quarta-feira, 28 de setembro de 2016

356.A Reformulação da Súmula 288 do TST - Introdução



Há poucos dias, recebi de meu colega e amigo, Lago Neto, mensagem contendo informação sobre a recente alteração da redação da Súmula 288, promovida pelo Tribunal Superior do Trabalho, em decorrência do entendimento, adotado no ano de 2013, a respeito da matéria sobre a qual   ela versa, pelos eminentíssimos e respeitabilíssimos Ministros do Supremo Tribunal Federal, o órgão máximo do Poder Judiciário Nacional, o intérprete da Constituição Brasileira.

O documento enviado por Lago Neto é a longa informação aposta pela PREVI no seu portal da Internet. Ela consiste no seguinte esclarecimento:
A Súmula 288 dizia que o benefício previdenciário se rege pelo regulamento vigente no dia do contrato de trabalho, porque as condições de trabalho contratadas não podem ser degradadas, somente melhoradas.
A nova interpretação diz que o benefício previdenciário se rege pelo regulamento vigente no dia da aposentadoria.

A informação da PREVI alonga-se explicando as razões da decisão do STF, que se baseia nas Leis Complementares 109/2001 e 108/01, sem qualquer alusão à Emenda Constitucional nº 20, de 1998.
Estou-me propondo ocupar-me, juntamente com o pequeno grupo de meus leitores, em refletir sobre essa matéria: a reformulação da Súmula 288 do TST, tão importante para a minha vida e da minha mulher, ela septuagenária e eu nonagenário, e assim como, creio, para a dos meus leitores e seus dependentes.
Meu intuito é suscitar o debate sobre a justiça e a legalidade dessa reformulação – notadamente com relação àqueles funcionários que ingressaram no Banco do Brasil antes de l967, os pré-67. Não pretendo contestar ninguém. Pretendo apenas suscitar o debate racional, esclarecedor, inclusive para mim, ignorante da Ciência do Direito, no seio da comunidade dos aposentados e pensionistas do Banco do Brasil, sobretudo nas lideranças das associações dessa comunidade, para que se armem de argumentos, se porventura obtivermos, para defender os direitos que a reformulação porventura nos subtraia.
As mais importantes decisões da PREVI, desde a segunda metade do século passado, foram todas de viés desfavorável aos funcionários do Banco: a criação do Plano PREVI FUTURO (mera conta de depósito), separação dos dois campos jurídicos, o do Trabalho e o da Previdência, bem como a igualdade de contribuição do Patrocinador e do Participante  (a Emenda Constitucional 20, de 1998), a aposentadoria dos funcionários do Banco do Brasil, participantes do Plano de Benefícios 1, passaria a ser regida pelo regulamento vigente na época da aposentadoria (Lei Complementar 109/01), compartilhamento da Reserva Especial entre Patrocinador e Participantes (Resolução 26/08) e, finalmente, a aposentadoria dos funcionários do Banco do Brasil, inclusive os pré-67, rege-se pelo regulamento vigente na data da aposentadoria  (reformulação do Súmula 288 do TST).
Não era esse o comportamento do Banco do Brasil de outrora. Os tempos mudam, dir-me-ia o leitor. Sei-o, e muito bem, nos meus 90 anos de idade!
Folheemos o livro “Da Caixa Montepio À PREVI”, que foi publicado em 2004, sob claro estímulo da PREVI, em homenagem a ela, na ocorrência de seu centenário, por um conjunto de empresas de que ela é acionista. Tudo o que ali se diz, no meu entender, é o que a PREVI, ao menos naqueles tempos, pensava, já que abriu seus arquivos aos autores e promoveu ampla distribuição do opúsculo. Tudo o que ali se diz é comprovado por citação das fontes.
No final do século XIX, ano de 1896, o Banco recusou fundar a Caixa Montepio dos funcionários, apesar do exemplo do Banco Comercio e Industria de São Paulo, pioneiro daquela iniciativa. Naqueles tempos não existia a pensão para os dependentes, caso o funcionário falecesse. Os dependentes eram lançados na miséria. O funcionário era aposentado somente por invalidez. Em 1904, o Banco admite que os funcionários fundem a Caixa Montepio, para proporcionar pensão aos dependentes dos funcionários falecidos, mas se recusa a contribuir para ela. A Caixa Montepio abastece-se com contribuição dos funcionários e doações. Estas eram feitas, viés da época!, principalmente por clientes do Banco do Brasil. Este logo lhes segue o exemplo. Já em 1909, o Banco expressa preocupação com o desamparo dos funcionários na velhice e na invalidez. Em 1913, as doações do Banco se transformaram em contribuições regulares semestrais. Em 1920, o Banco torna obrigatório o ingresso na Caixa Montepio a todos os funcionários, até aqueles a título precário, exceto os portadores de doenças.  