sábado, 28 de janeiro de 2012

169. A Sociedade do BBB

O BBB existe porque há condições técnicas, sociais e econômicas que lhe conferem viabilidade. Existem aqueles a quem interessa produzir: empresa de comunicação, experts em comunicação e marketing, os mais diversos profissionais e fornecedores de produtos e serviços da área da comunicação, empresas patrocinadoras. Existe vasto público ao qual agrada postar-se diante da televisão aberta por razoáveis minutos ou até mesmo da televisão fechada durante horas de entretenimento. E existe a técnica de comunicação a vasto público. Existe, enfim, aqueles que se interessam em participar do programa televisivo, um reality show, na qualidade de atores.
Essa foi a lição, que, há poucos dias, procurei transmitir à minha neta adolescente, que, ligada a esse programa, procurava dialogar comigo a respeito do que estava a presenciar. Ouvi-a atentamente para, em seguida, indagar-lhe: "Querida, você de fato acha que possui a exata compreensão do que tudo isso aí significa? Dessa forma, tentei introduzir no nosso diálogo a visão, que tenho desse divertimento, aquela que eu gostaria que ela adotasse como orientação para a VIDA!
Claro que a parte produtora vê o BBB sob a ótica do lucro. A empresa Globo de televisão reserva-lhe anualmente um canal fechado, durante três meses, e mais algumas horas diárias do canal aberto, porque o programa lhe oferece retorno mais elevado que os programas habituais. Esses recursos lhe chegam ao regaço como ao mar chegam as águas, por caminhos múltiplos e diversos, que um leigo como eu nem chega a suspeitar. É óbvia, porém, a via dos grandes patrocinadores, que investem nesse marketing quantias substanciais, bem como a via da compra de acesso à televisão fechada. Dizem que existe também a participação da empresa Globo na receita dos torpedos, que se enviam ao programa, e que, em determinadas oportunidades, ascendem a milhões.
O curioso é que o programa irradia também o benefício do lucro até para as empresas de comunicação concorrentes da Globo e, paradoxal, mesmo para aqueles concorrentes que o criticam. Durante esses três meses do ano, em todos os ramos dessa atividade econômica, dos jornais à Internet, fervilham cotidianamente notícias sobre os acontecimentos que se deram no BBB.
A programação do canal aberto da televisão Globo é claramente dirigida para o grande público brasileiro. Nas horas da madrugada, ocupa-se com matérias educativas, culturais e de interesse econômico. A manhã inicia com notícias para, em seguida, dirigir-se às donas de casa e ao público infantil. Tarde e noite, afora os três horários de notícias, exibe sequência de filmes, novelas, eventos esportivos e diversões outras, como o programa da Angélica, do Huck, do Didi, o Domingão do Faustão e o Fantástico. A televisão Globo oferece, é justo que se diga, um canal fechado, exclusivo para notícias e informações culturais de qualidade, além de outros dedicados tão somente à programação esportiva.
O objetivo de toda essa atividade é capitalista. É o lucro. Foi para acumular capital que os donos da Globo criaram essa empresa concessionária no ramo da comunicação. O Estado também está percebendo vantagens econômicas com todo o sucesso da rede Globo de comunicações. Tudo isso é atividade legal, atividade legal pública e vigiada.
O mesmo objetivo da vantagem econômica é que aglomera esse amplo grupo de empreendedores, gestores, experts, consultores, técnicos e fornecedores, que formulam, idealizam, produzem, dirigem e põem em funcionamento o programa do BBB. Eles devem ser bem recompensados nesse trabalho, já que o BBB deste ano completa sequência ininterrupta de 12 eventos anuais.
A mesma consideração do objetivo econômico se estende aos patrocinadores, que abrangem até empresas de elevadíssimo prestígio internacional, que sabem avaliar com elevada precisão a relação custo/benefício de um marketing.
