sexta-feira, 16 de maio de 2014

286. Audiência Pública no Senado

O texto anterior “285. Apelo às Lideranças”, foi escrito de meu leito de enfermo. Àquela altura, até me achava sob a emoção da impressão de que poderia tratar-se do último texto que me seria proporcionado escrever, pois estava dominado pela suspeita de que já se havia iniciado o movimento bíblico de meu retorno ao pó... Este texto, que já o estou escrevendo de minha cadeira de convalescente, não assume a pretensão de constituir qualquer tipo de orientação sobre a forma com que as nossas lideranças deverão conduzir-se na audiência pública no Senado Federal, marcada para o início do próximo mês de junho, pois de fato as considero tão credenciadas e responsáveis, que certamente já se estão cuidadosamente preparando para desempenhar papel altamente esclarecedor das matérias a discutir e irrefutavelmente definidor dos direitos que merecem proteger os cidadãos enquadrados nos artigos constitucionais do Regime da Previdência Privada Complementar.

Este texto, portanto, nada mais pretende ser que a revelação dos inarredáveis pensamentos que me assaltam a mente, quando ela é atingida pelas notícias que me estão chegando a respeito dessa audiência.

Entendi aquele evento inicialmente como meramente restrito ao assunto do PDS 275 de autoria de sua Excª, o Senador Paulo Bauer.  Parece-me agora que a reunião alcançará o amplíssimo espectro de debate sobre um projeto de lei para o regime da Previdência Privada Complementar, incluindo, pois, é claro, o instituto de Reversão de Valores, valorizado com a atuação de dois atores exponenciais, o Advogado Geral da União e o Senador José Barroso Pimentel, ex-Ministro da Previdência Social e principal responsável pelo instituto da Reversão de Valores, que, parece, vem retardando a decisão sobre o PDS 275 do Senador Paulo Bauer nas comissões do Senado,  coadjuvados pelo Dr. José Maria Rabelo, Diretor Superintendente  da PREVIC.

Entendo que a ampliação da matéria de debate já constitui a primeira cilada aos nossos interesses nessa reunião, porque dilui, enfraquece, obscurece e poderá até omitir a discussão da matéria que a originou, a saber, o próprio instituto da Reversão de Valores. Seria, assim, talvez mesmo, a primeira derrota estratégica. O adiamento da audiência, de início deste mês de maio para o princípio de junho próximo, mês da Copa do Mundo de Futebol (já no dia dois de junho começam a chegar ao Brasil os primeiros protagonistas deste espetáculo, os juízes das competições, que empolga ampla parcela da população brasileira, e, por isso, ocupa, por vários motivos, os interesses dos atores políticos), mês em que parece terão início mais duas badaladas Comissões Parlamentares de Inquérito e em que ocorrerão várias convenções de partidos políticos para homologar os candidatos à Presidência da República, cuja eleição terá lugar em outubro próximo, coloca-me em atitude de expectativa. Estou com o pressentimento de que essa reunião de nosso interesse será mais uma vez adiada. Seria a segunda derrota estratégica... Oxalá esteja equivocado...

A presença do Advogado Geral da União será, se de fato ocorrer, momento extraordinário para debate leal e decisivo para o reconhecimento da ilegalidade do instituto da Reversão se Valores. Essa presença significaria que, de fato, os autores e os interessados nesse instituto estão sentindo profundamente ruir as bases racionais de sua convicção na legalidade desse instituto, ante a profusão de contundente argumentação demonstrativa de sua ilegalidade. É fortíssimo bastião protetor do instituto da Reversão de Valores que precisa ser conquistado.

Penso que a estratégia de nossos representantes consistirá em prever, entender profundamente e dominar com maestria a demonstração da improcedência dos argumentos com que os autores do instituto da Reversão de Valores utilizam para justificar a sua legalidade.

Eles costumam alegar que o texto da Lei Básica da Previdência Complementar, a LC 109/01 é obscuro e omisso nesse assunto de excesso de reserva previdenciária. Por isso, a interpretação corriqueira, normal, usual, habitual de uma lei, que é a SIMPLES LEITURA DE SEU TEXTO, é insuficiente para decidir o sentido daquela norma expressa do §1º do artigo 20: “Reserva Especial para revisão do Plano de Benefícios”. A intelecção óbvia da Lei precisa, então, ser complementada por interpretação extensiva, usando os princípios da hermenêutica jurídica.

