domingo, 29 de janeiro de 2017

372. Reformulação da Súmula 288 do TST - Análise (continuação)

 A Arma do Direito Social Maquiavélico

A Previdência Social é um contrato entre um cidadão e o Estado, ou uma pessoa jurídica por este autorizada, para garantir aposentadoria ou pensão. Ela é, portanto, um contrato de execução continuada a longo prazo. A mais importante relação desse contrato, aquela para o qual exatamente ele existe, é exatamente a aposentadoria, aquela que é direito do cidadão e obrigação do Estado. A essência do contrato é gerar direito e obrigação entre pessoas. O contrato consiste em unir duas pessoas por uma relação que apresenta duas faces: direito e obrigação. O contrato faz uma pessoa ser sujeito de direito e outra ser sujeito de obrigação. Aquela adquire o poder de exigir algo da outra e esta fica submissa ao poder daquela.  O contrato torna, pois, uma pessoa sujeito de direito sobre outra pessoa, que se torna sujeito de obrigação para com o sujeito de direito. Numa extremidade dessa relação existe um senhor, o sujeito de direito, enquanto na outra existe um servo, o sujeito de obrigação. Tudo isso por livre e espontânea vontade, porque o contrato é um ato de pessoas, indivíduos humanos livres, autônomos, iguais em dignidade que, por interesse, pelo bem-estar, aceitam a desigualdade, isto é, a submissão de uma à outra.

Essa abdicação da igualdade, isto é, essa momentânea aceitação da desigual dignidade da pessoa humana é tão eticamente ponderada, é tão eticamente assombrosa, e , ao mesmo tempo tão forte elo formativo do tecido social, que o contrato, nas sociedades civilizadas, se formaliza sob a  égide de determinados princípios jurídicos de elevada força moral e coercitiva. O contrato é um instrumento jurídico formador do tecido social, gerado pelos princípios de autonomia e da propriedade. Instrumento aglutinador do tecido social apresenta-se aureolado de importância como que sagrada, de modo que contrato é para ser cumprido. Essa sacralidade do contrato, numa sociedade, se ostenta , sobretudo, nos contratos de duração continuada e no respeito às cláusulas de longo prazo: contrato é para ser cumprido, pacta sunt servanda, contrato é lei entre as partes, de modo que essa obrigação só pode ser extinta por mútuo consenso, por impossibilidade comprovada e imprevista de cumprimento, ou pelo interesse maior da sociedade, do Estado (princípio da obrigatoriedade dos contratos). O CONTRATO CONSISTE NO ACORDO DE VONTADES, independe, pois, da entrega das coisas (o princípio do consensualismo). O contrato, um dos mais poderosos elementos constitutivos do tecido social, existe precisamente para isso para promover o bem-estar individual, promovendo o ambiente onde dele se usufrui, a saber, a justiça social e o bem-estar social (o princípio da função social do contrato). Assim, o contrato deve realizar-se no nível da dignidade da pessoa humana, por mais desnivelados que sejam os sujeitos de direito e obrigação sob o enfoque econômico, social, político e cultural, de modo que o legislador e o juiz devem guiar-se em seus atos   a respeito de contrato no sentido do equilíbrio de poder  entre as partes (o princípio do equilíbrio, in dubio pro misero). E, sobretudo, o contrato não pode contrariar, mas sim contribuir para promover os objetivos de justiça social e bem-estar social, mormente contribuir para diminuir os efeitos sociais da desigualdade natural entre os indivíduos humanos. E, por fim, o contrato é o acordo de vontade de pessoas humanas, cuja dignidade sacraliza todo o processo contratual (negociação, formalização e execução), envolvendo-o num halo de conduta honesta e leal de ambas as partes, inadmitindo que as partes ousem ter a pretensão de descumprir o contrato (o princípio da boa-fé).

Acontece, ademais, que, em se tratando de contrato de trabalho, o princípio do equilíbrio atua com tal vigor normativo que assume o papel de princípio protetor – in dubio pro operário – para eliminar a desigualdade econômica através do contrapeso jurídico a favor do trabalhador, aplicando a norma mais favorável, a condição mais benéfica e o adágio “in dubio pro operário”, atingindo até a aplicação do princípio da irrenunciabilidade: o trabalhador não tem a capacidade jurídica de renunciar a um direito, a um benefício que lhe confere a lei ou o contrato de trabalho.
  
Todo direito é uma relação de domínio sobre outra pessoa, um poder incontrastável de exigir que outra pessoa faça ou não faça determinada coisa. A todo sujeito de direito, pois, corresponde um sujeito de obrigação, aquele é senhor, este é servo. A relação jurídica é uma ponte de domínio/submissão entre dois sujeitos autônomos. Confesso que, estabelecido o princípio fundamental de todo o Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana, é difícil entender os vínculos estabelecidos pelo contrato de trabalho: empregador/empregado! Nada obstante, essa é a realidade concreta multicentenária dos novos tempos, a Idade Moderna, que suplantou a muito mais desumana realidade social da relação senhor/servo da Idade Média.

Assim, a cláusula contratual da aposentadoria do meu contrato de trabalho com o Banco do Brasil, firmado em 5 de outubro de 1957, me conferiu o poder de exigir dele, 30 anos depois, a aposentadoria. E ele a honrou. Naquele dia 5, eu adquiri esse direito, esse domínio sobre o Banco do Brasil (o princípio do consensualismo). A partir daquele dia, o Banco do Brasil passou a relacionar-se comigo, quando antes nenhuma relação tinha comigo. Sim, aquela pessoa jurídica portentosa, centenária, a maior empresa brasileira naqueles tempos idos, aquela que, vinte e poucos anos mais tarde, eu constataria alinhar-se entre os dez maiores bancos do Mundo, essa pessoa majestosa nessa relação ela se sujeitava a mim, a pagar-me complementação de aposentadoria, caso eu lhe prestasse serviço durante 30 anos.

Essa relação não era mera promessa. Era um direito meu e uma obrigação do Banco, garantidos por todo esse grandioso aparato civilizatório e cultural, que é o Direito, do Direito Brasileiro, ousaria até palpitar, do Direito Universal. A sociedade assim a entendia. Assim, eu e o Banco entendíamos. Até o Estado assim o entendia. Qual seria a minha reação, naquele maravilhoso dia 5 de outubro de 1955, se algum jurista me batesse no ombro e me dissesse: “Meu rapaz, você tem apenas uma expectativa de direito?!”

Claro que eu tinha, então, uma expectativa de aposentadoria. Claro que eu não tinha o direito de aposentar-me naquele dia 5. Mas, eu já tinha o direito de aposentar-me, decorridos 30 anos de serviço, com a renda do dia de minha aposentadoria. Esse direito adquiri naquele dia 5, com a assinaturaa do meu contrato de trabalho! Isso me era garantido não só, e principalmente, pelo princípio do consensualismo, mas todo aquele conjunto de princípios jurídicos do contrato e, especificamente, do contrato de trabalho, que existe precisamente e, sobretudo, para isso para proteção da parte mais fraca não apenas contra a parte mais poderosa, mas até mesmo contra o Estado. E essa defesa, na minha ignorante opinião de leigo em Direito, deve ser muito mais acirrada em matéria de Previdência Social, porque PREVIDÊNCIA SOCIAL É DIREITO FUTURO. É EXATAMENTE ISSO GARANTIA DO FUTURO INCERTO.

Por oportuno, expectativa tem diversas tonalidades. Há a expectativa que é esperar que algo ocorra sem motivo algum, a expectativa com base em probabilidades, a expectativa com base na benevolência alheia ou na sorte, a expectativa em supostos direitos e a expectativa baseada em direitos. Esta expectativa é aguardo, isto é, o transcurso do tempo que seguramente (guarda=vigia, guardar=vigiar) me trará o benefício a que tenho direito. Será exatamente social - promotor da igualdade, da justiça e do bem estar – apelar para essa expectativa e, apenas com essa arma, desmoronar toda essa estrutura jurídica de proteção do contrato do trabalho, prejudicando o empregado e o beneficiário previdenciário?  

A sensação que me resta é que a Lei 3228/57 é arma apontada para a Previdência Social, é tiro certeiro. Ela destrói o próprio conceito de contrato, elimina o próprio princípio do consensualismo, reduz a cláusula de execução continuada a mera esperança, retira a Previdência Social do título VIII da Constituição Federal. Previdência Social não mais goza de toda aquela arquitetura jurídica acima descrita: a Lei 3228/57 declarou que todo aquele portentoso conjunto jurídico se reduz a expectativa! Não é garantia de direito. Ela destrói até mesmo as cláusulas pétreas da Constituição Federal!

A minha sensação final: A Súmula 288 do TST é a expressão da Previdência Social trabalhista, do empregado. Reformulação significa aderir à marcha da instauração do ESTADO SOCIAL MAQUIAVÉLICO.

(continua)

  








quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

371.Reformulação da Súmula 288 do TST - Análise (continuação)

O Direito Previdenciário Brasileiro

O benefício de aposentadoria surgiu no Mundo e no Brasil ligado ao emprego, isto é, ao trabalho contratado. A História, segundo entendo, narra que, no Mundo, ele surgiu como um direito do empregado e uma obrigação do Estado, um regime jurídico de direito público, introduzido por Bismarck na Alemanha, no final do século XIX. Bismark criou o ESTADO SOCIAL. Já no Brasil, ele surgiu com a Lei Eloy Chaves, em 1923, como um direito do empregado e uma obrigação de uma ferrovia, isto é, regime jurídico de direito privado. O Brasil criou o que eu gostaria de apelidar ESTADO SOCIAL MAQUIAVÉLICO, mas, amaciando, apelido Estado Liberal de Empresas Sociais.

