domingo, 5 de outubro de 2014

307. A Contestação da PREVIC à ACP – III (continuação)

A Contestação principia sua argumentação com a transcrição do artigo 202 da Constituição Federal.

Minha opinião

Estranho. A ACP não arguiu a inconstitucionalidade do instituto de Reversão de Valores. Arguiu-lhe ILEGALIDADE. A ilegalidade, como já vimos, se comprova confrontando o texto sob exame com o texto da Lei, a LC 109/01, a Lei Básica da Previdência Privada Complementar. 

Quem diz isso? O próprio artigo 202 da CF. Ele não apenas diz, ele manda que se confronte o instituto da Reversão de Valores com a LC 109/01, quando diz que a Previdência Complementar é um REGIME e quando encerra o caput do artigo com o seguinte mandamento: “e regulado por lei complementar.” O que significa essa expressão? Significa que a ÚNICA INTERPRETAÇÃO LEGÍTIMA DESTE ARTIGO 202 É A LC 109/01. É ela, é todo o seu contexto, são os artigos dela, todos os artigos, que nos proporcionam a ÚNICA AUTORIZADA INTERPRETAÇÃO LEGAL DO ARTIGO 202 da CF.

O artigo 202 da CF diz o mesmo quando afirma que a Previdência Complementar Brasileira é um REGIME, isto é, o mesmo que INSTITUTO, a saber, “conjunto de normas que regem determinadas entidades ou situações jurídicas”. Isso significa que existem mandamentos e existem proibições que SEMPRE CONSTARÃO DE TODOS OS CONTRATOS QUE SE FIRMAREM NESSA MATÉRIA. Por exemplo, no REGIME DO CASAMENTO BRASILEIRO, enquanto permanecer tal como está o artigo 226 da CF, a união homossexual não é CASAMENTO, não é reconhecido pelo Estado como casamento. E onde se acham essas normas, esses mandamentos e essas proibições, do Regime da Previdência Complementar? Na LC 108/01 e, sobretudo, na LC109/01, a Lei Básica da Previdência Complementar.

E façamos, ainda, uma terceira observação: as LC 108/01 e 109/01 foram promulgadas em 2001, isto é, três anos depois de dada a formulação atual a esse artigo 202 da CF, mediante a Emenda Constitucional 20/98. Essas LC, portanto, são a legítima expressão da vontade constitucional do Povo Brasileiro tal qual formulada naquele artigo 202 da CF, através dos seus representantes legislativos, os únicos cidadãos brasileiros autorizados a promulgar leis, isto é, mandamentos que obriguem a fazer ou não fazer no Estado do Brasil.

Por tudo isso, parece-me patente aqui o viés de parcialidade do advogado de defesa. Ao invés de ler OS CLAROS TERMOS DOS ARTIGOS 3º, 18, 19, 20 e 21 da LC 109/01, a Contestação faz é complicar e confundir as coisas. Em lugar de tentar detectar toda a arquitetura da LC 109/01 e todos os seus conceitos básicos (regime previdenciário, equilíbrio financeiro e atuarial, relação previdenciária, contratos de adesão, patrocínio, contribuição, reserva previdenciária, benefício previdenciário, reserva previdenciária excedente, mecânica de reequilíbrio de contas, EFPC, patrimônio fiduciário, etc.), onde TUDO SE INCOMPATIBILIZA com o instituto da Reversão de Valores, consegue construir um modelo normativo falacioso, porque marginal à LEI, porque incongruente com a LC109/01, porque mutilador da LEI, porque propositadamente distante da análise da totalidade da LEI, porque omisso justamente no tocante ao estudo imparcial dos artigos que PROÍBEM A REVERSÃO DE VALORES, porque omite precisamente O ESTUDO DO ARTIGO 19, QUE É A REPRODUÇÃO NA LEI DO MAIS IMPORTANTE MANDAMENTO DO ARTIGO 202 DA CF (“baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado”), artigo esse que é o alicerce (“baseado”) de todo o REGIME DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR.

E a tática é tão falaciosa que ainda se poderia justificar, apelando para o fato de que a CONTESTAÇÃO pretende contra-argumentar, não apenas contra a ilegalidade do instituto da Reversão de Valores, mas também contra a acusação de que a PREVI promoveu em 2010 a Reversão de Valores para o Patrocinador, burlando as normas estabelecidas pela próprias Resoluções do CGPC! Em razão deste segundo problema, QUE É INEQUIVOCAMENTE SECUNDÁRIO, justifica-se a tentativa de complicar e confundir matéria de inquestionável clareza e principal!

E até creio que a CONTESTAÇÃO adote essa tática, sem nem perceber a sua falácia, imaginando até que esteja prestando valiosíssimo serviço ético à Nação Brasileira! Ela estaria exercendo o papel de guardiã do lídimo sentido das normas que conferem a ORDEM QUE É O ESTADO BRASILEIRO, e isso, através de hermenêutica, que se pensa corretíssima, a saber, pautada pelos princípios constitucionais contidos no artigo 202 da CF! Papel sacratíssimo, papel sacerdotal dos tempos pós-modernos! E a orientação do Mestre Wladimir no seu Curso de Direito Previdenciário: os princípios nada valem perante a clara expressão da Lei? Está errada?...

Mas, o que fazer? Este é o dever da CONTESTAÇÃO: contra argumentar... elaborar um modelo que acolha o instituto de Reversão de Valores. Cabe ao juiz decidir se ele é o modelo legal ou um modelo marginal, falacioso...
(continua)
 

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

306. A Contestação da PREVIC à ACP –II (continuação)

Antes de ingressar na análise da Contestação, acho importante chamar a atenção para a forma como ela foi elaborada e para a pessoa que se apresenta responsável por ela perante o Tribunal.

A Contestação teve início na PREVIC com a Informação nº09/2014/PF-PREVIC/PGF/AGU, elaborada por Procurador Federal (o Coordenador-Geral de Representação Judicial) e aprovada pelo Procurador-Chefe da PREVIC. Na minha ignorância de leigo em matéria de Direito, penso que esses Procuradores tenham poderes para representar a PREVIC nos Tribunais. Por isso, chama-me a atenção que a CONTESTAÇÃO tenha subido até à Procuradoria Regional da 2ª Região (Brasília) para que um Procurador conferisse à Contestação sua forma final, a assinasse, e a apresentasse ao Juiz Federal da 10ª Região (Rio de Janeiro), em documento com papel da Advocacia Geral da União (Procuradoria Geral Federal) e emblema da República.

