quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

168. Hermenêutica ou Fórceps?

Aquela longa e variada argumentação da INFORMAÇÃO nº 58/2008/SPC/GAB/AG, prestada pela SPC e dirigida ao Senado Federal, em 24/12/2008 afirma exatamente isso: a "reversão de valores" é resultado de uma interpretação extensiva, que se faz necessária para o preenchimento de uma lacuna na Lei Complementar 109.

Oriento-me neste artigo pelas normas de exegese, constantes do Capítulo XIII - Integração e Interpretação, do livro "Curso de Direito Previdenciário", 4ª edição, da autoria de Wladimir Novais Martinez, autor que mereceu citação, como autoridade nesse ramo da Ciência Jurídica, exatamente nessa Informação supracitada.

Pois bem, o que aí lemos sobre a omissão, a lacuna? "Quando o legislador silencia, a primeira providência é analisar o sentido de sua mudez. Se é lacuna integrável, cabe a ida a outros sítios para encontrar a solução. DE QUALQUER FORMA ELA NÃO PODE CONTRADITAR O ESPÍRITO DA LEI NO QUAL ESTÁ SEDIADA A OMISSÃO." Acho que o leitor não divergirá da orientação que o autor dá.

Então vejamos. Há alguma omissão no Artigo 20 da LC 109, que o autor citado chama de LBPC, Lei Básica da Previdência Complementar? Releiamo-lo, como ordena o Mestre citado, depois de ler detidamente todo o texto da Lei:

"Art. 20. O resultado superavitário dos planos de benefícios das entidades fechadas, ao final do exercício, satisfeitas as exigências regulamentares relativas aos mencionados planos, será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de vinte e cinco por cento do valor das reservas matemáticas.
§ 1o Constituída a reserva de contingência, com os valores excedentes será constituída reserva especial para revisão do plano de benefícios.
§ 2o A não utilização da reserva especial por três exercícios consecutivos determinará a revisão obrigatória do plano de benefícios da entidade.
§ 3o Se a revisão do plano de benefícios implicar redução de contribuições, deverá ser levada em consideração a proporção existente entre as contribuições dos patrocinadores e dos participantes, inclusive dos assistidos."

A sequência de artigos do 12 ao 25 compõe a Seção II do Capítulo II da lei e trata exclusivamente dos planos de benefícios das entidades fechadas. Esta é, portanto, a parte da Lei que mais nos interessa nesta análise, porque os nossos benefícios são pagos pela PREVI, QUE É UMA ENTIDADE FECHADA, UTILIZANDO RECURSOS DAS RESERVAS MATEMÁTICAS DO PLANO 1 DE BENEFÍCIOS.

A Lei já ordenou no Artigo 19: "As CONTRIBUIÇÕES destinadas à constituição de RESERVAS terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar." Este artigo, portanto, no seu caput, determina o DESTINO DAS CONTRIBUIÇÕES E DAS RESERVAS. O DESTINO DE TODAS AS CONTRIBUIÇÕES (AS NORMAIS E AS EXTRAORDINÁRIAS, acrescenta o parágrafo único) É A FORMAÇÃO DAS RESERVAS, DE TODAS ELAS, E TERÃO ESTA FINALIDADE: O PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS DE CARÁTER PREVIDENCIÁRIO. Por isso, todas essas Reservas se chamam RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS!

Nada há de mais claro e mais explícito: AS CONTRIBUIÇÕES, TODAS ELAS, AS NORMAIS E AS EXTRAORDINÁRIAS, TÊM UM ÚNICO DESTINO QUE É O PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIARIOS!

Atentem bem para isto: Reserva, em Contabilidade, é o recurso (financeiro, econômico), o valor financeiro, econômico, que tem determinado destino. Isso significa que as CONTRIBUIÇÕES entram na EFPC, na PREVI, transformando-se em RESERVAS, RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS, PORQUE TODAS AS CONTRIBUIÇÕES SÓ TÊM ESTE ÚNICO DESTINO: PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS DE CARÁTER PREVIDENCIÁRIO. Ali na PREVI só pode existir recurso, reserva, valor para ser gasto com despesas previdenciárias. A PREVI SÓ PODE PAGAR BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO COM OS RECURSOS DAS RESERVAS, SÓ PODE DESENBOLSAR RECURSOS (DINHEIRO) PARA PAGAR BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. Isso tudo está dito no contexto da LC 109 e explicitamente no Artigo 19.

