segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

480. O Início da Ciência Econômica: o Mercantilismo.



No texto 472 vimos que a Humanidade, entre os séculos XIV e XVII EC passou por transformação profunda da mentalidade, do que pensa sobre si mesma, sobre a vida, sobre a existência, sobre o Universo. A Terra não é mais o centro do Universo. O Estado não é mais uma organização outorgada por Deus. Ele é uma construção humana.  A vida terrena não é mais um período de prova de submissão a Deus. Ela é o fugaz período da existência do indivíduo humano.  O Homem é o mais perfeito dos seres da Natureza e tem o poder de autoconstruir-se, e, portanto, de planejar e realizar uma vida boa.
     
Assim, vimos que, concumitantemente com a modificação da mentalidade, transformava-se seu comportamento, de modo que, impulsionado por vigorosa ambição, o Homem promoveu cultura e civilização bem diferentes, onde predominava a ambição de fruir de uma vida boa. A principal ambição daqueles tempos era a vida boa, A vida boa que se fruía nas cidades-estados e nos reinos, sobretudo por parte dos burgueses e das cortes. Os burgueses, os fidalgos e os reis haviam-se lançado no desenfreado empreendimento da construção da própria vida boa.

A novidade daquela época, a novidade espetacular, revolucionária, que toda a Europa constatava e vivenciava era que o comércio (comprar barato e vender caro) gerava a riqueza e que a riqueza gerava a vida boa bem como os reis e países poderosos. David S. Landes, em “A Riqueza e a Pobreza das Nações”, descreve como os comerciantes das cidades italianas desciam até a nascente do Nilo e aventuravam-se até os confins da Pérsia para comprar mercadorias – sedas, tecidos, especiarias, mantimentos, minérios e marfim- e adquirir ouro e prata. Will Durant descreve a extraordinária didática das persistentes e curtas viagens por entre as ilhas e ao longo do litoral africano, adotada pela escola de navegação organizada pelo Infante D. Henrique, que preparou Portugal para enfrentar façanha mais atemorizante, dizem os entendidos, que a hodierna viagem à Lua: as lendas apavorantes; a ampla realidade desconhecida e imprevisível de água e firmamento, calmarias e tempestade, escassez de água potável e alimento; a monotonia da diuturna convivência de uma população de aventureiros de baixíssimo nível educacional e ético ao longo de dias, semanas, meses, anos, em embarcações diminutas e sem acomodações confortáveis; fome e doença; encontros com populações de feições, cultura e língua diferentes, amistosas e desconfiadas umas, espertas e negociadoras e belicosas outras; o mero e inaceitável assentamento em terras já habitadas por outras gentes.

Os principados italianos tinham a amplitude e a tranquilidade do Mar Mediterrâneo para relacionarem-se com o mercado ofertante, bem como os rios navegáveis da Europa para atingir o mercado demandante. Mas Espanha e Portugal, a Península Ibérica, isolada, ao Norte, fisicamente pela cordilheira dos Pirineus, e ao sul, politicamente, pelo invasor árabe muçulmano, abria suas portas apenas para o tenebroso Oceano Atlântico. A Espanha, através de relacionamentos familiares avançou para Leste e estendia sua soberania sobre várias ilhas mediterrâneas, alcançando até a Sicília no sul da península italiana. Portugal, porém, somente contava com sua tecnologia de navegação oceânica de vanguarda, que estendia seu comércio à Inglaterra, à Alemanha e aos Países Baixos, os grandes centros comerciais do Mundo, Antuérpia, Amsterdã e Roterdã.

Cristóvão Colombo tentou várias vezes, sem sucesso, dissuadir reis portugueses da ideia de alcançar as Índias contornando a África e abraçar a sua proposta de financiar uma expedição pela rota oposta na direção Oeste. Ele tentava aliciá-los propondo regressar com as naus carregadas de metais preciosos, ouro e prata. Os reis portugueses não se deixaram persuadir pelo marinheiro genovês. Mas, ele teve sucesso em convencer, contra a opinião do conselho régio, a notável rainha de Espanha, Isabel de Castela, que financia quatro expedições de Colombo à América que ele persistia em afirmar que eram as Índias e de onde trazia ouro e prata.

