No
texto 472 vimos que a Humanidade, entre os séculos XIV e XVII EC passou por
transformação profunda da mentalidade, do que pensa sobre si mesma, sobre a
vida, sobre a existência, sobre o Universo. A Terra não é mais o centro do
Universo. O Estado não é mais uma organização outorgada por Deus. Ele é uma
construção humana. A vida terrena não é
mais um período de prova de submissão a Deus. Ela é o fugaz período da
existência do indivíduo humano. O Homem
é o mais perfeito dos seres da Natureza e tem o poder de autoconstruir-se, e,
portanto, de planejar e realizar uma vida boa.
Assim,
vimos que, concumitantemente com a modificação da mentalidade, transformava-se
seu comportamento, de modo que, impulsionado por vigorosa ambição, o Homem promoveu
cultura e civilização bem diferentes, onde predominava a ambição de fruir de
uma vida boa. A principal ambição daqueles tempos era a vida boa, A vida boa
que se fruía nas cidades-estados e nos reinos, sobretudo por parte dos
burgueses e das cortes. Os burgueses, os fidalgos e os reis haviam-se lançado no
desenfreado empreendimento da construção da própria vida boa.
A
novidade daquela época, a novidade espetacular, revolucionária, que toda a
Europa constatava e vivenciava era que o comércio (comprar barato e vender
caro) gerava a riqueza e que a riqueza gerava a vida boa bem como os reis e
países poderosos. David S. Landes, em “A Riqueza e a Pobreza das Nações”,
descreve como os comerciantes das cidades italianas desciam até a nascente do
Nilo e aventuravam-se até os confins da Pérsia para comprar mercadorias –
sedas, tecidos, especiarias, mantimentos, minérios e marfim- e adquirir ouro e
prata. Will Durant descreve a extraordinária didática das persistentes e curtas
viagens por entre as ilhas e ao longo do litoral africano, adotada pela escola
de navegação organizada pelo Infante D. Henrique, que preparou Portugal para
enfrentar façanha mais atemorizante, dizem os entendidos, que a hodierna viagem
à Lua: as lendas apavorantes; a ampla realidade desconhecida e imprevisível de
água e firmamento, calmarias e tempestade, escassez de água potável e alimento;
a monotonia da diuturna convivência de uma população de aventureiros de
baixíssimo nível educacional e ético ao longo de dias, semanas, meses, anos, em
embarcações diminutas e sem acomodações confortáveis; fome e doença; encontros
com populações de feições, cultura e língua diferentes, amistosas e
desconfiadas umas, espertas e negociadoras e belicosas outras; o mero e
inaceitável assentamento em terras já habitadas por outras gentes.
Os
principados italianos tinham a amplitude e a tranquilidade do Mar Mediterrâneo para
relacionarem-se com o mercado ofertante, bem como os rios navegáveis da Europa
para atingir o mercado demandante. Mas Espanha e Portugal, a Península Ibérica,
isolada, ao Norte, fisicamente pela cordilheira dos Pirineus, e ao sul, politicamente,
pelo invasor árabe muçulmano, abria suas portas apenas para o tenebroso Oceano
Atlântico. A Espanha, através de relacionamentos familiares avançou para Leste
e estendia sua soberania sobre várias ilhas mediterrâneas, alcançando até a
Sicília no sul da península italiana. Portugal, porém, somente contava com sua
tecnologia de navegação oceânica de vanguarda, que estendia seu comércio à
Inglaterra, à Alemanha e aos Países Baixos, os grandes centros comerciais do
Mundo, Antuérpia, Amsterdã e Roterdã.
Cristóvão
Colombo tentou várias vezes, sem sucesso, dissuadir reis portugueses da ideia
de alcançar as Índias contornando a África e abraçar a sua proposta de
financiar uma expedição pela rota oposta na direção Oeste. Ele tentava
aliciá-los propondo regressar com as naus carregadas de metais preciosos, ouro
e prata. Os reis portugueses não se deixaram persuadir pelo marinheiro genovês.