Mas, esse Artigo 19, no bojo de todo o antecedente da LC 109, cria um problema. Nada há de mais instável que o valor monetário, financeiro, econômico, porque ele é resultado da oferta e demanda de bens monetários, financeiros, econômicos que variam a todo o instante. Enquanto isso, o ARTIGO 1º estampa quatro características no Regime de Previdência Complementar: complementar, autônomo, facultativo e GARANTIDO (constituído por reservas que garantam o pagamento dos benefícios). Por isso, a alínea III do Artigo 3º exige padrões mínimos de segurança econômico-financeira tais que proporcionem solvência, liquidez e EQUILÍBRIO dos Planos de Benefícios. Essa característica de EQUILÍBRIO entre as Reservas e os Benefícios, DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS é, portanto, FUNDAMENTAL: UM PLANO DE BENEFÍCIO DEVE ESTAR SEMPRE EQUILIBRADO. A Administração financeira trabalha, portanto, com o objetivo de MANTER O EQUILÍBRIO econômico-financeiro e atuarial NUM OCEANO DE NEGÓCIOS CARACTERIZADO PELO DESEQUILÍBRIO. Os Artigos 20 e 21 destinam-se exatamente a disciplinar o procedimento administrativo cabível em caso de desequilíbrio: o artigo 20 para o caso de superávit, o artigo 21 para o caso de déficit.

O ARTIGO 20 acima transcrito NÃO TEM, NEM PODE TER, portanto, a finalidade de determinar o destino das CONTRIBUIÇÕES E DAS RESERVAS. Isso já foi feito pelo Artigo 202 da Constituição Federal, pelo Artigo 1º e pela alínea III do Artigo 3º da LC 109 e, SOBRETUDO, PELOS INDISCUTÍVEIS TERMOS DO ARTIGO 19.

Este artigo 20 cinge-se, pois, a tão somente determinar O PROCESSO QUE SE DEVE SEGUIR PARA REEQUILIBRAR O PLANO DE BENEFÍCIOS, QUANDO ELE SE DESEQUILIBRA POR SUPERÁVIT. NADA MAIS QUE ISSO. NÃO TRATA DO DESTINO DO SUPERÁVIT. Isso já foi decidido antes. Tanto isso é verdade que a LC 109, quando no caput desse Artigo 20 trata das RESERVAS MATEMÁTICAS (aquelas que se equilibram com os benefícios), delas trata tão só sob o aspecto de valor de referência para a constituição de novas reservas, reservas estas com características de meras garantidoras daquelas, e até o valor excedente de 25%: as RESERVAS DE CONTINGÊNCIA.

Esse PROCESSO DE REEQUILÍBRIO, portanto, inicia-se com a constituição da RESERVA DE CONTINGÊNCIA até 25% das Reservas Matemáticas. E prossegue, segundo o parágrafo 1º deste Artigo 20, no caso de existir recursos excedentes às Reservas de Contingência, com a formação de novas RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS, a RESERVA ESPECIAL PARA REVISÃO DO PLANO DE BENEFÍCIOS.

E, por fim, diz como se encerra esse processo de reequilíbrio: UTILIZANDO A RESERVA ESPECIAL PARA REVISÃO DO PLANO DE BENEFÍCIOS, OBRIGATÓRIA NO CASO DE UM TRIÊNIO DE SUPERÁVITS SUCESSIVOS. É que o processo de REVISÃO DE UM PLANO DE BENEFÍCIO CONSISTE NAS PROVIDÊNCIAS DE REEQUILÍBRIO, e estas se processam ou reduzindo o ingresso recursos ou aumentando os gastos com benefícios previdenciários (já vimos à exaustão que as Reservas só têm esse destino: pagar benefícios previdenciários). É por isso que esse Artigo 20 da LC 109 não se encerra sem a determinação, no parágrafo 3º, de se obedecer o Princípio da Justiça Equitativa, caso a Revisão do Plano de Benefícios se processe mediante a redução das Contribuições: essa redução deve alcançar todas três, a do Participante, a do Assistido e a do Patrocinador.

No meu entender, todo o processo de reequilíbrio no caso do superávit está descrito, portanto, no Artigo 20 da LC 109. Mas, a supracitada INFORMAÇÃO DA SPC julga que a LC 109 não foi suficientemente ampla na caracterização desse processo, que deveria abarcar mais outra forma de reequilíbrio, a saber, a REVERSÃO DE VALORES. EIS A LACUNA, diz ela!