Os reis de Portugal, então, intensificam sua tentativa de chegar às Índias pela rota Leste e Vasco da Gama consegue realizar o projeto lusitano, iniciando o primeiro império colonial da História, que durou um século e colocou Portugal à frente de todas as nações, nesse período. O rei de Portugal sarcasticamente envia ao rei espanhol carta, descrevendo as terras indianas por Portugal descobertas, precisamente em acordo com as expectativas, ao contrário das que estavam sendo percorridas por Colombo. Portugal desde a primeira viagem de Vasco da Gama interessou-se pelo comércio.

 Logo, as duas nações, Espanha e Portugal. trataram de excluir os demais países europeus, de se beneficiarem dessa fonte de enriquecimento, as terras recém-contatadas a Leste e a Oeste, o abastecimento de ouro e prata e o comércio de mercadorias, principalmente especiarias. Assim, essas duas nações foram beneficiadas, com a repartição das terras descobertas entre elas, por decisões dos Papas Sisto IV, Nicolau V e, por fim, Alexandre VI, papa espanhol,  concluindo-se na demarcação do Tratado de Tordesilhas.

Por essa época, a fé de muitos príncipes europeus na soberania universal da Igreja já não lhes era tão profundamente arraigada na mente que os submetessem, quando os interesses materiais e políticos fossem contrariados pelo Papa. Assim, os reis europeus, sobretudo dos Países Baixos, Inglaterra e França desenvolveram suas frotas navais e lançaram-se também nas rotas líquidas dos vastos mares oceânicos, à cata de ouro e prata ou estabelecendo bases de comércio. O rei de Portugal reclamou do rei francês o seu desrespeito pela repartição papal das terras do Mundo entre Portugal e Espanha, e este galhofeiramente lhe indagou em que parte do testamento de Adão se acha essa repartição registrada.  

Como se vê, os reinos daqueles anos da Renascença já se dedicavam com o máximo empenho na criação de um império colonial, com a finalidade da   acumulação de ouro e prata, ou extraindo-os da própria terra agregada ao seu domínio, ou através do comércio internacional.  Os reinos queriam ser poderosos. Para ser poderosos, queriam ser ricos. Para ser ricos, queriam ter dinheiro, isto é, ouro e prata. Para ter ouro e prata, eles queriam ter colônias, de onde extrair ouro e prata, ou mercadoria para comerciar, recebendo ouro e prata pelas mercadorias fornecidas. As cidades da Itália ensinaram ao Mundo que se fica rico através do comércio. E logo o hábito do comércio se espalhou pela continente europeu.

Durante quase um século Espanha e Portugal se colocaram como as mais ricas nações da Europa, acumulando ouro e prata, e Portugal, à frente de todas as nações, a mais rica, precisamente mediante o comércio das especiarias, até que surgissem os primeiros tratados sobre economia, redigidos por comerciantes ou por conselheiros reais.  O foco desses estudos, portanto, era a riqueza. A finalidade era saber como se deveria proceder para enriquecer, sobretudo, o rei. O pressuposto básico desses estudos era o conceito de riqueza. Essa fase moderna inicial do pensamento econômico, apelidou-se de Mercantilismo, “a primeira tentativa de produzir-se uma teoria econômica da Sociedade: o fim da sociedade é a riqueza e os meios de conseguir a riqueza são os negócios comerciais dos cidadãos, expandidos sob o amparo do poder do Estado”, explica Henri Denis. Compulsando os livros sobre História da Ciência Econômica,  encontra-se vasta lista de autores incluídos no grupo Mercantilismo.