Em 1923, o Banco passa a destinar 1% dos lucros líquidos, apurados semestralmente, para o Fundo de Beneficência dos Funcionários do Banco do Brasil. Em 1926, o Banco cria a Caixa de Pecúlios dos Funcionários do Banco do Brasil. Em 1930, o Banco organiza o seu “Serviço Médico”. Em 1933, o Banco transforma o Fundo de Beneficência em Fundação, com personalidade jurídica própria e passa a destinar mensalmente 1% dos lucros líquidos à Caixa Montepio. Em 1934 cria-se o IAPB, único concedente legal de aposentadoria e pensão para bancários, a partir de então, permitida a permanência dos associados na Caixa Montepio (esta concedia aposentadoria e pensão de 100%, enquanto o IAPB limitava a aposentadoria a 80%). Em 1934, a Caixa Montepio é transformada em Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil que, além da pensão aos dependentes dos associados falecidos, passa a pagar a aposentadoria dos funcionários do Banco que não optaram pelo IAPB. Em 1944, é constituída a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil para prestação de serviços médicos aos funcionários do Banco e dependentes. Em 1950, o Banco assume a folha de pagamento das aposentadorias concedidas após 31 de dezembro de 1948. Em 1967, por imposição do Banco, a PREVI assume o pagamento da complementação das aposentadorias e pensões concedidas pelo antigo IAPB, conforme Carta Circular nº 351, de 1966, da PREVI:
Convém aos funcionários do Banco aderir à Caixa, porque somente através dela é que, doravante, podem passar a receber, a custo razoável, complemento de aposentadoria e pensão avantajadas, até então custeado pelo Banco.
O Banco criara um fundo, alimentado por contribuições dele e dos funcionários, para responsabilizar-se pelas aposentadorias e pensões, a partir de determinada data, e confiara sua gestão à PREVI, repositório de sólido patrimônio e exímia experiência na área de seguro social.
A PREVI alterou, por isso, seu regulamento para exercer a administração desse fundo, mister esse que terá substancial apoio financeiro e colaboração direta do Banco.
O Banco, pois, decidiu não mais assumir os encargos de aposentadoria e pensão, bem como cessar a concessão de novos complementos de aposentadoria e pensões, a partir da data em que se iniciar o funcionamento do fundo da PREVI.
Encerra a Carta-Circular comunicando que o novo Estatuto entrará em vigor em 15-4-1967, data em que, portanto, o Banco cessará a concessão de novos complementos de aposentadoria e pensão, encargos esses transferidos para a PREVI no que se refere aos servidores do Banco que, a partir daquela data, a ela se associarem.
Algumas observações se impõem: o ingresso na PREVI para os associados do IAPB foi imposição do Banco do Brasil; até aquela data (1967) o funcionário não pagava contribuição para ter direito à aposentadoria; o  Banco continuou a arcar com o custo total tanto da aposentadoria e pensão, como da complementação, até 1967, ao longo de toda a existência posterior da PREVI até os nossos dias; o pagamento da contribuição pelo funcionário para aposentadoria e pensão foi introduzida nesta ocasião, em 1967; a aposentadoria dos que ingressaram na PREVI até 1967 é custo integral patronal do Banco até aquele ano e cláusula do contrato de trabalho; aqui já se inicia o viés negativo das medidas do Banco com relação aos benefícios de aposentadoria e pensão. Creio que, nesta ocasião, também o valor da pensão passou a depender do número de dependentes: só a esposa 60% da aposentadoria e mais 10% por cada depende outro, até o máximo de 100%. Entendo que, até 1967, a pensão era sempre de 100% da aposentadoria.
A meu ver, eis aí o problema crucial dessa reformulação da Súmula 288 do TST: É LEGAL (CRIA DEVER E OBRIGAÇÃO VÁLIDA) DECISÃO JUDICIAL (MESMO DO STF), COM BASE EM EMENDA CONSTITUCIONAL E LEI COMPLEMENTAR, QUE SUBVERTA CLÁUSULA DE CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO ANTERIOR (E BOTE ANTERIORIDADE NISSO, 50 ANOS NO MÍNIMO!)?
Seremos milhares de velhinhos e velhinhas prejudicados (permitam-me as respeitáveis autoridades usar a terminologia que me brota no peito dolorido, não por ódio ou desejo de injúria, mas por doído, desesperado sofrimento), ludibriados pela sorte, pelo acaso, pelas malditas incertezas da vida! Vida que adoramos e desejamos, se cercada de bem estar, como nos promete a Constituição Brasileira, para os que trabalhamos, e fomos agraciados pela sorte e pela Natureza, com a protelação da data da  morte!
Isto, sem dúvida, é assunto que merece toda a atenção, estudo e (se interpretação equivocada, ao menos no que tange a esse grupo de velhinhos e velhinhas) trabalho de nossas lideranças (diretores de associações de funcionários do Banco do Brasil, diretores da PREVI eleitos pelos Participantes e até os nomeados pelo Banco, diretores do Banco do Brasil funcionários e não funcionários, servidores públicos da PREVIC e da SPPC do Ministério da Previdência), para que mais uma ilegalidade não se registre neste País, onde, infelizmente, até parece que a marginalidade legal é que impera.
 (continua)