É sempre assim, a saber, os Procuradores da PREVIC não a patrocinam quando ré? São sempre os Procuradores de Brasília que fazem defesa de ACP? Gostaria de que colega advogado me esclarecesse esse pormenor. Será que essa defesa foi uma exceção, um caso especial, em que a defesa foi avocada para um Procurador lotado na própria Advocacia Geral da União e retirada da própria autarquia (a PREVIC), até mesmo da Consultoria de um Ministério (o MPS)? Noutras palavras, essa assunção da representação judicial tem significado? Pode-se inferir desse fato que essa ACP foi tomada em excepcional consideração?

As partes da Contestação da PREVIC, redigida pelo Procurador Federal da 2ª Região são o início e fecho.  Todo o meio – o longo corpo da argumentação é a transcrição de trabalho feito pelo Coordenador-Geral de Representação Judicial da PREVIC, a Informação nº09/2014/PF-PREVIC/PGF/AGU. 

A Contestação inicia-se pela apresentação do Fato:

“...a Ação Civil Pública...  busca provimento jurisdicional na expectativa de demonstrar que “os artigos 20, inciso III, parte final, 25, 26 e 27 da Resolução CGPC nº 26/08, ao autorizarem a reversão de valores integrantes de reserva especial de planos de benefícios ta mbém aos entes patrocinadores, são manifestamente ilegais , por extrapolarem os limites estipulados na Lei Complementar nº 109/01 (artigos 3º, inciso VI, 19, 20 e 21) sobre a destinação e utilização dos resultados superavitários dos planos de benefícios das EFPC, especialmente dos que integrem a reserva especial de cada plano.

        Ao final de sua petição inicial requer o MPF os pedidos liminares constantes nas fls. 32 e 33 e pedidos finais às fls. 33/35.”

Minha Opinião

Indiscutível, este é o argumento, e na minha opinião, irretorquível, desenvolvido pelo Procurador da República do Rio de Janeiro na ACP, para demonstrar a ilegalidade do instituto da Reversão de Valores.

Ele, todavia, no corpo de sua argumentação fez, no texto da ACP, rápido reforço, mediante simples alusões a SEIS OUTROS ARGUMENTOS que não foram mencionados na Contestação:

- A SUBORDINAÇÃO DA ATIVIDADE-MEIO (as aplicações financeiras dos recursos dos Planos de Benefícios) À ATIVIDADE-FIM (o pagamento dos benefícios previdenciários) da Previdência Complementar: “A interpretação aqui defendida... está em consonância com a Constituição da República — que, com a nova redação dada ao artigo 202 pela Emenda Constitucional nº 20/98, deu hierarquia constitucional ao objetivo social da previdência complementar, que é o de assegurar o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, sendo o investimento dos recursos acumulados apenas o meio para se atingir tal objetivo.”;

- A NATUREZA DA CONTRIBUIÇÃO: “Uma vez vertidas as contribuições ao fundo de previdência complementar, estas passam a compor o plano de benefícios administrado por tal ente, ficando estritamente afetadas ao pagamento dos benefícios de caráter previdenciário a seus participantes e assistidos, conforme expresso nos referidos artigos 19, 20 e 21 da Lei Complementar nº 109/01.”;

 

- A SOCIEDADE SEM FINS LUCRATIVOS QUE É LEGALMENTE A EFPC PATROCINADA: “Cumpre reiterar neste ponto o cristalino teor do artigo 3º, inciso VI, da Lei Complementar nº 109/01, que determina que, na área da previdência complementar, “a ação do Estado será exercida com o objetivo de proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios.” Permitir interpretação diversa poderá abrir caminho para a utilização dos fundos de previdência complementar como um mecanismo para a obtenção de rendimentos em aplicações financeiras pelos patrocinadores dos planos de benefícios, o que desvirtua os objetivos sociais de tais fundos e seus planos e viola o artigo 31, §1º, da Lei Complementar nº 109/01, que impõe que as EFPC não tenham fins lucrativos.”

- A NATUREZA FIDUCIÁRIA DO PATRIMÔNIO DA EFPC: “O fundo de previdência complementar jamais pode ser considerado “dono” do capital acumulado nos planos que administra — e o mesmo se aplica, com muito mais razão, aos seus patrocinadores.”

- A IMPROCEDÊNCIA DO ARGUMENTO DE “ENRIQUECIMENTO ILÍCITO”: “Tem-se, assim, expressa base legal para afastarem-se as fragilíssimas alegações de risco de “enriquecimento sem causa” de participantes e assistidos...);

- O ARGUMENTO DA ISONOMIA: (“Tem-se, assim, expressa base legal para afastarem-se as fragilíssimas alegações de) “direito paritário” do patrocinador a receber valores decorrentes de superávit.”

Insisto. O único argumento desenvolvido pelo Procurador da República do Rio de Janeiro para demonstrar a ilegalidade do instituto da Reversão de Valores, é verdade, foi o exposto naquele trecho supracitado da CONTESTAÇÃO, a saber, os expressos mandamentos da LC 109/01.

Nada obstante, parece-me evidente que, já aqui, na exposição do FATO, a CONTESTAÇÃO se mostre sofrendo da influência do viés da advocacia de defesa: ela está omitindo o aceno para seis outros argumentos da ACP... Não sejamos, porém, excessivamente exigentes. Admitamos que tal simplificação deveu-se a escrupulosa preocupação metodológica de definir com extrema precisão o exato vigor da argumentação da ACP. 

Por ora, basta esta observação sobre essa particularidade da CONTESTAÇÃO... À medida que avançarmos nesse processo de análise da CONTESTAÇÃO teremos oportunidade de levantar, SE EXISTIREM, outros aspectos do viés de parcialidade da defesa... ou, se preferir, de deficiência do argumento da CONTESTAÇÃO, ou, se for o caso, até mesmo da sua carência de valor contestatório.

(continua)

 

 

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

305. A Constestação da PREVIC à ACP - Introdução


Há poucos dias chegou ao meu conhecimento, de leigo em Direito, a contestação apresentada pela PREVIC, na 10ª Vara da Justiça Federal, à Ação Civil Pública proposta pelo Procurador da República no Estado do Rio de Janeiro.

