Não sou escravo, nem servo, nem súdito: sou cidadão.
Não me sujeito a homem algum, só à Lei: sou livre!
Perry Scott King inicia o seu opúsculo Péricles com uma análise de um dos mais famosos discursos da História, ou talvez o mais famoso, a oração fúnebre, proferida pelo grande ateniense em homenagem aos atenienses mortos na Guerra do Peloponeso.
Entre outras originais afirmações que se tornaram valores da Civilização Ocidental ele afirma: “Somos ricos, porque somos livres, e somos livres, porque somos ousados.” A mais importante entre todas, porém, é aquela outra: “Sou livre, porque só me submeto à Lei, que eu próprio promulgo.”
Antes da Cidade ateniense, o poder político, o poder de mando numa sociedade, cabia ao indivíduo mais ambicioso, mais audacioso, mais astuto, mais hábil na arte da luta e de maior sorte. Este era o senhor de tudo e de todos. Todas as demais pessoas se subordinavam à vontade do chefe de clã ou de tribo, ou rei. Os favoritos do Rei, dele recebiam terras e nelas também mandavam como o Rei, desde que colaborassem com ele e a ele se sujeitassem. Todas as demais pessoas nada mais eram que propriedade do Rei, máquinas de produção daquilo que o Rei queria possuir. Eram escravos. Os escravos obedeciam à Lei do seu proprietário. A vida, tessitura de guerras e trabalho, não merecia o mínimo valor: “Não ter nascido, não ver jamais o sol, acaso existirá bênção maior?”( Teógnis de Mégara, século V AEC)
Antes da Atenas Democrática, a dignidade do indivíduo humano consistia na dominação sobre os demais indivíduos. Estes indivíduos possuíam as grandes qualidades humanas: Ambição, Coragem, Astúcia, Habilidade bélica e Sorte (a simpatia dos deuses). E os grandes valores humanos eram o Poder, a Honra, a Riqueza (a posse de terras) e o Ócio. O trabalho era vilania, coisa de escravo. O rei e os favoritos só se dedicavam à guerra, à pilhagem.
Muito disso, muito mesmo, permaneceu na Atenas Democrática, sobretudo a escravidão. Uma ideia inovadora, todavia, surgiu: a Cidade Grega, a sociedade grega, é formada de cidadãos, isto é, de homens livres, homens que se regem pela Lei, se submetem à Lei e não a um outro indivíduo qualquer. A Lei é elaborada através do debate amplo entre todos os cidadãos. É que ela é a Ordem, a Lei imposta por Zeus ao Cosmos e especialmente a Lei por ele imposta, através de Atená, à sociedade de Atenas. E essa Ordem, essa Lei divina, só é conhecida através do debate democrático.
A Lei para os gregos não era uma vontade humana, a vontade de um indivíduo. Ela era a mera descoberta da ordem social, através do debate dos assuntos de interesse da Cidade por todos os cidadãos. Para o Ateniense o debate democrático descobre a Ordem, a Lei da Cidade, e submeter-se a esta a todos interessa. E ninguém dela pode escapar sem prejuízo, porque o Destino (as Moiras ou as Parcas) se encarregam de recolocar na Ordem social, os que delas se desviam, mediante os castigos, as Desgraças.
Foi a mentalidade política de Atenas que produziu o prodigioso Império Romano. Todo romano era cidadão, guerreiro e dirigido pelo Senado do Povo Romano. O povo romano não trabalhava. Ou guerreava para se tornar dono de terra, ou governava províncias conquistadas, ou vivia gratuitamente de pão e circo, concedidos pelo Imperador. O trabalho era função do escravo, ser abjeto, vil. Roma subjugou o Mundo inteiro, então conhecido, para que todos os estrangeiros, todos os bárbaros, para ela trabalhassem, enquanto o Povo Romano ou usufruísse do ócio prazeroso (pão e circo) ou se empregasse nas guerras de conquista nobilitantes.
O Cristianismo modificou essa mentalidade. Somos todos iguais, somos todos filhos de Deus, somos todos irmãos. A Terra é um lugar de passagem, de prova, de sofrimento, de conquista da Felicidade. Entre esses sofrimentos e castigos, existe um muito especial e geral: o Trabalho. Ao criar o Homem, Deus criou uma ordem social: criou os que mandam e os que obedecem. Uns trabalham mandando (fazendo guerras de pilhagem), outros trabalham obedecendo. Deus criou os Senhores (reis, senhores feudais, papas, sacerdotes) e criou os servos. Aqueles mandam, estes obedecem. Aqueles sabem, estes ignoram. Não existem escravos, mas existem servos. O servo obedece à Lei de seu senhor.
A partir do século XIV, acentua-se a presença da burguesia na Itália, o negociante rico, o povão rico, que sustentava o Rei contra o Senhor feudal e contra o Papa. A riqueza fortificou o Rei, destruiu o feudalismo, e criou o súdito. Passou a existir o Rei e o súdito. O Rei manda e faz guerras de conquista e o súdito trabalha. O súdito obedece à Lei do Rei. Quando interessa ao Rei, até morre nas guerras de conquista. A burguesia, o povão rico, descobriu o valor do trabalho (para Adams Smith a riqueza é o trabalho eficiente) e o valor dos prazeres terrenos adquiridos pelo trabalho: “Terra, melhor que o céu!” (Olavo Bilac)
No fim do século XVIII, no continente chamado América, ocorre extraordinária revolução política, cria-se um Estado, um País, uma Nação, sem Rei. Um Estado sem Rei e sem súditos. Um Estado onde os conviventes são iguais politicamente, onde não há essa divisão entre os indivíduos que mandam e os indivíduos que obedecem. Todos mandam e todos obedecem. E todos trabalham. Todos fazem a Lei e todos obedecem à Lei. Todos se autogovernam. Todos somos cidadãos.
Foi assim que surgiram os Estados Unidos da América. Tenha a América do Norte os defeitos que tiver, ninguém lhe tira a glória de ter por primeiro implantado na face da Terra, nos tempos modernos, o Estado Democrático sem Rei. Instituição política tão revolucionária, que ainda precisa ser aperfeiçoada. E, segundo “Os clássicos da política” de Franciso C. Weffort, foi lá que se discutiram os institutos da representação e dos partidos políticos.
As lições que pretendo tirar de tudo isso são, sobretudo, estas:
- não sou escravo, não sou servo, não sou súdito, sou cidadão.
- só obedeço à Lei, que eu faço através dos representantes meus, isto é, do Povo.
- a representação existirá na Democracia, enquanto ela for necessária e a Democracia direta for inviável.
- a representação já se modificou ao longo destes últimos dois séculos.
- a representação modificar-se-á com o formidável progresso das comunicações e, talvez, até se extinguirá em parte ou totalmente.