domingo, 25 de setembro de 2016

355.O Homem, Singular Produto da Natureza

 O homem é um produto da natureza, cuja principal característica, pois, é a contingência. O Homem é um ser de cem anos, ser centenário, marcado pela angústia (Heideger), destinado ao naufrágrio (Karl Jaspers) ou enojado pela náusea, irônica e absurdamente destinado ao nada (Sartre).



Tudo é divino (mitologia grega), tudo advém do deus Chaos, gerado pelas entranhas da deusa Geia (a Terra), oculta que nelas está a enigmática energia vital de onde brota o estupefaciente espetáculo do universo biológico,  embora a geração humana, raça inferior, difira da divina, pela mortalidade e pela limitação nas perfeições e nos defeitos. A  Grécia culta já interpretava a vida com visão bem mais realista: “E quem muitos anos ambiciona não pode ver a alegria onde ela realmente se encontra:  não ter nascido vale mais que tudo.” (Sófoceles, século V AEC) repisando o pensamento de seu antepassado Teógnis de Megara: “Não ter nascido, não ver jamais o sol, acaso existirá bênção maior?” A cidade de Esparta limitava a população, lançando do alto do rochedo ao mar os bebês recém nascidos do sexo femino. Séculos passados, Virgílio, o maior dos vates romanos, ressoava a mesma visão da existência humana dos cultos gregos: “Feliz é o homem que compreende a existência e controla toda a sua angústia, o inexorável destino e a tragédia da morte!” Durante dois mil anos, o Cristianismo iluminou a Europa com a ideia de Paulo de Tarso, reinvenção da mitologia grega na mente de um judeu cidadão romano, de que a morte de Cristo restituíra a imortalidade humana, reintegrando o homem no corpo místico de Cristo, este a cabeça e a Humanidade o corpo: o cristão é deus, é imortal. Na Idade Média, Santo Agostinho e Gregório Magno revigoraram a ideia da Parusia, do retorno de Cristo, da Vida Eterna, do Juízo Final, do Céu para restrito grupo de escolhidos e amados, e Inferno para o amplo grupo dos homens comuns, maus e degradados. A cúpula da capela Cistina, a mais bela capela da cristandade, está adornada com a mais famosa pintura do mais célebre pintor, o Juízo Final de Michelângelo, capela integrante do conjunto da mais famosa e suntuosa basílica da cristandade, a basílica de São Pedro, a igreja do Papa, o pontífice máximo da maior das seitas cristãs, a Igreja Católica Apostólica Roma. A vida terrena é um período passageiro de prova, como ressoa a milenar oração da Salve Raínha, que se aprendia na infância: “Salve Raínha, Mãe de Misericórdia, vida, doçura, esperança nossa, salve! A vós bradamos os degradados filhos de Eva, por vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas!”



