Mercantilismo
é palavra derivada de mercantil, derivada de mercante, derivada de merca, palavra
portuguesa que significa merces, vocábulo latino indicativo do objeto de uma
relação de troca, com o intuito de obter lucro, de aumentar o patrimônio, a
propriedade. Mercado é qualquer tipo de grupo de mercadores - vendedores e
compradores -, qualquer agrupamento de pessoas, promovido por relacionamentos
com intuito de trocas lucrativas.
O
Mercado não é instituição natural. Isto é, não é produto da Natureza, É criação
humana. O Homem Primitivo, que vivia da colheita e da caça abundante, no
restrito ambiente familiar, com restritas necessidades para a sobrevivência, na
ampla vastidão de espaço geográfico despovoado, não tinha necessidade de troca
para subsistir. Nessa sociedade humana, as coisas todas pertencem a todos, a
propriedade é coletiva, é comum. Cada um delas se apossa na quantidade do que
necessita para subsistir, à medida que necessita e quer.
A
troca surge com o aumento populacional e diversificação das necessidades de
sobrevivência. As coisas necessárias para subsistir rareiam, diversificam-se e encontram-se na posse de
indivíduos diferentes. Cada um, com seu interesse próprio e específico de
subsistência, guarda e acumula terras e bens,
precavendo-se contra a falta deles no futuro, garantindo a própria
subsistência no presente e no futuro. As coisas passam de uma pessoa para outra
ou de forma violenta, via extorsão, ou num relacionamento do tipo pacífico,
amistoso ou até mesmo interesseiro, lucrativo. O mercado, criação do Homem,
produto cultural, portanto, tem sua origem na propriedade privada, e esta nas
necessidades humanas individuais, que Gilgamesh já nos ensinou: “Jamais
encontrarás o que procuras”, isto é, são infinitas, O homem sempre quer possuir
mais, melhor e com menos trabalho. Os livros didáticos de Economia expressam a
mesma ideia através daquele princípio: “os recursos são escassos”.
Na
época das cidades-estado gregas, em Esparta, a cidade que fez guerra vitoriosa
contra a famosa cidade–estado de Atenas, a propriedade era coletiva. Platão, um
dos maiores sábios da História, cidadão de Atenas, pensava que a propriedade
deveria ser coletiva. Aristóteles, seu mais famoso discípulo, e tão eminente
sábio quanto o mestre, discordava: “Sem dúvida é melhor a propriedade ser
privada.” Mas adicionando “E função especial do legislador é criar nos homens
um temperamento benevolente.” Aristóteles explicava que a propriedade privada
estimula o sentimento da ambição que é o estímulo do progresso, enquanto a
propriedade coletiva amortece o sentimento de responsabilidade pela sua
permanência e acréscimo. John Locke, em Ensaios sobre o Governo Civil (1690), afirma
que existem os direitos naturais individuais à integridade pessoal e à
propriedade, que o Estado não pode ignorar. Sobre este último adiciona: “Na
origem, o indivíduo pode, pois, apropriar-se apenas da quantidade de terra que
pode cultivar e cujos frutos consumir. Mas, como os homens, desde que inventaram
a moeda, podem acumular riqueza em quantidade ilimitada, consentiram, então,
numa posse não proporcional e desigual de terra.” Entendia que o fim da
sociedade é produzir a maior quantidade possível de coisas úteis, sem
preocupação com a repartição e com as consequências de uma repartição
desigual.
Também
o dinheiro é uma criação do Homem, um produto cultural. Primitivamente o que
existiu foi o escambo, a troca simples, direta de uma coisa por outra.
Posteriormente, o Homem inventou um meio de troca, o dinheiro. O dinheiro é uma
medida de valor. Por muito tempo, o dinheiro se identificou com o ouro, metal
precioso, valioso. Determinada quantidade de ouro era a unidade de valor. As
coisas se trocavam por quantidades que tinham o mesmo valor. Trocas em
quantidades de valor igual, troca honesta, preço justo, ensinava a Igreja e
Tomás de Aquino: “Homem algum deve vender uma coisa a outro homem por mais do
que ela vale.”
O
dinheiro facilita o comércio, a troca, porque viabiliza a troca descasada,
pode-se ser apenas comprador ou apenas vendedor, e pode-se, consequentemente
aguardar a melhor oportunidade para fazer o negócio de compra e o negócio de
venda. No escambo, ao contrário, a troca é sempre casada, todo comprador precisa
ser vendedor. Só existe a venda, se existir a compra,
O
dinheiro hoje é mera medida de valor. Mera convenção. Nem quantidade física de
coisa material valiosa é. É mera instituição, produto cultural, produto mental.
O Estado imprime num papel, com determinada regulamentação, a expressão R$1.00 e
esse papel adquire esse valor, e pode ser trocado por qualquer coisa que possua
esse valor. Ou muito menos que isso, um banco simplesmente digita na conta
bancária de uma pessoa R$1.000,00 e ela passa a possuir mil reais.
Já
no século XVI, observou-se que o dinheiro não era medida muito confiável, pois
a mesma quantidade de mercadoria, anos transcorridos, valia mais, seu valor
havia subido. Em geral, atribuíram o fato à desonestidade dos banqueiros que
frequentemente desvalorizavam o
dinheiro, dele subtraindo parcela de ouro. Um mercantilista famoso,
todavia, Jean Bodin, atribuiu o fato, sobretudo, ao aumento da quantidade da
moeda no mercado, resultante da própria política econômica mercantilista: o preço,
o valor das coisas é função da quantidade de dinheiro no mercado, mais
dinheiro, preço mais alto, as coisas valem mais; menos dinheiro, preço mais
baixo, as coisas valem menos. Jean Bodin percebeu que dinheiro em excesso
provoca a inflação dos preços. É o início da teoria quantitativa da moeda.