Esta argumentação dos autores do instituto da Reversão de Valores pode ser vigorosamente rechaçada. A LC 109/01 é claríssima e completa no que tange ao destino das reservas e das contribuições, e TANTO que reservou para isso um artigo, o 19, e com expressões tão evidentes, que NÃO ADMITEM A MÍNIMA DÚVIDA: “As CONTRIBUIÇÕES destinadas à constituição de RESERVAS TERÃO COMO FINALIDADE PROVER O PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS DE CARÁTER PREVIDENCIÁRIO, OBSERVADAS AS ESPECIFICIDADES NESTA LEI COMPLEMENTAR.”

O que está aí dito? Contribuições, reservas, SOMENTE se gastam no pagamento de benefícios previdenciários (aposentadoria e pensão). E mais, das formas como ESTA LEI MANDA, e SOMENTE DESSAS FORMAS.

Quais são essas formas? O artigo 20 as enumera:
Reservas Matemáticas, pagando os benefícios contratados usuais; Reserva de Contingência (se houver), pagando benefícios contratados usuais, caso as Reservas Matemáticas, hajam se desfalcado; Reserva Especial, distribuindo benefícios acima dos benefícios previdenciários contratados.

O título “Reserva Especial para revisão do plano de benefícios”, é evidente, não revoga o preceito contido no artigo 19. Por que? Porque isso em nenhuma parte do artigo está dito, nem da lei. Porque a Lei, ao contrário, insiste em chama-la de reserva. Porque todos os leitores entendem muito bem o que a expressão está dizendo, a saber, gaste-se essa reserva no pagamento de benefício previdenciário, mas, previamente se faça uma revisão dos parâmetros financeiros e atuariais do plano de benefícios, para que se saiba exatamente o valor do benefício previdenciário a pagar, como aliás se acha limpidamente expresso no artigo 18 da LC 109/01.

Mas, o artigo diz que também se pode equilibrar o Plano de Benefícios, desequilibrado por excesso de reservas, mediante a flexibilização, para menos, da Contribuição e contribuição não é benefício previdenciário. TENHO CERTEZA de que o Advogado Geral da União não usará essa contra argumentação, porque ela é simplesmente ridícula. Só apela para esse argumento quem não entende o mecanismo do reequilíbrio de um Plano de Benefícios, desequilibrado por excesso de reservas. Em primeiro lugar, diminuir contribuição ou suspendê-la não é, de fato, benefício previdenciário. É benefício patrimonial do Contribuinte, Patrocinador ou Participante. É até malefício previdenciário! Em segundo lugar, o efeito de diminuir ou suspender a Contribuição é impedir que ela aumente o excesso de Reserva ou anule total ou parcialmente o EFEITO DO GASTO DAS RESERVAS MATEMÁTICAS COM O PAGAMENTO USUAL DOS BENEFÍCIOS CONTRATADOS, a saber, BAIXAR O NÍVEL DAS RESERVAS. O que, de fato, baixa o nível das reservas é o gasto com o pagamento de benefícios previdenciários, não é diminuir o valor da Contribuição.

Reforce-se toda essa argumentação com dois esclarecimentos. A Lei 6435/77, a que criou o regime da Previdência Privada Complementar, mandava que as SOBRAS de recursos fossem distribuídas exclusivamente  entre os participantes na forma de benefícios. E aquela ADI, solicitada pela FAAB, acrescentava que, no documento justificativo da proposição dessa Lei, o Poder Executivo proponente fez questão de esclarecer categoricamente que todos os recursos das EFPC se destinavam a proporcionar o benefício do bem estar dos Participantes. É óbvio que tais esclarecimentos se tornaram desnecessários na LC 109/01 ante o contundente e indiscutível significado único do mandamento de seu artigo 19: contribuições, reservas, gastam-se unicamente no pagamento de benefícios previdenciários.

Outro argumento muito usado pelos autores do instituto da Reversão de Valores é o do benefício contratado. O Plano de Benefício é um contrato. O contrato tem como princípio básico o equilíbrio entre reservas e benefícios contratados. Logo, os participantes somente têm direito aos valores de contribuições e reservas que forem absolutamente necessárias ao pagamento dos benefícios contratados.

Em primeiríssimo lugar, o contrato previdenciário complementar é inserido no REGIME de Previdência Privada Complementar pela CONSTITUIÇÃO (artigo 202) e pela LC 109/01. O que isso significa? Que o contrato entre as partes não é absolutamente livre. Ele tem que se submeter às normas da Lei Complementar 109/01, e, nos casos das EFPC ligadas a entidades governamentais, também às da LC 108/01.