Por oportuno, vale lembrar as seguintes normas contidas em artigos dessa lei: “não sendo admissível, em caso algum, que a contribuirão da empresa seja menor que a de seu pessoal”; “os fundos e as rendas que se obtenham por meio desta lei serão de exclusiva propriedade da caixa e se destinarão aos fins nela determinados”.

O empregado e o empregador contribuíam para a CAP, Caixa de Aposentadoria e Pensão da Ferrovia, o agente previdenciário. A CAP tinha as seguintes obrigações: assistência médica ao empregado e familiares coabitantes; medicamentos; aposentadoria ordinária (tempo de serviço e idade); aposentadoria por invalidez; pensão para os herdeiros. A aposentadoria por invalidez era concedida para quem era incapaz de exercer o próprio emprego ou outro compatível com sua atividade habitual ou preparo intelectual. Tinha direito à aposentadoria ordinária integral o empregado com 30 anos de serviço e 50 anos de idade, numa época em que a expectativa de vida do cidadão brasileiro era de 36 anos. Essa aposentadoria ordinária integral era calculada sobre a média do salário mensal percebido nos últimos cinco anos de serviço. Variava. A aposentadoria ordinária integral do salário mais baixo era no valor de 90% dessa média e a do salário mais alto situava-se um pouco acima de 60%. A pensão era igual à aposentadoria.

Na década de 30, o Estado Novo implantou os institutos de aposentadoria e pensão. O IAP era uma autarquia, pessoa jurídica de direito público, isto é, autarquia estatal e o empregado do IAP era empregado autárquico, não era servidor público. Assim, a aposentadoria passou a ser um direito do empregado, um direito trabalhista, mas uma relação jurídica contratual entre o empregado e uma autarquia do Estado, entre o empregado e o Estado. Cada IAP destinava-se a prover benefícios previdenciários a determinada classe de trabalhadores. Logo em 1934 foi criado o IAPB, Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários. Além, desses dois benefícios ele podia prestar, e prestava, assistência médica, cirúrgica e hospitalar. Eram sócios obrigatórios do IAPB os empregados de bancos e casas bancárias, do IAPB, dos sindicados de bancários e de banqueiros. A receita do IAPB compunha-se de contribuição mensal dos associados ativos, contribuição mensal dos empregadores, contribuição do Estado correspondente, doações e legados, reversão de qualquer importância em virtude de prescrição, rendas eventuais do Instituto, rendimentos de aplicações financeiros dos recursos do Instituto. A aposentadoria era por invalidez ou velhice. A aposentadoria por invalidez era, em 1934, de 80% da media dos vencimentos mensais, até o limite máximo de 5.000$000, percebidos nos últimos três anos. Tinha direito à aposentadoria ordinária o empregado com 50 anos de idade e trinta anos de serviço, que houvesse pago sessenta contribuições mensais, quando a expectativa de vida do brasileiro era de 37 anos. Em 1949, aumentou a idade mínima para 60 anos, quando a expectativa de vida do brasileiro já era de 45 anos. A pensão era 50% da aposentadoria, acrescida de 10%, se o falecido tivesse deixado três ou mais filhos menores. A lei determinava: “As rendas arrecadadas...  são de exclusiva propriedade do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários, e em caso algum terão aplicação diversa da estabelecida neste decreto e seu regulamento.” A Lei também permitia que o funcionário do Banco do Brasil recusasse a inscrição no IAPB. Mas, a PREVI, é claro, entrou em regime de extinção. Os cidadãos que, portanto, ingressaram no Banco, a partir da data daquele decreto-lei, inscreveram-se no IAPB. Eram aposentados e pensionistas do IAPB. O Banco, todavia, continuou mantendo e honrando o seu compromisso com a igualdade da aposentadoria e da pensão à renda do dia do benefício de aposentadoria, com relação a todos os funcionários, filiados à PREVI e filiados ao IAPB. E, em 1949, o Banco continuou aposentando o funcionário com a idade de 50 anos, arcando com o ônus total durante 10 anos, se o funcionário era associado do IAPB. O Estado Novo, pois, transformou o Brasil em ESTADO BRASILEIRO SOCIAL DO EMPREGADO.

Juscelino Kubitischek em 1957, com a promulgação da lei Lei 3228, onde se definem ato jurídico perfeito (o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou), direito adquirido (o que seu titular ou alguém por ele, possa exercer, já que é inalterável ao arbítrio de outrem ou o termo pré-fixo do começo do exercício ou uma condição pré-estabelecida) e coisa julgada (decisão judicial de que já não caiba recurso), na minha ignorante opinião, enfraqueceu a força das cláusulas futuras tanto estabelecidas pelas leis como pelos contratos. Ora, a seguridade e, portanto, a previdência, como técnica protetiva, objetiva, sobretudo, o tempo futuro, é na sua essência, o estabelecimento de NORMAS FUTURAS, DE CLÁUSULAS QUE SÃO DIREITOS A SE SUBJETIVAREM NO FUTURO DO SUJEITO DE DIREITO. Essas definições são claramente, na minha ignorante opinião, opostas, LIMITANTES DO PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO, O PRINCÍPIO SUPREMO DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO. Além disso, na minha ignorante opinião, elas limitaram o poder de defesa do indivíduo pelas cláusulas pétreas contra o Estado leviatã. Elas significam parcial desarme do indivíduo na sua relação com o Estado: uma cláusula contratual, uma norma legal não é mais uma obrigação, é apenas uma expectativa de obrigação. Logo, uma cláusula contratual de trabalho, uma normal legal protetiva que proteja o futuro do cidadão não é mais uma obrigação, é apenas uma expectativa de obrigação. Ora, PREVIDÊNCIA É PREVER, É UMA CLÁSULA QUE PROTEGE O FUTURO DO CIDADÃO, é CLÁUSULA CONTRATUAL FUTURA, é NORMA LEGAL FUTURA. A PREVIDÊNCIA SOCIAL NÃO MAIS É OBRIGAÇÃO FUTURA, REDUZIU-SE A MERA EXPECTATIVA DE DIREITO, A MERA EXPECTIVA DE OBRIGAÇÃO!

Já em 1960, com a Lei Orgânica da Previdência Social, Juscelino ampliava a previdência para todo o brasileiro que auferisse renda do trabalho, o empregado, o autônomo, o profissional liberal e a livre iniciativa. Todo aquele que auferisse renda do trabalho passou a contribuir obrigatoriamente para a Previdência Social.  A contribuição era uma percentagem sobre o salário de contribuição, que tinha por teto 5 vezes o maior salário mínimo do País. Esse também era o teto para o benefício de aposentadoria. Entre os benefícios constavam aposentadoria por invalidez (o trabalhador que se tornasse incapacitado para o trabalho), aposentadoria por velhice (o trabalhador aos 65 anos e a trabalhadora aos 60 anos, com o mínimo de 60 contribuições), aposentadoria por tempo de serviço (aos 30 anos de serviço ou 35, aqueles com 80% do salário de benefício, e estes benefício integral, e com o mínimo de 55 anos de idade, numa época em que a expectativa de vida do brasileiro era de 48 anos) e aposentadoria especial (trabalhador com 50 anos de idade e 15 anos de contribuição, haja trabalhado 15, 20 ou 25 anos conforme o tipo de trabalho), e pensão.

O valor da aposentadoria por invalidez e da aposentadoria por velhice dependia das contribuições pagas, podendo ser integral, isto é, o valor do salário de benefício, que tinha o teto de 5 vezes o maior salário-mínimo do País. A pensão correspondia a 50% da aposentadoria, acrescida de parcelas de 10% em função do número de dependentes do falecido, até o máximo de 5 parcelas. A LOPS, pois, criava o ESTADO DEMOCRÁTICO SOCIAL DO TRABALHADOR BRASILEIRO.

Em 1966, o Gel. Castello Branco, com o Decreto-lei nº 72, unifica os institutos de aposentadoria e pensão no INPS-Instituto Nacional da Previdência Social. Em novembro de 1966, a PREVI comunica que, a partir do ano seguinte, assumiria a tarefa de pagar a complementação da aposentadoria e pensão dos funcionários afiliados ao INPS, porque o Banco decidira não mais fazê-lo e transferira para ela esse encargo. A partir de 1967, pois, ela passaria a pagar todas as aposentadorias e pensões dos seus associados e também a complementação da aposentadoria e pensão dos afiliados ao INPS, que se tivessem a ela afiliados. Os afiliados ao INPS, portanto, sem a filiação à PREVI, perderiam a complementação desses benefícios (Veer “Da Caixa Montepio à PREVI”). Era o ponto de partida para a consagração legal do movimento de regresso da Previdência Social brasileira, que na década de 70 seria realizada pela lei 6435/77, a instituição do ESTADO BRASILEIRO SOCIAL MAQUIAVÉLICO DO TRABALHADOR BRASILEIRO. Quando a expectativa de vida do Brasileiro já era 52,6 anos, o Estado Brasileiro lançava sobre os ombros do Patrocinador das EFPC o gigantesco ônus social das aposentadorias e pensões superiores a 5 vezes o maior salário mínimo!