- o instituto corporativo atual, a empresa, sofrerá modificações, à medida que o nível de conhecimento se elevar, a tecnologia de comunicação progredir e a tecnologia de produção se aperfeiçoar.
- as relações econômicas subordinam-se às relações sociais e políticas, afirma Paul Krugman, isto é, o mercado livre, o instituto fundamental de produção e distribuição da riqueza subordina-se ao tipo de sociedade que os cidadãos de um Estado pretendem organizar para conviver pacificamente.
- a sociedade começa a incomodar-se vivamente com o tipo de organização econômica que permite a existência dos CEOS e outras classes de privilegiados, com acesso a todos os bens (desde a Medicina de ponta até o turismo dos sonhos), enquanto outros trabalhadores, colaboradores desses CEOS e desses grupos de privilegiados, partilham renda que não lhes permite mais que viver em palafitas infectas.
domingo, 27 de fevereiro de 2011
sábado, 21 de agosto de 2010
152. Não Se Fica Rico com Ética
Dois séculos após Maquiavel publicar O Príncipe, onde demonstrou que os príncipes se comportam de forma diferente do homem comum, outro homem culto, o escocês Adam Smith, que lecionava Ética na Universidade de Glasgow, afirmou que o homem, cujo objetivo na vida é a riqueza, conduz-se de forma diferente do homem comum.
Até o século XVIII EC, o estudo da Economia era um capítulo da Ética, o estudo das normas da boa conduta humana, da Honestidade. A Ética aprovava o preço justo e condenava o empréstimo e a taxa de juros, que os banqueiros cobravam nos empréstimos aos reis e aos papas. Havia até terrível adágio a pairar sobre a cabeça dos ricos e negociantes, sobretudo os banqueiros, esses burgueses, esses novos ricos que ameaçavam o domínio político dos senhores feudais, da nobreza: os negociantes nunca, ou quase nunca, conseguirão adentrar o Reino do Céu. Todos acabarão no Inferno.
Adam Smith percebeu algo, que se diria óbvio, que a conduta de quem pretende ser rico é diferente da conduta de quem pretende ser santo. O processo de acumulação da riqueza rege-se por normas diferentes do processo da formação do homem bom, correto, honesto, social. Esta última assertiva já não é tão óbvia. Aquele tem um objetivo, a riqueza. Este tem outro objetivo, a convivência. Aquele é acionado pelo interesse. Este, pelo compartilhamento. O negociante age pelo interesse e só pelo interesse, é egoísta. O homem comum costuma ser solidário, é também altruísta. O negociante nunca se compadece do infortúnio do comprador, que se acha na escassez: é aético. O homem comum costuma ser sensibilizado pela desgraça alheia: é ético.
De início, uma constatação de Adam Smith, revolucionária naquela época do Mercantilismo, que expandiu o espaço geográfico da Humanidade até os limites do globo terrestre: a riqueza não é o dinheiro, o ouro, a prata. A riqueza é a produção. Fica rico quem produz aquilo de que os outros precisam e que é escasso, isto é, o ambicionado e raro. Para isso, há uma condição fundamental: a liberdade.
Fica rico quem vende pelo preço mais alto possível e nunca por preço inferior ao valor do custo da produção. O rico também segue na compra a norma inversa da aplicada na venda: o custo da produção deve ser o mais baixo possível. É pelo preço mais baixo possível que adquire as terras mais apropriadas, as matérias-primas mais apropriadas, as máquinas mais eficientes, e contrata o trabalhador mais competente. É assim que se obtém o maior lucro, que se acumula riqueza: venda pelo preço mais alto e compra pelo preço mais baixo.
Os homens sobrevivem porque, na verdade, é assim que os homens se comportam e não segundo os preceitos da Ética, uns de forma mais ambiciosa outros menos. Todos produzem e vendem a parte que não consomem de sua produção, o excedente, às pessoas que delas necessitam. Cada homem, pois, não produz tudo de que precisa. O que cada homem produz? Essa pergunta foi respondida por outro contemporâneo de Adam Smith, David Ricardo. Cada homem produz o que sabe fazer pelo menor custo, aquilo em cuja fabricação ele é mais eficiente.
E como eles podem sobreviver, se cada um apenas produz uma coisa? Por que eles trocam entre si o excedente de sua produção. Assim eles produzem muito mais, têm produtos com muito mais abundância, têm maior excedente e, portanto, se tornam mais ricos individualmente e em conjunto, através da troca desse excedente. Há até certos homens que nem se interessam em produzir alguma coisa. Estes, em grande maioria, preferem trocar a própria habilidade de produzir pela produção dos outros. Estes são os trabalhadores. Uma minoria, porque são pessoas mais ambiciosas, prefere produzir. Estes são os capitalistas, os empresários.
Esse conjunto de trocas, de produção por produção, e de produção por trabalho, é o que se chama mercado. E o preço nada mais é que o valor de troca das mercadorias. Entende-se, agora, por que Adam Smith afirmava que o dinheiro não é a riqueza: o preço, o dinheiro nada mais é que o instrumento que viabiliza a troca de riquezas, uma expressão matemática de medida da riqueza.
Mas, se o mercado é o conjunto de pessoas inteligentes, ambiciosas e livres trocando mercadorias, e mercadorias por trabalho, o mais inteligente e ambicioso irá monopolizar toda a riqueza só para ele! Isso realmente foi a conclusão a que chegou um século mais tarde Karl Marx. Já um contemporâneo de Adam Smith, David Ricardo, concluíra que, os trabalhadores, aquelas pessoas que preferem oferecer simplesmente o próprio trabalho para troca, esses nunca ficarão ricos, sempre lutarão apenas para sobreviver. Afinal de contas, os empresários, aquelas pessoas que trocam produção para obter trabalho, sempre dão o mínimo valor ao trabalho...
Adam Smith, porém, tirou outra conclusão de todo esse conjunto de teoria explicativa da conduta do homem pela sobrevivência numa sociedade de homens livres: o preço, o valor de troca das mercadorias jamais será feito por cada um dos produtores. E exatamente por isso, porque todos os produtores são pessoas inteligentes, ambiciosas e livres. Em razão disso, essas pessoas são criativas, são inventivas. E exatamente essa criatividade impede que o preço mais alto de venda seja aquele que cada negociante idealiza num determinado momento. A competição criativa oferece sempre a oportunidade de ficar mais rico, de se obter lucro maior, isto é, de obter diferença maior entre o preço de venda e o preço de produção, vendendo por preço mais baixo que o do concorrente. Por quê? Porque a criatividade aumenta a eficiência e diminui o preço de custo da produção.