Mas, ele teve sucesso em convencer, contra a opinião do conselho régio, a
notável rainha de Espanha, Isabel de Castela, que financia quatro expedições de
Colombo à América que ele persistia em afirmar que eram as Índias e de onde
trazia ouro e prata.
Os
reis de Portugal, então, intensificam sua tentativa de chegar às Índias pela
rota Leste e Vasco da Gama consegue realizar o projeto lusitano, iniciando o
primeiro império colonial da História, que durou um século e colocou Portugal à
frente de todas as nações, nesse período. O rei de Portugal sarcasticamente
envia ao rei espanhol carta, descrevendo as terras indianas por Portugal
descobertas, precisamente em acordo com as expectativas, ao contrário das que
estavam sendo percorridas por Colombo. Portugal desde a primeira viagem de Vasco
da Gama interessou-se pelo comércio.
Logo, as duas nações, Espanha e Portugal.
trataram de excluir os demais países europeus, de se beneficiarem dessa fonte
de enriquecimento, as terras recém-contatadas a Leste e a Oeste, o abastecimento
de ouro e prata e o comércio de mercadorias, principalmente especiarias. Assim,
essas duas nações foram beneficiadas, com a repartição das terras descobertas
entre elas, por decisões dos Papas Sisto IV, Nicolau V e, por fim, Alexandre
VI, papa espanhol, concluindo-se na
demarcação do Tratado de Tordesilhas.
Por
essa época, a fé de muitos príncipes europeus na soberania universal da Igreja
já não lhes era tão profundamente arraigada na mente que os submetessem, quando
os interesses materiais e políticos fossem contrariados pelo Papa. Assim, os
reis europeus, sobretudo dos Países Baixos, Inglaterra e França desenvolveram
suas frotas navais e lançaram-se também nas rotas líquidas dos vastos mares
oceânicos, à cata de ouro e prata ou estabelecendo bases de comércio. O rei de
Portugal reclamou do rei francês o seu desrespeito pela repartição papal das
terras do Mundo entre Portugal e Espanha, e este galhofeiramente lhe indagou em
que parte do testamento de Adão se acha essa repartição registrada.
Como
se vê, os reinos daqueles anos da Renascença já se dedicavam com o máximo
empenho na criação de um império colonial, com a finalidade da acumulação de ouro e prata, ou extraindo-os
da própria terra agregada ao seu domínio, ou através do comércio internacional. Os reinos queriam ser poderosos. Para ser
poderosos, queriam ser ricos. Para ser ricos, queriam ter dinheiro, isto é,
ouro e prata. Para ter ouro e prata, eles queriam ter colônias, de onde extrair
ouro e prata, ou mercadoria para comerciar, recebendo ouro e prata pelas
mercadorias fornecidas. As cidades da Itália ensinaram ao Mundo que se fica
rico através do comércio. E logo o hábito do comércio se espalhou pela continente
europeu.
Durante quase um século Espanha e
Portugal se colocaram como as mais ricas nações da Europa, acumulando ouro e
prata, e Portugal, à frente de todas as nações, a mais rica, precisamente
mediante o comércio das especiarias, até que surgissem os primeiros tratados
sobre economia, redigidos por comerciantes ou por conselheiros reais. O foco desses estudos, portanto, era a
riqueza. A finalidade era saber como se deveria proceder para enriquecer,
sobretudo, o rei. O pressuposto básico desses estudos era o conceito de
riqueza. Essa fase moderna inicial do pensamento econômico, apelidou-se de
Mercantilismo, “a primeira tentativa de produzir-se uma teoria econômica da
Sociedade: o fim da sociedade é a riqueza e os meios de conseguir a riqueza são
os negócios comerciais dos cidadãos, expandidos sob o amparo do poder do
Estado”, explica Henri Denis. Compulsando os livros sobre História da Ciência
Econômica, encontra-se vasta lista de
autores incluídos no grupo Mercantilismo.