Ora, a LC 109/01, como vimos, em seus artigos 19 e 20 NÃO COMPORTA ABSOLUTAMENTE ESSA INTERPRETAÇÃO. Mais, a LC 109/01 em parte alguma diz que esse limite contratado não pode ser alterado. Ao contrário, ela, no seu artigo 20, diz claramente que pode e DEVE SER ALTERADO, e a LC 108/01, em vários artigos, diz claramente que pode e, em determinados casos, esse valor contratado DEVE SER ALTERADO. O único parâmetro admitido pela LC 109/01 para o contrato previdenciário é o do elástico nível de vida do Participante na época da vida ativa, quando ele compra o direito de aposentadoria e pensão, que por isso se baseia numa elástica correlação com seu “salário de referência” sobre o qual incide sua contribuição. Aliás, isso nem merece ser discutido, pois está reconhecido pelos próprios termos da Resolução CGPC 26/08: o limite contratado é aquele valor do benefício previdenciário que se compra, quando na vida ativa, e que as reservas previdenciárias permitem prover. Não se esqueça, todavia, que o contrato previdenciário, em razão do artigo 19 da LC 109/01, não pode incluir o benefício da Reversão de Valores, porque ele NÃO É BENFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, TANTO QUE ELE SÓ FOI CRIADO PELA RESOLUÇÃO GCPC 26 PARA BENEFECIAR O PATROCINADOR, que não pode receber aposentadoria nem pensão, porque é pessoa jurídica, não é pessoa física, isto é, o Patrocinador não nasce, não se desenvolve, não vive, não adoece, não envelhece nem morre...

Outra forma de apresentar-se esse argumento é aquele em que se afirma que “todo valor excedente ao valor das Reservas Matemáticas” está contratualmente desvinculado do pagamento de benefícios previdenciários. É claro que essa interpretação afronta o óbvio mandamento dos artigos 19 e 20 da LC 109/01, já que elas não consideram o excedente às Reservas Matemáticas como mero excesso de dinheiro, de recursos financeiros, mas como EXCESSO DE RESERVAS, isto é, contribuições separadas para serem gastas no pagamento de benefícios previdenciários.

Outro argumento constantemente utilizado pelos autores do instituto da Reversão de Valores, e este tem tremendo impacto sobre os ouvintes e leitores, sem familiaridade com os princípios do Direito Previdenciário, e até sobre Juízes, é o ancorado no Princípio da Isonomia ou Equidade, que aqui assume a forma de Princípio da Proporcionalidade Contributiva. Ele se resume na seguinte fórmula: já que Patrocinador e Participante contribuem para a formação das reservas, e o artigo 20 da LC 109/01 manda que se reequilibre o Plano de Benefícios, desequilibrado por excesso de reservas, mediante a flexibilização da contribuição para menos tanto do Patrocinador quanto do Participante, na proporção dos valores de suas respectivas contribuições, então a lei é omissa no tocante ao modo de fazer-se esse reequilíbrio através de diversas formas do aumento dos gastos, que deve incluir o instituto de Reversão de Valores, respeitado o Princípio da Proporção Contributiva de ambos, para Patrocinador e Participante.

A perversidade desta argumentação assombra, porque ela não somente afronta o exato teor do artigo 20, e seus parágrafos, da LC 109/01, como vários outros dessa Lei Básica, e tantos, que se pode afirmar que ela atenta contra a própria Lei Complementar!

Já vimos que o artigo 19 com o séquito dos artigos 20 e 21 formam um corpo completo de normas para o gasto das CONTRIBUIÇÕES RESERVADAS para o pagamento de BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS: as reservas só podem ser gastas no pagamento de benefícios previdenciários. Está tudo dito, não precisa dizer mais nada. Não há lacuna na LC 109/01 a respeito do modo como se gastam as CONTRIBUIÇÕES RESERVADAS! Nela só existe o SILÊNCIO. E os mestres do Direito sabem que, há séculos, ou MILÊNIOS, os jurisconsultos criaram famoso aforismo: ubi lex voluit dixit, ubi lex noluit tacuit. Isto é, a lei disse sobre as contribuições, porque ali era que ela queria aplicar o Princípio da Proporção Contributiva, e calou no tocante aos gastos das reservas previdenciárias, porque ali ela não o queria aplicar, NEM PODIA.