(continua)                                                                                                                                                                                                                                                    

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

370.Divagação


A Resolução CGPC 26 da Previdência Complementar utilizou a denominação contábil de REVERSÃO DE VALORES para designar o que reputamos uma ilegalidade: a devolução de contribuições ao Patrocinador, quando ocorre a Reserva Especial num Plano de Benefícios Definidos. Essa opinião não só é também esposada por um Procurador da República do Rio de Janeiro que, há dois anos, ingressou com uma ACP que, há ano e meio, se acha pronta para julgamento no Tribunal Federal do Rio de Janeiro, como também foi pelo Ministro Celso de Melo acoimada de indícios de ilegalidade, quando julgou descabida a inconstitucionalidade da Reversão, no julgamento de ADI movida pela AAPPREVI.       .

Entendo que ela seria mais precisamente designada por DEVOLUÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO. Já tratei disso em texto anterior, porque aquela denominação me intrigava, por si mesma e por outro motivo. Poucas sedes de Governos no Mundo exibem cenário de praça de Governo tão amplo e tão soberbo quanto Brasília. Cenário tal, é claro, desperta preciosas confabulações, ambiente onde proliferam elegantes denominações para tacadas de mestre. As palavras encantam como o chilro dos pássaros e o som de uma flauta. O encantamento é o ambiente psicológico do abandono, da conquista sem luta e resistência. Reversão de Valores, pois, o nome reservado para o pagamento da Reserva Especial ao Patrocinador, enquanto BET, isto é, Benefício Especial Temporário, para o pagamento da Reserva Especial aos Participantes e Assistidos. Tudo flutua num reino de fadas e magias, onde a realidade fenece e explode o mundo da fantasia, do fantástico, da ilusão, onde se passa a viver!

Mas, como Benefício? Sei que benefício, significa vantagem. Sei que devolução de contribuição é uma vantagem. Não é esse o motivo de minha surpresa. A minha estupefação tem outra origem. Ela reside nessa discrepância de denominações: o pagamento de Reserva Especial ao Patrocinador é Reversão de Valores, mas quando ele é para Participante e Assistido, ele passa a denominar-se BET-Benefício Especial Temporário! Não mais é a diferença das coisas que faz a diferença dos nomes, agora é o contrário, a diferença dos nomes é que faz as coisas diferentes?

Por que a Reversão de Valores ao Patrocinador não se apelidou de BET? Não se trata de RESERVA ESPECIAL? O artigo 19 da LC 109/01 não diz que contribuição, que ingressou em RESERVA, só pode ser gasta em pagamento de benefício previdenciário? Esse mandamento do artigo 19 não é quase centenário na legislação brasileira? A lei Eloy Chaves, do ano de 1923, já mandava: “os fundos e as rendas que se obtenham por meio desta lei serão de exclusiva propriedade da caixa e se destinarão aos fins nela determinados” (aposentadoria, pensão e saúde). A resposta é clara, porque escancara de tal forma a realidade que a evidência escorraça o lusco-fusco onde vicejam as fábulas. Patenteia-se o absurdo do benefício previdenciário a empresa, que não vive nem morre nem se alimenta, não sente dor no corpo nem angústia na alma.


Assim, pasme-se, Reversão de Valores ao Patrocinador seria transferência imediata da quantia total de R$7,5 bilhões para o Patrocinador, registrada na contabilidade da PREVI como provisão para pagamentos ao Plano de Benefício 1, enquanto BET é transferência futura, parcelada, mensal, no médio prazo de quatro ou cinco anos, registrada em conta de provisão na contabilidade da PREVI,. Então, a Reversão de Valores ao Patrocinador é DIREITO ADQUIRIDO, enquanto o BET dos Participantes e Assistidos é mera EXPECTATIVA DE DIREITO! Passados tempos, aquela primeira lá avulta altaneira como um espécime araucário, enquanto esta derradeira evaporou-se restando nada mais que a paisagem ressequida e mortífera de um verão nordestino.

Não, amigo, não pode ser isso, porque o próprio artigo 18 da Resolução CGPC 26 o proíbe: “Art. 18. A utilização da reserva especial será interrompida e OS FUNDOS PREVIDENCIAIS DE QUE TRATA O ART. 17 SERÃO REVERTIDOS TOTAL OU PARCIALMENTE PARA RECOMPOR A RESERVA DE CONTINGÊNCIA AO PATAMAR DE 25% (VINTE E CINCO POR CENTO) DO VALOR DAS RESERVAS MATEMÁTICAS QUANDO FOR INFERIOR O MONTANTE APURADO A TÍTULO DE RESERVA DE CONTINGÊNCIA.”

Nada obstante isso, é bem verdade que a defesa da Reversão de Valores, feita por Procurador de Brasília na ADI, que corre aqui no Rio de Janeiro, tem por principal argumento de defesa, segundo entendo, que aquela devolução das contribuições ao Patrocinador da PREVI em início de 2011 não foi o ato regulamentado pelo artigo 15 da citada Resolução, a Reversão de Valores. Aquela vantagem obtida pelo Patrocinador da PREVI fundamentou-se num parecer técnico da área da Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social, com base no princípio constitucional da limitação dos aportes dos Patrocinadores públicos (§3 do artigo 202 da Constituição Federal), dado sobre o pedido, formulado pela PREVI  e apoiado no artigo 21 da Resolução CGPC, de PAGAMENTO DA RESERVA ESPECIAL A PARTICIPANTE E ASSISTIDO: um pagamento a Participante e Assistido DEVE CORRESPONDER IGUAL PAGAMENTO AO PATROCINADOR


       Teria outras considerações a fazer a respeito. Quero apenas encerrar, afirmando que tais loucuras que convulsionam minha mente não podem espelhar a verdade dos fatos. Por que?

Tudo tem a justificativa no fato de que o HOMEM FAZ AS LEIS, O DIREITO. Embora o faça, nas nações civilizadas e no Mundo de hoje, sob a justificativa da justiça, isto é, da igualdade, e no ESTADO BRASILEIRO DEMOCRÁTICO DO BEM-ESTAR SOCIAL, sob a chancela do princípio jurídico da PROTEÇÃO SOCIAL, isto é, do mais fraco, da obrigação do Estado de proteger o trabalhador, introduzindo a justiça, o equilíbrio entre trabalhador e empresa, nas relações previdenciárias, PRESICAMENTE AS DA PROTEÇÃO! PODERIA HAVER MAIOR ABSURDO, a vantagem para o Patrocinador, exatamente onde a EMPRESA SEMPRE APARECE COMO A FONTE DA RIQUEZA DA NAÇÃO E O MOVIMENTO FINANCEIRO DA PREVIDÊNCIA SEMPRE FLUI DA FONTE PARA A EMBOCADURA?!

Em primeiro lugar, porque tudo isso foi feito num Governo Trabalhista, por Ministros e Assessores trabalhadores empregados, e, o mais importante, do ESTADO BRASILEIRO DEMOCRÁTICO SOCIAL, isto é, Estado onde o PRIMADO É DO TRABALHO SOBRE O CAPITAL (o ARTTIGO SÍNTESE DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA), isto é, do BEM-ESTAR DO TRABALHOR SOBRE O LUCRO DO CAPITAL, onde impera o princípios da proteção ao mais fraco, ao trabalhador empregado.

Em segundo lugar, porque tudo isso foi realizado sob o comando de Ministros Trabalhistas que eram colegas nossos do Banco do Brasil, um deles até se orgulha de ter sido um dos mais importantes promotores da evolução da Seguridade Social e do Direito Previdenciário na atualidade, desde as últimas décadas do século passado, forjados numa cultura de boa-fé e  tanto respeito ao contrato quanto a da famosa Bolsa de Londres, que se gaba da palavra dada: verbum meum pactum, minha palavra é um contrato..



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quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

369. Reformulação da Súmula 288 do TST – Análise (continuação)


Atentem para o que os mestres ensinam. O ser humano, a sociedade, a Cultura e a Civilização são construções humanas. São produções humanas. No amplo espectro da Civilização - tradições morais, economia, política e acervo de conhecimento e artes – avultam as tradições morais, as normas do relacionamento dos indivíduos que compõem a sociedade, porque essas relações são precisamente o amálgama social. Elas são o tecido da sociedade. Elas tecem a sociedade. Elas formam a sociedade. Elas conferem à sociedade a sua forma, a sua face.

Essas tradições morais sofrem transformações. Elas se transformaram e se transformam continuamente. São efêmeras. A realidade é fieri. É transformação. No mundo moderno, o código das leis assumiu o consenso das tradições morais, adicionou-lhes a luz da racionalidade juntamente com o oportunismo da flexibilidade, assumindo, destarte, a prestigiosa função  de instrumento indispensável e insuperável da coesão social.

Mas, a essência da Civilização, o nível mais ou menos alto da Civilização, consiste exatamente nisso: no grau de conferir energia de progresso (de transformação para mais bem estar) preservando o bem estar já adquirido (previdência social). A Civilização é basicamente uma atitude de previdência social: planejar no presente a permanência e até, no futuro, a superação do bem estar atual. Previdência social é isso é a garantia de que se manterá no futuro, a despeito de toda incerteza que o futuro é, determinado nível de bem estar, que se idealiza superior ao de que hoje se usufruí. É essa expectativa, essa esperança, essa utopia que mantém viva a ideologia capitalista bem como paradoxalmente é o fundamento da ideologia socialista. Era isso que significava a carreira que fazíamos no Banco, galgando, por merecimento e tempo de serviço, os postos de carreira e, por merecimento, os postos de comissões.

Esse processo, pois, de racionalização das tradições morais, que nada mais é que o Direito, se insere no amplo processo civilizatório da Humanidade, conferindo-lhe refinamento e sofisticação da Cultura que se expressa, sobretudo, na realização da sociedade e do Estado Democrático do Bem Estar Social, cujo organismo, Lester Thurow entendeu, no seu livro Head to Head, de 1993, gestar economias como as da Europa e do Japão, fadadas ao sucesso exatamente por isso, porque são  produtos de empresas organizadas segundo modelo muito semelhante ao adotado pelo Banco naqueles tempos: a empresa era uma família, um clã, para a vida inteira do cidadão.

Ora, é exatamente isso o que diz a Súmula 288 do TST:” A complementação dos proventos de aposentadoria, instituída, regulamentada e paga diretamente pelo empregador, SEM VÍNCULO COM AS ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA PRIVADA FECHADA, é regida pelas normas em vigor na data de admissão do empregado, ressalvadas as alterações que forem mais benéficas (art. 468 da CLT);” É a exata expressão do que se extrai do conceito de norma contratual, à luz dos seus três princípios fundamentais: da autonomia, da boa fé e da função social. É a exata expressão da lógica dos Títulos que compõem a Constituição Brasileira de 1988, dos valores de seu preâmbulo, dos princípios fundamentais dos direitos individuais e sociais elencados na sua formulação original, do sentido de defesa do indivíduo pelas cláusulas pétreas contra o poder soberano estatal e pelos princípios fundamentais que regem o direito contratual.

Em 1955, quando ingressei no Banco do Brasil, aposentadoria era um direito do trabalhador. Era, na verdade, um negócio entre o empregado e o Estado, com feições de seguro de vida. Durante o período ativo, pagava-se (empregado, empregador e Estado) um prêmio a uma entidade estatal, o IAP, comprometendo-se este a pagar por incapacidade, ou após trinta anos de contribuição e o mínimo de sessenta e cinco anos de vida, aposentadoria equivalente a determinado valor, o chamado salário de contribuição. Esse seguro, todavia, ligava-se por vínculo de obrigatoriedade à condição de trabalhador empregado. Empregado e empregador tinham a obrigação da contribuição. O Banco concomitantemente fazia outro contrato, o de complementar essa aposentadoria, de modo que o empregado aposentado ou incapacitado, perceberia, até a morte, renda equivalente ao do posto ocupado no último dia de trabalho. Esse compromisso abarcava também a pensão. Ambos os contratos, pois, de execução continuada e com prazos muito bem determinados, embora de data de execução indefinida, porque dependente de condições futuras contingentes (morte e incapacidade). E essa vinculação ao contrato de trabalho era tão forte que o próprio banco assumia, por até quinze anos, o ônus integral da aposentadoria dos funcionários que se aposentavam com trinta anos de serviço e cinquenta anos de idade. (Da Caixa Montepio à PREVI).

Dois anos depois, em 1957, no Governo do Presidente Juscelino Kubitschek, promulga-se a Lei 3228, onde se definem:
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso."
Essas definições hoje são artigos do novo Código Civil Brasileiro.

Assim, um contrato de execução continuada assinado, sem qualquer vício, não é um ato jurídico perfeito. Eu apenas tenho EXPECTATIVA DE DIREITO. NÃO TENHO DIREITO ALGUM. Eu, indivíduo concreto, que assinei o contrato, não tenho ainda DIREITO ALGUM. Não tenho direito subjetivo. Não incorporei o direito à aposentadoria, porque ainda não trabalhei trinta anos. A aposentadoria só se acresce ao meu patrimônio, quando eu houver trabalhado os trinta anos. Aí, tenha eu me aposentado ou não, o direito à aposentadoria passa a fazer parte do meu patrimônio.

É uma bela teoria. Tem muita razão de ser. Teoria de um grande jurista italiano, Carlo Francesco Gabba, cuja genialidade influenciou a teoria do Direito da segunda metade do século XIX até o ano de sua morte 1920, adotada ela pelo Direito Brasileiro, e amplamente adotada no Mundo. Não pesquisei, mas até suspeito, em razão da época de atuação de Gabba, que serviu para a introdução e desenvolvimento do Estado do Bem Estar Social na Europa e no Mundo. Nada obstante, o fato é que, se naquele dia 5 de outubro de 1955, alguém me dissesse que eu não tinha adquirido um direito, o direito à aposentadoria integral quando completasse trinta anos de serviço, eu não acreditaria. Eu tinha convicção do pacta sunt servanda, da boa fé do Banco, da proteção que me dariam os tribunais de justiça. O Banco é um empregador correto, contratante de boa fé, de palavra (verbum meum pactum, como se gaba a Bolsa de Londres, há séculos).

Então, ato jurídico perfeito é o ato jurídico com todos os seus condicionamentos realizados, mesmo que não tenha havido o exercício do direito, isto é, completei os trinta nos de serviço, tenho 50 anos de idade, mas não me aposentei. Neste caso, ninguém pode me impedir de aposentar-me, porque a aposentadoria já pertence ao meu patrimônio. O direito de aposentar-me é, nesse caso, protegido pelas cláusulas pétreas. Nem o Estado tem o poder de obstar.

Já o direito adquirido é o mesmo que o ato jurídico perfeito, isto é, o direito consumado com todas as obrigações cumpridas, mesmo que não haja sido exercido ainda o direito.

Acho que essa lei forneceu apoio para que o Banco tomasse aquela decisão  autoritária, unilateral, de transferir para a PREVI, em 1967, a responsabilidade pelos pagamentos dos funcionários pré-67. Ainda hoje me recordo daquela tarde de 1966, na sala do quarto andar do belo Edifício Visconde de Itaboraí, na Av. Presidente Vargas, ao lado da Candelária, no Rio de Janeiro, quão internamente contrafeito me sentia, ao decidir filiar-me à PREVI, para garantir a integralidade da aposentadoria, que num futuro longínquo e de data inicial incerta, iria garantir o sustento digno de minha mulher! A segurança desse sustento foi o fator determinante.   Nada obstante, tendo em vista que os próprios funcionários, ante a possibilidade do fracasso da PREVI, já haviam tentado promulgação de lei, que permitisse tal solução para manter a continuidade da integralidade da aposentadoria e pensão, não é seguro que uma consulta aos empregados resultasse em repulsa. O relato do livro “Da Caixa Montepio à PREVI”, entretanto, traça o histórico de um ato unilateral da Assembleia de Acionistas do Banco. Entendo, todavia, que, por inexistência de lei gestante desse direito, se tratou de ato ilegal, porque contrariava os três princípios fundamentais do contrato. A Lei pode alterar as relações contratuais. Mas, as partes contratantes só podem alterar o contrato por mútuo consenso. E a autoridade dos tribunais só pode mudar o contrato de trabalho sob orientação do princípio da função social, que é princípio de proteção do empregado: os direitos do trabalhador são irrenunciáveis.

Entendo que a situação dos pós-67 apresenta aspecto mais delicado. O Banco, no meu entender, continuou, através de suas instruções internas (Circulares FUNCI), comprometido com a integralidade da aposentadoria e da pensão. O fato, todavia, de que a complementação se realizaria sob a responsabilidade da PREVI, parece sugerir que o Banco entendia que a relação jurídica dessa complementação se restringia ao empregado, como sujeito de direito da complementação, e à PREVI, como sujeito de obrigação.

Não me parece que esse entendimento seja bem fundamentado. Com efeito, a transferência da responsabilidade pela complementação para a PREVI foi ato exclusivamente do Empregador, Estatuto e Regulamento feitos exclusivamente pelo Empregador, administração da PREVI controlada pelo Empregador, transferência feita por interesse exclusivo do Empregador, a garantia do sucesso administrativo da PREVI apoiada no poder econômico e político do Empregador bem como nas qualidades éticas, técnicas e administrativas do Empregador. E, sobretudo, tudo isso feito sem base em Lei, a Lei que cria e altera deveres e obrigações e que pode alterar direitos objetivos. Na minha opinião, àquela época, a aposentadoria e a pensão ainda continuavam sendo cláusulas do contrato de trabalho, amparado nos princípios da função social do contrato e do equilíbrio (proteção ao mais fraco).

Qual é o problema que entrevejo neste caso? É a incerteza da integralidade. Com efeito, a administração de um fundo de pensão pode ser bem ou mal sucedida. Pode apresentar superávits ou déficits. Pode até resultar em um passivo irrecuperável. Não se pode lançar tamanha responsabilidade sobre cidadãos que estão naquela situação de indigência, como é um incapacitado. Isso é absolutamente irracional. Um aposentado é aposentado, porque é ou é considerado um incapacitado para o trabalho. Qualquer contribuição que se exija do aposentado está-se atacando a integralidade de sua aposentadoria. Nem mesmo se pode fundamentar a garantia da integralidade da aposentadoria na contribuição do empregado, porque ele em geral já ganha renda a nível da subsistência.. Quem produz a riqueza é a empresa. A própria contribuição do empregado é produto da Empresa. A parte amplamente superavitária dos resultados de uma empresa não é a parte destinada ao trabalhador, ao empregado. Ela canaliza-se para o Empresário e, nos dias de hoje, para os CEOS em profusão. Os livros de Economia não se cansam de denunciar, nos tempos atuais, que 1% da população detém 51% da riqueza mundial. A contribuição é sobremodo onerosa para o empregado e pouco onerosa para a Empresa, que transfere o ônus para o mercado.


(continua)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

368. A Reformulação da Súmula 288 do TST – Análise (continuação)

Princípios fundamentais do Direito do Trabalho

Ressaltei que o dia 5 de outubro de 1955 foi um dos dias mais venturosos de minha existência, em razão do contrato de trabalho que assinei com o Banco do Brasil. Em geral, um contrato de trabalho é um contrato de execução continuada e, frequentemente, por longo prazo. Ele é  feito geralmente por prazo indeterminado e regido pelo princípio da proteção. E quanta proteção! Afinal, a Constituição Brasileira consagra todo um artigo, aquele que parece ter sido propositadamente redigido como sendo a síntese de todo o objetivo de existência desse organismo social e jurídico, que é o Estado Democrático do Bem-Estar Social Brasileiro, o artigo 193, o artigo que abre o Título VIII, o da Ordem Social, ele só é um capítulo!

O contrato de trabalho é entre o empregador e o empregado. É óbvio que, nesse contrato, de execução continuada, inexiste entre os sujeitos de direito equilíbrio de forças, de autonomia. O empregado precisa do emprego para hoje, para sobreviver, para sustentar-se, para chegar ao fim do dia. O trabalhador sem trabalho nada tem. O capitalista sem trabalho tem os instrumentos de trabalho, tem a terra, tem a fábrica etc. O empregado cumpre a sua obrigação agora; o empregador cumpre hoje, ou semanalmente, ou quinzenalmente, ou mensalmente, ou anualmente, sempre, ou quase sempre, no futuro e, via de regra, sempre paga o que o empregado já fez e se o fez bem. O capitalista é sujeito de direito para aumentar a riqueza, enquanto o empregado é sujeito de direito para sobreviver, isto é, para não perder o único bem que possui, a Vida. O empregador está numa posição de poder econômico: ele  tem o poder de comprar, ele compra até a Justiça. O empregado está numa posição de impotência econômica: nada pode comprar, nem mesmo a Justiça. É, por isso, para equilibrar o contrato de trabalho, isto é, em razão do princípio da justiça, da igualdade humana, da igual dignidade humana, que o contrato de trabalho precisa reger-se  pelo  princípio da proteção, o princípio fundamental do trabalho, para equilibrar o poder jurídico dos dois sujeitos de direitos no contrato trabalhista: in dubio pro operário, o trabalhador goza da preferência.

Essa proteção jurídica é tão intensa que os direitos contratuais trabalhistas são irrenunciáveis. A lei não permite a renúncia ao direito trabalhista, proíbe-a. Estabelecida uma cláusula legal ou convencionada, ela se torna cláusula mínima do contrato de trabalho, a partir de então. É simplesmente impossível renunciar a um direito trabalhista, mesmo que se queira. É o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas.  Constata-se, pois, que esse princípio da proteção se expressa em diversas fórmulas, em função da proteção que objetiva.  Assim, consequência deste princípio da irrenunciabilidade é o princípio da inalterabilidade do contrato de trabalho, que exclui a possibilidade de alteração das cláusulas do contrato do trabalho, se a alteração acarretar prejuízo ao trabalhador. Só é permitida a alteração do contrato trabalhista para melhorar a situação do trabalhador. Outra fórmula do princípio de proteção é o princípio da intangibilidade e irredutibilidade salarial que exclui a possibilidade de redução salarial, salvo por acordo ou convenção coletiva.

O contrato trabalhista obedece ao princípio da continuidade da relação de emprego, de modo que demissão e readmissão em curto prazo, transforma o episódio em contrato por prazo indeterminado, salvo quando se tratar de contrato efetuado para execução de serviços especializados ou em razão de acontecimentos fortuitos.

Por fim, o direito do trabalho é regido pelo princípio da realidade, isto é, a intenção das partes contratantes prevalece sobre o significado literal do texto escrito do contrato.

No meu modesto entender, todos esses princípios fundamentais do direito do trabalho, que se resumem no direito da proteção do mais fraco, princípio que, vimos, constituiu todo aquele código da cidade sumeriana de  Lagash, editado há mais de cinco mil anos, que Will Durant afirmou ter sido o mais antigo e o mais breve código que já existiu, conduzem logicamente a acatar a fórmula tradicional da Súmula 288 do TST, que  consubstancia  tanto o princípioi fundamental do contrato, pacta sunt servanda, quamto o princípio da irrennciabilidade dos direitos trabalhistas,  “A cláusula contratual do trabalho deve ser cumprida, jamais poderá ser abolida, nem por mútuo consentimento, antes deve ser melhorada, se a lei a incrementar.” Até o princípio da realidade conduz logicamente a esse entendimento.

Naquele dia 5 de outubro de l955, eu não tinha apenas uma expectativa de que, passados trinta anos no serviço do Banco, eu, já então, com 59 anos de idade, passaria a receber, se o requeresse, complemento de aposentadoria tal que continuaria a perceber, daí em diante, como aposentadoria, a mesma renda que percebia na ativa. Não, o que eu tinha naquele dia era certeza de que o Banco cumpriria esse compromisso que estava assumindo comigo, porque o Banco também entendia que assumia esse compromisso com todos os que ingressavam no seu serviço e esse compromisso ele cumpria com todos os que, trabalhados 30 anos no seu serviço, requeriam a aposentadoria. Isso é exatamente o que afirma o opúsculo “Da Caixa Montepio à PREVI”(pg.77: o Banco, sob ordem do Estado, criou um fundo, alimentado por recursos do Banco e dos empregados para responsabilizar-se daí em diante pela complementação da aposentadoria e pensão, bem como firmara contrato com a PREVI para, abastecida por esse fundo, responsabilizar-se por essa complementação. Tudo fora aprovado em assembleia geral dos acionistas do Banco.

Entendo, pois, que o compromisso trabalhista de integralidade da aposentadoria c pensão continuou para os que ingressassem no Banco, daí em diante, os pós-67, apenas transferida a responsabilidade pela sua execução para a PREVI. Assim, entendo que esse continuou sendo o compromisso do Banco para  com aqueles que nele ingressaram após o ano de 1966, ainda nos anos de 1977, quando promulgada a Lei 6435, e l988, quando promulgada a atual Constituição Brasileira. Infelizmente não possuo documentos do Patrocinador nem da PREVI, dessas épocas, que possam subsidiar esta dissertação.

O que me fica evidente é que, estabelecidos os princípios do contrato e os princípios do contrato de trabalho, todos esses princípios, ATÉ MESMO EM CASOS DE CLAMOROSA NECESSIDADE SOCIAL, exatamente por isso, porque o bem-estar social consiste na expansão do bem-estar, isto é, na crescente elevação do nível do bem-estar e na crescente aproximação dos níveis mais alto e mais baixo do bem-estar de uma sociedade TRABALHADORA,  nem mesmo nessa situação de desespero, o Estado PODERÁ PREJUDICAR O DIREITO ASSUMIDO PELO TRABALHADOR NA CONTRATAÇÃO TRABALHISTA.

Sim, na minha opinião, é aqui neste debate que se esclarece toda a base da paulatina desconstrução do direito trabalhista dos que ingressaram no Banco e se tornaram Participantes do Plano de Benefícios 1 da PREVI: O PARADOXO ENTRE O DIREITO OBJETIVO ASSUMIDO E A EXPECTATIVA DO DIREITO SUBJETIVO ADQUIRIDO.

A partir de 1967, o Banco continuava a afirmar que os funcionários, aos 30 anos de serviço, entrariam no direito subjetivo ao complemento da integralidade da aposentadoria e da pensão, mas que esse complemento, por decisão própria e sob comando do Estado, passaria a ser compromisso assumido pelo funcionário junto à PREVI, nos termos de Estatuto e Regulamento confeccionados pelo próprio Banco. (Ibidem, pg. 77 e 78)

(continua).



domingo, 11 de dezembro de 2016

367. A Reformulação da Súmula 288 do TST – Análise (continuação)

Os Princípios Fundamentais do Direito Contratual

Atente-se para a premissa que estabelecemos no texto 358 deste blog: A Constituição do Estado Brasileiro é a “norma jurídica suprema reguladora das CONDUTAS E COMPORTAMENTOS DE TODAS AS PESSOAS, ÓRGÃOS OU CORPORAÇÕES SUJEITAS AO PODER ESTATAL BRASILEIRO.”

A pessoa humana tem a maior dignidade entre os seres naturais. Essa suprema dignidade consiste na racionalidade e autonomia. A autonomia confere-lhe ao indivíduo o poder de construir sua Humanidade a seu talante. O fato irredutível da existência do instinto do bem-estar no âmago do ser do indivíduo humano (a permanente e irresistível ânsia de eliminação da fadiga, da dor, da doença, das adversidades, das incertezas, das carências, bem como o afastamento da morte)) impõe a aceitação de uma convivência, que seja ambiente fértil para o surgimento de qualquer Humanidade que não tolha, não prejudique, antes que contribua para o florescimento de todas elas. Essa é a LEI SUPREMA CONSTITUCIONAL. A Lei é a norma de conduta que estabelece a convivência digna e de bem-estar entre todos os indivíduos autônomos da sociedade. TODA LEI É ISSO.

Ora, somente uma lei conhecida pode orientar a conduta de um ser racional e livre. Logo, a lei deve preexistir à conduta de seres aos bilhões que convivem, a cada instante contraindo compromissos que são contratos, isto é, “acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.” (Dicionário Jurídico Universitário, de Maria Helena Diniz), porque só o padrão que existe e é conhecido pode regulamentar a ação do ser racional e livre.