A Ciência
Econômica, portanto, surgiu em razão de um fato histórico: os grandes e
poderosos reinos surgidos nos séculos finais da Idade Média, precisavam ser
poderosos e, sobretudo, ricos. Poderoso para subsistir, em meio a impérios
rivais e ambiciosos. Rico, para ser poderoso, e subsistir em meio a súditos
ambiciosos e igualmente aspirantes a uma vida boa.
O conceito básico da teoria mercantilista é,
pois, o conceito de riqueza. Riqueza para o Mercantilista era, antes de tudo, o
dinheiro (o tesouro= ouro e prata), porque o dinheiro tudo adquire, os bens de
consumo e armas para guerra, inclusive paga os mercenários contratados para a
guerra, faz os impérios fortes. É provável que a maioria entendesse que a
abundância de bens de consumo fosse mais importante que o dinheiro. Mas, para
os reis e para os reinos, sobretudo, o mais importante era o dinheiro, que por
tudo se troca, tudo compra.
É amplo o elenco de personalidades incluídas
nesse grupo de pioneiros da teoria econômica, o Mercantilismo: Azpilcueta,
Tomás de Mercado, Botero, Jean Bodin, Antoine de Monchretien, James Steuart,
William Petty, Jean Baptiste Colbert e outros muitos. Mas, três são
principalmente citados como os principais vultos do Mercantilismo: Antonio
Serra, Antoine de Monchretien e, o mais importante, Thomas Mun.
O Livro da Economia resume o Mercantilismo em
duas palavras: comércio e protecionismo. E explica :
A riqueza consiste na posse do ouro (dinheiro);
logo,
a riqueza
de uma nação é medida pelo tamanho de seu tesouro (a quantidade de ouro
existente nos cofres do reino); logo,
a exportação enriquece a nação (enche o tesouro)
a importação
empobrece a nação (esvazia o tesouro);
ora, a quantidade de ouro existente no mundo é
fixa, inalterável;
logo, o que uma nação ganha, a outra perde;
logo, o rei precisa promover a exportação e
impedir a importação.
Entendo, pois, que Wikipédia haja resumido
corretamente o Mercantilismo nos seguintes princípios:
Incentivos às manufaturas
Produzir tudo o que
possível for, e com o maior valor agregado, e exportar o excedente ao consumo
interno..
Protecionismo alfandegário
Promoção da exportação, sobretudo de
manufaturas, e aos meios nacionais de transporte.
Balança comercial favorável
O esforço era para exportar mais do que importar, de modo que os
ingressos de moeda fossem superiores às saídas, deixando boa situação
financeira.(Soma zero, isto é, volume
do comércio mundial seria inalterável, fixo, a vantagem de uma nação seria
desvantagem da outra)
Colônias de exploração
Suprimento de matéria prima barato e monopólio de
comércio. Formaram-se
dessa forma os impérios.
Antoine
de Montcrethien era um mercantilista puro extremado: advogava a
autossuficiência da França e vituperava a permissão para qualquer importação. Mas,
seu conceito de riqueza não se atinha exclusivamente à abundância de ouro,
incluía igualmente a abundância de todos os bens necessários para a
subsistência. E John W McConnell adiciona que Montchretien entendia que a
principal finalidade do Estado é fazer que haja abundância de bens materiais à
disposição de todos os cidadãos. E arremata que, por isso, os estudos
econômicos passaram a denominar-se Economia Política.
Prezado Diretor Edgardo,
ResponderExcluirBOM DIA!
Mais uma vez agradeço de coração a oportunidade de ler um de seus excelentes textos.
Aí tem história, religião, política, economia, geografia... e sobretudo mostra o quanto o ser
humano é persistente na sua busca pela riqueza, poder, longevidade, felicidade...
Todos somos um pouco parecidos, mas penso que nos dias de hoje a maior riqueza do homem está no
seu conhecimento e respeito aos seus semelhantes.
Abraço fraterno
Genésio - Uberlândia/MG.
Estimado Genesio
ResponderExcluirObrigado pela sua manifestação.
Edgardo