E como se sabe que foi silêncio, não foi omissão?
Porque a LC 109/01 já havia dito tudo que podia dizer no tocante às despesas com gastos de reservas no artigo 19: contribuições reservadas (RESERVAS) SÓ SE GASTAM NO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS.

Porque os artigos 7º, 9º, 11º, 14, 15, 19, 20 e 21 apresentam redação, que pressupõem que esse Princípio da Proporção Contributiva deve ser aplicado onde pode ser aplicado, quando se trata de gastos das RESERVAS com o Pagamento dos Benefícios Previdenciários aos PARTICIPANTES ASSISTIDOS (ou beneficiários).

Porque o §1º do artigo 21 da LC 109/01 manda claramente aplicar o Princípio da Proporção Contributiva na redução de DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS DE PARTICIPANTES para reequilibrar Plano de Benefícios Previdenciários, desequilibrado por déficit de reservas previdenciárias.

Porque essa aplicação destrói a própria arquitetura previdenciária construída pela LC 109/01, o âmago dessa Lei, aquilo para o qual ela mesma foi concebida, a saber, blindar Empregador e Estado da obrigação de pagar benefícios previdenciários complementares. O Estado criou para isso a EPC, entidade de previdência complementar, isto é, a ÚNICA entidade que pode arcar com a obrigação de pagar benefício previdenciário complementar no Brasil. E criou dois tipos de EPC, a EAPC (Entidade Aberta de Previdência Complementar) e a EFPC (Entidade Fechada de Previdência Complementar). Esta a EFPC é o INSS da previdência complementar. Ela foi criada única e exclusivamente para isso para colher contribuição para a formação das RESERVAS PREVIDENCIÁRIAS, administrar financeiramente essas reservas e GASTÁ-LAS NO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS COMPLEMENTARES. ELA FOI CRIADA PARA ALIJAR O ESTADO E O EMPREGADOR DA RELAÇÃO PREVIDENCIÁRIA. Isso é indiscutível. Isso é reconhecido pelos Tribunais e alegado pela PREVIC (Estado) e por Patrocinador (Empregador) nos tribunais.

Com efeito, o Empregador contrata com a EFPC um Plano de Benefícios Previdenciários (enquadrado, é claro, no REGIME da Previdência Complementar). E em que consiste esse contrato? O Empregador tem a obrigação de contribuir para a formação das reservas previdenciárias e o direito de fiscalizar a EFPC, já a EFPC tem o direito de recolher a contribuição do Patrocinador (Empregador) e a obrigação de gerir as reservas previdenciárias tão bem que nunca faltem reservas para pagar os benefícios previdenciários que ela contratar com os empregados do Patrocinador. A ESSÊNCIA DO PATROCÍNIO CONSISTE NISSO: PAGAR CONTRIBUIÇÃO. Mais nada. SUA ESSÊNCIA É OBRIGACIONAL e OBRIGAÇÃO COM RELAÇÃO À EFPC, SOMENTE PARA COM A EFPC. O contrato de Patrocínio é entre EFPC E EMPREGADOR (não entra nele o Participante).

O Contrato de Participação, esse sim, é o ÂMAGO DA RELAÇÃO PREVIDENCIÁRIA, a saber, PAGAR E RECEBER BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS é firmado entre EFPC e EMPREGADO (Participante). Nesse contrato de adesão, o Empregado compromete-se a pagar Contribuição e adquire o direito de na época estabelecida por lei passar a perceber o benefício previdenciário (aposentadoria ou pensão), isto é, prestações mensais de natureza alimentar, de subsistência, complementar. Durante a vida ativa, o empregado compra a sua subsistência complementar futura, do tempo da inatividade, da incapacidade laboral. E esse contrato é entre EFPC e Empregado (Participante). O Participante tem a obrigação de pagar a contribuição para formar as reservas previdenciárias e tem o direito de em época futura, quando ocorrer a sua inatividade legal, passar a perceber o benefício previdenciário. Nessa relação não entra o PATROCINADOR, FOI EXATAMENTE COM ESSA FINALIDADE, a saber, PARA QUE ELE NÃO ENTRASSE NESSA RELAÇÃO QUE SE ELABOROU TODA LEI BÁSICA DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR, A LC 109/01! A EFPC obriga-se a recolher a contribuição, administrá-la financeiramente de forma tal que sempre existam reservas suficientes para Ela fazer o pagamento dos benefícios previdenciários.