Essa foi a primeira lição de VIDA, que procurei transmitir à minha neta adolescente: O MUNDO MODERNO SE MOVIMENTA TRACIONADO PELO LUCRO. As empresas foram inventadas pelos burgueses do norte da Itália, no início do segundo milênio depois de Cristo, para o enriquecimento, para lucrar, para acumular capital, para aumento de bens e aumento de consumo, para aumento da riqueza e do bem estar material. A RIQUEZA PROPORCIONA O BEM ESTAR MATERIAL. O BEM ESTAR PRECISA DA RIQUEZA. NÃO EXISTE BEM ESTAR SEM RIQUEZA. A POBREZA É MAL ESTAR.
Esses dezesseis artistas, digamos assim, do BBB, ou pouco mais, também são arregimentados pela atração da vantagem econômica. A vantagem econômica oferecida, é claro, não é suficiente para excitar a cobiça de alto empresário brasileiro, nem ao profissional do esporte de prestígio internacional. Mas, ela é muito forte para criar fantasias irresistíveis a vasto domínio da população brasileira: um milhão e meio de reais! Há ainda os prêmios bem menores para o segundo e terceiro colocados, bem como diversos prêmios valiosos, até carros (o sonho de consumo de milhões de brasileiros!) que se obtêm nos jogos de sorteio e disputa.
Além de tudo isso, ainda existe a possibilidade de fazer-se conhecer, a decantada possibilidade de FAMA, que, se muito boa, poderá abrir oportunidades para a fruição de vantagem econômica, até como atriz de televisão e teatro, ou de apresentador ou apresentadora de programas televisivos. É, sem dúvida, uma porta que se abre para a sobrevivência de muitas pessoas, sobretudo jovens, mas até mesmo idosas. Essa foi outra lição que procurei transmitir à minha neta: A VIDA É CONVIVÊNCIA, É RELACIONAMENTOS. A sobrevivência não permite que nos escondamos, que nos isolemos. A sobrevivência exige que nos relacionemos, que nos tornemos conhecidos.
Os que se tornam artistas do Reality Show precisam serem sensibilizados por esse papel, se candidatarem e serem selecionados pela administração do BBB. Alguns detratam o programa com a alegação de que existem os pré selecionados e nele colocados por interesse da administração para conquistar o prêmio. Se a administração coloca algum participante porque entende que ele tem qualidades para suscitar a emoção da assistência, não só acho que a administração tem esse direito, como penso que está procedendo corretamente. Quanto à possibilidade de fraudar o resultado, acho isso difícil, porque, ao menos aparentemente, quem de fato comanda o resultado é o público que assiste ao programa. Seria, todavia, ingenuidade minha admitir que administradores altamente espertos fossem desprovidos da capacidade de fraudar resultados.
Para que uma pessoa se sinta sensibilizada pelo papel de artista do BBB, ela precisa possuir as condições para isso. Uma pessoa esperta, tal como se apresenta um bom número desses artistas, se sensibiliza por esse papel porque forma dele um conhecimento e tem de si um conhecimento que lhe fornece base para julgar que sua participação se coroará com o sucesso. Somos duzentos milhões de brasileiros. Duzentos milhões de pessoas que parecem muito semelhantes, e até o são de fato. Mas, também duzentos milhões de indivíduos dos mais diferentes tipos e até extremamente diferentes. Há-os, aos milhares, de refinados gostos, e aos milhões também existem pessoas sem o mínimo cultivo dos hábitos de vida. Há os sábios e os ignorantes. Há os ambiciosos e os indolentes. Há os éticos, os complacentes e os aéticos. Há os sociáveis e os inadaptáveis. Há os objetivos e os alienados. Há os espertos e os idiotas. Há os ricos e os pobres. Há os mitificados, os detestáveis, os abominados e os insuportáveis!
Evidente que pessoa sábia, altamente ética, de hábitos morigerados, de comportamento reservado, educação primorosa, compromissada com os altos ideais de dignidade, trabalho e cultura não se candidatará para atuar em competições e diversões desse tipo. Essa foi outra lição que pretendi dar à minha neta: Toda pessoa humana possui a dignidade da pessoa humana - a dignidade de ser um animal racional e livre -, mas as que se candidatam a atores do BBB não atingiram o ápice do ideal de pessoa refinada e digna, que a sociedade atual concebe.