A Ciência Econômica, portanto, surgiu em razão de um fato histórico: os grandes e poderosos reinos surgidos nos séculos finais da Idade Média, precisavam ser poderosos e, sobretudo, ricos. Poderoso para subsistir, em meio a impérios rivais e ambiciosos. Rico, para ser poderoso, e subsistir em meio a súditos ambiciosos e igualmente aspirantes a uma vida boa.

O conceito básico da teoria mercantilista é, pois, o conceito de riqueza. Riqueza para o Mercantilista era, antes de tudo, o dinheiro (o tesouro= ouro e prata), porque o dinheiro tudo adquire, os bens de consumo e armas para guerra, inclusive paga os mercenários contratados para a guerra, faz os impérios fortes. É provável que a maioria entendesse que a abundância de bens de consumo fosse mais importante que o dinheiro. Mas, para os reis e para os reinos, sobretudo, o mais importante era o dinheiro, que por tudo se troca, tudo compra.

É amplo o elenco de personalidades incluídas nesse grupo de pioneiros da teoria econômica, o Mercantilismo: Azpilcueta, Tomás de Mercado, Botero, Jean Bodin, Antoine de Monchretien, James Steuart, William Petty, Jean Baptiste Colbert e outros muitos. Mas, três são principalmente citados como os principais vultos do Mercantilismo: Antonio Serra, Antoine de Monchretien e, o mais importante, Thomas Mun.

O Livro da Economia resume o Mercantilismo em duas palavras: comércio e protecionismo. E explica :
A riqueza consiste na posse do ouro (dinheiro); logo,
 a riqueza de uma nação é medida pelo tamanho de seu tesouro (a quantidade de ouro existente nos cofres do reino); logo,
a exportação enriquece a nação (enche o tesouro)
a importação    empobrece a nação (esvazia o tesouro);
ora, a quantidade de ouro existente no mundo é fixa, inalterável;
logo, o que uma nação ganha, a outra perde;
logo, o rei precisa promover a exportação e impedir a importação.

Entendo, pois, que Wikipédia haja resumido corretamente o Mercantilismo nos seguintes princípios:
Incentivos às manufaturas
  Produzir tudo o que possível for, e com o maior valor agregado, e exportar o excedente ao consumo interno..
Protecionismo alfandegário
  Promoção da exportação, sobretudo de manufaturas, e aos meios nacionais de transporte.
  Restrição à importação, dificultando e até impedindo a importação de bens estrangeiros.
Balança comercial favorável
O esforço era para exportar mais do que importar, de modo que os ingressos de moeda fossem superiores às saídas, deixando boa situação financeira.(Soma zero, isto é, volume do comércio mundial seria inalterável, fixo, a vantagem de uma nação seria desvantagem da outra)
Colônias de exploração
Suprimento de matéria prima barato e monopólio de comércio.                  Formaram-se dessa forma os impérios.

Antoine de Montcrethien era um mercantilista puro extremado: advogava a autossuficiência da França e vituperava a permissão para qualquer importação. Mas, seu conceito de riqueza não se atinha exclusivamente à abundância de ouro, incluía igualmente a abundância de todos os bens necessários para a subsistência. E John W McConnell adiciona que Montchretien entendia que a principal finalidade do Estado é fazer que haja abundância de bens materiais à disposição de todos os cidadãos. E arremata que, por isso, os estudos econômicos passaram a denominar-se Economia Política.

                          








  

2 comentários:

  1. Prezado Diretor Edgardo,

    BOM DIA!

    Mais uma vez agradeço de coração a oportunidade de ler um de seus excelentes textos.

    Aí tem história, religião, política, economia, geografia... e sobretudo mostra o quanto o ser
    humano é persistente na sua busca pela riqueza, poder, longevidade, felicidade...

    Todos somos um pouco parecidos, mas penso que nos dias de hoje a maior riqueza do homem está no
    seu conhecimento e respeito aos seus semelhantes.

    Abraço fraterno
    Genésio - Uberlândia/MG.

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  2. Estimado Genesio
    Obrigado pela sua manifestação.
    Edgardo

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