A
hermenêutica jurídica é um instrumento da ciência do Direito que o
jurisconsulto usa para obter a verdade de um texto legal duvidoso, isto é, a
verdade da lei, o sentido verdadeiro da lei, a igualdade do texto da lei com a
ordem de fazer ou a proibição de fazer que o legislador tem na mente e quer,
exatamente idêntica, fazer surgir na mente do leitor. O objetivo, pois, da
hermenêutica jurídica é a verdade da lei.
Assim,
texto legal evidente, aquele em que essa igualdade é indiscutível, não
necessita de hermenêutica jurídica. Por exemplo, leia-se o artigo 19 da
LC109/01 ele é evidente, não precisa de hermenêutica:
“As contribuições
destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento
de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades
previstas nesta Lei Complementar.
Parágrafo
único. As contribuições referidas no caput classificam-se em:
I - normais, aquelas destinadas ao custeio dos benefícios previstos no
respectivo plano; e
II
- extraordinárias, aquelas destinadas ao custeio de déficits, serviço passado e
outras finalidades não incluídas na contribuição normal.”
Qual
é a mensagem? Contribuição, que se torne reservas, tem um único destino, o
pagamento de benefício previdenciário.
Para
que foi escrito este artigo? Para determinar o destino da contribuição, que se
transforme em reservas.
Excetuou
a contribuição do Patrocinador? Não
Excetuou
alguma das reservas? Não
Quais
reservas existem? O artigo 20 responde: “Art. 20. O resultado superavitário dos
planos de benefícios das entidades fechadas, ao final do exercício, satisfeitas
as exigências regulamentares relativas aos mencionados planos, será destinado à
constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o
limite de vinte e cinco por cento do valor das reservas matemáticas.
§
1o Constituída a reserva de contingência, com os valores
excedentes será constituída reserva especial para revisão do plano de
benefícios.”
Quais
reservas, pois, existem? Reservas Matemáticas, Reservas de Contingência e Reserva
Especial para revisão do plano dos benefícios.
Qual
o destino dessas três reservas? Pagamento de benefícios previdenciários.
A
Reserva Especial para revisão do plano de benefícios pode pagar devolução de
contribuição para o Patrocinador? Não, porque o artigo 19 proíbe, pois
pagamento de devolução de contribuição não é benefício previdenciário.
Mas,
ela é Reserva Especial para revisão do plano de benefício! Sim, mas o artigo 19
não a excluiu: reservas, quaisquer das
três, são para pagamento de benefícios previdenciários. Reservas têm destino
único: pagamento de benefícios previdenciários. Assim, a revisão do plano não
pode incluir o pagamento de devolução da contribuição ao Patrocinador.
Essa verdade do artigo 19 é tão evidente, tão
indiscutível, tão verdade, que o §3º do artigo 21 manda peremptoriamente: “ §
3o Na hipótese de retorno à entidade dos recursos
equivalentes ao déficit previsto no caput deste artigo, em consequência de
apuração de responsabilidade mediante ação judicial ou administrativa, OS
RESPECTIVOS VALORES DEVERÃO SER APLICADOS NECESSARIAMENTE NA REDUÇÃO
PROPORCIONAL DAS CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS AO PLANO OU EM MELHORIA DOS BENEFÍCIOS.”
“Qual, pois, o destino da Reversa Especial existente em razão de reembolsos? Somente, NECESSARIAMENTE, dois: ou redução
da contribuição ou MELHORIA DOS BENEFÍCIOS.
Mas, se admite redução, pode também admitir pagamento
de devolução de contribuição, replicam interlocutores insistentes. Não, não
pode. Redução de contribuição não é pagamento, é, ao contrário, não
recebimento. Nada pago, apenas deixo de receber contribuição. Em si, nada tem
com pagamento.
É certo que tanto a redução de contribuição quanto a
melhoria de benefícios se reportam a gastos com pagamento de benefício
previdenciário, já que naquela se substitui a contribuição pela Reserva
Especial para pagamento de benefício previdenciário e nesta se pagam mais
benefícios previdenciários gastando a Reserva Especial. Logo, redução de
contribuição está prevista no artigo19. Pagamento de devolução de contribuição do
Patrocinador não está, porque o legislador claramente não a quer incluir no
elenco de seus objetivos.