Ali, ao término do primeiro milênio do Cristianismo, o contacto com a civilização árabe repõe a civilização europeia em íntimo contacto com suas origens culturais greco-romanas. Esse reencontro inicia com o Humanismo a marcha para a construção do que os sociólogos denominam a civilização industrial.



Civilização entende-se a sociedade humana urbana, ornada com a técnica da escrita e apta à produção de uma cultura de nível cada vez mais alto, caracterizando-se por convívio cada vez mais refinado pelo culto da beleza, do saber, da ordem e do bem estar. A civilização, nos dias atuais, se valoriza por essa dimensão do refinamento da cultura que confronta exatamente as limitações da existência contingente do ser humano e da própria Humanidade. Entendo o fato de a primeira epopeia da História, o Gilgamesh, ter versado sobre a imortalidade, como indicativo de que a marcha da civilização é exatamente a tentativa humana de amenizar a angústia, a náusea do naufrágio, do nada, afastando-os para mais longe e mitigando os sofrimentos inevitáveis do percurso. O esforço desesperado da Humanidade de afastar sempre para mais longe no tempo o inevitável naufrágio, proporcionando a oportunidade de uma temporada cada vez menos sofrida e mais aprazível. Por sinal, a admirável sociedade grega só pode produzir um governo democrático, o mais ajustado tipo de governo às características de autonomia, bem estar e dignidade individual, exatamente por isso porque os cidadãos gregos, homens ricos, donos de terra, que combatiam e sustentavam o Estado grego, não precisavam trabalhar, podendo dedicar-se aos entretenimentos culturais da ginástica, da poesia, do discurso, da Filosofia, da Ciência, especialmente Matemática e Medicina, da Música, do Teatro, da Dança, das artes plásticas,  da arte bélica e do governo da sociedade. Os escravos trabalhavam para eles.



A Civilização Industrial, que surgiu na Europa no final do segundo milênio EC, tem entre suas principais características a produção da Ciência, o conhecimento da Humanidade, que considero o valor peregrino da Ciência. Ela não é a opinião de um indivíduo, por mais sábio e inteligente que seja. Ela é o conhecimento da Humanidade: o conhecimento científico só é aceito, se todos forem capazes de repeti-lo, de comprová-lo. E a indústria brotou da Ciência. Ciência essa que, entre os séculos XVII e XX da EC passou a entender que o Universo, na sua totalidade, incluído o Homem, tem a mesma origem no Big Bang e é formado da mesma massa. A diferença biológica entende-se consistir em diferenças estruturais da organização material das diferentes categorias dos seres que lhes proporcionam diferentes potencialidades de ação e realizações.



E essa Ciência fez surgir essa civilização industrial espetacular e jamais imaginada pelos nossos antepassados: o Planeta Terra todo conhecido, com sete bilhões de pessoas compondo uma sociedade global; superrodovias, superferrovias, superaquavias, superaerovias, superpontes até marítimas, e até vias extraterrestres para espaço extraterrestre até habitado, um formigueiro humano se transporta em torno da Terra, incessantemente; o trabalho transplantou-se do escravo, para a água, o vento, o animal e chegou à máquina térmica, eletromagnética, eletrônica e até atômica, em todo tipo de atividade, desde o doméstico e agrícola, até o fabril e de serviço; fábricas produzem superalimentos e medicamentos que evitam doenças, curam os males, abrandam os sofrimentos e prolongam a existência e até evitam o nascimento de indivíduos incapacitados para a vida ou indesejados pelos parceiros sexuais; já não mais é assombroso o indivíduo humano centenário; a comunicação internacional não é mais novidade, é diária, é a cada instante; a comunicação à distância está competindo com a comunicação pessoal; sabe-se tudo o que de importante ocorre no planeta Terra, e até o que nem importância tem; ouve-se e vê-se a vida das grandes metrópoles; promovem-se importantes reuniões políticas e de negócios internacionais de contato pessoal ou eletrônico; promovem-se grandes shows esportivos e artísticos internacionais, assim como astros internacionais do esporte e das artes circundam o planeta alegrando a vida das pessoas. A vida da civilização industrial é uma vida muito menos sofrida que a das gerações passadas, vale a pena ser vivida, já foi apelidada de La Belle Époque! Mesmo assim, ainda no nascedouro dessa apelidada Era Moderna, Shakespeare não continha a veemência de sua angústia na confrontação com o fato de sua destruição por aquela própria que o agraciara com a Vida, a Natureza: “Morte! Quão horrenda é a tua cara!” E até diz-se daquela criança que, em uma passagem de Natal, escrevia para o Papai Noel a sua inconformidade: “Não o entendo, Papai do Céu. Você manda mais crianças para o Mundo e dela leva os velhinhos. Por que não deixa aqui também os nossos vovôs e vovós que nos querem tanto bem, e gostam de estar conosco e de nos contar histórias?!”



