domingo, 25 de março de 2012

177. O Dedo Na Ferida

Recentemente, foi dada publicidade à opinião de profissional de direito, credenciado por respeitáveis títulos acadêmicos e pela brilhante atuação junto aos tribunais do País, de que superávit apresentado por Entidade Fechada de Previdência Complementar (EFPC), como é a PREVI, é mera sobra de dinheiro, cujo destino cabe ser decidido com base no Direito Civil, de acordo com as normas que regem as relações contratuais e, portanto, de acordo com o Princípio da Equidade, que orienta dividi-lo entre Patrocinador e Participantes.

Este argumento de superávit, mera sobra de dinheiro, foi também um dos argumentos usados pela Secretaria da Previdência Complementar, na Informação nº 58/2008/SPC/GAB/AG , dirigida ao Senado Federal, em 24/12/2008, resposta ao pedido de esclarecimentos sobre a Resolução CGPC 26, formulado pelo Senador Álvaro Dias:
"SE DEPOIS AINDA HOUVER RECURSOS “SOBRANDO” NO PLANO, ...,SERÁ CONSTITUÍDA OUTRA RESERVA CHAMADA RESERVA ESPECIAL, CUJA FINALIDADE ÚNICA E EXCLUSIVA, É A REVISÃO DO PLANO, OU SEJA, O RESTABELECIMENTO DO EQUILÍBRIO DO PLANO, que, no máximo, poderá manter indefinidamente apenas o superávit da reserva de contingência de 25%.
...a lei considera o superávit que está na reserva especial uma verdadeira “anormalidade”... A lei não quer desequilíbrio, ela apenas o tolera por um curto lapso temporal: 3 anos."
" A análise atuarial demonstra que um Plano de Benefícios pode atingir montante tal de superávit que se mantenha superavitário até o seu término, mesmo extintas as contribuições.
Não é permitido que esse superávit permaneça no Plano por vários motivos:
A LC 109 não o tolera por mais de 3 anos consecutivos.
O SUPERÁVIT PERDE O VÍNCULO COM OS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS, RAZÃO DE SER DO FUNDO DE PENSÃO."

Em meados do ano passado, em Ofício 3565/2011/GABIN/DISUP/PREVIC dirigido à Câmara Federal, em resposta ao Requerimento de Informação nº 720, de 2011, de autoria do Deputado Chico de Alencar, registramos as seguintes perguntas e respostas:
Pergunta do Deputado
"Como são discriminados os valores patrimoniais superiores às necessidades de Reservas Matemáticas? É tudo superávit ou alguma coisa deve ser lançada como reserva? A criação dessas reservas é obrigatória ou é opcional?
Resposta da PREVIC
"A discriminação do superávit está prevista no artigo 20 da LC 109 que será composto de duas parcelas: a reserva de contingência e a reserva especial para ajuste do plano, conforme segue:
Art. 20. O resultado superavitário dos planos de benefícios das entidades fechadas, ao final do exercício, satisfeitas as exigências regulamentares relativas aos mencionados planos, será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de vinte e cinco por cento do valor das reservas matemáticas. (grifo nosso)
§ 1o Constituída a reserva de contingência, com os valores excedentes será constituída reserva especial para revisão do plano de benefícios."

Como se vê, o ilustre causídico e a SPC apelidam o superávit de sobras, aquele de sobras de dinheiro, esta de sobras de recursos sem vínculo com os benefícios previdenciários, razão de ser do fundo de pensão. Já a atual PREVIC limita-se a citar a LC 109, sem maiores considerações! Intrigante! Significativo? Não sei.

O que sei é que aqui estamos colocando o dedo na FERIDA do raciocínio falacioso do ilustre causídico e da SPC, que justifica essa falaciosa, perversa e absurda "Reversão de Valores" da Resolução CGPC 26.

Leiamos o artigo 19 da LC 109:
"As contribuições destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar.
Parágrafo único. As contribuições referidas no caput classificam-se em:
I - normais, aquelas destinadas ao custeio dos benefícios previstos no respectivo plano; e
II - extraordinárias, aquelas destinadas ao custeio de déficits, serviço passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal."