E qual é a consequência da eficiência na produção e da baixa do preço da produção? A diminuição do preço do trabalho, ou diretamente porque a eficiência é mero reflexo dessa baixa (é o que está acontecendo neste momento na Grécia) ou porque o trabalho humano é substituído pela máquina, pela tecnologia (é o que hoje está acontecendo nos Estados Unidos e na Europa, que tentam sair da crise). Aparece o desemprego, o desemprego temporário, até que a necessidade da sobrevivência e a criatividade façam essas pessoas desempregadas serem readmitidas no mercado. É a sina do trabalhador, já dizia David Ricardo, viver sempre no nível da subsistência, tanto nas épocas de fartura como nas épocas de escassez!...
Assim, diz Adam Smith, a coisa mais fundamental do mercado, o preço, não é a expressão da vontade de um homem. O preço é o resultado imprevisto das ações de todos os negociantes, exatamente desse mecanismo de querer vender pelo mais alto preço e de querer comprar pelo mais baixo preço. Ela é o resultado inevitável da competição inteligente, ambiciosa e livre do universo de todos os negociantes do Mundo, de todos os homens, afinal, porque todos, negociantes e meros trabalhadores, não deixam de negociar alguma coisa, a produção ou mesmo o simples trabalho. A grande, a imensa maioria de negociantes nem se conhecem e a imensa maioria dos negócios nem são conhecidos! Esse preço, que sempre se ajusta às custas do trabalhador, segundo David Ricardo, é o miraculoso instrumento impessoal com que o Mercado, de forma subreptícia, inconsciente, involuntária, provê a todos a subsistência, e a alguns a abundância e a riqueza.
Desse modo, a atividade nada ética de cada negociante, movido pelo simples interesse, pela mais exacerbada ambição do lucro, da riqueza, sem nenhuma comiseração pelo infortúnio do comprador, sem a mínima consideração ética, faz brotar o milagre do abastecimento do Mercado, e da distribuição da produção entre todos os participantes do Mercado, capitalista e simples trabalhador, segundo a contribuição de cada um. A atividade aética do negociante gera a justiça distributiva, a norma básica da sociedade, a sociedade justa, ética. O negociante não é ético. Mas, o Mercado é justo, é ético. Isso é o portentoso paradoxo econômico da economia de Mercado, explica Adam Smith.
O preço, portanto, não é um ato da vontade livre do negociante. O preço lhe é imposto pelo Mercado. Se ele quiser vender acima desse preço, ele perde o negócio para o concorrente. Se quiser vender por preço abaixo do Mercado, ele obtém menor lucro, ficará menos rico por pura ignorância, porque venderia da mesma forma sua produção cobrando o preço mais alto do Mercado.
Preço, o fato básico do Mercado, não é um objeto de moralidade, porque não é um ato da vontade livre do negociante. Ele lhe é imposto pelo Mercado. O negócio, o lucro e a riqueza nada têm a ver com honesto e desonesto, com bom ou mau. Não existe preço justo. Existe preço do Mercado, um mero fato social, alheio à vontade livre das pessoas. O preço é mera circunstância ou resultado das circunstâncias.
A Economia se rege, portanto, por leis próprias, aquelas acima descritas. Economia nada tem a ver com Ética, disse Adam Smith. Negociante nada tem a ver com a Ética comum da população de uma nação. Mais uma limitação ao comportamento ético de um povo.
Maquiavel explicou que o político vitorioso não se conduz segundo a Ética. Dois séculos depois, Adam Smith dizia a mesma coisa dos negociantes. A Ética encolheu uma vez mais. O Mundo ia ficando cada vez mais sem Ética.
Até o século XVIII EC, o estudo da Economia era um capítulo da Ética, o estudo das normas da boa conduta humana, da Honestidade. A Ética aprovava o preço justo e condenava o empréstimo e a taxa de juros, que os banqueiros cobravam nos empréstimos aos reis e aos papas. Havia até terrível adágio a pairar sobre a cabeça dos ricos e negociantes, sobretudo os banqueiros, esses burgueses, esses novos ricos que ameaçavam o domínio político dos senhores feudais, da nobreza: os negociantes nunca, ou quase nunca, conseguirão adentrar o Reino do Céu. Todos acabarão no Inferno.
Adam Smith percebeu algo, que se diria óbvio, que a conduta de quem pretende ser rico é diferente da conduta de quem pretende ser santo. O processo de acumulação da riqueza rege-se por normas diferentes do processo da formação do homem bom, correto, honesto, social. Esta última assertiva já não é tão óbvia. Aquele tem um objetivo, a riqueza. Este tem outro objetivo, a convivência. Aquele é acionado pelo interesse. Este, pelo compartilhamento. O negociante age pelo interesse e só pelo interesse, é egoísta. O homem comum costuma ser solidário, é também altruísta. O negociante nunca se compadece do infortúnio do comprador, que se acha na escassez: é aético. O homem comum costuma ser sensibilizado pela desgraça alheia: é ético.
De início, uma constatação de Adam Smith, revolucionária naquela época do Mercantilismo, que expandiu o espaço geográfico da Humanidade até os limites do globo terrestre: a riqueza não é o dinheiro, o ouro, a prata. A riqueza é a produção. Fica rico quem produz aquilo de que os outros precisam e que é escasso, isto é, o ambicionado e raro. Para isso, há uma condição fundamental: a liberdade.
Fica rico quem vende pelo preço mais alto possível e nunca por preço inferior ao valor do custo da produção. O rico também segue na compra a norma inversa da aplicada na venda: o custo da produção deve ser o mais baixo possível. É pelo preço mais baixo possível que adquire as terras mais apropriadas, as matérias-primas mais apropriadas, as máquinas mais eficientes, e contrata o trabalhador mais competente. É assim que se obtém o maior lucro, que se acumula riqueza: venda pelo preço mais alto e compra pelo preço mais baixo.
Os homens sobrevivem porque, na verdade, é assim que os homens se comportam e não segundo os preceitos da Ética, uns de forma mais ambiciosa outros menos. Todos produzem e vendem a parte que não consomem de sua produção, o excedente, às pessoas que delas necessitam. Cada homem, pois, não produz tudo de que precisa. O que cada homem produz? Essa pergunta foi respondida por outro contemporâneo de Adam Smith, David Ricardo. Cada homem produz o que sabe fazer pelo menor custo, aquilo em cuja fabricação ele é mais eficiente.
E como eles podem sobreviver, se cada um apenas produz uma coisa? Por que eles trocam entre si o excedente de sua produção. Assim eles produzem muito mais, têm produtos com muito mais abundância, têm maior excedente e, portanto, se tornam mais ricos individualmente e em conjunto, através da troca desse excedente. Há até certos homens que nem se interessam em produzir alguma coisa. Estes, em grande maioria, preferem trocar a própria habilidade de produzir pela produção dos outros. Estes são os trabalhadores. Uma minoria, porque são pessoas mais ambiciosas, prefere produzir. Estes são os capitalistas, os empresários.