A contestação foi assinada em 18/06/14 por Procurador da Procuradoria Regional Federal da 2ª Região. A peça consta de duas partes: a contestação propriamente dita elaborada pelo Procurador Federal da 2ª Região e os anexos. Os anexos são: a Informação nº09/2014/PF-PREVIC/PGF/AGU, elaborada por Procurador Federal, Coordenador-Geral de Representação Judicial, e aprovada pelo Procurador-Chefe da PREVIC; a Nota nº 28/2014/CGTR/DITEC/PREVIC; uma página do DOU de 16/02/2011; a correspondência da PREVI (PREVI/GABIN-2011/0056), de 24/01/2011 dirigida à PREVIC; e a Nota nº 102/2014/CGAT/DITEC/PREVIC.

Embora leigo em matéria de Direito, consoante acima confessei, estou ousando fazer minhas apreciações sobre essa defesa da PREVIC, porque percebo que as observações que emito a respeito dessa matéria, a ilegalidade da Reversão de Valores, estão sendo utilizadas nas ações que correm nos diversos Tribunais do País. Assim, minha intenção é oferecer aos doutos advogados de nossas associações material para reflexão, e, caso estas observações sejam de fato doutrinariamente procedentes, venham a ser utilizadas para demonstrar os equívocos, que penso existir na CONTESTAÇÃO apresentada pela PREVIC.

A defesa da PREVIC consiste em extenso trabalho. Por isso a minha leitura far-se-á através de textos em série, apondo as observações a cada passo da leitura.

A primeira observação, que me permito emitir, é que tanto a ação de ilegalidade da Reversão de Valores, quanto a contestação, são produzidas por Procurador da República, isto é, por quem tem a missão constitucional de obrigar o Governo de Plantão a respeitar a LEI (artigo 127 da CF).

Na minha opinião, em casos em que o direito da vítima não é do interesse pessoal do Procurador, é óbvia a atitude plenamente imparcial do Procurador proponente da ação. Falece-me, todavia, convicção para afirmar o mesmo, quando se trata de Procurador incumbido de defender a posição do Governo que haja extrapolado o seu poder meramente regulamentador da Lei, porque, por mais autônoma que seja a missão de Procurador da República, ele é servidor do Estado, é do seu interesse pessoal proteger o Estado, e, sobretudo, é sua obrigação apresentar um contraditório tal a favor do Estado, que a conclusão final sobre a legalidade do fato caiba ao sábio senso de justiça do Juiz.

Entendo, pois, que a contestação pode estar carregada desse viés de advogado, incumbido da defesa de um acusado. E essa defesa com esse viés, por vezes, se posiciona ao arrepio da correta interpretação da Lei.

A segunda observação é que, no meu  entender, constatar a legalidade de uma norma, de um instituto, como a Reversão de Valores, consiste num processo muito simples: comparar a norma com a lei, isto é, com a Constituição Federal e com as leis, principalmente, com as Leis complementares. Acho que isso é óbvio.

E, o mais importante, para mim essa PREMISSA BÁSICA da legalidade ou ilegalidade está estabelecida na própria Constituição Federal, artigo 5º-II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Ela me foi ensinada pelo Curso de Direito Previdenciário de Wladimir Novaes Martinez:

“Leitura do texto estudado – Em certas circunstâncias, a dificuldade desaparece após leitura detida do dispositivo... Princípios gerais – Os princípios também não são fontes formais... Em face da lei dispositiva e expressa nada significam;...”

E confirmada por  sua Exª , o Sr. Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal: “A população só tem segurança jurídica a partir do momento em que o magistrado se baseia ou na lei ou na constituição. É claro que essas leis, essas regras constitucionais, precisam ser interpretadas, mas a interpretação só se opera quando há uma dubiedade na lei.”

Acredito que terei longo e árduo estudo pela frente, porque, além de extenso, o texto da CONTESTAÇÃO precisa ser criteriosamente e sem restrições confrontado com a Constituição Federal e com as LC 108 e 109/01, aditando-se o fato de que a cópia que possuo não permite a simples cópia de particularidades previamente selecionadas...

 (continua)

 

 

 

sábado, 27 de setembro de 2014

304. Mensagem de Aniversário a um Amigo Deprimido

Hoje é mais um aniversário seu. Talvez, a tristeza e a angústia sejam tão grandes, que você gostaria de não viver este aniversário. Não lhe vou dizer palavras de consolo, que essa tarefa cabe a seus familiares. Vou apenas quebrar o silêncio, que venho mantendo, porque sei que você espera que minha manifestação represente algum raio de luz que espante as trevas que ora o rodeiam. Não acredito que tenha esse farol. Mas, vou dizer-lhe o que eu acho que pensaria, se estivesse em seu lugar. E nisso consistirá o meu presente de aniversário.

Em primeiro lugar, não acho que o bem e o mal, que nos sucedem, sejam obras de um Deus. A Terra é nada entre cem bilhões só de estrelas, que compõem esta galáxia que é a Via Láctea. Imagine o que é a Terra, se comparada com os cem bilhões de cem bilhões só de estrelas, que existem no Universo! Todos os dias astros como a Terra aparecem e desaparecem. Alguém já disse: Deus é silêncio. O Homem é o grito. O som só existe em nossa mente. É fabricação nossa. Fora de nós, só existe o estímulo que faz nossa mente fabricar o som, a saber, a vibração, apenas a vibração do ar. Assim, também poderíamos dizer: Deus é a treva. O Homem é a luz. A luz só existe em nossa mente. Fora de nós, só existe a vibração, isto é, a onda eletromagnética que estimula nossa mente a produzir a luz e as cores.

Nenhum argumento, que eu e você tantas vezes ouvimos na vida, para provar a existência de Deus, é absolutamente convincente. Um exemplo: o argumento da perfeição do Universo, o mais utilizado e o mais impactante. Você acha mesmo que o Universo é uma máquina perfeitíssima? Considere só os distúrbios que são as tempestades e as enchentes que todos os dias varrem a Terra espalhando desgraça e desespero sem conta. Reflita sobre as desgraças que os vendavais e as correntezas d’água desenfreadas espalham! Pondere sobre os desastres e as doenças que ceifam vidas a cada instante. O sofrimento das mães, das crianças, dos inocentes, as injustiças, o triunfo dos perversos, enfim, o sofrimento da Humanidade! Atente para as explosões de estrelas e entrechoques de galáxias que ocorrem no Universo! Mas, admitamos que o Universo seja uma máquina perfeitíssima. Por que ela tem que ser feita por uma Inteligência Perfeitíssima?