Fica assim patente o absurdo desta argumentação pró Reversão de Valores. Essa aplicação do Princípio da Proporção Contributiva TRANSPORTA o Patrocinador para uma relação da qual ele foge como o demônio foge da cruz... de um contrato, do qual ele é parte, para outro ao qual ele não quer pertencer. E o transforma de OBRIGADO em BENEFICIÁRIO! Isso não é mais HERMENÊUTICA, isso é magia... Isso é vara de condão para encantar crianças... Esse argumento é tão absurdo, é tão logicamente desqualificado, que raia as margens do ridículo, prato cheio para humoristas da grandeza de Chico Anísio, Millor Fernandes e Jô Soares... E pasmem foi recentemente usado para justificar a Reversão de Valores quando da elaboração da Resolução CNPC 11, em evidente infringência do mandamento contido no artigo 3º da LC 109/01 que coloca os interesses dos Participantes sob a proteção do Estado!

Outro argumento, usado pelos autores do instituto da Reversão de Valores, e de profundo impacto até sobre os Juízes, é o baseado no Princípio da Justiça: ambos contribuem, Patrocinador e Participante, ambos são onerados com aumento de contribuição quando as Reservas Previdenciárias se desfalcam, então é JUSTO que ambos, Patrocinador e Participante, participem dos resultados superavitários dos Planos de Benefícios Previdenciários!...

O equívoco básico desse argumento é não entender o que é PATROCÍNIO. O Dicionário Jurídico Universitário da renomada Mestre de Direito, Prof. Drª Maria Helena Diniz, dá esta definição de patrocínio: na linguagem comum, proteção, auxílio, amparo; no Direito Desportivo, transferência GRATUITA, EM CARÁTER DEFINITIVO, para realização de projetos desportivos e paradesportivos, com finalidade promocional e institucional de publicidade.

Pois bem. Essa definição de patrocínio não caracteriza bem a contribuição para o FGTS? Algum jurista ousará afirmar que o Patrão, em alguma situação anormal, tem direito a participar desse benefício do empregado? Também não caracteriza bem a contribuição para a Previdência Social Básica? Algum jurista ousará afirmar que o Empregador tem o direito, em alguma situação anormal, de participar dos resultados da reserva do INSS?

Contribuição não é investimento em Fundo de Investimento bancário, que é um empréstimo, é um NEGÓCIO FINANCEIRO, e foi feito para ter RETORNO e com LUCRO. Contribuição não é cota nem ação de empresa, que é adquirida para isso, a saber, para ter RETORNO e com LUCRO. Não! Contribuição é TRANSFERÊNCIA GRATUITA e EM CARÁTER DEFINITIVO do Contribuinte (Patrocinador e Participante) para a EFPC, fundação ou sociedade civil, SEM FIM LUCRATIVO.

Ah! Mas não está lá, na contabilidade da EFPC, contadinho, mês a mês, o valor do benefício de cada Participante, e discriminando contribuição do Patrocinador e contribuição do Participante? Isso, meu caro leitor, é MERA CONVENIÊNCIA CONTÁBIL, é CONTABILIDADE DE PASSIVO, de OBRIGAÇÃO DA EFPC. Ali, no seu ATIVO, SÓ EXISTEM RESERVAS, a saber, RESERVAS MATEMÁTICAS, DE CONTINGÊNCIA e ESPECIAL! No Ativo só existe o Patrimônio da EFPC, a sua propriedade fiduciária, isto é, transitória que ela deve ir TRANSFERINDO nas épocas oportunas, segundo os valores arbitrados no seu Passivo, para os CREDORES desse ATIVO, os PARTICIPANTES ASSISTIDOS.

O Participante não tem direito REAL sobre as Reservas da EFPC. Somente esta o detém. O direito do Participante é um direito OBRIGACIONAL. A EFPC tem a obrigação de pagar DETERMINADO VALOR ao PARTICIPANTE, no futuro. O PATROCINADOR NÃO TEM DIREITO ALGUM, NEM OBRIGACIONAL NEM MUITO MENOS REAL, SOBRE O PATRIMÔNIO DA EFPC. Ele fez uma CONTRIBUIÇÃO, e ponto final! O investidor em fundo de investimento bancário e o capitalista ainda detêm um título NEGOCIÁVEL. Já o Participante possui apenas um Certificado de Participação, e este é absolutamente INEGOCIÁVEL. O Patrocinador nem título inegociável tem!