Esse conjunto de trocas, de produção por produção, e de produção por trabalho, é o que se chama mercado. E o preço nada mais é que o valor de troca das mercadorias. Entende-se, agora, por que Adam Smith afirmava que o dinheiro não é a riqueza: o preço, o dinheiro nada mais é que o instrumento que viabiliza a troca de riquezas, uma expressão matemática de medida da riqueza.
Mas, se o mercado é o conjunto de pessoas inteligentes, ambiciosas e livres trocando mercadorias, e mercadorias por trabalho, o mais inteligente e ambicioso irá monopolizar toda a riqueza só para ele! Isso realmente foi a conclusão a que chegou um século mais tarde Karl Marx. Já um contemporâneo de Adam Smith, David Ricardo, concluíra que, os trabalhadores, aquelas pessoas que preferem oferecer simplesmente o próprio trabalho para troca, esses nunca ficarão ricos, sempre lutarão apenas para sobreviver. Afinal de contas, os empresários, aquelas pessoas que trocam produção para obter trabalho, sempre dão o mínimo valor ao trabalho...
Adam Smith, porém, tirou outra conclusão de todo esse conjunto de teoria explicativa da conduta do homem pela sobrevivência numa sociedade de homens livres: o preço, o valor de troca das mercadorias jamais será feito por cada um dos produtores. E exatamente por isso, porque todos os produtores são pessoas inteligentes, ambiciosas e livres. Em razão disso, essas pessoas são criativas, são inventivas. E exatamente essa criatividade impede que o preço mais alto de venda seja aquele que cada negociante idealiza num determinado momento. A competição criativa oferece sempre a oportunidade de ficar mais rico, de se obter lucro maior, isto é, de obter diferença maior entre o preço de venda e o preço de produção, vendendo por preço mais baixo que o do concorrente. Por quê? Porque a criatividade aumenta a eficiência e diminui o preço de custo da produção.
E qual é a consequência da eficiência na produção e da baixa do preço da produção? A diminuição do preço do trabalho, ou diretamente porque a eficiência é mero reflexo dessa baixa (é o que está acontecendo neste momento na Grécia) ou porque o trabalho humano é substituído pela máquina, pela tecnologia (é o que hoje está acontecendo nos Estados Unidos e na Europa, que tentam sair da crise). Aparece o desemprego, o desemprego temporário, até que a necessidade da sobrevivência e a criatividade façam essas pessoas desempregadas serem readmitidas no mercado. É a sina do trabalhador, já dizia David Ricardo, viver sempre no nível da subsistência, tanto nas épocas de fartura como nas épocas de escassez!...
Assim, diz Adam Smith, a coisa mais fundamental do mercado, o preço, não é a expressão da vontade de um homem. O preço é o resultado imprevisto das ações de todos os negociantes, exatamente desse mecanismo de querer vender pelo mais alto preço e de querer comprar pelo mais baixo preço. Ela é o resultado inevitável da competição inteligente, ambiciosa e livre do universo de todos os negociantes do Mundo, de todos os homens, afinal, porque todos, negociantes e meros trabalhadores, não deixam de negociar alguma coisa, a produção ou mesmo o simples trabalho. A grande, a imensa maioria de negociantes nem se conhecem e a imensa maioria dos negócios nem são conhecidos! Esse preço, que sempre se ajusta às custas do trabalhador, segundo David Ricardo, é o miraculoso instrumento impessoal com que o Mercado, de forma subreptícia, inconsciente, involuntária, provê a todos a subsistência, e a alguns a abundância e a riqueza.
Desse modo, a atividade nada ética de cada negociante, movido pelo simples interesse, pela mais exacerbada ambição do lucro, da riqueza, sem nenhuma comiseração pelo infortúnio do comprador, sem a mínima consideração ética, faz brotar o milagre do abastecimento do Mercado, e da distribuição da produção entre todos os participantes do Mercado, capitalista e simples trabalhador, segundo a contribuição de cada um. A atividade aética do negociante gera a justiça distributiva, a norma básica da sociedade, a sociedade justa, ética. O negociante não é ético. Mas, o Mercado é justo, é ético. Isso é o portentoso paradoxo econômico da economia de Mercado, explica Adam Smith.
O preço, portanto, não é um ato da vontade livre do negociante. O preço lhe é imposto pelo Mercado. Se ele quiser vender acima desse preço, ele perde o negócio para o concorrente. Se quiser vender por preço abaixo do Mercado, ele obtém menor lucro, ficará menos rico por pura ignorância, porque venderia da mesma forma sua produção cobrando o preço mais alto do Mercado.
Preço, o fato básico do Mercado, não é um objeto de moralidade, porque não é um ato da vontade livre do negociante. Ele lhe é imposto pelo Mercado. O negócio, o lucro e a riqueza nada têm a ver com honesto e desonesto, com bom ou mau. Não existe preço justo. Existe preço do Mercado, um mero fato social, alheio à vontade livre das pessoas. O preço é mera circunstância ou resultado das circunstâncias.
A Economia se rege, portanto, por leis próprias, aquelas acima descritas. Economia nada tem a ver com Ética, disse Adam Smith. Negociante nada tem a ver com a Ética comum da população de uma nação. Mais uma limitação ao comportamento ético de um povo.
Maquiavel explicou que o político vitorioso não se conduz segundo a Ética. Dois séculos depois, Adam Smith dizia a mesma coisa dos negociantes. A Ética encolheu uma vez mais. O Mundo ia ficando cada vez mais sem Ética.
terça-feira, 17 de agosto de 2010
151. A Política Tem a Sua Ética
Pense nisso. Sobretudo em tempo de eleição. Os políticos têm sua própria ética. Ela é diferente da ética dos indivíduos humanos comuns. Isso não é novo, é muito antigo. Há séculos isso é assim. Mas nós, os indivíduos comuns do Ocidente cristianizado, há séculos convivemos, sem que percebamos, com vários tipos de ética, entre elas a ética do indivíduo comum, como eu e você, e a ética do indivíduo político, isto é, aquele que tem a ambição de mandar nos outros.
Na Idade Média, os monges cristãos tentaram implantar na Europa Ocidental a ética mosaica, a ética judaica. Os monges ensinavam que só existe um tipo de conduta boa, aquela que agrada a Deus e que ele revelou aos homens através de Moisés. Por que essa conduta é boa? Por isso mesmo, porque agrada a Deus e Deus se compraz com a companhia dos que se comportam dessa forma. Noutras palavras, os indivíduos que se comportam dessa maneira gozam da amizade de Deus: logo estão no Céu, são felizes. Os indivíduos, que não se comportam da forma que agrada a Deus, não gozam da companhia de Deus: eles se comportam da forma que agrada ao Demônio, vivem na companhia do Demônio, são amigos do Demônio, estão no Inferno, são infelizes.
Os Dez Mandamentos da Lei de Deus são o básico da ética cristã: adora a Deus e ama o próximo como a ti mesmo, não mates, não furtes, não desejes a mulher do próximo, não sejas falso.