Além de preexistir e ser conhecida, a lei precisa ter nas suas consequências durabilidade, por esse mesmo motivo da dignidade humana, da influência do contrato na vida humana, como, por exemplo, a simples compra de um pão, de uma guloseima. Assim, o mais importante dos princípios fundamentais do Direito Contratual é o pacta sunt servanda (os contratos devem ser cumpridos).

Essa relação jurídica exercitada tem, sem dúvida, influência irremovível, mais ou menos intensa, mais ou menos evidente, sobre toda a vida do indivíduo, daí em diante. É o significado do carpe diem (utiliza o teu dia da melhor forma possível), ditado latino que sintetiza a teoria psicológica da vida plena de Carl Rogers. Ela é intensa e evidente nos chamados contratos de execução continuada e de execução diferida, de imensa relevância na vida humana, como o do trabalho.  E este princípio, pacta sunt servanda, tem sua aplicação mais racional e mais importante EXATAMENTE NESTES TIPOS DE CONTRATO, O CONTRATO DE EXECUÇÃO CONTINUADA E O DE EXECUÇÃO DIFERIDA, onde explode o paradoxo jurídico da contratualidade: a submissão do sujeito da obrigação ao sujeito do direito. Essa submissão de um sujeito autônomo a outro só existe, porque foi querida. E só existe nos exatos limites das cláusulas contratuais e do entendimento de que delas ambos possuem.

Eis, o motivo de meu recôndito jubilo, um dos maiores de minha vida, quando, premiado pelo Banco com o direito de escolha da unidade de ingresso, por encabeçar a lista dos setecentos aprovados no concurso de mais de duzentos mil candidatos, no meio-dia de 5 de outubro de 1955, aos 29 anos de idade, professor de Matemática em dois dos mais importantes colégios de Recife, o Colégio Nóbrega e o Colégio Salesiano, e de Filosofia no Instituto de Educação, adentrei o edifício da Agência Centro do Banco do Brasil, em Recife, para assinar o contrato de trabalho, que prometia trazer segurança para toda a minha existência e de minha mulher (se eu me casasse): salário digno, plano de carreira, aposentadoria, aos trinta anos de vida ativa, e pensão integrais.

Ingressei no Banco, consciente de todas essas vantagens.  Tinha os meus quatro irmãos e um cunhado já lá, no Banco do Brasil. O mais velho dos irmãos, há mais de vinte anos, e os outros três irmãos há mais de dez anos. Essas cláusula contratuais precisamente, compromissos de um empregador, que certamente era o mais confiável patrão privado naqueles tempos, eram o motivo de meu júbilo. Assinado o contrato de trabalho com o Banco, ipso facto, obrigado pelo Estado, assinei um contrato com o IAPB, de previdência social, e, obrigado pelo Banco do Brasil, assinei outro de assistência médica com a CASSI.

Aquela data para mim foi o início de um projeto de vida. Tão projeto de vida quanto o do Meira, elegante jovem tenente da FAB, que eu admirava, na minha infância, quando ele atravessava, em tardes ensolaradas dos dias de férias, vergando  a elegante farda de oficial da FAB, a esquina da rua D. Pedro II, localização da residência de meus pais, na cidade piauiense de Parnaíba, então importante praça brasileira de comércio internacional, para participar das famosas festas promovidas pelo casal Cristiano e Bela. Dez anos passados, Meira se tornaria um dos heróis nacionais pilotos da famosa esquadrilha Senta a Pua, que operou no exército aliado na frente de batalha italiana, durante a Segunda Guerra Mundial.  

O Banco me contratou porque achava que fazia um bom negócio e, ao longo dos meus trinta e um anos de serviço, demonstrou de inúmeras maneiras que estava muito satisfeito com os meus serviços. Da minha parte, tive várias oportunidades de encerrar amigavelmente o contrato, e tomar outro rumo na vida. Preferi permanecer no Banco, porque também me sentia ali feliz, sobretudo queria perfazer as condições de me aposentar com direito à renda integral do serviço ativo e com direito à assistência de excelência à saúde que o Banco se comprometera a me fornecer e à minha família como até hoje consta dos Estatutos da CASSI.  Constata-se, pois, que outro princípio fundamental do contrato era cumprido, o da autonomia das vontades.

Salta aos olhos, entretanto, que essa autonomia das vontades é desequilibrada: o empregador é quem nesse contrato dá as cartas. Trata-se de um contrato de adesão, contrato de trabalho, com imensa interferência do Estado, esta, é bem verdade, com forte viés de proteção ao trabalhador, pelo menos, na legislação. É de justiça reconhecer que o Banco do Brasil sempre foi, e mais ainda naquelas décadas de 20 a 60 do século passado era, excelente empregador.

Seja como for, ambos os contratantes, eu e o Banco do Brasil, naquele memorável dia de minha vida, assinamos um contrato de execução continuada por décadas, cujas consequências, sabia o Banco, poderia prolongar-se por bem mais dos 61 anos, que já duram, até, quem sabe, 81 anos ou pouco mais. Esse pormenor ressalta a grande importância de outro princípio contratual, o da boa fé. O compromisso de aposentadoria integral aos 30 anos de serviço era sabidamente oneroso para o Banco, mas era assumido de boa fé, e fielmente honrado.

Por isso, aquela decisão do Banco em 1966 de transferir a responsabilidade por essa cláusula para a PREVI não me agradou. Ele estava alterando, de forma unilateral, cláusula importantíssima do contrato, a responsabilidade direta pela integralidade da aposentadoria e pensão. Retardei até o final de 1966 a resolução de associar-me à PREVI. Por fim, capitulei ante o xeque-mate do empregador poderoso: ou complemento de aposentadoria pela PREVI ou apenas aposentadoria básica do IAPB. Claro que uma onerosidade excessiva pode justificar a alteração de um contrato. Onerosidade excessiva, todavia, implica, entre outras coisas, em imprevisão. Quem podia e devia defender os meus direitos era o Estado, o principal acionista do Banco do Brasil, e provavelmente, a origem interessada em toda aquela quebra de compromisso. O Banco claramente quebrava talvez, para o empregado, a mais preciosa das cláusulas contatuais: a sua responsabilidade direta pela integralidade da aposentadoria e da pensão. Não posso nem quero, é óbvio, acusar o Banco de dolo ou abuso de autoridade. Deixo, porém, aqui a minha perplexidade. Até interpreto que o Banco entendia agir corretamente, que mantinha o compromisso da integralidade da aposentadoria e da pensão. Entendo até que esse compromisso do Banco pela integralidade da aposentadoria e da pensão continuou para os novos funcionários, como compromisso contratual, somente transferida para a PREVI, uma associação dos funcionários, custeada pelos funcionários e pelo Banco, a responsabilidade direta pela complementação. Estrutura jurídica, a meu ver, de inteligibilidade algo confusa.  

E assim eu experimentava o fracasso de outro princípio contratual, o princípio da supremacia da ordem pública, que é profundamente informado pelos princípios da proteção e da igualdade, isto é, da justiça e da dignidade da pessoa humana. Esse princípio da supremacia da ordem pública, é óbvio, diz que o Estado só pode fazer pelo cidadão o que as condições financeiras lhe permitem fazer. Esse é o sentido básico. Mas, ele também diz, evidentemente, que ele está obrigado a criar essas condições de promover a justiça e a dignidade de todos os cidadãos e, portanto, de garantir a aposentadoria e pensão com dignidade. Esse é o mandamento que se lê ao longo de toda a nossa Constituição Cidadã. E é exatamente isso que significa a Súmula 288 do TST: “A cláusula contratual do trabalho deve ser cumprida, jamais poderá ser abolida, nem por mútuo consentimento, antes deve ser melhorada, se a lei a incrementar.”

Cito, como comprovação desse meu entendimento da orientação constitucional do princípio da supremacia da ordem jurídica, três mandamentos constitucionais: “Artigo 170-§4º- A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Art. 170-A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:... III - função social da propriedade... V - defesa do consumidor... VII - redução das desigualdades regionais e sociais... VIII - busca do pleno emprego... Art. 192-O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem ...”

Ressalte-se, por oportuno, que o texto original do artigo 192, que regulamenta o sistema financeiro nacional, foi totalmente emendado. Ele originalmente, entre outras coisas, determinava: “§ 3º As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.” Ora, hoje nos defrontamos com taxa de juros superior a 9% a. m. (mais de 200% a. a.), assim como somos coagidos a pagar numa compra à vista o mesmo preço que nos cobram por um produto cuja venda foi financiada ao prazo de um ano!... Não se estaria  subvertendo, há anos, exatamente o sentido constitucional óbvio desse princípio da supremacia do ordenamento jurídico? Aqui mesmo, em matéria de previdência social, não se está hoje insistindo em clamar, nesse hercúleo esforço de se alongar o prazo de direito à aposentadoria por idade e por tempo de contribuição, que se negligenciou o preceito básico da aposentadoria: aposentadoria é um direito inalienável do cidadão incapacitado para o trabalho e uma obrigação do Estado? Não se está insistindo em bradar que todo cidadão hígido tem obrigação de se sustentar e que a sociedade não tem obrigação de sustentar o cidadão hígido?