Neste planeta Terra, só a inteligência humana produz máquina. O Universo é uma máquina perfeitíssima. Logo, o Universo foi produzido por uma inteligência perfeitíssima. Este argumento tem uma premissa que não é evidente nem está comprovada, a saber, se os objetos não-naturais terrestres são produzidos pela inteligência humana, os fenômenos da Natureza são também produzidos por uma Inteligência. Isso não pode ser comprovado. Esse argumento, explicam muitos filósofos, forma-se por analogia, e por isso merece pouca confiabilidade. Ele é muito usado na Ciência do Direito, e eu, como os demais aposentados do Banco do Brasil, sofremos muito as consequências desse raciocínio mal aplicado...

Muitos filósofos, pois, não reconhecem validade nessa argumentação. E, curioso, a mitologia grega acha que tudo teve origem no Caos, isto é, no vazio abissal, na escuridão vazia e ilimitada, na massa informe, mas fecundante. E Charles Darwin diz que tudo foi produzido pelo acaso e as circunstâncias. E o filósofo Aristóteles afirma que o “poder ser é uma realidade”, que ainda não é o ser, e acredite, compõe tudo o que é ser material!... Tomaz de Aquino afirma que “esse poder ser” não compõe os seres imateriais... Será que estes não podem ser?... O que Darwin e a Ciência afirmam é que o organizado procede do desorganizado, do caos, do disforme. O que a Ciência constata é que maior perfeição pode existir em seres mais compostos. O importante é a sinergia das partes.

Assim, não vou apelar para o argumento religioso na circunstância atual de sua existência. Não acredito nele. Entre muitas outras coisas, não acredito em Deus e Homem verdadeiro, numa só pessoa, a de Jesus Cristo. Esse ato de fé é muito difícil, tanto que se diz que é um ato de fé, e não uma verdade que se prove. Não acredito em pecado original, do qual a Humanidade toda seja dele herdeira, tal qual herda o DNA. Não acredito em Unidade e Trindade divinas, ao mesmo tempo. Não acredito que Deus possa ser tão amante do Homem, que se faça Homem e morra para tornar o Homem seu irmão, isto é, Deus também. Não acredito que Deus seja capaz de criar essa Humanidade toda – a que já existiu, os sete trilhões de pessoas que hoje existem, e todas as que ainda existirão, até o fim dos milhões de anos do planeta Terra – escolhendo apenas um grupinho delas para serem felizes no Céu e relegando a quase totalidade para padecer castigos atrocíssimos do Inferno sem fim. Acho mais fácil dizer que isso é uma evolução da Mitologia Greco-romana (deuses que são homens imortais e poderosíssimos), misturada com a fé em Jeová na mente genial de Paulo de Tarso, judeu por nascimento e romano por cidadania.

Vou simplesmente explicar como encaro a existência e como essa visão da existência me faz tranquilo e feliz, seja qual for a circunstância.

A minha atitude perante a vida se resume naquele verso de Virgílio: FELIZ É O HOMEM QUE COMPREENDE A EXISTÊNCIA E CONTROLA TODAS AS ANGÚSTIAS, O IMPLACÁVEL DESTINO E A TRAGÉDIA DA MORTE. Esse pensamento me diz que eu fui premiado pela Vida com a existência. Eu tenho o privilégio entre um número incontável de espermatozoides e óvulos de ter nascido, isto é, de ter um período de viver, de experimentar tipos diversos de sensações agradáveis e desagradáveis. Um período, portanto, um tempo limitado. A morte é para mim um fato natural. Ela não me angustia, portanto. É o que me diz Virgílio sobre a morte. Se eu compreendo a existência, isto é, que a morte faz parte da existência, a morte não me assombra.

E aqui entra o outro pensamento básico de minha compreensão da vida. Ele está na frase famosa de Ortega y Gasset: EU SOU EU E MINHAS CIRCUNSTÂNCIAS. Você, meu amigo, é esse filme que se desenrola em sua mente, quando você se recolhe dentro de si mesmo. É esse filme, que a memória lhe exibe com um começo, lá em sua distante cidade natal, e que, em se acabando com a morte, não mais existe. Esse seu filme é único, é você. Eu já sou outro filme.

Eu sou, até certo ponto, produtor desse meu filme, é verdade. Mas, muita coisa, mesmo as minhas reações e o que produzo, é fruto das circunstâncias também. É o implacável destino de que fala Virgílio. Tudo o que acontece na Natureza e na vida humana se faz condicionado pelas circunstâncias, pelo meio ambiente. Há até alguns filósofos que dizem que a liberdade humana é uma ilusão! Robert Lent, neurologista famoso da  UFRJ, e autor de notável livro texto de neurociência, chama a atenção para isso: até onde somos verdadeiramente livres?

Então, meu amigo, esta é a minha vida. Boa ou ruim, ela é única, é a minha, ela foi e é assim até hoje. Daqui para a frente, talvez eu a possa mudar. Não sei se poderia tê-la feito diferente. Talvez até pudesse. Mas, não a fiz. Ela é esse processo cinematográfico que a memória me desenrola na mente. Foi cheia de momentos prazerosos. Teve fases difíceis. Constam até recordações, que eu desejaria apagar. Deixemo-las lá. Elas fazem parte da minha vida. Sem elas, não mais seria a minha vida.

A vida é um processo, isto é, é um fluir encadeado de fatos. É um processo de aprendizagem, desde o nascimento até a morte. E o método natural de aprendizagem é o de tentativas e erros. E os erros contribuíram para construir a minha vida. Por isso, dizia o poeta latino Terêncio: SOU HOMEM, NADA DO QUE É HUMANO ME É ESTRANHO. Ele quis dizer que todos os sentimentos, emoções e paixões, bons ou maus, que geraram ações boas ou más, praticadas por outras pessoas, ele também as experimentava. O passado só existe hoje na nossa memória e nas consequências concretas que nos constituem hoje. Por tudo isso, o passado é valioso para mim. É o que eu sou. E sou muita coisa maravilhosa. E sou uma coisa singular.