Essa ideia de que só existe uma ética, só uma conduta aceitável, um tipo de comportamento adotável, permitido, se implantou na mente das pessoas que viveram até o século XVI EC. Quem vivia de forma diferente só tinha uma forma de conseguir a felicidade, a companhia de Deus, o Céu: arrepender-se, suplicar o perdão de Deus, fazer penitência, martirizar-se, confessar os crimes perante a Igreja, orar, doar os bens à Igreja ou distribuí-los com os pobres, comprar indulgências. Até os mais bandidos dos reis ou senhores feudais tremiam de medo, quando percebiam que a hora da morte estava chegando.
No século XVI, um culto empregado do governo da cidade de Florença, Maquiavel, escreveu o livro, O Príncipe, onde descreve como ele via que um nobre conseguia ser Príncipe, isto é, o governante de qualquer daqueles Estados italianos de seu tempo. Ele descreveu, portanto, a ética própria de um governante, isto é, a forma de comportar-se que leva ao poder e possibilita permanecer nele.
Para conseguir ser Príncipe:
Trate com extrema crueldade os inimigos. Elimine-os todos. Não deixe sobreviver nenhum familiar de seus inimigos, nenhum descendente. Infunda tal terror aos seus inimigos que ninguém ouse atrever-se a ser seu inimigo.
Dispense todo o bem que puder aos seus amigos. Infunda profunda confiança do povo em você e gratidão para com você.
Entenda que mais vale parecer que ser cruel para com os inimigos bem como mais vale parecer que ser bondoso e generoso para com os amigos e o povo. Isto é o que se entende por maquiavelismo, ser maquiavélico.
Em resumo: o fim justifica os meios, qualquer coisa é boa, seja o que for, desde que contribua para que se consiga o poder e se permaneça no poder.
Por fim, existe ainda algo de que necessita o indivíduo para ser e permanecer Príncipe, a Sorte, e essa não depende da vontade do indivíduo, do Príncipe.
É claro que esta ética do sucesso político é completamente diferente da ética cristã, a ética mosaica. A partir de então, passou a existir a ética do político e a ética do homem comum. A ética deixou de ser absoluta, uma só, única, para todos os indivíduos, em todas as circunstâncias. A ética passou a ser encarada como uma relativa norma de vida, isto é, a minha conduta na vida passou a depender dos objetivos que estabeleço para a minha vida. Eu devo agir de forma que obtenha o sucesso desejado na vida, isto é, preciso assumir uma forma de conduta que me faça chegar ao objetivo que estabeleci para a minha vida.
Feitas essas considerações, agora estou pronto para ligar minha televisão e assistir ao desfile dos maquiavélicos, que sabem que pretendem ser maquiavélicos, e dos maquiavélicos, que tão ignorantes são que não têm nem idéia de que são maquiavélicos.
Na Idade Média, os monges cristãos tentaram implantar na Europa Ocidental a ética mosaica, a ética judaica. Os monges ensinavam que só existe um tipo de conduta boa, aquela que agrada a Deus e que ele revelou aos homens através de Moisés. Por que essa conduta é boa? Por isso mesmo, porque agrada a Deus e Deus se compraz com a companhia dos que se comportam dessa forma. Noutras palavras, os indivíduos que se comportam dessa maneira gozam da amizade de Deus: logo estão no Céu, são felizes. Os indivíduos, que não se comportam da forma que agrada a Deus, não gozam da companhia de Deus: eles se comportam da forma que agrada ao Demônio, vivem na companhia do Demônio, são amigos do Demônio, estão no Inferno, são infelizes.
Os Dez Mandamentos da Lei de Deus são o básico da ética cristã: adora a Deus e ama o próximo como a ti mesmo, não mates, não furtes, não desejes a mulher do próximo, não sejas falso.
Essa ideia de que só existe uma ética, só uma conduta aceitável, um tipo de comportamento adotável, permitido, se implantou na mente das pessoas que viveram até o século XVI EC. Quem vivia de forma diferente só tinha uma forma de conseguir a felicidade, a companhia de Deus, o Céu: arrepender-se, suplicar o perdão de Deus, fazer penitência, martirizar-se, confessar os crimes perante a Igreja, orar, doar os bens à Igreja ou distribuí-los com os pobres, comprar indulgências. Até os mais bandidos dos reis ou senhores feudais tremiam de medo, quando percebiam que a hora da morte estava chegando.
No século XVI, um culto empregado do governo da cidade de Florença, Maquiavel, escreveu o livro, O Príncipe, onde descreve como ele via que um nobre conseguia ser Príncipe, isto é, o governante de qualquer daqueles Estados italianos de seu tempo. Ele descreveu, portanto, a ética própria de um governante, isto é, a forma de comportar-se que leva ao poder e possibilita permanecer nele.
Para conseguir ser Príncipe:
Trate com extrema crueldade os inimigos. Elimine-os todos. Não deixe sobreviver nenhum familiar de seus inimigos, nenhum descendente. Infunda tal terror aos seus inimigos que ninguém ouse atrever-se a ser seu inimigo.
Dispense todo o bem que puder aos seus amigos. Infunda profunda confiança do povo em você e gratidão para com você.
Entenda que mais vale parecer que ser cruel para com os inimigos bem como mais vale parecer que ser bondoso e generoso para com os amigos e o povo. Isto é o que se entende por maquiavelismo, ser maquiavélico.
Em resumo: o fim justifica os meios, qualquer coisa é boa, seja o que for, desde que contribua para que se consiga o poder e se permaneça no poder.
Por fim, existe ainda algo de que necessita o indivíduo para ser e permanecer Príncipe, a Sorte, e essa não depende da vontade do indivíduo, do Príncipe.
É claro que esta ética do sucesso político é completamente diferente da ética cristã, a ética mosaica. A partir de então, passou a existir a ética do político e a ética do homem comum. A ética deixou de ser absoluta, uma só, única, para todos os indivíduos, em todas as circunstâncias. A ética passou a ser encarada como uma relativa norma de vida, isto é, a minha conduta na vida passou a depender dos objetivos que estabeleço para a minha vida. Eu devo agir de forma que obtenha o sucesso desejado na vida, isto é, preciso assumir uma forma de conduta que me faça chegar ao objetivo que estabeleci para a minha vida.
Feitas essas considerações, agora estou pronto para ligar minha televisão e assistir ao desfile dos maquiavélicos, que sabem que pretendem ser maquiavélicos, e dos maquiavélicos, que tão ignorantes são que não têm nem idéia de que são maquiavélicos.
150. Guerra Civil na França
Uma amiga me enviou um email sobre as desordens sociais que hoje acontecem na França. Ela me pediu que escrevesse algo sobre essa realidade francesa atual. Eu estou ousando transmitir-lhe o que escrevi àquela amiga.