Há quatro décadas, li certo artigo de Economia em que o autor previa a Humanidade vivendo nos litorais dos continentes, em megalópoles de arranha-ceus, abastecidos por fábricas e áreas automáticas de produção, tudo ligado por comando e transportes automáticos. O ideal da Humanidade é, sem dúvida, uma vida individual ao menos milenar, saudável, todo trabalho obrigatório e penoso eliminado, ocupado o tempo exclusivamente com o entretenimento e o descanso, toda a Humanidade regiamente sustentada pela produção da máquina. Inegavelmente, essa felicidade, que parece ser antevista pelo eminente economista Delfim Neto, quando afirma que o trabalho é ônus corretamente redutível como projeto da Sociedade, diverge da conceituação milenar de Aristóteles que dizia consistir o prazer no bem estar que se experimenta quando se pratica uma ação da forma adequada, apropriada, da forma exata como ela deve ser feita.



E segundo leio nos livros de Filosofia, Psicologia e Sociologia, deve-se entender o Homem, como o “o ser que se constrói”. Hegel e Marx entende que tudo, todos os seres, até a sociedade humana é tese, antítese e síntese, isto é, conflito e consenso. “Eu sou eu e minhas circunstâncias” (José Ortega y Gasset). Mesmo o psicólogo da desigualdade, da personalidade herdada, Francis Galton, no século XIX, dizia que até os mais dotados pela natureza podem ser atrofiados por uma criação deficiente.” Virgínia Safir afirmou que a família é a fábrica onde as pessoas são feitas. A vida individual, como ensina o multimilenar adágio latino – carpe diem – nada mais é que o movimento vetorial resultante tanto das ações que a Natureza – condições fisiológicas herdadas e condições fisicoculturais ambientais – exercem sobre nós, quanto das reações – a opção diária pela melhor das condições de vida proporcionadas – que adotarmos.



A existência individual é, em parte, produto de nossas opções, produto natural, especial e singular!







 


sábado, 24 de setembro de 2016

354.A Organização Econômica



Sou um crente na força da Natureza. Para mim, o Homem, como tudo que existe -  mineral, planta e animal - é maravilhoso produto da Natureza. Durante milênios, o Homem pensou ser superior à Natureza. A partir do século XVIII, a Ciência - o conhecimento da Humanidade - demonstrou que somos, os Homens, meramente parte da Natureza, expressão momentânea dessa força extraordinária. E a Natureza se nos apresenta, como fantástica energia inventiva, transformadora, criativa. Infelizmente, isso implica a transitoriedade das expressões, dos produtos da Natureza. 
É, por isso, que os Existencialistas afirmam que a existência humana é uma angústia, a morte é uma iminência ameaçadora (Heidegger);  a existência é um naufrágio (o filósofo e psicanalista Karl Jaspers); a existência é náusea,  é nada (Paul Sartre). Nada mais fazem que repetir o pensamento do vate latino, Virgílio: “Feliz é o homem que compreende a existência e controla toda a sua angústia, o inexorável destino e a tragédia da morte.” Este antecedeu o pensamento de Santo Agostinho e Gregório Magno, expresso naquela milenar oração da Salve Raínha: “Salve Rainha, Mãe da Misericórdia, a vós suspiramos, gemendo e chorando... neste vale de lágrimas...”. Virgílio foi precedido por legião de cultos gregos e romanos, entre eles Sófocles, que no século V AEC dizia:
que desejar o homem a vida prolongada?
Certo é que uma longa existência
encerra em seus caminhos muitos males.
E quem muitos anos ambiciona
não pode ver a alegria onde ela realmente se encontra:
não ter nascido vale mais que tudo.