Toda a nossa hermenêutica até aqui segue exatamente a orientação do Prof. Wladimir, o autor citado pela INFORMAÇÃO DA SPC. Ele orienta para que se faça a leitura do texto estudado. Afirma que, em certas circunstâncias, a dificuldade desaparece após detida leitura do dispositivo. Conclui esclarecendo que é bom examinar onde postado, se submetido à alínea, ao parágrafo ou ao cáput, em qual seção ou título, se em lei especial ou geral e assim por diante.

Mas, o leitor poderá contraditar-me ressaltando que a INFORMAÇÃO DA SPC, invocando o Princípio da Justiça Distributiva, em interpretação extensiva daquilo que prescreve o artigo seguinte da LC 109, o Artigo 21, argumenta convincentemente a respeito da inserção da "REVERSÃO DE VALORES", realizada pela Resolução CGPC 26, que destina metade do superávit do Plano de Benefícios ao Patrocinador: se o reequilíbrio em razão de déficit é ônus de Participante, Assistido e Patrocinador, é justo que o reequilíbrio em razão de superávit se processe através do benefício auferido pelos mesmos três, a saber, Participante, Assistido e Patrocinador.

Não pretendo alongar-me na demonstração do absurdo que são essa interpretação extensiva no caso em apreço bem como a "Reversão de Valores" que beneficia o Patrocinador. Há inúmeros argumentos que demonstram à saciedade o víés violento e inadequado do raciocínio que elaborou a justificativa da "Reversão de Valores", criada pela Resolução CGPC 26 e longamente explanada na INFORMAÇÃO DA SPC. Já o fiz meses passados.

Quero apenas lembrar, primeiramente, que NÃO SE PODE INVOCAR ANALOGIA do processo de reequilibrar um plano de benefícios desequilibrado por superávit, com aquele outro processo de reequilibrá-lo, em razão de desequilíbrio por déficit.

O negócio jurídico do Pagamento de Benefícios é obrigação exclusiva da EFPC (PREVI). Exatamente para isso é que ela é criada: receber, administrar e pagar benefícios. Ela é criada para retirar o Patrocinador desse negócio jurídico do pagamento de benefícios. A relação jurídica do pagamento de benefícios é negócio entre esses dois exclusivamente: EFPC (PREVI) e PARTICICIPANTE (ASSISTIDO). A EFPC (PREVI) foi criada exatamente para isso para desonerar juridicamente o Patrocinador do ônus do Pagamento de Benefícios (aposentadoria e pensão), indo até a desoneração completa, como agora, ocorre com a suspensão das contribuições dos Participantes, Assistidos e Patrocinador!

É por isso que a EFPC (a PREVI) foi criada na forma de sociedade civil sem fins lucrativos, porque a sociedade civil é autônoma, isto é, ela é juridicamente livre, independente, autogovernada. A EFPC (a PREVI) NÃO PODE SER GOVERNADA PELO PATROCINADOR. Ela é autônoma. É dirigida por si própria, pelo seu Conselho Deliberativo. Ela, criada por iniciativa do Patrocinador, não pertence ao Patrocinador NEM COM ELE FORMA UM GRUPO ECONÔMICO, porque não tem fins lucrativos! A EFPC não pode ser governada no interesse do PATROCINADOR (comprovaremos isso adiante). Mas, A EFPC (PREVI) DEVE RESGUARDAR UM ÚNICO INTERESSE DO PATROCINADOR, a saber, NÃO LHE ONERAR O ÔNUS DA CONTRIBUIÇÃO.

Isso é sobejamente admitido pelo Patrocinador da PREVI tanto assim que ele, sempre que é objeto de ações judiciais relacionadas a Pagamento de Benefícios, procura delas livrar-se alegando exatamente isso: NADA TEM A VER COM O PAGAMENTO DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS, porque isso é assunto que diz respeito exclusivamente à PREVI.

AQUI NÃO HÁ LUGAR PARA SE FALAR DE JUSTIÇA DISTRIBUTIVA ENTRE PATROCINADOR E PARTICIPANTE, PORQUE ATÉ ELE MESMO AFIRMA QUE NÃO FAZ PARTE DESSE INSTITUTO, DESSE NEGÓCIO JURÍDICO. E o que faz a "Reversão de Valores" da Resolução CGPC 26? Coloca o Patrocinador dentro do negócio jurídico do Pagamento de Benefícios e NADA MENOS QUE COMO BENEFICIÁRIO DE DESEMBOLSOS DE PARCELAS DE RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS!