Infelizmente, grande camada da sociedade brasileira e até mesmo mundial não adquire mais que nível meramente aceitável de conhecimento e educação. Algumas das características dessa classe de pessoas que ambicionam atuar no BBB: nível econômico limitado, espírito aventureiro, de moderado a pouco apreço pelo trabalho, expectativa de sorte favorável, inclusive de obter trabalho na área do serviço de entretenimento, forte apreço por vida divertida e sensual, alta valorização da beleza corporal e erótica, alta permissividade no relacionamento sexual, diminuta necessidade de privacidade, forte espírito de competição. Há até as que se iludem julgando possuír essas características e as que, feias e ignorantes e até quase idiotas, se dão bem suscitando a comiseração do público assistente.
São pessoas convictas (as que têm alguma base de planejamento e de consciência de vida, as menos alienadas) de que o importante na vida é fazer o que se aprecia. Feliz é um jogador de futebol, um cantor, um músico, um artista de cinema, um bailarino, porque trabalha e se enriquece fazendo o de que gosta! Nos nossos dias, porém, já ressurge, com roupagem moderna, é claro, a multimilenar teoria aristotélica de que o bem estar nada mais é do que decorrência da fruição de uma atividade compatível com as características da pessoa, e exercida com habilidade, facilidade e perfeição. Assim, o bem estar, a sensação de bem estar, de fluência agradável e quase imperceptível do tempo, a sensação excitante, emocionante, relaxante e divertida é aquela a que nos acostumamos a praticar e conseguimos exercitar com rara habilidade, mesmo que seja através de esforço e treinamento! Assim, o divertimento supremo de Picasso consistia nas suas telas, de Einstein na solução dos mais intrincados problemas de Matemática, de Bill Gates na administração de suas empresas!
Essa foi outra lição que procurei transmitir a minha neta: "ESSAS PESSOAS PERTENCEM ÀQUELE VASTO CONTINGENTE DE INDIVÍDUOS QUE PENSAM QUE A FELICIDADE CONSISTE EM DEVOTAR-SE AO TRABALHO QUE NOS AGRADA, QUE SE DEVE TRABALHAR O MÍNIMO POSSÍVEL E DEDICAR-SE A UMA VIDA FESTIVA, SENSUAL E OCIOSA." Procurei, então, inculcar-lhe a ideia de que A VIDA É UMA CONQUISTA, É COMPETITIVIDADE, de que o TRABALHO NÃO SÓ É UM DOS MAIS SUPREMOS VALORES, MAS TAMBÉM PODE TORNAR-SE A MAIS PRECIOSA E AGRADÁVEL DIVERSÃO. Tentei, enfim, esclarecer-lhe que o SEXO É UMA FONTE DE AGRADÁVEIS E DIGNAS SENSAÇÕES HUMANAS, MAS TAMBÉM DAS MAIS GENERALIZADAS E DAS CONSIDERADAS MENOS ELEVADAS SENSAÇÕES, PORQUE COMPARTILHADAS COM TODAS AS OUTRAS ESPÉCIES ANIMAIS. Tentei esclarecer-lhe que o EROTISMO TANTO PODE CONDUZIR À DEPRAVAÇÃO DA PROSTITUIÇÃO, COMO TAMBÉM REVESTIR DE HALO ALTAMENTE INEBRIANTE E SOFISTICADO AS RELAÇÕES AMOROSAS DE UM HOMEM E UMA MULHER. Tentei explicar-lhe que A VESTIMENTA NÃO É APENAS UM INSTRUMENTO DE HIGIENE, DE DEFESA DA SAÚDE, DE DECORO E PRIVACIDADE, COMO TAMBÉM É DE CONVIVÊNCIA PACÍFICA E PRODUTIVA. Imagine-se uma sociedade moderna (não me reporto às diminutas aglomerações humanas primitivas, como as indígenas), imaginem-se as megalópoles modernas, se permitida fosse a nudez generalizada! Ninguém trabalharia! As lutas individuais (entre homens e mulheres, entre os homens entre si e entre as mulheres entre si) pipocariam por todas as esquinas! Ninguém trabalharia! Como observamos nas outras espécies animais!