Thomas Hobbes disse que a própria felicidade é um processo, não é um bem a conquistar. Outros, como o Henfil, expressam essa ideia com aquela imagem de que a felicidade é a viagem, não é o destino. E isso está bem de acordo com o pensamento de Ortega y Gasset e com o fenômeno da plasticidade da mente descrito pela neurociência. A mente humana é de tal forma adaptável que as circunstâncias, o ambiente natural e social, a cultura, podem fazer do homem qualquer coisa. Habite entre as feras quadrúpedes e o homem será uma fera quadrúpede. Habite entre músicos e será músico. Habite entre trapaceiros e será trapaceiro. Habite entre bandidos e será bandido. Habite entre cientistas e será cientista. É o que diz aquele ditado popular: DIZE-ME COM QUEM ANDAS E DIR-TE-EI QUEM ÉS. E assim entende-se por que existem bandidos, trapaceiros, artistas, desportistas e cientistas. Eles são como o ambiente os moldou e são felizes em sendo o que são. Felizes como cientistas, como bandidos, como trapaceiros, como artistas, como jogadores de futebol. Entende-se, assim, porque o filósofo Pierre Baile afirmava: ENCONTRO DOÇURA E REPOUSO NOS ESTUDOS EM QUE ME TENHO EMPENHADO E QUE ME DELEITAM.

Nem mesmo isso, porém, implica em determinismo absoluto e previsível do futuro humano, porque, como ensina a teoria do caos, até mesmo insignificante e imperceptível vetor ambiental pode avolumar-se, prevalecer e definir o futuro!

Esta reflexão já está longa em demasia. Mas, quero lembrar-lhe uma coisa: o passado já não existe, o futuro ainda não chegou nem mesmo sei se virá, só o presente existe e, por isso, se chama presente. Este presente eu posso moldar.

E vou encerrar com alguns pensamentos que colhi por aí nas mensagens que recebo cotidianamente:

A razão de sua vida é você mesmo.
Pare de pensar mal de você mesmo e seja seu melhor amigo sempre.
Pare de colocar sua felicidade cada dia mais distante de você. Não coloque objetivo longe demais de suas mãos, abrace os que estão ao seu alcance hoje.
Ninguém é dono da sua felicidade, por isso não entregue sua alegria, sua paz, sua vida nas mãos de ninguém, absolutamente ninguém.
Somos livres, não pertencemos a ninguém e não podemos querer ser donos dos desejos, da vontade ou dos sonhos de quem quer que seja.
Trabalhe, trabalhe muito a seu favor.
Pare de esperar a felicidade sem esforços.

 

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

303. 23 Coisas que não nos contaram sobre o Capitalismo


 

Meu amigo
Desconhecia esse economista Ha-Joon Chang até muito recentemente. Deparei-me com o livro dele, “23 Coisas que não nos contaram sobre o Capitalismo”, há meses, na livraria Saraiva e assisti na televisão recentemente à entrevista dele a um repórter da televisão Globo, muito interessante, exatamente sobre esse livro, de cujo resumo você nos faz esse precioso presente, que lerei detidamente. Espero que sempre me faça compartilhar o que considerar mereça a nossa reflexão nesses assuntos econômicos.

As considerações que farei a respeito e, à medida que nelas avançar lhas  comunicarei, NÃO SÃO REFUTAÇÕES (quem sou eu?!). São mero aprimoramento de meus conhecimentos. O conhecimento se aperfeiçoa no contraditório. A maiêutica de Sócrates, adotada pelos discípulos Platão e Aristóteles, e pelo maior filósofo da Escolástica, Tomaz de Aquino, era o contraditório. A Ciência, a modalidade de conhecimento mais conceituada nos tempos modernos, não é um conhecimento individualista. É um conhecimento COMUNITÁRIO, melhor, é um esforço da HUMANIDADE, é um CONHECIMENTO DA HUMANIDADE.

Neste primeiro momento, detenho-me sobre a primeira lição do livro de Mestre Há-Joon Chang:

 "Pág.21: “Não existe algo como um livre mercado.

“O que eles dizem:
“Os mercados precisam ser livres. ...As pessoas precisam ser deixadas ‘livres para escolher’, como sugere o título do famoso livro, Capitalism and Freedom (Capitalismo e Liberdade), de Milton Friedman, visionário do livre mercado.”...

 “O que eles não dizem:
“O livre mercado não existe. Todo mercado tem algumas regras e limites que restringem a liberdade de escolha. O mercado só parece livre..."

O Dr. Ha-Joon Chang, mestre da Universidade de Cambridge, é, por isso mesmo, um SÁBIO. Ele tem conhecimento do que é ser LIVRE. Liberdade não significa sem lei, sem regras, sem normas. Basta nos juntarmos, dois seres humanos, e as normas de comportamento logo surgirão, porque, do contrário,  haverá GUERRA. Estou convencido de que ele tem conhecimento da famosa expressão de Péricles  em seu famoso discurso aos atenienses: "Somos livres porque nos regemos por leis que nós mesmos estabelecemos por consenso, e não pela vontade de outro homem." Ser livre não significa sem lei, significa não se submeter à vontade de outrem, autogovernar-se, ser autônomo, conviver consensualmente.

Veja como o Minivocabulário Econômico- Financeiro define Mercado: Local determinado, onde compradores e vendedores se encontram para o exercício de suas transações comerciais. Em sentido amplo, o conjunto de NORMAS e costumes aplicados nas transações entre comprador e vendedor (mercado em geral de bens e serviços), vendedor e investidor (títulos e valores imobiliários). Conjunto de relações de demanda e oferta de bens e serviços.

Por sinal, esse Minivocabulário desconhece o termo MERCADO LIVRE. Ele define o MERCADO DE CONCORRÊNCIA PERFEITA, a saber, o que tem grande número de empresas e grande número de compradores, SEM QUALQUER OBSTÁCULO PARA INGRESSO OU SAÍDA DA EMPRESA QUE ASSIM DESEJAR e, pela similidade dos produtos fabricados, não se estabelece maior preferência entre os consumidores. OS PREÇOS SÃO LIVRES, DITADOS PELO MERCADO, já que toda empresa produz pequena quantidade do produto, não possuindo força para impor-se ao todo.