Além de enraizar-se no inteiro teor do texto constitucional, esse princípio da supremacia da função social do contrato, prescreve-o explicitamente o artigo 421 do Código Civil: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” Cabe aqui reflexão sobre a tese exposta por Thomas Pikety, em seu livro “O Capital no Século XXI”, publicado faz apenas três anos, que o funcionamento do mecanismo do mercado livre (capitalismo) não segue nem o princípio marxista da acumulação infinita (com final apocalíptico da concentração da riqueza numa minoria de cidadãos), nem o princípio da justa distribuição da riqueza por toda a sociedade no alto nível do progresso econômico, como preconizado por Kuznets. Diz ele que a distribuição da riqueza é resultado da vontade humana, isto é, de que “A história da distribuição da riqueza jamais deixou de ser profundamente política... A história da desigualdade é moldada pela forma como os atores políticos, sociais e econômicos enxergam o que é justo e o que não é, assim como pela influência relativa de cada um desses atores e pelas escolhas coletivas que disso decorrem. Ou seja, ela é fruto da combinação, do jogo de forças, de todos os atores envolvidos... a história da renda e da riqueza é sempre profundamente política, caótica e imprevisível... O modo como ela se desenrolará  depende de como as diferentes sociedades encaram a desigualdade e que tipo de instituições e políticas públicas essas sociedades decidem adotar para remodelá-la e transformá-la.” Noutras palavras, se o Homem cria sua humanidade e sua sociedade, é ele também quem faz a distribuição da renda e da riqueza!... É este o fundamento do princípio da supremacia da ordem jurídica, o da justiça, isto é, o da igualdade, o da proteção do contratante mais fraco, o da correção da oneração excessiva e imprevista, o da proteção do trabalhador e do consumidor.

Pikety, um pouco mais à frente, no seu famoso livro, afirma algo muito esclarecedor sobre os movimentos políticos e administrativos brasileiros atuais no que tange a esse assunto de remuneração, inclusive de interesse direto dos funcionários do Banco e dos aposentados participantes da PREVI: “Essa elevação espetacular da desigualdade reflete, em grande medida, a explosão sem precedentes de rendas muito altas derivadas do trabalho, um verdadeiro abismo entre os rendimentos dos executivos de grandes empresas e o restante da população. Uma explicação possível é que tenha havido um aumento repentino da qualificação e da produtividade desses executivos, em comparação com a de outros assalariados. Outra explicação, que me parece mais plausível e também mais condizente com as evidências, é que os executivos conseguem estabelecer a sua própria remuneração, às vezes sem limite algum ou mesmo sem relação clara com sua produtividade individual, que, de todo modo, é muito difícil de mensurar sobretudo nas grandes corporações.”

O alcance social dos contratos é tão importante para o funcionamento normal da sociedade e do Estado Democrático e esse princípio da obrigatoriedade contratual é tão importante para o funcionamento dessa área social dos contratos que, firmado um contrato, e respeitada integralmente nele a legalidade, somente o consentimento dos contratantes poderá alterar os compromissos assumidos. E a força dessa obrigatoriedade é tal que o próprio Estado pode ser chamado para coagir um contratante omisso. Não nos iludamos, uma quebra de compromisso contratual, hoje, poderá acarretar, amanhã, enorme problema para a própria Nação. A História o comprova sobejamente.

(continua)







quinta-feira, 24 de novembro de 2016

366.A Reformulação da Súmula 288 do TST - Análise (continuação)


O Texto Original da Constituição Brasileira de 1988


O artigo 201 original da Constituição Brasileira de l988 enumerava 5 tipos de benefícios previdenciários (benefício temporário por doença  ou acidente de trabalho, aposentadoria por doença, invalidez, velhice, acidente de trabalho; pensão; e auxílio à maternidade, ao desempregado involuntário, ao dependente de segurado de baixa renda, e ao recluso). Indicava a fonte do custeio: contribuição. E concluía determinando o universal acesso à previdência social, condicionado apenas à contribuição, à irredutibilidade do valor real do benefício, à dependência do valor do benefício do valor do salário de contribuição, à equivalência do salario de contribuição à totalidade dos ganhos habituais do empregado (substituto do salário contribuição ou do rendimento do trabalho do segurado), ao valor piso de benefício igual ao valor do salário mínimo, e, por fim, à coexistência de um seguro coletivo, de caráter complementar, e facultativo, custeado por contribuições adicionais.

O artigo 202 original, por sua vez, focava, de forma muito vaga, na regulamentação do espaço da previdência social, explicitando os seus limites, os tipos de benefícios e o respectivo custeio.  

Entendo que a intenção dos constituintes foi consagrar o que existia na época: o sistema previdenciário do INSS juntamente com o regime regido pela Lei 6435/77, que abarcava os seguros e planos de benefícios proporcionados por companhias de seguros, bem como os de planos de benefícios proporcionados por fundações e associações.

Parece-me até que os constituintes capitularam um pouco ante o movimento de ressurgimento do neoliberalismo político e econômico, ideologia nutriente dos glamurosos governos de Margaret Tchatcher na Inglaterra, Ronald Reagan nos Estados Unidos e da Queda do Muro de Berlim. Com efeito, a Previdência Social no Brasil, com a Lei Eloy Chaves, nasceu como obra do Estado, sustentada, todavia, financeira e economicamente pelo patrimônio particular do grande capital. Sua garantia econômico-financeira, é óbvio, era o Empregador, a Ferrovia. Convenhamos, frágil garantia, como a própria História o comprovou. Bem diferente, pois, da concepção de Bismarck, que a imaginou garantida por capital estatal, amálgama de contribuições dos empregados, empregadores e Estado, numa palavra, de toda sociedade.

Vimos que o Estado Brasileiro entendera que Previdência Social é assunto de Estado, e intimamente ligado ao trabalho contratado, ao relacionamento entre empregador e empregado. Assim, na década de 30 do século passado, assumiu a responsabilidade pela Previdência Social na forma dos IAPs, previdência social estatal, com capital tripartite segundo o modelo de Bismarck. Como as CAPs, iniciou-se igualmente pagando aposentadoria de 80% da renda do empregado. O Banco do Brasil, por decisão da Assembleia dos Acionistas, naquela época complementava, incialmente sem contribuição alguma dos funcionários, posteriormente também com contribuição só dos funcionários da ativa, os 100% do salário. Não haveria problema razoavelmente previsível: aposentadoria de 80% garantidos pelo Estado e  20% garantidos por reserva acumulada ao longo da vida ativa do empregado (30 anos de contribuição, mínimo de 65 anos de vida, quando a expectativa de vida era de 66 anos) sob o regime financeiro de capitalização , fortalecida pelo comprometimento do Empregador com sua integralidade.  É, pois, adornada da precisão da técnica matemático-financeira.

A História da Previ nos ensinou, todavia, que mesmo em tal proporção, era extremamente difícil a uma empresa, mesmo do porte do Banco do Brasil, àquela época – banco comercial, banco industrial, banco agrícola, banco de desenvolvimento, banco central e até banco de colonização – arcar com tal ônus.  Foi esse o motivo, de fato, que o levou, em 1967, de forma unilateral, a impor a transferência desse ônus para a PREVI. O Banco manteria o compromisso da aposentadoria e pensão 100% da renda salarial do empregado, garantida a parte complementar à do INSS por uma fundação, cujos recursos seriam o acúmulo do investimento das contribuições dos empregados e empregador. O compromisso do contrato de trabalho continuava mantido. Mas, daquele ano em diante, passaria a ser resultado de dois contratos, o básico com o INSS e o complementar, com a PREVI. A Constituição Brasileira de 1988, pois, estava adotando um modelo, recentemente engendrado pelo Banco do Brasil, de alcance claramente limitado, para cumprir a obrigação do benefício complementar  integralizador, isto é, aposentadoria e pensão, ambas, cada uma de per si, iguais a 100% da renda do trabalhador ativo. Agora, já era o próprio Estado que estava transferindo a sua obrigação previdenciária, em  PROPORÇÃO INDEFINIDA, para a empresa. Era, sem dúvida, um retrocesso, um passo para trás no rumo assumido quando criados os IAPs. Com efeito, quem alimenta as reservas da fundação? As contribuições do empregado e do empregador. Quem paga a renda ao empregado? O empregador? Quem, então, fornece a totalidade das reservas à fundação? O empregador.

Claro que o Banco do Brasil, como banqueiro, confiava em que o mercado financeiro viesse a acrescer substancialmente os fundos, mitigando sobremodo o ônus do custeio do benefício previdenciário complementar. Assim, a partir da Constituição Brasileira de 1988, e com base na Lei 6435/77, os aposentados da PREVI poderiam não só a ter direito à complementação integral da aposentadoria  (plano de beneficio definido), mas até, temporariamente, superior, de 125% da renda da atividade.