Estou me estendendo neste assunto, porque, segundo me consta  (infelizmente nunca tive a oportunidade de ler o parecer jurídico que justificou a criação do instituto da Reversão de Valores) teria sido este – a possibilidade de se determinar permanentemente na Contabilidade da EFPC o valor atualizado das contribuições de Patrocinador e do Participante – o argumento usado para justificar  a criação do instituto da Reversão de Valores. Mais ou menos assim: se é possível calcular o valor da Contribuição de Patrocinador e Participante e se for feita a Restituição de Valor, ela, por Justiça, deverá ser feita a ambos, Patrocinador e Participante, segundo o Princípio de Proporção Contributiva! Oh! Deuses do Olimpo por onde andais?! E a SPC e a PREVIC foram criadas para cumprir o MANDAMENTO DA LEI BÁSICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, a LC 109/01, que no seu artigo 3º atribui ao ESTADO A OBRIGAÇÃO DE PROTEGER OS INTERESSES DOS PARTICIPANTES!

O argumento dos autores do instituto da Reversão de Valores que mais impressiona os Juízes é o do ENRIQUECIMENTO ILÍCITO: canalizar o excesso de superávit tão somente para o Participante, sobretudo se o Patrocinador é entidade estatal ou ligada a entidade estatal, é enriquecimento ilícito. O excesso de reservas previdenciárias, pois, precisa ser repartido entre Patrocinador e Participante.

Primeiramente, o justo é o legal. Ora, o legal é gastar as reservas previdenciárias somente no pagamento de benefícios previdenciários  (artigo 19 da LC 109/01). Logo, canalizar todo o excesso de reservas previdenciárias para o Participante Assistido é o legal, é o justo, não é enriquecimento ilícito. Enriquecimento ilícito é canalizá-lo para o Patrocinador, porque é ilegal, porque é injusto, porque é um absurdo diante de tudo o que já expusemos até aqui!

Mas, existem mais razões para afirmar que a participação do Patrocinador  no resultado superavitário de reservas previdenciárias é, de fato, enriquecimento ilícito. De fato, o excesso de Reservas Previdenciárias é consequência da administração financeira das reservas que supera as expectativas e sobretudo de circunstâncias excepcionalmente lucrativas e insuspeitadas da economia em geral. Em geral, o valor da renda constitui mais da metade do valor das reservas previdenciárias dos Planos de Benefícios Previdenciários. Supera, portanto, o valor das contribuições do Patrocinador e dos Participantes juntas! Nada tem que ver com o Patrocinador nem com os Participantes. Trata-se da inteligente e competente atuação da administração da EFPC no mercado financeiro, cuja atividade investidora é tão produtiva que acaba até aportando mais valores para o mercado do que recebendo: é o progresso econômico. A atuação das EFPC no mercado financeiro é promotora do desenvolvimento do mercado, da economia do País!

Há até determinada fase em que a EFPC se torna auto-suficiente, ela prescinde das Contribuições,  e de tal forma que ela não precisará de contribuição nunca mais, de ninguém, nem de Patrocinador nem de Participante. E aí está explicação porque o Patrocinador tem interesse em patrocinar Plano de Benefícios Previdenciários, porque ele pode atrair ótimos, competentes empregados com baixíssimo ônus para ele! Quem afirma isso é a própria Resolução CGPC 26, não sou eu não.

Há ainda mais. A contribuição é retirada do resultado da empresa antes do cálculo do imposto de renda, isto é, sobre ela não incide o imposto de renda. Restituição de Valor, portanto, é DUPLO BENEFÍCIO PARA O PATROCINADOR: ele é isento do imposto de renda e ainda recebe a contribuição de volta! Por tudo isso, o instituto da Reversão de Valores é, claramente, uma injusta fonte de enriquecimento ilícito do Patrocinador.

E ela é também, por isso mesmo, fonte de empobrecimento ilícito para o Participante de Planos de Benefícios Previdenciários, sobretudo de EFPC ligada a entidade estatal. No afã de obter excesso de reserva previdenciária, o Patrocinador passa a pressionar a administração da EFPC para obter excesso de reservas permanentemente e cada vez maiores. Então, a EFPC se transforma, de fato, em uma EAPC, contra os exatos termos da LC 109/01. Ela se torna, de fato, uma empresa, um empreendimento capitalista, uma fábrica de lucros, às custas do empobrecimento ilícito dos Participantes, que veem cláusulas contratuais modificadas e benefícios previdenciários reduzidos ao longo da sua existência de forma compulsória, de forma parcial e ao arrepio da Lei, sem prévio conhecimento e impotentes ao que até se poderia apelidar de esbulho. Isso é relato da História!