Também Paul Krugman, em seu texto de Economia,  desconhece o termo MERCADO LIVRE. Ele distingue a ECONOMIA DE MERCADO e a  ECONOMIA DE COMANDO. Aquela é a economia em que a produção e o consumo são o resultado de decisões descentralizadas das empresas e dos indivíduos. Não há autoridade central dizendo às pessoas o que produzir e para onde transportar. Cada produtor individual faz o que acredita ser mais lucrativo; cada consumidor compra o que escolhe. Já a economia de comando tem uma autoridade central tomando decisões sobre produção e consumo. Diz ele que aquela existe nos Estados Unidos e cita o exemplo da Rodovia 1 de Nova Jersey, onde vendedores e compradores regurgitam. E que a segunda existiu na União Soviética, onde os pontos de venda se apresentavam desabastecidos ou com produtos que desgostavam aos clientes.

Não sei se o Dr. Chang tem FATOS para negar essas afirmações de Paul Krugman. Da minha parte, passo a descrever um fato da minha vida de Gerente da Carteira de Câmbio do Banco do Brasil na década de 70. Era por volta de meio-dia e entra no meu gabinete um funcionário da Iugoslávia, uma das repúblicas socialistas soviéticas, que viera ao Brasil para entregar os vagões ferroviários que o Brasil comprara para a Central do Brasil. Convida-me para almoçar com ele no Restaurante do Clube Português (restaurante chique de capitalista...). Lá fomos. Sabe qual foi a conversa? Quantos quilos de feijão e arroz lhe são permitidos comprar por mês? Qual é a localização e a dimensão do apartamento em que um cidadão da sua posição de trabalho pode habitar? Sinceramente acho que não é esse o estilo de vida do Dr. Chang... 


segunda-feira, 22 de setembro de 2014

302. Resposta a Meu Estimado Amigo Luiz Dalton


ESTIMADÍSSIMO DALTON

 Não creio no Jesus BÍBLICO. Entendo que o Jesus bíblico é um MITO, um mito mais ou menos bom, é verdade, criado por PAULO DE TARSO, um fanático JUDEU-GREGO, que transformou o MUNDO. Tudo o que penso sobre o CRISTIANISMO você encontrará numa série dos primeiros textos que escrevi no meu blog, se lhe interessar, meu maravilhoso amigo.

Tenho minhas ideias sobre a sociedade solidária. Acho até que o HOMEM é, como pensou Ortega y Gasset, "Eu sou eu e minhas circunstâncias". Acho até que o Homem é, como pensa a maioria dos psicólogos, muito mais circunstâncias (sociedade) do que DNA. Acho, como a ampla maioria dos psicólogos entre os quais  famoso psicólogo russo, até que a EDUCAÇÃO pode não só modificar o indivíduo como a própria SOCIEDADE.

Mas, primeiro que tudo, acho que o cerne da VIDA HUMANA se rege por aquela máxima do artigo 193 da Constituição Brasileira, o PRIMADO DO TRABALHO que proporciona o BEM-ESTAR SOCIAL com base NA JUSTIÇA SOCIAL. Sem esta orientação fundamental, não existirá bem-estar individual, nem social, nem sequer paz entre os homens, isto é, SOCIEDADE.

 Acho que existe distribuição de resultados injusta na sociedade, sem dúvida, mas, acho que antes de tudo temos que MUDAR O INDIVÍDUO PELA EDUCAÇÃO para que cada indivíduo saiba assumir a SUA RESPONSABILIDADE na consequente realização de uma CONVIVÊNCIA PACÍFICA PRODUTIVA, isto é, uma SOCIEDADE ONDE O ESTADO SE REALIZA POR CONSENSO ESCLARECIDO, onde impera naturalmente a JUSTIÇA SOCIAL e se realiza o BEM-ESTAR SOCIAL.

Esse MUNDO DA MINHA UTOPIA É MUITO DIFERENTE DO MUNDO DO PT. Não só do PT, mas de tudo o que vejo por aí, pelo Brasil e pelo MUNDO! Já me disseram, em almoço da AAFBB aqui do Rio, que eu sou um utopista. Assim também era visto o mundo cristão de Paulo de Tarso. Aquele que ele idealizava não ocorreu, de fato. Mas, as circunstâncias, séculos depois, produziram um Mundo cristão melhor que o Mundo romano. E chegamos hoje a um Mundo melhor que o Mundo cristão da Idade Média e melhor que o Mundo iluminado de Voltaire.

A Vida segue em marcha para o melhor... ou para o pior... As CIRCUNSTÂNCIAS DETERMINARÃO ESSE FUTURO...

 Mas, meu amigo, esse Brasil do PT, do MITO, do POSTE e do autor da Resolução CGPC 26 com sua Reversão de Valores ilegal, esse Brasil eu NÃO QUERO. Igualmente não quero esse Brasil dos outros líderes brasileiros, que prometem que tudo farão, e tanto que os brasileiros nem precisarão trabalhar... e os jovens do Brasil nem precisarão estudar...


E não deixarei sem esclarecer que tenho minhas reservas quanto ao que se me apresenta da história do MITO e do POSTE. Não é esse tipo de história que eu gostaria de ver no topo da ordem política do Brasil.

Nem mesmo esse que aí está é o ESTADO BRASILEIRO DEMOCRÁTICO DE MINHA UTOPIA, pois o Estado que imagino é horizontal, não é piramidal. É o Mundo das pessoas realmente civilizadas, com interesses e conflitos e diferenças, é verdade, mas que se resolvem pelo consenso, num ambiente pacífico, de respeito, de justiça  e de bem-estar, isto é, numa SOCIEDADE de POLITICAMENTE IGUAIS QUE REALMENTE MEREÇA ESTE NOME. 

 


 

sábado, 20 de setembro de 2014

301. Meu Primo

Estou cumprindo o que lhe prometi: emitir minha opinião sobre a entrevista que o economista Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Governo Lula concedeu à Isto É, agora, no dia 15 do corrente mês.