Todo ESSE CENÁRIO do instituto, ou negócio jurídico, que é o Pagamento de Benefícios, diverge, e muito, daquele outro que é o DA CONTRIBUIÇÃO. Este é um negócio jurídico entre Patrocinador e Participante e Assistido, de um lado, e EFPC (PREVI), do outro. Todos aqueles têm o dever de PAGAR CONTRIBUIÇÕES e a EFPC (a PREVI) tem o direito de RECEBER CONTRIBUIÇÕES.

Há algo mais, e muito importante. O reequilíbrio de desequilíbrio superavitário, pela forma de redução de Contribuição, se processa sem gastos, pagamentos, desembolsos de reservas previdenciárias. A vantagem, o benefício para o Patrocinador é que ele não consome, não desembolsa parcela de seu patrimônio, não a transfere para a EFPC. NÃO EXISTE, PORTANTO, BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. Já no caso do reequilíbrio do desequilíbrio superavitário, pela forma de pagamento de benefícios, sempre a EFPC consome, gasta, desembolsa reservas, transfere parcela das reservas previdenciárias para os Assistidos. AQUI EXISTE, POIS, UM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. Já o reequilíbrio de desequilíbrio deficitário só pode ser obtido mediante o pagamento de Contribuições, que como vimos acima, é dever dos três (Patrocinador, Participante e Assistido) e direito da EFPC (PREVI).

Insisto, os cenários são bem diferentes. E o que diz a respeito disso o nosso Mestre Wladimir? Ele esclarece: "ANALOGIA REPRESENTA SIMILITUDE DE CENÁRIOS... A MESMA ESTRUTURA, PRESSUPOSTOS, OBJETIVOS..."! Qual, pois, a conclusão sobre a argumentação favorável à "Reversão de Valores". É ou não descabida? Para mim, é descabida!

O que pretendo, porém, assinalar como lição suprema do Mestre Wladimir Novaes Martinez, autoridade citada na própria Informação da SPC, é esta orientação: "O DIREITO PREVIDENCIÁRIO... É DIREITO INSITAMENTE PROTETIVO..." Ínsito é CARACTERÍSTICA, NATUREZA, ESSÊNCIA. O que significa isso? Significa que TODOS OS PAGAMENTOS, UTILIZANDO AS RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS, TÊM QUE SER UM ATO DE PROTEÇÃO. Que tipo de proteção? PROTEÇÃO À VIDA! É um ato destinado a manter a vida do beneficiário. Noutra passagem, sobre o assunto, o Mestre fala sobre "A NATUREZA ALIMENTAR E SUBSTITUTIVA DAS PRESTAÇÕES..." Esta passagem, então, é antológica: "Hodiernamente...a previdência social, por sua vez, técnica de proteção social propriciadora dos meios indispensáveis à subsistência do ser humano - quando não pode obtê-los ou não é socialmente desejável auferi-los pelo esforço físico ou intelectual, por motivo de gravidez, de maternidade, incapacidade para o trabalho, invalidez, desemprego, prisão, idade avançada, tempo de serviço ou morte - mediante contribuição compulsória, proveniente da comunidade e de cada um dos destinatários." LOGO, A EFPC (A PREVI) SÓ PODE DESEMBOLSAR RESERVAS PARA QUEM TEM VIDA, PARA PESSOA FÍSICA. É UM ABSURDO, UMA CONTRADIÇÃO, UMA DESCARACTERIZAÇÃO O DESEMBOLSO DE RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS PARA PESSOA JURÍDICA, QUE NÃO TEM VIDA. Posso escrever as palavras exatas? É UMA FALSIFICAÇÃO, UMA FALSIDADE, UMA PERVERSÃO!

Depois de tudo o que explanei aqui, pode-se admitir o estigma de IDEOLOGIA para quem demonstra que a "REVERSÃO DE VALORES" EM BENEFÍCIO DO PATROCINADOR É UMA PERVERSÃO? Tudo o que fiz aqui, foi IDEOLOGIA ou foi HERMENÊUTICA, CIÊNCIA DO DIREITO?

PODE-SE ACOLHER A DESCULPA DE QUE NADA SE FAZ PARA ABOLIR ESSA PERVERSÃO DA "REVERSÃO DE VALORES PORQUE EXISTEM CONTROVÉRSIAS? PODE-SE ADMITIR QUE EXISTAM CONTROVÉRSIAS A ESSE RESPEITO?

A argumentação a favor da "Reversão de Valores" em benefício do Patrocinador é hermenêutica ou é um fórceps doutrinário? Nos tempos atuais até a obstetrícia foge do fórceps como o diabo foge da cruz!

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