Aí está bem claro: O DESTINO DE TODAS AS CONTRIBUIÇÕES (AS NORMAIS E AS EXTRAORDINÁRIAS, acrescenta o parágrafo único) É A FORMAÇÃO DAS RESERVAS, DE TODAS ELAS, E TERÃO ESTA FINALIDADE: O PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS DE CARÁTER PREVIDENCIÁRIO. Por isso, todas essas Reservas se chamam RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS.

Superávit não é mera sobra de dinheiro. Não é dinheiro desvinculado do pagamento de benefício previdenciário, não. E AÍ ESTÁ A FERIDA SANGRENTA POR ONDE FLUI O PROCESSO FALACIOSO DESSE ARGUMENTO USADO PARA JUSTIFICAR A "REVERSÃO DE VALORES": SUPERÁVIT É SOBRA, SIM. MAS, NÃO É MERA SOBRA DE DINHEIRO. Dinheiro não tem carimbo. Mas, SUPERÁVIT É SOBRA DE RESERVAS E RESERVAS TÊM CARIMBO, SIM. ISSO É O QUE SIGNIFICA RESERVAS, em Contabilidade, Direito e Finanças: recursos com destinação determinada, que só podem ser gastos na finalidade determinada pelo autoridade competente, neste nosso caso pela LEI. Aqui, ESSE ARTIGO 19 O DECLARA TEXTUALMENTE: RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS, isto é, RECURSOS QUE SÓ PODEM SER GASTOS NO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS.

Quando o LEGISLADOR redigia este Artigo 19, ele já estava antevendo o que ia prescrever logo adiante no Artigo 20 e, por isso, encerrou este artigo 19, com aquela observação preciosa: "observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar." Quais são as principais e mais imediatas ESPECIFICIDADES PREVISTAS NESTA LEI COMPLEMENTAR?

Exatamente o que prescreve o Art. 20, caput e §1º: as reservas excedentes irão formar as Reservas de Contingência e, excesso superior a 25%, a Reserva Especial para revisão do PLANO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. Eram sobras de RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS MATEMÁTICAS e CONTINUAM RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS, cada tipo de reserva com sua especificidade, RESERVA PREVIDENCIÁRIA de Contingência e RESERVA PREVIDENCIÁRIA Especial! ONDE A LC 109 DIZ QUE A RESERVA ESPECIAL DEIXOU DE SER RESERVA PREVIDENCIÁRIA?

"Nos termos do artigo 19 da LC 109, as CONTRIBUIÇÕES entram numa EFPC transformando-se em RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS: RESERVAS MATEMÁTICAS PREVIDENCIÁRIAS, RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS DE CONTINGÊNCIA E RESERVA ESPECIAL PREVIDENCIÁRIA. Esta Reserva Especial só diverge das outras porque já pode ser totalmente gasta na forma de benefício previdenciário, é claro. E esta é a CARACTERÍSTICA, A NATUREZA DA RESERVA ESPECIAL: RECURSOS PREVIDENCIÁRIOS PARA DESEMBOLSO IMEDIATO!!! Atente-se bem. Este é o nome, RESERVA ESPECIAL, que a própria LC 109 confere ÁS SOBRAS DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS, e ainda adiciona PARA REVISÃO DO PLANO DE BENEFÍCIO, isto é, reforça a destinação dada ao artigo 19, a saber, para ser gasto com o Plano de Benefícios PREVIDENCIÁRIOS. Pode-se ser mais claro? Estas sobras são RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS: elas têm o carimbo de RECURSOS DESTINADOS A BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS!Isso tudo está dito no contexto da LC 109 e explicitamente no Artigo 19.

É delicioso ler a própria resposta que a PREVIC deu à seguinte pergunta formulada pelo Deputado Chico de Alencar: "Podem benefícios ser pagos a patrocinadores?"
Resposta da PREVIC: "Não, uma vez que os benefícios previstos no regulamento do plano de benefícios são pagos exclusivamente aos seus participantes."
Pronto. Acabou-se "Reversão de Valores". A própria PREVIC sepultou-a.