É contra essa deterioração da Previdência Social, que a própria História tristemente nos relata, que a LC 109/01 coloca através do artigo 3º-VI os interesses dos Participantes sob a proteção do poder soberano do Estado. O que significa isso? Significa que os interesses dos Participantes dos Planos de Benefícios Previdenciários integram aquele conjunto de interesses cuja satisfação compõe a RAZÃO DE SER ÚLTIMA DO ESTADO BRASILEIRO, como erigido pelo artigo 193 da Constituição Brasileira: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, E COMO OBJETIVO O BEM-ESTAR E A JUSTIÇA SOCIAIS.” O Estado Brasileiro foi constituído e organizado para proporcionar o bem estar social e a justiça social, mediante a SEGURIDADE SOCIAL. Tudo o que é o Estado Brasileiro se submete a essa finalidade suprema, até a ordem econômica.

O que isso significa? Significa que o patrimônio da EFPC deve ser gerido, de forma que contribua sim para o progresso do País, para o seu desenvolvimento econômico (Título VII da Constituição Federal), mas que essa harmonização (artigo 3º-II da LC 109/01) não implica o sacrifício da plena realização dos objetivos para o qual foi criado o Regime da Previdência Privada Complementar, porque a satisfação de todos esses compromissos constitucionais e legais da Previdência Complementar fazem parte da concretização do fim supremo do Estado Brasileiro, a saber, o bem estar social e a justiça social. Não é o bem estar social e a justiça social que se submetem ao progresso do País. Não, é o contrário, o progresso do País é perseguido exatamente para isto, a saber, para que se realize o bem estar e a justiça social.

Mas, ainda existe um argumento invocado pelos autores do instituto de Reversão de Valores, que impressionou tanto um Juiz de Brasília, que o levou a prolatar sentença favorável à sua legalidade. Longe de mim desmerecer da competência do ilustre Jurista. Entendo, todavia, que essa decisão do meritíssimo Juiz se deve atribuir a um deslize no processo mental de utilização da técnica hermenêutica da intelecção do §1º do artigo 21 da LC 109/01: “O equacionamento referido no caput poderá ser feito, dentre outras formas, por meio do aumento do valor das contribuições, instituição de contribuição adicional ou redução do valor dos benefícios a conceder, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador.” Diz ele que a expressão “dentre outras formas” indica que a LC 109/01, quando se reporta à contribuição e ao valor do benefício como instrumentos de reequilíbrio de um Plano de Benefícios Previdenciários, não está fazendo uma relação completa destes instrumentos, mas tão somente uma lista exemplificativa e, portanto, ela admite o reequilíbrio também através do instituto da Reversão de Valores.

Ocorre, entretanto, que mais uma vez a LC 109/01 foi MUITÍSSIMO CLARA. Ela diz COM TODAS AS LETRAS, na redação desse citado parágrafo que essa “relação exemplificativa” SOMENTE VALE para o CASO DO REEQUILÍBRIO DE UM PLANO DESEQUILIBRADO POR DÉFICIT DE RESERVAS: “O equacionamento referido no caput...” Ora, meritíssimo Juiz, o caput do artigo 21 está tratando do processo de reequilíbrio de um Plano de Benefícios desequilibrado por DÉFICIT e não por Excesso de Reservas!... Assim, meritíssimo, não se pode DE FORMA ALGUMA concordar com a infelizmente desastrosa sentença de Vossa Senhoria. Essa forma de fazer hermenêutica jurídica é inadmissível. O próprio parágrafo diz que ELE SE RESTRINGE AO CASO DE DESEQUILÍBRIO DO PLANO POR  FALTA DE RESERVAS!

Todos que lidam com esse assunto de Previdência Complementar sabem, e a própria LC 108/01 o prevê, que os Planos de Benefícios podem receber empréstimos e doações. É a isso que se reporta a expressão “dentre outras  formas”. E não pense, caro leitor, que essas doações não acontecem. Recentemente Bill Gates e esposa constituíram uma fundação com a modesta quantia de um terço da fortuna deles, a bagatela de TRINTA E TRÊS BILHÕES DE DÓLARES do casal. Há pouquíssimos anos, outro bilionário americano contratou alguns poucos executivos financeiros brasileiros para administrar sua fortuna. Falecendo ele, os nossos compatriotas foram surpreendidos com o fato de que se haviam tornado herdeiros do seu patrão!
 