De fato, - e até parece que poucos dos atores do reality show conseguem entender -, a chave de sucesso nessa competição é conseguir conquistar a simpatia do público assistente. Pelo menos, é assim que o programa se apresenta. E quem é esse público assistente? UMA COISA É INQUESTIONÁVEL, observei para minha neta, É A PARTE CONSUMIDORA DO SERVIÇO DE ENTRETENIMENTO. É A ÚNICA QUE NÃO AUFERE VANTAGEM ECONÔMICA E FINANCEIRA. É A EXLUSIVA PARTE DA GASTANÇA.
Certamente, dificilmente um Bill Gates, um Einstein, um Beethoven, um Picasso ou Bertrand Russel, ou um Habermas teriam tempo ou prazer para assistir a esse programa. O público assistente é constituído, sobretudo, por aquelas pessoas para as quais o tempo não possui um supremo valor. Se o tempo é altamente valioso, porque se precisa dele para conseguir a sobrevivência ou realizar a ambição de sua vida, como é o sucesso de uma empresa, de um evento, de uma pesquisa científica, de uma obra de arte, de uma trabalhosa obra a que se dedica a vida, nesses casos não se tem tempo para assistir ao programa. Eu já testemunhei isso em minha vida. Conheci empresários que eram viciados em trabalhar. Não tinham condições psicológicas de assistir a um programa televisivo de diversão nem a uma partida de futebol!
Mas, se apenas se é uma pessoa que nutre as ambições comedidas dos indivíduos da classe média, que tem condições, pelo menos mínimas, para gastar o tempo com os divertimentos e as atividades próprias do homem comum e ético, aquela famosa AUREA MEDIOCRITAS decantada por Horácio, que a entendia como o supremo ideal de vida (O ÓCIO NUMA VILA NAS COLINAS DE ROMA!, como ele mesmo vivia), então está-se em condições de apreciar GASTAR O TEMPO assistindo às urdiduras da convivência humana dessas personagens, mais ou menos alienadas, que ousam assumir papeis rotineiros de vida, em condições que eles próprios, mais ou menos, percebem não lhes serem proporcionadas pela vida real: consumo farto e gratuito das mais variadas comidas e bebidas, festas frequentes, baladas, belas mulheres e belos homens, também figuras exóticas, promiscuidade, contato com famosos da televisão e do teatro, shows reservados dos mais badalados DJ, músicos e cantores da Música Popular Brasileira da atualidade, enfim, o paradoxo do trabalho ocioso, um dolce far niente que, por sorte, poderá trazer alguma vantagem econômica, como o prêmio do milhão e meio de reais, ou um trabalho na mídia ou no teatro!
Como se vê não classifico o BBB como programa da mais alta qualidade. Não tem a qualidade de uma ocupação produtiva ou da prestação de serviço social, que elevam o bem estar e a qualidade de vida, é patente! Também não o desclassifico. É um programa de qualidade cultural limitada, que ocupa as horas de milhões de pessoas ociosas e que proporciona a sua contribuição social, evitando atividades outras perturbadoras da convivência, marginais, aéticas ou mesmo ilegais, propiciando momentos relaxantes para outras muitas pessoas, preenchendo o vazio da vida de outras muitas incapacitadas e até mesmo mitigando o sofrimento de muitas outras. AFINAL DE CONTAS É UM DIVERTIMENTO LEGAL QUE APRESENTA TAMBÉM ESTE ASPECTO INTERESSANTE: OFERECE ALGUMA UTILIDADE PARA SE CONHECER MOSTRA DE UMA MULTIDÃO DE PESSOAS QUE NOS CERCAM E DAS QUAIS NÓS NEM NOÇÃO TEMOS DE QUEM ELAS SÃO!
Esta foi a última lição que pretendi ministrar à minha neta adolescente naquela oportunidade.

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