sábado, 28 de setembro de 2019

466. A CASSI de um Idiota I (Texto escrito em 2008)


“Eu sou eu e minhas circunstâncias.”
Ortega y Gasset

Aprecio a AAFBB. Aprecio o almoço dos aposentados na terceira quarta-feira do mês, promovido pela AAFBB, aqui, na sede da Associação, no Rio de Janeiro. Por quanto tempo essa oportunidade de reunião nos estará proporcionada? O trânsito congestionado de nossas grandes cidades me suscita a suspeita de que, dentro de muito poucos anos, esse almoço mensal estará inviabilizado. Estaremos circunscritos, no máximo, a perambular pelo nosso próprio bairro. Ou os transportes urbanos assumirão outra forma, e assumirão, ou os nossos encontros passarão a virtuais nos espaços de relacionamento proporcionados pela Internet!...

A AAFBB de hoje, proprietária do edifício-sede na Rua Araújo Porto Alegre, sempre me provoca a nostálgica lembrança dos idos de 70 do século passado, quando, por vezes, me deparava com os simpáticos e admiráveis velhinhos aposentados, reunidos na modesta saleta que o Banco lhes proporcionava para um encontro fraternal, ali na galeria do Edifício do Comércio na Avenida Rio Branco. E a idéia disseminou-se pelo Brasil afora. A primeira AAFBB foi a do Rio de Janeiro? Ou o Rio de Janeiro importou a idéia renovadora de alguma outra região do Brasil? Não sei. Admiráveis, queridos e simpáticos velhinhos, que nos precederam com tanta galhardia e sabedoria! Que estupenda realização, inclusive patrimonial, é hoje a AAFBB! Foram profícuos trabalhadores e cidadãos brasileiros. Merecem as nossas homenagens!

A AAFBB não é mais a única associação de aposentados do Banco do Brasil. Hoje outras associações similares existem. Há até associações de funcionários da ativa e aposentados mais poderosas financeira e politicamente do que a AAFBB. Existe até federação!... Uma característica da civilização atual é a liberdade, liberdade de expressão e liberdade de associação. Nenhuma outra, entretanto, tem o prestígio de ser a primeira associação de aposentados do Banco do Brasil e nenhuma possui a sua tradição. Ela porta a imagem das antigas gerações de funcionários, que merecem o tributo de nossa admiração, gratidão e simpatia!

A liberdade é um valor e um direito fundamental do indivíduo humano na civilização atual. Por incrível que pareça, ao refletir-se sobre o lema da Revolução Francesa – Liberdade, Igualdade e Fraternidade – liberdade é expressão da diversidade humana! Somos todos diferentes. Não somos iguais. Quem afirma é a Biologia Genética e a Psicologia. Costumo dizer que nada há de mais diferente do que uma mente humana de outra mente humana. Cada indivíduo constrói o seu mundo, inexoravelmente diferente do mundo do indivíduo que vive a seu lado. Isso é o que quis expressar Ortega y Gasset: Eu sou eu e minhas circunstâncias. E esses mundos costumam, por vezes, entrechocar-se, como se entrechocam as galáxias nos espaços. Os entrechoques das galáxias nem os percebemos, por mais formidáveis que sejam. Mas os entrechoques de nossos mundos individuais provocam até comoções devastadoras, motins, revoluções sociais. São eles que promovem as transformações, que melhoram ou pioram as nossas existências!

Tenho a satisfação de expressar as minhas idiotices, naqueles almoços mensais, já que a diretoria da AAFBB o permite e os participantes do ágape são constrangidos a ouvi-las. Seja como for, fica-me sempre a impressão de que elas agradam a alguns. Por isso, decidi redigir uma série de pequenos artigos sobre a CASSI, sob título inspirado no livro “Elogio à Loucura”, do grande humanista dos séculos XV e XVI, Erasmo de Roterdã, o grande mestre da Universidade de Louvain, cidade em cuja Faculté Saint Albert tive a felicidade de estudar Teologia, durante dois anos.

O Humanismo foi uma era de revolução civilizatória, onde a humanidade abandonou a concepção medieval de que este nosso planeta é um vale de lágrimas, e adotou a concepção moderna de que a Terra é o palco em que cada indivíduo humano aparece, se realiza e cede a vez para outro ator. A vida é uma passagem, uma passagem de gerações. Nada é definitivo. Tudo passa. É uma passagem que devemos tornar muito feliz, porque é, de fato, o bem que nos é proporcionado, e por uma vez só. Olavo Bilac ousou expressar este pensamento neste verso formidando: Terra, melhor que o Céu. Os gregos pensavam que somos comandados pelo deus Cronos, isto é, pelo Tempo que devora todos os homens, substituindo as gerações indefinidamente.

O livro “O Elogio à Loucura” é uma crítica sarcástica à cultura e às instituições da Idade Média: a religião, as leis, a organização social, o poder político, o Rei, a Justiça, e, sobretudo, a Igreja. Erasmo entendia que tudo isso é relativo. O conhecimento, o bem, a cultura, a civilização, a Terra e o Universo, tudo é relativo. As instituições são relativas. A CASSI é relativa. Ela pode mudar, Ela muda. Nós o constatamos.

Expressarei aqui meus pensamentos. São pensamentos limitados. Reportam-se a poucos assuntos. Mas, acho que eles têm que ser afirmados, ao menos como um ideal a ser alcançado ou um projeto a ser perseguido. Serão idiotices, sem dúvida. Como loucuras eram o que descreveu Erasmo. Só que hoje nós vivemos as loucuras que Erasmo proferiu. Espero que, no amanhã bem próximo, ainda usufrua de idiotices realizadas, como as que lhes descreverei, porque não mais existirá um longo amanhã para mim, um velhinho idiota de 82 anos hoje,

Idiotia, explica Aurélio, é uma limitação mental que estaciona o desenvolvimento cerebral ao nível dos três anos de idade e provoca malformações orgânicas. Lembrem-se: o que eu porventura aqui escrever são idiotices. Vocês certamente perdoarão o que proferir uma criança de três anos!...

Ah!... outra coisa, por mais diferentes que sejamos, a civilização, o estilo de vida em convivência de toda uma comunidade humana, nos conduz em direção à igualdade. Civilização é convivência. Convivência é associação, troca recíproca, coexistência pacífica de culturas diferentes e de indivíduos diferentes.

Assim caminha a Humanidade para a Civilização, para a Igualdade, partindo da igualdade dos direitos fundamentais – fundamentos para a existência de associação humana – para a Igualdade de membros conscientes e ativos da Humanidade, a mais perfeita e poderosa forma de realização da vida. Igualdade de que nos vamos aproximando, sem nunca atingi-la totalmente, através da cada vez mais estreita convivência, viabilizada pela atitude de aceitação das diferenças e de valorização do outro, do diferente e do novo.

2 comentários:

  1. Caro Edgardo Amorim Rego,

    Também gosto muito da AAFBB, da sua sede, de seu espaço dos aposentados e de seus memoráveis almoços.
    Sempre escrevo sobre a AAFBB atual.
    Vá até.
    Quero o conhecer pessoalmente.

    Grande abraço

    Adaí Rosembak

    ResponderExcluir
  2. Estimado Adaí
    Já mal saio de casa. Minha médica não me deixa sair sem companhia e minha mulher, de 79 anos, não me deixa sair sem ela.
    Estou sentindo falta de seus textos.
    Um abraço fraterno do
    Edgardo

    ResponderExcluir