Ah! foi dito, lá no site da Anapar,  que, em entrevista com o então Ministro da Previdência Social, em 2008, o eminente Senador José Barroso Pimentel, ele teria afirmado que, como participante nos debates da formulação da LC 109/01, ele estava convencido de que a LC 109/01 foi redigida de forma a acolher o instituto da Reversão de Valores. Quem sou eu para contestar o eminentíssimo senador. Só que hoje se lendo o texto da LC 109/01, ele é EM TUDO INCOMPATÍVEL COM ESSE INSTITUTO...

Assim, tenho plena certeza de que os nossos representantes, altamente qualificados que são, não se intimidarão diante das doutíssimas autoridades com que irão dialogar, e respeitosamente, mas intransigentemente defenderão as posições de condenação da ilegalidade do instituto de Reversão de Valores, amparados na limpidíssima evidência fornecida por uma argumentação irrefutável. E estarão confortavelmente estimulados por aquele Juiz do Rio Grande do Sul que afirmou crer que o instituto da Reversão de Valores é ilegal. E daquele colegiado de desembargadores de Brasília que afirmou alto e bom que o instituto de Reversão de Valores da Resolução CGPC 26 DEVE SER FUZILADO. E do admirável lamento do Meritíssimo Juiz, decano do Supremo Tribunal Federal, que afirmou encontrar ilegalidade, por ser praeter legem e contra legem, no instituto de Reversão de Valores. E, por fim, o recente teor da Ação Cívil Pública do eminente Procurador da República no Estado do Rio de Janeiro, que demonstrou a ilegalidade do instituto da Reversão de Valores e denunciou a forma ilegal como ela por vezes é decidida pelas administrações das EFPC.

Tenho certeza de que se manterão intransigentes em debater primeiro a legalidade do instituto da Reversão de Valores, o PDS 275 de sua Excelência, o Senador Paulo Bauer. Aceitarão, sim, debater um novo Regime para a Previdência Privada Complementar, em tempo oportuno, posterior, certamente no primeiro semestre do ano próximo, depois de INTENSAMENTE PREPARADOS através de estudos da História da Previdência Social no Mundo e no Brasil, bem como do Direito Previdenciário Comparado do Brasil com os de outros países, como França, Inglaterra, Portugal.

Não aceitarão, tenho plena certeza, essa estratégia diversionista de unificar as duas matérias num mesmo debate, e nele ingressando para perder, porque para esse debate amplíssimo, creio, estariam despreparados... Essa era a advertência de meus saudosos mestres, Padres Jesuítas: sempre entre em debates, bem preparado!

Isso é o que penso... Esta é minha modesta colaboração. Boa sorte. 

 

5 comentários:

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  2. Prezado e admirado amigo Edgardo,

    Esta sua nova postagem deveria ser lida e bem entendida por todos os nossos representantes que participarão da citada audiência. Nela você expõe, pormenorizadamente, todas as contra-argumentações necessárias de serem enfatizadas nos debates que ali acontecerão.

    Parabéns mais uma vez por seus artigos extremamente bem elaborados e perspicazes.

    Apenas peço-lhe para retificar a segunda linha de seu 32o. parágrafo (O que se inicia com a expressão "Ah!"), onde o termo "Patrocinador" está empregado em duplicidade, salvo seu melhor juízo.

    Um fraterno abraço e minha torcida para que seus problemas atuais de saúde se estabilize.

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  3. Caro, e muito caro, amigo Juarez Barbosa
    Os seus comentários sempre me umedecem os olhos de comoção. Obrigado. Tenho imensa saudade de seu blog, um blog sério, cheio de informações utilíssimas e bonito. Um abraço do
    Edgardo

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  4. Caro Sr. Edgardo
    Sempre busco no seu Blog, informações sobre a ACP.Então. Em junho, iniciarão as audiências. Fico rogando a Deus por sua saúde, para que continue a nos informar de uma forma tão brilhante e que Ele também ilumine nossos debatedores. Acredito em mudanças profundas no Regime de Previdência Privada Complementar, após todo este movimento. Obrigado. Um grande abraço. Socorro.

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  5. Estimada colega Socorro.
    Obrigado pelas palavras de estímulo. Espero como você que nossos colegas atuem de forma convincente nessa próxima audiência. Entendo que ela terá grande impacto sobre as nossas pretensões, se ficar limitada ao assunto do PDS 275 e se lá estiver presente o Advogado Geral da União. O importante é a argumentação. Foi a argumentação que convenceu o Procurador da República aqui do Rio de Janeiro. E ele ouviu os dois lados!...
    Edgardo

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