Permitam-me encerrar estas considerações pedindo a atenção para outro assunto polêmico, mas correlato, tanto que usado pela SPPC, naquele Ofício em resposta às perguntas do Deputado Chico de Alencar: "Existe limite máximo legal para aumento de benefício?"
A PREVIC responde: "Não, dado o caráter contratual e privado da previdência complementar fechada, observados os limites de solvência e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial, previstos na LC 109."

E a SPPC (para corrigir a PREVIC?!) fez questão de esclarecer o seguinte:
"Ressalte-se que a Reserva Especial não é destinada exclusivamente à melhoria de benefícios, sendo essa uma das possibilidades de sua utilização haja vista que as reservas foram constituídas por patrocinadoras, participantes e assistidos para atender as compromissos CONTRATADOS."

Esta afirmação é graciosa. Nada no texto da lei a autoriza. Ao contrário, ela afronta o texto da Lei. A Lei, já demonstramos em artigo anterior, aplica o PRINCÍPIO DA EQUIDADE onde pode e deve ser aplicado, isto é, no lado das CONTRIBUIÇÕES, onde o Patrocinador, mesmo o de DIREITO PÚBLICO, ingressa porque lhe interessa, a fim de comprar, através desse PRÊMIO, precisamente EXIMIR-SE DE INGRESSAR NAQUELA OUTRA RELAÇÃO, a saber, a DE RESPONSABILIZAR-SE POR BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS, aposentadoria e pensões. Essa responsabilidade ele lançou nos ombros da EFPC, mediante um contrato de natureza securitária. A RESPONSABILIDADE DE ADMINISTRAR E PAGAR BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS É RESPONSABILIDADE SOLITARIA DA EFPC. As Contribuições entram na EFPC transformando-se em PROPRIEDADE PRIVADA da EFPC, mesmo que sejam contribuições de entidades do DIREITO PÚBLICO. PATROCINADOR NÃO É SÓCIO DA EFPC. Não participa dos resultados da EFPC e, por isso, não há razão alguma para se falar de PRINCÍPIO DE EQUIDADE. A EFPC é a proprietária solitária das RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS. PARA ISSO EXATAMENTE ELA FOI CRIADA PELA LEI E PELO LEGISLADOR. Ufa! Tem coisa mais clara?! NÃO EXISTE PATROCINADOR DE EFPC. EXISTE PATROCINADOR DE PLANO DE BENEFÍCIOS, através de um contrato, de natureza securitário, entre uma EMPRESA com uma EFPC.

E quanto aos benefícios CONTRATADOS, que ressalta a SPPC, esses benefícios, observe-se antes de qualquer outra coisa, só podem ser PREVIDENCIÁRIOS, por tudo que expusemos acima e, como vimos, a própria PREVIC reconhece. Portanto, NÃO PODEM SER PAGOS A PATROCINADOR, pessoa jurídica. Claro que os benefícios têm um limite contratual, mas, não legal, como bem o afirmou a PREVIC. E como até a própria SPPC reconhece, esse limite contratual pode ser aumentado, tanto que a própria SPPC advoga-lhe a distribuição da metade do superávit pelos participantes, sob o disfarce de "Reversão de Valores". Se pode ser aumentado da metade do valor do superávit, por que não pode pela sua integralidade? Isso não tem lógica.

Assim, esse argumento de sobras de recursos para justificar a "Reversão de Valores" é falacioso (é um raciocínio falso que simula a veracidade), é perverso (em desacordo com a Constituição e as LC 108 e 109) e é absurdo (destituído de lógica).

2 comentários:

  1. Amigo Edegardo,

    São opiniões iguais a deste advogado e outras tantas de tribunais que são compradas pelo poder executivo a fim de se locupletar de nossos sagrados direitos. Assemelha-se ao caso do ex-ministro da justiça Márcio Thomaz Bastos que já defendeu o caso do mensalão, Daniel Dantas e mais recentemente o filho do Eike Batista. Infelizmente, todo mercenário tem seu preço. E o poder, no Brasil, paga às escondidas para defender seus interesses econômicos. No nosso caso, defender o BB com a meação do superávit. Nossa última esperança é a ADI no STF. Que Deus olhe por nós!

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    1. Ari Zanella
      Homem que ensina e faz. Síntese de uma Vida que tem razão de ser. Um abraço do
      Edgardo

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