A repórter a resume no seguinte título: “O Retorno ao Desenvolvimento Deu Errado”. Resume o diagnóstico dele sobre o estado atual da economia brasileira na seguinte expressão: “classifica o comportamento da economia brasileira de medíocre.” E recomenda a correção que pensa deva ser-lhe dada nas seguintes palavras: “o País deve retomar a agenda que antecedeu 2008.”

Por que o economista acha que o comportamento da economia brasileira está sendo medíocre? Porque “é um baixo crescimento, inclusive em comparação com nossos pares no resto do mundo.” Nossos pares são “os países emergentes, mas nós temos sofrido mais que os demais”. “O Brasil tem crescido menos do que a média do mundo e menos do que os países comparáveis... os emergentes como Chile, Colômbia, Peru e mesmo outros países desenvolvidos, como Austrália e Nova Zelândia, têm conseguido manter taxas mais elevadas de crescimento que a economia brasileira. Em particular, a indústria no Brasil sofreu muito nos últimos anos... A má notícia é que recentemente o setor de serviços também começou a demonstrar sinais de enfraquecimento, ameaçando o mercado de trabalho.”

Qual seria a causa desse deficiente comportamento da economia brasileira? “...(a) volta ao velho nacional-desenvolvimento dos anos 50 e 70, baseado na intervenção na economia”, que “afeta o setor de serviços  e ameaça o mercado de trabalho”. Esse retorno consistiu no “aumento das barreiras protecionistas e da concessão de créditos subsidiados por meio dos bancos públicos, em particular do BNDES, e a reintrodução de políticas públicas discricionárias e intervencionistas em diversos mercados.” Nas palavras do entrevistado: “Apostava-se que ao proteger a economia e com a concessão pelo governo de subsídios e benefícios, ..., direcionados para esses setores, se estimularia o crescimento da demanda, do consumo e do investimento e se garantiria a aceleração do crescimento econômico. Má notícia: não funcionou”. E chega à resposta precisa: “Quando analisamos os dados, verificamos que o Brasil estava até os anos de 2008/2009 com um crescimento muito maior do que no passado, chegando a pouco mais de 4%, e isso estava associado ao maior crescimento da produtividade. Com os mesmos recursos, a economia brasileira produzia mais do que antes. Infelizmente, a partir de 2008/2009 a produtividade da economia brasileira declinou.”

E aprofunda a sua explicação: “O País até 1990 era uma economia fechada, com uma série de restrições ao comércio exterior, muito protegida da concorrência internacional, com forte desequilíbrio fiscal. Isso tudo se traduzia na alta inflação. A partir da década de 90, a economia brasileira entrou em uma agenda de profundas modificações: equilíbrio fiscal,..., cujo grande passo é a Lei de Responsabilidade Fiscal. A abertura da economia permitiu importar bens de consumo, bens de produção e máquinas. E veio a estabilização de preços. O Plano Real conseguiu... garantir um nível de inflação compatível com o dos demais países e, do ponto de vista institucional, uma série de reformas modernizando as relações do Estado com o setor produtivo. Essa agenda passou pelo governo Fernando Henrique e foi até o início do segundo mandato de Lula. A partir de 2007/2008, mas sobretudo de 2009 para cá, houve o retorno ao antigo nacional-desenvolvimento... Há uma crítica frequente de que o governo fez um modelo baseado no consumo. Acho injusta essa crítica ao governo. O governo tem um diagnóstico de que o desenvolvimento parte da proteção, do estímulo e da concessão de benefícios e estímulos da demanda. E o governo destinou uma grande parte de recursos ao investimento. Basta olhar o que aconteceu com os recursos do BNDES nesse período...

A retomada do crescimento econômico, pois, nas palavras do entrevistado é esta: “Acho que retomar aquela agenda prévia de 2008 é uma parte importante desse processo... quando você inicia um processo cuidadoso de abertura da economia, há aumento na competição e também no acesso a bens de capital e insumos tecnologicamente mais eficientes... a produtividade da indústria aumentou na década de 90 pelo acesso a bens de capital. Uma agenda importante é a que estabeleça justiça econômica e simplificação. E termina a explicação com recomendação baseada na importante distinção entre Estado e Governo: “Nos últimos anos a gente enfraqueceu o Estado em favor da discricionariedade do governo. É preciso voltar a fortalecer as agências reguladoras.”

Instigado pela repórter, ele acrescenta: “Certamente outra agenda importante é a da qualidade da política pública. A política social brasileira até 88 estava delegada a um plano inferior. Por exemplo, a educação nunca foi prioridade no Brasil até 88, tal como boa parte da política social, ao contrário de outros países... E não à toa o Brasil apresenta uma realidade desigual de renda. E isso está associado à desigualdade dos indicadores de escolaridade...  O desenvolvimento econômico passa pela melhora do bem institucional, regras homogêneas, princípios gerais e criação de mecanismos de resolução de conflitos. Mas passa também... pelo impacto da educação sobre a produtividade. Uma maior qualidade da educação sobre a produtividade, gera o crescimento econômico e provoca uma melhor distribuição de renda... ENTÃO, O BRASIL TEM HOJE UMA AGENDA DE PRODUTIVIDADE PELA FRENTE.

Eis, portanto, meu primo, o conteúdo de toda entrevista do economista Marcos Lisboa: o problema econômico brasileiro atual é a sua baixa produtividade. Esse diagnóstico de baixa produtividade para o baixo nível de expansão de uma economia é consenso entre os economistas. Também é consenso entre os economistas a receita dada pelo economista Marcos Lisboa para restabelecer alto ritmo de expansão à economia brasileira. Esse diagnóstico e essa receita encontram-se em todos os compêndios de Economia, como, por exemplo, no capítulo 25 do curso de Economia de Paul Krugman:

- “O crescimento econômico de longo prazo depende quase inteiramente de um ingrediente: produtividade crescente.”

- “A resposta mais simples é que as economias com um crescimento rápido tendem a ser economias que adicionam ao seu capital físico, aumentam seu capital humano, apresentam rápido progresso tecnológico ou todas as três coisas em uma base sustentada.”

-“A resposta mais profunda está em políticas e instituições que promovem crescimento econômico, ou seja,... que garantem que aqueles que geram acréscimos ao capital físico ou humano, ou ao progresso tecnológico, sejam premiados por seus esforços.”