Este já se expressava numa sociedade civilizada, porque a vida nas sociedades precedentes era muito mais horripilante, como a descreve Will Durant. Basta recordar que, entre os esquimós, era costume o assassinato dos pais idosos, por motivo de sobrevivência da prole já adulta. Os cultos e civilizados gregos de Esparta lançavam as recém nascidas espartanas ao mar, do alto do rochedo, para controle populacional.

Por tudo isso, entendo que a civilização, caracterizando-se pela escrita, urbanização e desenvolvimento cultural, tendo o Direito como um dos principais distintivos, nada mais é que o resultado da luta do Homem para conseguir amenizar as agruras de uma existência que lhe foi imposta por um casal de genitores, num ato instantâneo de deleite sexual e sentimental. A vida humana é uma imposição. Não é uma opção.

Se a vida nos foi facultada e tem seus momentos maravilhosos, façamos com que cada vez mais esses momentos felizes se estendam: isso é a civilização, o bem estar de que trata a nossa Constituição. Isso é o que nos ensinam os sociólogos, os pedagogos, os psicólogos e a maioria dos homens sábios nos dias de hoje. ISSO DEVE SER A OBRIGAÇÃO DOS POLÍTICOS NA CONCEPÇÃO DOS HOMENS SÁBIOS DE HOJE.

Todos eles estão convencidos de que, como falam os Existencialistas, o HOMEM NÃO NASCE FEITO, O HOMEM SE FAZ, SE CONSTROI. “Eu sou eu e minhas circunstâncias” (Ortega y Gasset). Mas, quando se chega à Economia, há muitos economistas hoje que logo vêem a ORGANIZAÇÃO SOCIAL e ECONÔMICA, como inviável e atentatória contra a liberdade individual. Não entendo assim.

Toda lei é cerceamento da liberdade individual. Mas, se a lei é feita pelo CONSENSO DE TODOS, ela é uma renúncia SOBERANA de liberdade feita por todos para a felicidade de todos. Esse é o pensamento basilar da existência do Direito. Dizia Péricles: “Eu sou livre, porque não obedeço a homem algum. Obedeço à lei, que eu mesmo fiz.” Ele vale também para a Economia.

O capitalismo, o livre mercado, não pode ser considerado como a única forma de se organizar a riqueza, a produção, o consumo, a Economia. Não pode ser considerada como única forma DEMOCRÁTICA de organização da Economia.  Nem pode ser considerada como boa forma de se organizar a economia, haja vista as FREQUENTES E DESASTROSSAS CRISES ECONÔMICAS OCORRIDAS (“Oito Séculos de Delírios Financeiro”, K. Rogoff e Carmen Reinhart).

A humanidade precisa ainda avançar na Civilização, e pode fazê-lo, dizem os Psicólogos, os Pedagogos e os Sociólogos, para alcançar a ORGANIZAÇÃO ECONÔMICA QUE GERARÁ A FELICIDADE HUMANA, O BEM ESTAR CONSTITUCIONAL.  Prova-o essa nova invasão de bárbaros que põe em risco a existência do paraíso terrestre apelidado de União Europeia. Quando? Em que medida? De que forma?






 


domingo, 18 de setembro de 2016

353. Colóquio Filosófico com um Amigo




Um amigo, dentre os poucos que possuo, e muito estimados, enviou-me este texto:
“No ventre de uma mãe, havia dois bebês.  Um perguntou ao outro: Vc acredita em vida após o parto?
O outro respondeu: É claro! Tem que haver algo após o parto. Talvez nós estejamos aqui para nos preparar para o que virá mais tarde?...
- Bobagem! disse o primeiro, que tipo de vida seria esta?
O segundo disse: Eu não sei, mas haverá mais luz do que aqui. Talvez nós venhamos a  poder andar com as nossas próprias pernas  e comer com nossas bocas. Talvez tenhamos outros sentidos que não podemos entender agora.
O primeiro retrucou: "Isto é um absurdo. O cordão umbilical nos fornece nutrição e tudo o mais que precisamos. O cordão umbilical é muito curto. A vida após o parto está fora de cogitação."
O segundo insistiu: "Bem, eu acho que há alguma coisa e, talvez, seja diferente do que é aqui. Talvez, a gente não vá mais precisar deste tubo físico..."
O primeiro contestou: "Bobagem!...  E, além disso, se há realmente vida após o parto, então, por que ninguém jamais voltou de lá?"
"Bem..., eu não sei" - disse o segundo, " mas, certamente, vamos encontrar a Mamãe e ela vai cuidar de nós."
O primeiro respondeu: " Mamãe, vc realmente acredita em Mamãe? Isto é ridículo! Se a Mamãe existe, então, onde ela está agora?"
O segundo disse: "Ela está ao nosso redor. Estamos cercados por ela. Nós somos dela e é nela que vivemos. Sem ela este mundo não seria e não poderia existir."
Disse o primeiro:" Bem, eu não posso vê-la, então, é lógico que ela não existe."
Ao que o segundo respondeu: "Às vezes, quando vc está em silêncio, se vc se concentrar e realmente quiser ouvir, vc poderá perceber a presença dela e ouvir sua voz amorosa."
Este foi o modo pelo qual um escritor húngaro explicou a existência de Deus.”