Há coisa mais evidente?
Mas, a Advocacia Geral da União, em defesa da PREVIC,
junto à Segunda Instância, na ACP movida pela Procuradoria da República no Rio
de Janeiro, atendendo petição movida pela AAPBB, nega toda essa ofuscante
evidência, no parágrafo 66, alegando que, déficit e superávit devem ser
tratados de forma similar, em razão do princípio de proporcionalidade da
contribuição. Estranha defesa. Está-se desenvolvendo um processo hermenêutico
sobre um texto evidente, onde não cabe hermenêutica, apenas a leitura aplicada
do texto. Por que a AGU assim procedeu? Porque a Advocacia não se acha
comprometida com a verdade. Ela está comprometida com a defesa do seu cliente.
O advogado é um profissional. Ganha a vida com a argumentação exitosa na defesa
do interesse de seu cliente, até mesmo com o sacrifício da verdade jurídica.
Sei que a AGU habita o pináculo, o estrelato da
jurisprudência nacional. É composta
por pessoas inteligentíssimas, profissionais altamente habilitados e cidadãos
de caráter comprometidos com o cumprimento de sua obrigação de defender o
Estado Brasileiro.
Ficou-me a impressão de que a AGU ali, naquele
parágrafo 66, pelo menos, argumentou comprometido com o interesse do seu
cliente e relegou ao esquecimento o primeiro princípio da hermenêutica: Na lei
evidente não tem cabimento a hermenêutica, apenas a leitura aplicada. Aquela é restrita
aos textos legais obscuros, dúbios para que ela faça brotar a verdade da lei.
Os artigos 19e 20 da LC 106/01, no entanto, ao
contrário, são textos legais claríssimos para cuja intelecção basta a leitura
aplicada. As reservas, quaisquer das três, têm o OBJETIVO ÚNICO DE SEREM GASTAS
NO PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS (aposentadoria e pensão), NÃO
EXISTINDO UM ELENCO DE OBJETIVOS como se pretende fazer crer. É EXATAMENTE POR
ISSO QUE A RESERVA ESPECIAL PODE SER GASTA TANTO NA REDUÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO QUANTO
NA MELHORIA DOS BENEFÍCIOS (§3º do artigo 20). Naquela não há pagamento, ao
contrário, há não recebimento. Há, pois, precisamente o contrário. A Reserva
Especial, então, substitui a contribuição cancelada e SERÁ GASTA NO PAGAMENTO
DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. Na redução de contribuição e melhoria de
benefícios só existe uma coisa: gastos com pagamento de benefícios previdenciários.
Na devolução da contribuição ao Patrocinador, no entanto, há gasto da Reserva
Especial em pagamento de benefício NÁO PREVIDENCIÁRIO, proibido pela LC109/01, artigo
19. Redução de contribuição e devolução de contribuição patronal são fatos jurídicos
diferentes, o que impossibilita a aplicação do princípio da equidade, como quer
fazer crer o parágrafo 66 da defesa da PREVIC pela AGU. Ademais, tenha-se bem
claro: JAMAIS O PAGAMENTO DO BENEFICIO
PREVIDENCIÁRIO PROVOCA DESEQUILÍBRIO ENTRE AS CONTRIBUIÇÕES DO PARTICIPANTE E
DO PATROCINADOR, COMO ALEGA A AGU, porque sempre são gastas segundo o princípio
da proporcionalidade.
NOTA – Este comentário sobre o parágrafo 66 da defesa
da PREVIC pela AGU junto à Segunda Instância consumiu muito trabalho para ser
redigido. Não consigo copiar a versão exposta no portal da FAABB e transportar
cada parágrafo para o meu computador quando necessito comentá-lo ou utilizá-lo
na minha análise. Esses comentários
sairiam à medida que as condições de saúde me permitssem. Agora mesmo passei
alguns dias no hospital, de onde saí no dia 30 de maio, quando completei meus
92 anos de idade. Necessito de uma cópia tal dessa defesa que eu possa copiar qualquer
parcela do texto. Ajudem-me.
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