Era esse, sem dúvida, o compromisso do Banco do Brasil em 1988, quando promulgada a Constituição, em plena vigência da Lei 6.435/77: plano de benefício definido, isto é, aposentadoria de 100% da renda do empregado ao aposentar-se. E esse direito, protegido pelos princípios todos que regem a previdência social, como explica Wladimir Novaes Martinez:

 “Na Previdência Social, A SOLIDARIEDADE é essencial, e, exatamente, por sua posição nuclear, esse preceito SUSTENTÁCULO distinguiu-se dos básicos e técnicos, SOBREPAIRANDO como diretriz elevada. Ausente, será impossível organizar a proteção social.” (Obra citada)
“Solidariedade quer dizer cooperação da maioria em favor da minoria, em certos casos, da totalidade em direção à individualidade. Dinâmica a sociedade, subsiste constante alteração dessas parcelas e, assim, num dado momento, todos contribuem e, noutro, muitos se beneficiam da participação da coletividade. Nessa ideia simples, cada um também se apropria de seu aporte. Financeiramente, o valor não utilizado por uns é canalizado para outros.” (ibidem)
“Significa a COTIZAÇÃO DE CERTAS PESSOAS, COM CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, EM FAVOR DOS DESPOSSUÍDOS.” (ibidem)

Tratando dos princípios básicos da Previdência Social, o citado autor explica: “Hierarquizados os princípios, os básicos fixar-se-iam no ápice da pirâmide...” Comentando o PRINCÍPIO BÁSICO DA PROTEÇÃO, esclarece: “PROTEÇÃO LEMBRA PODER E NECESSIDADE. Ela ENLAÇA DOIS SUJEITOS: PROTETOR E PROTEGIDO. Ressalta a capacidade de dar e a contingência de precisar... Hodiernamente, numa sociedade organizada, desenvolvida a previdência social como técnica sociológica e ciência jurídica, proteção significa direito à participação do bem geral, de todo trabalhador construtor da sociedade. E dever do Estado. (ibidem)

Comentando O PRINCÍPIO BÁSICO DA ESSENCIALIDADE, expressa-se assim: “...REVELA-SE IMPRATICÁVEL AS PESSOAS UTILIZAREM ESFORÇOS INDIVIDUAIS ASSECURATÓRIOS DE AUTOPROTEÇÃO PELO TEMPO NECESSÁRIO. Factível de certa forma é oferecer razoável cobertura a alguns, sustentando o amparo pela privação genérica dos demais... A admissão do estado de necessidade não significa só os carentes terem direito. Também aos não necessitados, na medida de participação solidária, se cumprem os requisitos lógicos constituidores do direito. CABE À TÉCNICA DETENTORA DO PODER DE EFETIVAÇÃO DA SOLIDARIEDADE DETERMINAR EM QUAL MEDIDA SE FARÁ A SUBSTITUIÇÃO DOS MEIOS DE SUBSISTÊNCIA. POR EXEMPLO, DAR IGUAL, MAIS OU MENOS.” (ibidem)

Comentando O PRINCÍPIO BÁSICO DA UNIDADE, disserta: “...o seguro social consiste numa poupança coletiva obrigatória indisponível, tendo sua administração operada por um ente capaz de proceder à redistribuição das reservas e rendas dessa poupança às pessoas previamente definidas. A PROPRIEDADE DOS RECURSOS CARREADOS DA CLIENTELA PROTEGIDA, GLOBALMENTE CONSIDERADOS, A ELA PERTENCE. POR MANDATO SOCIAL, ESSES RECURSOS SÃO ADMINISTRADOS POR ENTIDADE, CUJA PRINCIPAL FUNÇÃO CONSISTE EM AMEALHÁ-LOS E CANALIZÁ-LOS NA DIREÇÃO DE QUEM FAZ JUS À PROTEÇÃO... RESPONSABILIZANDO-SE O ESTADO PELA PROTEÇÃO DOS INDIVÍDUOS CHAMA A SI O ENCARGO DE GERIR ESSES BENS...” (ibidem)

Comentando O PRINCÍPIO BÁSICO DA SUPLETIVIDADE, eis como se expressa: “Na atualidade, convive pluralidade de técnicas e elas se... integram... A previdência social não tem por fim suprir todas as necessidades do trabalhador nem substituir por inteiro os seus meios de subsistência. O fato de se quedar aquém dessa aparente pretensão, reservando parte da cobertura à iniciativa particular e dando apenas o essencial, constitui o princípio da essencialidade, já enfocado.” (ibidem)

Comentando O PRINCÍPIO BÁSICO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS, explica: “...resulta de uma sociedade constituída de individualidades, matizada pelas diferenças... Os descompassos sociais preexistem à previdência social e esta, em seu desenvolvimento, a rigor, não deve alterá-los... As diferenças sociais espelham-se no status social dos indivíduos e este é basicamente determinado pelos seus ingressos ou os da renda familiar. É DOGMA DO SEGURO SOCIAL A PRESTAÇÃO NÃO ALTERAR ESSE NÍVEL, mesmo se diversas pequenas técnicas de proteção social... são implantadas com o objetivo de ampliar a renda do trabalhador, oferecendo-lhe serviços e facilidades para melhorar sua situação, por meio da educação, aquisição da casa própria, assistência médica etc. Porém, no seguro social, por ocasião da fruição dos benefícios, NÃO SE CUIDA DE ALTERAR O STATUS, E, SIM, MANTÊ-LO.” (ibidem)

Impossível viver-se solitário. O indivíduo humano nasce numa sociedade e sobrevive numa sociedade. Hodiernamente, impossível sobreviver sem dar encontrões noutros indivíduos. Sobrevive-se em sociedade e obtém-se muito mais bem-estar em sociedade. Sociedade é convivência de indivíduos, de singularidades, de desigualdades. Convivência é concordância, aproximação de desigualdades. É igualdade de desiguais. A igualdade dos desiguais é a Lei. A Lei é a igualdade dos indivíduos livres. Somos iguais na Lei.

A Liberdade é a desigualdade, a singularidade, o indivíduo, o Bem-Estar, a Vida, o Bem Supremo.  É opção pelo estilo de vida, escolha de profissão, exercício de vontade consciente, diz Wladimir de Novaes Martinez. E adita: “O seguro social priva o indivíduo de certa independência, a econômica, diminuindo-lhe os ingressos, mas lhe oferece multiplicada a possibilidade de não perecer, de não depender, de ser relativamente livre, quando isso já não for possível por suas próprias forças. A contribuição é o preço pago por obtê-la por ocasião da velhice ou da incapacidade para o trabalho.”

Infelizmente, transcorridos nada mais que vinte e oito anos e constata-se que as expectativas dos legisladores não se estão concretizando. Neste ano de 2016, o salário de contribuição e, portanto, o teto de aposentadoria do empregado no Regime Básico da Previdência Social monta a R$5.189,82. A totalidade dos empregados ativos contribui para a Previdência Social, variando a taxa de contribuição em função do tipo de trabalho e do valor da remuneração, atingindo a mais elevada a 11%. Para pequena parcela da população ativa, altamente capitalizada, a contribuição ao INSS é facultativa. Já a contribuição do empregador é de 20% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês aos segurados empregados. Desconheço a contribuição do Estado. Entretanto, o Governo diz que este ano a Previdência Social básica apresentará déficit de R239 bilhões.

Por sua vez, a PREVI, há anos, teve de colocar em regime de extinção o Plano de Benefícios de benefício definido e, de substituí-lo por um Plano de Benefícios de contribuição definida. Plano de contribuição definida, a meu ver, repousa diretamente sobretudo no indivíduo. O salário é que protege o seu futuro. O indivíduo é que se confere a aposentadoria. E o salário depende do Empregador, que, hoje em dia, substitui o empregado pela máquina, que desemprega. Estamos constatando agora mesmo o Banco do Brasil substituindo o empregado pela máquina e estimulando os mais antigos funcionários a uma aposentadoria precoce. Uma leva de milhares de empregados que anteciparão os saques dos benefícios. Os recursos de proteção dos necessitados serão utilizados também para a proteção do capital! Triste sorte da Previdência complementar!

Neste decurso de tempo, posterior a 1988, o Estatuto da PREVI e o Regulamento do Plano de Benefícios de benefício definido tem sofrido várias modificações, que enfraqueceram, a meu ver, os direitos dos Participantes, pelo menos daqueles conhecidos como pré-67. Estamos, por exemplo, ante a possibilidade de ser onerados com contribuição extraordinária para cobrir déficits de reservas. Esta situação, se concretizada, não constitui, é evidente, redução do complemento da aposentadoria literalmente considerado, é-o de fato nos seus resultados, e não existiria, se o Banco houvesse mantido o seu compromisso direto contratual existente até l967.

O que estou coligindo de toda esta análise?
A Lei 6435/77 foi um retrocesso na história da previdência social brasileira.
A Constituição Brasileira de 1988 o acolheu.
Ele foi uma medida unilateral do Banco do Brasil, tomada em 1967, para se desonerar do compromisso contratual de trabalho pela complementação de aposentadoria em valor igual ao salário do funcionário ativo.
Esse modelo poderia até ser viável, caso se observassem o princípio básico da sociedade – a convivência social existe para que cada indivíduo construa pelo seu trabalho autônomo a sua própria Humanidade – e o princípio SUPREMO da  Previdência Social – proteção do Estado ao incapacitado de trabalhar por deficiência física ou de oferta de trabalho.
A Previdência Oficial Básica, afirma o Governo, marcha para o apocalipse. Vários Planos de Benefícios Previdenciários Complementares fracassaram ou apresentaram déficits que significaram profundo desajuste nas economias dos beneficiados. Isto é, fracassaram, definitivamente, ou temporariamente, no seu objetivo de proteção.

Essa é a realidade!

A Lei 6435/77 e, muito menos, a Constituição Brasileira de 1988 não podem ter sido uma farsa. A imagem de Ulysses Guimarães, agitando a Constituição Cidadã, isto é, a Constituição das Cláusulas Pétreas, ainda vive em minha mente, e dela só a morte a eliminará.

A razão desse fracasso foi ignorância ou foi projeto?

(continua)