Amigo muito estimado
De fato, habilíssima explicação. Mas,... simples analogia... Vejamos:
Quem fabricou essa brilhante analogia? A mente do escritor húngaro.
Que faculdade da mente ele usou? A Razão, isto é, o raciocínio (aquela que forma a imagem, o conceito, a explicação DA COISA EXTERNA À MENTE, A HARMONIOSA CONJUNÇÃO DAS PARTES QUE COMPÕEM ESSA COISA EXTERNA, IMAGEM ESSA QUE SABEMOS NÃO É EXATAMENTE IGUAL À COISA EXTERNA, PORQUE, por exemplo, a coisa externa não tem cor nem som nem luz...)
A RAZÃO, então, é o nosso GUIA.
E o que a RAZÃO FABRICA PARA NOS GUIAR? A CIÊNCIA.
E o que é a CIÊNCIA?
A CIÊNCIA É A MELHOR EXPLICAÇÃO QUE A RAZÃO DA HUMANIDADE POSSUI, NO MOMENTO ATUAL, DESSA COISA EXTERNA (que inclui até eu, o sujeito pensante) que se chama UNIVERSO.

A CIÊNCIA NÃO É O CONHECIMENTO DE UM HOMEM, de UM SÁBIO. Ela é o CONHECIMENTO DE TODOS OS HOMENS (todos os homens podem repetir os mesmos experimentos e os mesmos cálculos e chegarão ao mesmo resultado; caso contrário, esse resultado é excluído da CIÊNCIA). A CIÊNCIA É A MELHOR EXPLICAÇÃO, HOJE EXISTENTE, DO UNIVERSO!

Dir-se-ia que a CIÊNCIA É A MELHOR OPINIÃO QUE A HUMANIDADE HOJE TEM DO UNIVERSO!

Ora, o que diz hoje a Ciência sobre o ser humano?
Que ele é um produto da NATUREZA. Que ele é formado dos mesmos elementos químicos que qualquer outro produto da NATUREZA. Que ele precisa ter determinada organização desses elementos para PODER POSSUIR as CARACTERÍSTICAS QUE O DISTINGUEM DOS OUTROS SERES da NATUREZA.  O HOMEM É O GRAU MAIS ELEVADO, HOJE EXISTENTE, DA QUÍMICA DO CARBONO, E QUANDO ESSA ORGANIZAÇÃO SE DESFAZ, ELE (o SER HUMANO) DEIXA DE EXISTIR, E OUTROS SERES (milhões de seres de nível inferior) CONTINUAM OU PASSAM A EXISTIR!

Então,... o que concluir? O HOMEM É APENAS A MAIS ELEVADA ORGANIZAÇÃO DA MATÉRIA HOJE EXISTENTE.

A analogia do eminente escritor é mais consentânea com a REALIDADE EXTERNA EXPERIMENTADA DO UNIVERSO que a OPINIÃO DA CIÊNCIA, o CONHECIMENTO ATUAL DA HUMANIDADE?

Quem melhor explica o HOMEM? a Ciência? ou o eminente escritor húngaro? O escritor húngaro, de fato, deu uma explicação do ser humano? ou simplesmente lançou uma dúvida, uma possibilidade, sem qualquer explicação, do que é o ser humano?

Se o ser humano não é apenas a mais perfeita organização da matéria (do composto do carbono) hoje existente, o que ele é? o que é isso que ele é? Em que estágio da HISTÓRIA DO UNIVERSO encontramos isso que seria aquilo de que é feito o SER HUMANO?