Mas,
o dinheiro que se amontoava nas casas e nas organizações de mercadores
precisava de depósitos mais amplos e mais seguros para sua guarda. Os
banqueiros, que se dedicavam a emprestar dinheiro para os reis e negociantes,
passaram a usar seus cofres para guardar dinheiro e tesouros de outros
negociantes e famílias. Os recibos, as ordens de pagamento, os saques, as
promessas de pagamento, tudo isso, em ultima análise, nada mais era senão
dinheiro. Os bancos fabricam dinheiro. O dinheiro fabrica dinheiro. A letra de
câmbio, a sociedade de responsabilidade limitada, a sociedade por ações, e as
bolsas de valores e de commodities facilitaram agilizaram e expandiram o
comércio, amenizaram os riscos de fracasso, forneceram mais segurança e
estabilidade de recursos.
Já
que o dinheiro nada mais é que uma medida de valor das coisas, não é de admirar
que em 1690 William Petty, no seu Political Arithmetick, haja fornecido, como
informa Roberto Campos, “contribuições pioneiras,,,à metodologia do cálculo de
renda e da riqueza nacional, e,,, aos primórdios do cálculo estatístico.” A
Economia Política adentrava no grupo das
ciências exatas. E passou a questionar o que é o valor das coisas, por que uma
coisa é preciosa, é valiosa, e outra não é? por que uma coisa é cara e outra é
barata? o que é o valor?
William
Petty deixou sua opinião em Tratado das Taxas e Contribuições (1662): “Tudo
devia ser avaliado segundo duas denominações naturais:
terra
e trabalho... deveríamos dizer um navio ou uma vestimenta valem tal medida de
terra ou tal medida de trabalho, posto que navio e vestuário são produtos das
terras e do trabalho humano dispensado.” e, nessa mesma obra, parece atribuir o
valor das coisas ao trabalho apenas: “A carestia e a barateza naturais das
coisas dependem do maior ou menor número de braços requeridos para os produtos necessários
à vida...” Esta ideia foi esposada por John Locke, em 1690, na obra
supracitada: “...porque é o trabalho que estabelece uma diferença de valor
entre as coisas,” e explica: “É, pois, o trabalho que dá a uma terra a
maior parte do seu valor; sem ele, ela não valeria quase nada.”
Henri
Denis assinala outra contribuição de John Locke à ciência econômica, em suas
“Considerações sobre o Abaixamento do Juro e a Elevação do Valor da Moeda”
(16910: a ideia da existência de uma taxa natural de juro do dinheiro, que não
poderia ser modificada por medida legislativa.,. oportunidade em que “apresenta
análise já muito elaborada da formação dos preços no mercado em função da oferta
e da procura, onde parece abdicar da teoria-valor trabalho, ligando o valor à
utilidade e raridade das coisas.
Nesse
mesmo ano de 1691, Sir Dudley North, nobre inglês, comerciante,, presidente da
Câmara de Londres, manifestava nos “Discursos sobre o Comércio” repulsa ao protecionismo
estatal preconizado pelos mercantilistas:
“Do
ponto de vista do comércio, o mundo inteiro nada mais é que uma só nação ou que
um só povo, no interior do qual as nações são como pessoas...
“A
moeda exportada no comércio constitui um aumento da riqueza da nação,”
“Toda
medida a favor de um comércio ou de um interesse contra outro é um abuso e
diminui igualmente o proveito do público.”
“Não
cabe em nenhum caso à lei fixar os preços no comércio, porque os seus níveis
devem fixar-se, e fixam-se por si mesmos.”
“Quando
uma nação se tornou rica, o ouro, a prata, as joias e todas as coisas úteis e
desejáveis... são abundantes.”
“Nunca
nenhum povo se tornou rico por intervenções do Estado, mas a paz, a indústria e
a liberdade, e não outra coisa, é que trazem o comércio e a riqueza.”
Pierre
le Pesant, senhor de Boisguillebert, em
três livros, As Particularidades da França (1697), Memorial da França (1707) e
Testamento Político do Marechal de Vauban (1712) contra os impostos sobre a venda dos produtos e os direitos
aduaneiros externos e internos, bem como a isenção da renda dos ricos,
argumentava que eles restringem a procura dos produtos, quando o consumo é
precisamente a fonte do desenvolvimento da riqueza. Assim, a causa da pobreza
da França é o baixo nível de consumo da população. Uma nação atinge o nível
máximo de riqueza quando atinge o nível máximo de consumo; e atinge o nível máximo
de consumo, quando atinge o preço de viabilidade de todas as trocas (o preço de justiça, isto é, que proporciona
um ganho normal a todos os vendedores). A riqueza é, pois, produto do
funcionamento do mecanismo da formação de preços normais. O protecionismo, a
interferência no funcionamento desse
mecanismo, portanto, provoca a pobreza. A liberdade de comércio, pois, é
condição necessária e suficiente para a criação da riqueza. A riqueza de uma
nação se assenta na liberdade de comércio.
O
Livro da Economia faz precioso resumo da ideia econômica mercantilista e da
ideia econômica divergente de Boisguillebert, que resumo: a visão mercantilista
cultural – a riqueza é o entesouramento-, e a visão boisguillebert naturalista
– a riqueza é a abundância de dinheiro circulando no sistema. A visão
mercantilista cultural consagra o papel do Estado, o grande negociante, que
acumula ouro, e interfere na economia com tributos, subsídios e monopólios. A
visão boisguillebert naturalista: o importante é o consumo dos bens, a
circulação do dinheiro; mais vale o dinheiro gasto pelo pobre, que o dinheiro
poupado pelo rico.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário