doçura e repouso nos estudos em que me tenho empenhado e que me deleitam."
O valor da Vida, aquilo que realmente importa, a meu ver, está sintetizado naquela famosa e conhecida frase de Fernando Pessoa:"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis."

Mas, talvez haja sido Virgílio, o notável vate latino, quem nos tenha legado a mais sensata atitude diante da Vida e diante da Morte: "Feliz quem pode entender a existência e dominar todas as angústias, o implacável destino e a tragédia da morte."
Marucha e Edgardo

domingo, 27 de fevereiro de 2011

153. Cidadão

Não sou escravo, nem servo, nem súdito: sou cidadão.
Não me sujeito a homem algum, só à Lei: sou livre!

Perry Scott King inicia o seu opúsculo Péricles com uma análise de um dos mais famosos discursos da História, ou talvez o mais famoso, a oração fúnebre, proferida pelo grande ateniense em homenagem aos atenienses mortos na Guerra do Peloponeso.
Entre outras originais afirmações que se tornaram valores da Civilização Ocidental ele afirma: “Somos ricos, porque somos livres, e somos livres, porque somos ousados.” A mais importante entre todas, porém, é aquela outra: “Sou livre, porque só me submeto à Lei, que eu próprio promulgo.”

Antes da Cidade ateniense, o poder político, o poder de mando numa sociedade, cabia ao indivíduo mais ambicioso, mais audacioso, mais astuto, mais hábil na arte da luta e de maior sorte. Este era o senhor de tudo e de todos. Todas as demais pessoas se subordinavam à vontade do chefe de clã ou de tribo, ou rei. Os favoritos do Rei, dele recebiam terras e nelas também mandavam como o Rei, desde que colaborassem com ele e a ele se sujeitassem. Todas as demais pessoas nada mais eram que propriedade do Rei, máquinas de produção daquilo que o Rei queria possuir. Eram escravos. Os escravos obedeciam à Lei do seu proprietário. A vida, tessitura de guerras e trabalho, não merecia o mínimo valor: “Não ter nascido, não ver jamais o sol, acaso existirá bênção maior?”( Teógnis de Mégara, século V AEC)

Antes da Atenas Democrática, a dignidade do indivíduo humano consistia na dominação sobre os demais indivíduos. Estes indivíduos possuíam as grandes qualidades humanas: Ambição, Coragem, Astúcia, Habilidade bélica e Sorte (a simpatia dos deuses). E os grandes valores humanos eram o Poder, a Honra, a Riqueza (a posse de terras) e o Ócio. O trabalho era vilania, coisa de escravo. O rei e os favoritos só se dedicavam à guerra, à pilhagem.

Muito disso, muito mesmo, permaneceu na Atenas Democrática, sobretudo a escravidão. Uma ideia inovadora, todavia, surgiu: a Cidade Grega, a sociedade grega, é formada de cidadãos, isto é, de homens livres, homens que se regem pela Lei, se submetem à Lei e não a um outro indivíduo qualquer. A Lei é elaborada através do debate amplo entre todos os cidadãos. É que ela é a Ordem, a Lei imposta por Zeus ao Cosmos e especialmente a Lei por ele imposta, através de Atená, à sociedade de Atenas. E essa Ordem, essa Lei divina, só é conhecida através do debate democrático.

A Lei para os gregos não era uma vontade humana, a vontade de um indivíduo. Ela era a mera descoberta da ordem social, através do debate dos assuntos de interesse da Cidade por todos os cidadãos. Para o Ateniense o debate democrático descobre a Ordem, a Lei da Cidade, e submeter-se a esta a todos interessa. E ninguém dela pode escapar sem prejuízo, porque o Destino (as Moiras ou as Parcas) se encarregam de recolocar na Ordem social, os que delas se desviam, mediante os castigos, as Desgraças.

Foi a mentalidade política de Atenas que produziu o prodigioso Império Romano. Todo romano era cidadão, guerreiro e dirigido pelo Senado do Povo Romano. O povo romano não trabalhava. Ou guerreava para se tornar dono de terra, ou governava províncias conquistadas, ou vivia gratuitamente de pão e circo, concedidos pelo Imperador. O trabalho era função do escravo, ser abjeto, vil. Roma subjugou o Mundo inteiro, então conhecido, para que todos os estrangeiros, todos os bárbaros, para ela trabalhassem, enquanto o Povo Romano ou usufruísse do ócio prazeroso (pão e circo) ou se empregasse nas guerras de conquista nobilitantes.

O Cristianismo modificou essa mentalidade. Somos todos iguais, somos todos filhos de Deus, somos todos irmãos. A Terra é um lugar de passagem, de prova, de sofrimento, de conquista da Felicidade. Entre esses sofrimentos e castigos, existe um muito especial e geral: o Trabalho. Ao criar o Homem, Deus criou uma ordem social: criou os que mandam e os que obedecem. Uns trabalham mandando (fazendo guerras de pilhagem), outros trabalham obedecendo. Deus criou os Senhores (reis, senhores feudais, papas, sacerdotes) e criou os servos. Aqueles mandam, estes obedecem. Aqueles sabem, estes ignoram. Não existem escravos, mas existem servos. O servo obedece à Lei de seu senhor.

A partir do século XIV, acentua-se a presença da burguesia na Itália, o negociante rico, o povão rico, que sustentava o Rei contra o Senhor feudal e contra o Papa. A riqueza fortificou o Rei, destruiu o feudalismo, e criou o súdito. Passou a existir o Rei e o súdito. O Rei manda e faz guerras de conquista e o súdito trabalha. O súdito obedece à Lei do Rei. Quando interessa ao Rei, até morre nas guerras de conquista. A burguesia, o povão rico, descobriu o valor do trabalho (para Adams Smith a riqueza é o trabalho eficiente) e o valor dos prazeres terrenos adquiridos pelo trabalho: “Terra, melhor que o céu!” (Olavo Bilac)

No fim do século XVIII, no continente chamado América, ocorre extraordinária revolução política, cria-se um Estado, um País, uma Nação, sem Rei. Um Estado sem Rei e sem súditos. Um Estado onde os conviventes são iguais politicamente, onde não há essa divisão entre os indivíduos que mandam e os indivíduos que obedecem. Todos mandam e todos obedecem. E todos trabalham. Todos fazem a Lei e todos obedecem à Lei. Todos se autogovernam. Todos somos cidadãos.

Foi assim que surgiram os Estados Unidos da América. Tenha a América do Norte os defeitos que tiver, ninguém lhe tira a glória de ter por primeiro implantado na face da Terra, nos tempos modernos, o Estado Democrático sem Rei. Instituição política tão revolucionária, que ainda precisa ser aperfeiçoada. E, segundo “Os clássicos da política” de Franciso C. Weffort, foi lá que se discutiram os institutos da representação e dos partidos políticos.

As lições que pretendo tirar de tudo isso são, sobretudo, estas:
- não sou escravo, não sou servo, não sou súdito, sou cidadão.
- só obedeço à Lei, que eu faço através dos representantes meus, isto é, do Povo.
- a representação existirá na Democracia, enquanto ela for necessária e a Democracia direta for inviável.
- a representação já se modificou ao longo destes últimos dois séculos.
- a representação modificar-se-á com o formidável progresso das comunicações e, talvez, até se extinguirá em parte ou totalmente.
- o instituto corporativo atual, a empresa, sofrerá modificações, à medida que o nível de conhecimento se elevar, a tecnologia de comunicação progredir e a tecnologia de produção se aperfeiçoar.
- as relações econômicas subordinam-se às relações sociais e políticas, afirma Paul Krugman, isto é, o mercado livre, o instituto fundamental de produção e distribuição da riqueza subordina-se ao tipo de sociedade que os cidadãos de um Estado pretendem organizar para conviver pacificamente.
- a sociedade começa a incomodar-se vivamente com o tipo de organização econômica que permite a existência dos CEOS e outras classes de privilegiados, com acesso a todos os bens (desde a Medicina de ponta até o turismo dos sonhos), enquanto outros trabalhadores, colaboradores desses CEOS e desses grupos de privilegiados, partilham renda que não lhes permite mais que viver em palafitas infectas.