Nada disso me assusta. Ao contrário, isso é a Humanidade. Cada indivíduo humano é a sede de um ímpeto de sobrevivência. Qualquer obstáculo à própria sobrevivência ele tenta eliminar. Qualquer pessoa que tente competir na consecução dos meios da vida que ele quer ter, ele tenta preterir ou civilizadamente negociando, ou barbaramente dominando pela intimidação, ou eliminando mesmo. Um exemplo: a grande maioria dos cariocas quer morar numa linda mansão na praia do Leblon, contemplando aquela portentosa paisagem marítima. A praia do Leblon só comporta uns poucos. Ninguém tem dinheiro para negociar o terreno e construir uma mansão. Mas, alguns têm dinheiro para comprar um lindo apartamento ou um razoável apartamento. Uns ganham o dinheiro honestamente, outros explorando a população vendendo o amor de Deus, outros roubam dos sócios, outros assaltam os bancos, outros desfalcam as empresas, outros subtraem o dinheiro do Governo, outros assassinam um sócio rico.
O importante para esses marginais todos é que não possam ser alcançados nem pelas possíveis vítimas nem pelos protetores das vítimas (a Sociedade, o Estado, a Ordem Jurídica). A mentalidade dos marginais é simplesmente esta: o importante é que eu viva com a mais alta qualidade de vida material e para isso usarei qualquer meio, ainda que ilegal. Para ter essa mais alta qualidade de vida, tudo arrostarei até a coação da Lei e a possibilidade de minha própria eliminação pela provável vítima. O importante é fazer de tal modo que nem a Lei me alcance, nem a minha vítima consiga defender-se.
Estes são os vitoriosos na vida: uns poucos vitoriosos dentro da Lei, mas em grande número vitoriosos à margem da Lei. A grande maioria conforma-se com o dinheiro ganho dentro da Lei e nem pensa em realizar essa qualidade de vida (morar na praia do Leblon). Uns poucos tudo arrostam para realizar suas ambições. Essa explicação não é minha: assim falou Maquiavel!!! É a lei do mais forte ou do mais esperto...
Os nossos pais (os seus, os de minha mulher, os meus...) nos ensinaram a ser civilizados, isto é, a viver numa cidade, isto é, numa sociedade, onde há diferença de pessoas em riqueza e poder, numa convivência pacífica decorrente da ordem imposta por um governo (a Lei), onde se utiliza a escrita e se desenvolvem as atividades artísticas e científicas.
Nossos pais nos deram essa cultura de valorizar na vida prática esse tipo de sociedade e nós a desenvolvemos como um valor nosso. A grande maioria não teve essa cultura. Ou recebeu e desenvolveu outra cultura ou teve mesmo a anticultura.
A Neurociência diz que a grande qualidade da mente humana é ser plástica, isto é, ela se amolda às circunstâncias da vida. Portanto, ela se amolda à Cultura que recebe. O grande problema atual é exatamente esse: CULTURA. Transformar a mente humana infundindo-lhe uma cultura que não apenas não destrua a sociedade (a convivência dos seres humanos), mas, muito mais, não destrua o ÚNICO PONTINHO DO UNIVERSO ONDE EXISTE A VIDA INTELIGENTE!
Essa é uma portentosa transformação: aceitar a cultura do desenvolvimento sustentável, muito, mas muito mesmo, diferente da cultura que nos últimos séculos a Humanidade vem desenvolvendo.
Até certo ponto, existir é pensar. Se destruímos a Terra, destruímos o único ser inteligente que existe no Universo. Assim, destruímos o próprio UNIVERSO!
Nada disso me assusta. Ao contrário, isso é a Humanidade. Cada indivíduo humano é a sede de um ímpeto de sobrevivência. Qualquer obstáculo à própria sobrevivência ele tenta eliminar. Qualquer pessoa que tente competir na consecução dos meios da vida que ele quer ter, ele tenta preterir ou civilizadamente negociando, ou barbaramente dominando pela intimidação, ou eliminando mesmo. Um exemplo: a grande maioria dos cariocas quer morar numa linda mansão na praia do Leblon, contemplando aquela portentosa paisagem marítima. A praia do Leblon só comporta uns poucos. Ninguém tem dinheiro para negociar o terreno e construir uma mansão. Mas, alguns têm dinheiro para comprar um lindo apartamento ou um razoável apartamento. Uns ganham o dinheiro honestamente, outros explorando a população vendendo o amor de Deus, outros roubam dos sócios, outros assaltam os bancos, outros desfalcam as empresas, outros subtraem o dinheiro do Governo, outros assassinam um sócio rico.
O importante para esses marginais todos é que não possam ser alcançados nem pelas possíveis vítimas nem pelos protetores das vítimas (a Sociedade, o Estado, a Ordem Jurídica). A mentalidade dos marginais é simplesmente esta: o importante é que eu viva com a mais alta qualidade de vida material e para isso usarei qualquer meio, ainda que ilegal. Para ter essa mais alta qualidade de vida, tudo arrostarei até a coação da Lei e a possibilidade de minha própria eliminação pela provável vítima. O importante é fazer de tal modo que nem a Lei me alcance, nem a minha vítima consiga defender-se.
Estes são os vitoriosos na vida: uns poucos vitoriosos dentro da Lei, mas em grande número vitoriosos à margem da Lei. A grande maioria conforma-se com o dinheiro ganho dentro da Lei e nem pensa em realizar essa qualidade de vida (morar na praia do Leblon). Uns poucos tudo arrostam para realizar suas ambições. Essa explicação não é minha: assim falou Maquiavel!!! É a lei do mais forte ou do mais esperto...
Os nossos pais (os seus, os de minha mulher, os meus...) nos ensinaram a ser civilizados, isto é, a viver numa cidade, isto é, numa sociedade, onde há diferença de pessoas em riqueza e poder, numa convivência pacífica decorrente da ordem imposta por um governo (a Lei), onde se utiliza a escrita e se desenvolvem as atividades artísticas e científicas.
Nossos pais nos deram essa cultura de valorizar na vida prática esse tipo de sociedade e nós a desenvolvemos como um valor nosso. A grande maioria não teve essa cultura. Ou recebeu e desenvolveu outra cultura ou teve mesmo a anticultura.
A Neurociência diz que a grande qualidade da mente humana é ser plástica, isto é, ela se amolda às circunstâncias da vida. Portanto, ela se amolda à Cultura que recebe. O grande problema atual é exatamente esse: CULTURA. Transformar a mente humana infundindo-lhe uma cultura que não apenas não destrua a sociedade (a convivência dos seres humanos), mas, muito mais, não destrua o ÚNICO PONTINHO DO UNIVERSO ONDE EXISTE A VIDA INTELIGENTE!