- Passa, então, a citar providências que contribuem para aumentar esses fatores de produtividade: gastos com investimentos, investimento estrangeiro, educação, infra-estrutura, pesquisa e desenvolvimento, estabilidade política, direitos de propriedade e intervenção governamental moderada.

O primo sabe que não sou economista. Ocorre que sou um curioso por esses assuntos. Cheguei mesmo a estudar vários compêndios de Economia, inclusive os dois tomos do Curso de Economia de Paul Samuelson, o famoso difusor da doutrina econômica keinesiana. Atualmente, gasto horas de meus dias estudando a Introdução à Economia de Paul Krugman e Robin Wells. Com base nesses estudos, ouso formar minha opinião a respeito desse artigo do economista Marcos Lisboa, inclusive acrescentando algumas perspectivas.

Antes de tudo, entendo que tudo na vida é resultado das circunstâncias. O pão do meu café da manhã depende de muitas pessoas (muitas mesmo, as quais, a grande maioria nem conheço!). O primo, cientista atômico que é, sabe mais que eu que o próprio mundo supratômico determinístico deriva do subatômico indeterminístico. A mão invisível de que fala Adam Smith não está só na Economia, está na vida toda, cotidiana, rotineira e até na constituição do Universo! Entendo que as circunstâncias brasileiras não são as mesmas de nenhum outro País.

Assim, a generalidade desse diagnóstico e a generalidade dessa receita, que não é só do economista Marcos Lisboa, mas é consenso entre os economistas, como disse, necessita de serem adequadamente aplicadas ao caso brasileiro, sobretudo a receita, para que alcancemos os resultados de expansão econômica que tanto almejamos e necessitamos.

Vejamos. Marcos Lisboa e Paul Samuelson falaram de produtividade. Produtividade de quem? Do trabalhador, do trabalho. E a respeito dessa produtividade do trabalho, será que ele mesmo, prescindindo do capital físico e do capital humano e da tecnologia, não pode ser mais produtivo? O que eu quero dizer? A simples mão-de-obra brasileira não pode ser mais barata que a norte-americana ou europeia simplesmente? Pode. Tanto pode que os norte-americanos e europeus se mandaram pelo mundo produzindo em países, como o Brasil, a Coreia do Sul e a China, tão somente para terem A VANTAGEM COMPARATIVA DO TRABALHO MAIS BARATO.

E essa produtividade maior da mão-de-obra mais barata é tão importante, tão importante, que vem proporcionando a extraordinária expansão do PIB chinês, a tal ponto que, no próximo ano, o PIB chinês ultrapassará o PIB norte-americano. A China será no próximo ano a maior economia do Mundo! Essa foi a chave do sucesso da China: a mão-de-obra barata.

O Brasil pode fazer o que a China fez e faz? Não. Por que? Porque as circunstâncias não permitem. A China goza de várias circunstâncias que lhe permitem usufruir de mão-de-obra barata. A população é pobre, habituada com nível de vida frugal, econômica por educação, ordeira por índole e hábito, submetida a regime político que exige ordem e submissão, enclausurada em sua paisagem física e cultural. A China tem ainda a vantagem do mais amplo universo consumidor nacional. A liderança política chinesa reforçou-se militarmente, inclusive detendo o poder de destruição mundial atômico e um exército de centenas de milhões de militares. A China, por isso, pode fazer o que quiser em Economia, até ignorar normas internacionais de comércio, fingir que as cumpre.  

Como você viu aí acima, Paul Krugman acrescentou à trilogia do capital e tecnologia vários outros fatores de produtividade, entre os quais os recursos naturais. Pois bem, li recentemente artigo de um economista norte-americano em que ele afirmava que o próximo século não será da China, com sua vantagem de mão-de-obra barata, mas dos ESTADOS UNIDOS, RÚSSIA e IRÃ com a vantagem da ENERGIA BARATA, e tão barata, que lhes proporcionará vantagem comparativa superior à da mão-de-obra barata da CHINA! Trata-se dessa extração barata de gás de vastas regiões do solo especial existente nesses países três países. Logo, em seguida, vi na televisão CNN norte-americana, o Primeiro Ministro canadense com imensa tranquilidade e firme convicção afirmando: “O Canadá é uma potência energética!”

Onde quero chegar? O Brasil precisa para desenvolver-se, em primeiro lugar, de identificar a sua estratégia. Não pode ser baseada na vantagem da mão-de-obra barata e do câmbio aviltado como a China superpotência militar e superpovoada. Não pode ser baseada na vantagem da energia barata. A energia cara do petróleo do pré-sal não me parece de molde a fornecer base para se conseguir a produtividade que nos forneça vantagem comercial.

Por enquanto, a meu ver, só nos resta esse longo caminho traçado pelo economista Marcos Lisboa, o caminho comum a todos os países, não extraordinariamente aquinhoados pela natureza ou autogarantidos pelo terror que o poder militar inspira: de política estatal, de reforma das instituições, de Estado responsável, de construção de infra-estrutura,  de educação, da trilogia capital físico com capital humano e tecnologia, baseado no imenso leque de bens naturais que possuímos. E esta estratégia exige longo prazo para atingir ritmo de expansão satisfatório, que estabelecerá modesto, mas saudável, é verdade, ritmo de expansão econômica.

Concluo ressaltando que não entendi a defesa que o economista Marcos Lisboa faz da política econômica do Governo Lula, quando afirma que ela não se caracterizou pela tentativa de promover a expansão econômica através da demanda, já que ele mesmo afirma que, no segundo período de Governo Lula, ocorreu “a reintrodução de políticas públicas discricionárias e intervencionistas em diversos mercados”. Políticas públicas discricionárias consistem em utilização da política fiscal e monetária no longo prazo para se obter determinado objetivo, como por exemplo, a expansão econômica... Ora, o que mais caracterizou o Governo Lula não foram as obras de investimento (ele até se jactava de que isso caracterizava o Governo dele e o diferenciava dos governos militares), mas os gastos de transferência e os empréstimos popularizados...

Tal como a vejo hoje, a situação econômica brasileira tem solução, desde que o Povo Brasileiro se conscientize de que a marcha da expansão econômica, a marcha para a riqueza nacional, a marcha para o bem estar social se processa com  estratégia, disciplina e muito esforço sustentado. É coisa muito séria. Não é uma farra...