Essa é uma portentosa transformação: aceitar a cultura do desenvolvimento sustentável, muito, mas muito mesmo, diferente da cultura que nos últimos séculos a Humanidade vem desenvolvendo.
Até certo ponto, existir é pensar. Se destruímos a Terra, destruímos o único ser inteligente que existe no Universo. Assim, destruímos o próprio UNIVERSO!
sexta-feira, 7 de maio de 2010
149. Constatação Fundamental
Existo. Penso. Sinto prazer. Sinto desconforto. Sinto dor. Sinto fome e sede. Sinto medo, amor e ódio. Sinto tristeza, alegria e saudade. Faço o que me convém. Evito o que me prejudica. Decido o que quero. Planejo a realização de meu futuro. Relembro o encadeamento dos fatos de minha vida, desde a casa de meus pais. Aprendo. Produzo coisas. Falo com pessoas parecidas comigo. Agrada-me conviver com algumas delas. Desagrada-me conviver com outras. Conversamos. Produzimos coisas em conjunto. Existo entre um infinito de coisas outras existentes, que formam o meio ambiente onde existo, a Terra, o Cosmo.
O Homem é, portanto, um ser consciente, racional, social e cultural. O mais básico é ser um ser consciente, isto é, que conhece que conhece, que conhece que existe, que conhece o que lhe convém e o que o prejudica, que decide o que fazer, que prevê o seu futuro e até o planeja.
Porque sou consciente aprendo, trabalho, produzo, comunico-me, participo de associações, consigo evitar o que me faz mal e obter o que me faz bem. Tenho uma consciência, uma mente que me proporciona a sobrevivência. Entendo, pois, que a Mente é o aparelho que nos proporciona a sobrevivência.
As primeiras manifestações do gênero humano ocorrem na pré-história, quando os hominídeos deixaram sinais de que usavam o fogo e construíam instrumentos para obter alimentos e proteger a vida na luta pela sobrevivência. Mais tarde, há uns duzentos mil anos a espécie humana, a nossa espécie do Homo Sapiens ou Homem Moderno, deixa os seus vestígios na crosta terrestre.
Há cerca de cinqüenta mil anos, nas grutas de Espanha e França, ele demonstrou que é capaz de se autoexaminar, de refletir, de se isolar e concentrar-se nas imagens de sua própria mente. Ele demonstrou que se descobrira como um ser que possuía um universo de imagens, que no seu interior replica o mundo exterior. Ele se encantou com essa representação do meio ambiente e resolveu reproduzi-la. E talvez até pensasse que essa representação interna consciente, que se assemelhava aos sonhos que experimentava ao dormir, poderia ser a manifestação de um poder interior, forte o suficiente para interferir no sucesso de sua luta pela sobrevivência. Ali já estava presente e atuante o ser consciente, racional, social e cultural que é o Homem.
O Homem é, portanto, um ser consciente, racional, social e cultural. O mais básico é ser um ser consciente, isto é, que conhece que conhece, que conhece que existe, que conhece o que lhe convém e o que o prejudica, que decide o que fazer, que prevê o seu futuro e até o planeja.
Porque sou consciente aprendo, trabalho, produzo, comunico-me, participo de associações, consigo evitar o que me faz mal e obter o que me faz bem. Tenho uma consciência, uma mente que me proporciona a sobrevivência. Entendo, pois, que a Mente é o aparelho que nos proporciona a sobrevivência.
As primeiras manifestações do gênero humano ocorrem na pré-história, quando os hominídeos deixaram sinais de que usavam o fogo e construíam instrumentos para obter alimentos e proteger a vida na luta pela sobrevivência. Mais tarde, há uns duzentos mil anos a espécie humana, a nossa espécie do Homo Sapiens ou Homem Moderno, deixa os seus vestígios na crosta terrestre.
Há cerca de cinqüenta mil anos, nas grutas de Espanha e França, ele demonstrou que é capaz de se autoexaminar, de refletir, de se isolar e concentrar-se nas imagens de sua própria mente. Ele demonstrou que se descobrira como um ser que possuía um universo de imagens, que no seu interior replica o mundo exterior. Ele se encantou com essa representação do meio ambiente e resolveu reproduzi-la. E talvez até pensasse que essa representação interna consciente, que se assemelhava aos sonhos que experimentava ao dormir, poderia ser a manifestação de um poder interior, forte o suficiente para interferir no sucesso de sua luta pela sobrevivência. Ali já estava presente e atuante o ser consciente, racional, social e cultural que é o Homem.
sábado, 17 de abril de 2010
148. Quem Faz a Lei
Há poucos dias, em um palanque de propaganda política... Espere, não sei bem se era de propaganda política ou de divulgação de obras realizadas pelo Governo. Bem, fosse lá o que fosse, o mais talentoso orador do evento afirmou – pareceu-me com ares de deboche – que continuaria a proceder confundindo propaganda de campanha política com marketing de gestão pública, apesar das condenações e punições da Justiça já recebidas, enquanto as leis do País não forem tão bem feitas que não deixem dúvidas sobre o que, nos eventos de propaganda do Governo, caracteriza marketing político.
Todos sabem que o Governo na democracia moderna, aquele enaltecido por Montesquieu, há séculos, assume a forma tripartite, adotada há mais séculos ainda na Inglaterra, e difundida por quase todas as nações depois de consagrada pela Revolução da Independência Norte-americana.
As leis, portanto, passaram a ser elaboradas pelo Poder Legislativo. Mas, há um consenso histórico e universal, porque nada mais é que a constatação de um fato, que a lei versa sobre o universal, haja vista que ela obriga a todos. Então, quando ela entra em funcionamento, isto é, quando a legalidade de uma determinada ação particular de um indivíduo entra em julgamento, a Lei universal precisa ser aplicada a esse ato particular.
A lei é aplicada por um juiz, um representante de outro poder, o Poder Judiciário. Mas, o juiz só pode aplicar a lei se ele entender a lei e também entender aquele ato que está julgando. Julgar é comparar o ato particular com a lei universal. Julgar é enquadrar o ato particular na lei universal.
Entender a lei é interpretá-la. É impossível julgar sem que haja uma interpretação da lei. É impossível produzir uma lei que de tal forma contemple todos os casos particulares de ações de todos os indivíduos no presente e no futuro, que prescinda de qualquer interpretação.
Cada juiz em cada caso dá uma interpretação da lei. Até mesmo um juiz pode dar interpretações diferentes em julgamentos diferentes. E isso é normal e muito compreensível. Cada juiz tem a sua Mente. E cada Mente humana é singular. A Mente de cada pessoa muda conforme o tempo passa. E os fatos são também singulares: são praticados em contextos diferentes.
Mais ainda. O conjunto das interpretações da lei pelos juízes forma a jurisprudência. E a jurisprudência também reveste o papel de fonte da lei. Ela produz a lei também. E tem papel decisivo na produção da Lei. Em alguns países, o papel da Jurisprudência na produção da lei é quase tão importante quanto o do Poder Legislativo.
Isso um político não pode desconhecer. Muito menos um político importante e excepcional. É lamentável esse espetáculo jactancioso de populismo, de popularidade onipotente. E acho que esse espetáculo até mesmo induz ao desrespeito à lei e ao esgarçamento do tecido social.
Todos sabem que o Governo na democracia moderna, aquele enaltecido por Montesquieu, há séculos, assume a forma tripartite, adotada há mais séculos ainda na Inglaterra, e difundida por quase todas as nações depois de consagrada pela Revolução da Independência Norte-americana.
As leis, portanto, passaram a ser elaboradas pelo Poder Legislativo. Mas, há um consenso histórico e universal, porque nada mais é que a constatação de um fato, que a lei versa sobre o universal, haja vista que ela obriga a todos. Então, quando ela entra em funcionamento, isto é, quando a legalidade de uma determinada ação particular de um indivíduo entra em julgamento, a Lei universal precisa ser aplicada a esse ato particular.
A lei é aplicada por um juiz, um representante de outro poder, o Poder Judiciário. Mas, o juiz só pode aplicar a lei se ele entender a lei e também entender aquele ato que está julgando. Julgar é comparar o ato particular com a lei universal. Julgar é enquadrar o ato particular na lei universal.
Entender a lei é interpretá-la. É impossível julgar sem que haja uma interpretação da lei. É impossível produzir uma lei que de tal forma contemple todos os casos particulares de ações de todos os indivíduos no presente e no futuro, que prescinda de qualquer interpretação.
Cada juiz em cada caso dá uma interpretação da lei. Até mesmo um juiz pode dar interpretações diferentes em julgamentos diferentes. E isso é normal e muito compreensível. Cada juiz tem a sua Mente. E cada Mente humana é singular. A Mente de cada pessoa muda conforme o tempo passa. E os fatos são também singulares: são praticados em contextos diferentes.
Mais ainda. O conjunto das interpretações da lei pelos juízes forma a jurisprudência. E a jurisprudência também reveste o papel de fonte da lei. Ela produz a lei também. E tem papel decisivo na produção da Lei. Em alguns países, o papel da Jurisprudência na produção da lei é quase tão importante quanto o do Poder Legislativo.
Isso um político não pode desconhecer. Muito menos um político importante e excepcional. É lamentável esse espetáculo jactancioso de populismo, de popularidade onipotente. E acho que esse espetáculo até mesmo induz ao desrespeito à lei e ao esgarçamento do tecido social.
quinta-feira, 15 de abril de 2010
147. Ainda Sobre o Estado Grande
Alguns pensam que, estabelecido o Estado Grande, uma nação marchará inelutavelmente para o progresso. A História dos nossos dias não convalida essa opinião.
Tenho absoluta certeza de que, pelo menos desde o ano de 1966, vozes autorizadas e sensatas do meio acadêmico, do meio econômico e mesmo do meio financeiro se faziam ouvir, vaticinando que a atividade bancária exacerbada dos empréstimos da subprime e dos derivativos não se sustentaria.
Governo algum tomou providência. Todos os governos estavam satisfeitíssimos com os resultados auspiciosos do curto prazo, que alimentavam o próprio marketing de sucesso político. O meio financeiro norte-americano tocava a música e o resto do mundo dançava aloucado.
Uma instituição, que facilitou a excessiva alavancagem bancária, responsável por toda essa farra, foi o paraíso fiscal. Ora, o paraíso fiscal existe, pelo menos, desde a década de 60 do século passado, com o conhecimento e sob a complacência dos Governos de todos os países.
E os governantes sabiam e sabem que os paraísos fiscais existem para lá se realizarem operações bancárias legais e ilegais, sobretudo as ilegais. Entre essas operações ilegais, além da lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio criminoso, inclui-se a sonegação de impostos. Vejam só: os Governos faziam e fazem vistas grossas exatamente a essa burla fiscal.
E há ainda Governos que surpreendem, eles mesmos praticando burlas inacreditáveis, que conduzem a prejuízos gigantescos à própria nação e até aos parceiros políticos, como o caso atual do Governo grego que, poucos anos atrás, para obter o ingresso na União Européia, não teve escrúpulo algum de contratar peritos financeiros para maquiar as suas contas públicas. Hoje está aí a Grécia soçobrando sob as conseqüências de sua farsa e provocando grandes problemas à economia da União Européia.
Estado não é garantia de legalidade, nem de moralidade, nem de sucesso econômico nem político nem militar. Não existe garantia absoluta para nada disso. Ainda assim, a maior garantia, que pode existir para tudo isso e para a sobrevivência de uma Nação, é o alto nível de moralidade e de cultura de seu povo. Instruir e educar. Educar. Educar. Educar.
Tenho absoluta certeza de que, pelo menos desde o ano de 1966, vozes autorizadas e sensatas do meio acadêmico, do meio econômico e mesmo do meio financeiro se faziam ouvir, vaticinando que a atividade bancária exacerbada dos empréstimos da subprime e dos derivativos não se sustentaria.
Governo algum tomou providência. Todos os governos estavam satisfeitíssimos com os resultados auspiciosos do curto prazo, que alimentavam o próprio marketing de sucesso político. O meio financeiro norte-americano tocava a música e o resto do mundo dançava aloucado.
Uma instituição, que facilitou a excessiva alavancagem bancária, responsável por toda essa farra, foi o paraíso fiscal. Ora, o paraíso fiscal existe, pelo menos, desde a década de 60 do século passado, com o conhecimento e sob a complacência dos Governos de todos os países.
E os governantes sabiam e sabem que os paraísos fiscais existem para lá se realizarem operações bancárias legais e ilegais, sobretudo as ilegais. Entre essas operações ilegais, além da lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio criminoso, inclui-se a sonegação de impostos. Vejam só: os Governos faziam e fazem vistas grossas exatamente a essa burla fiscal.
E há ainda Governos que surpreendem, eles mesmos praticando burlas inacreditáveis, que conduzem a prejuízos gigantescos à própria nação e até aos parceiros políticos, como o caso atual do Governo grego que, poucos anos atrás, para obter o ingresso na União Européia, não teve escrúpulo algum de contratar peritos financeiros para maquiar as suas contas públicas. Hoje está aí a Grécia soçobrando sob as conseqüências de sua farsa e provocando grandes problemas à economia da União Européia.
Estado não é garantia de legalidade, nem de moralidade, nem de sucesso econômico nem político nem militar. Não existe garantia absoluta para nada disso. Ainda assim, a maior garantia, que pode existir para tudo isso e para a sobrevivência de uma Nação, é o alto nível de moralidade e de cultura de seu povo. Instruir e educar. Educar. Educar. Educar.
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