Essa matéria não seria, portanto, captada pela RAZÃO, não seria captada pela CIÊNCIA, POR AQUELA FACULDADE QUE GUIA O SER HUMANO, A HUMANIDADE!

Ou você se guia pela Razão, e SÓ SE GUIA PELA Ciência, ou você se guia pela fé, e aceita guiar-se pelo que a Ciência não capta, isto é, IRRACIONALMENTE!





domingo, 22 de novembro de 2015

352. Direito Adquirido e Ato Jurídico Perfeito

A Natureza, as circunstâncias e os nossos pais nos lançam no Mundo, na Existência, na Vida. Não somos consultados. Não pedimos. Não escolhemos.

Catapultado do nada para a Vida, é-se compelido a sobreviver. É-se um ser aparentemente frágil. Necessita-se de muitos cuidados nos primeiros anos de existência. É-se dotado de poucas armas de defesa. Ao contrário, é-se prendado com notável aparelho de informação. Até todo o nosso corpo é um órgão de informação. Toda a nossa aparelhagem informativa e de reação não tem igual na natureza. E é tal que a espécie humana conseguiu dominar o espaço terrestre e já tenta conquistar o espaço extraterrestre.

Esse complexo aparelho informativo e de reação é tão extraordinário que permite antever o futuro, planejar, optar, ter certo domínio sobre a ação circunstancial da Natureza, prolongar a existência, suprir todo tipo de necessidades, conquistar proteção e segurança, afastar adversidades e obter e prolongar a Vida e o Bem-estar e multiplicar a existência.

Um dos artefactos inventados pelo Homem para obter o bem-estar foi a Sociedade, a sociedade ordenada, o Estado. O Estado organiza a sociedade porque ele detém a força, a força que obriga o indivíduo a submeter-se à ordem expressa na Lei. O Estado organiza a sociedade através da coação legal, a coação inerente à Lei.

A Lei, pois, é uma norma de vida a que todos os indivíduos de uma sociedade, de um Estado se acham submetidos, a fim de que todos, em conjunto (sociedade) e individualmente, realizem o seu Bem-Estar, tanto o bem-estar a que todos aspiram em conjunto, como o bem-estar individual, o a que cada um aspira para si próprio. E esse bem-estar individual é exatamente o que cada um mais intima e entranhadamente deseja: maravilhosa fugaz existência terrestre. É o bem-estar que somente ele, indivíduo humano, conhece e quer.

Nesta autonomia indevassável, até pelo Estado coercitivo, neste bunker individual, reside a dignidade da pessoa humana. O indivíduo humano é soberano! É exatamente isso que é reconhecido por aquela lei, que já constava da primeira Constituição brasileira, aquela do Brasil Império, do ano de 1824 e vem sendo repetida em todas as Constituições brasileiras republicanas até a atualmente vigente: “Artigo 179-I. Art. 179...: I. Nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei.”

Esse artigo continuava com outro inciso que exatamente delimitava o campo de atuação da Lei, o espaço público, as matérias de interesse de todos, geral, coletivo: “Artigo 179...: II. Nenhuma Lei será estabelecida sem utilidade pública.” Só existe lei, o Estado só limita a autonomia individual, quando a matéria é do interesse da sociedade toda, não é do interesse apenas de alguns ou de um individuo. Ah! Quanta informação para o Brasil de hoje, inclusive para o Governo!... Esta norma não me parece ter constado nas Constituições brasileiras posteriores. Entendo que teria sido considerada desnecessária, haja vista que o interesse nacional é o próprio espaço da lei.

Além disso, está patente, pois, por tudo o que se disse, que a Lei é, de fato, regra importantíssima do jogo da vida do indivíduo. Ele é obrigado a segui-la. Para que a sociedade exista, para que ele se beneficie das vantagens que encontra no convívio social ordenado, ele concorda em abdicar de vantagens próprias que provocam desvantagens injustas (consequências desajustadas) nos outros indivíduos. E como tudo na vida humana individual, essa renúncia obrigatória, coagida, interfere, e muitas vezes decisivamente, nas escolhas existenciais, aquelas que tem consequências para a vida toda do indivíduo. É o caso, por exemplo, dos Participantes do Plano de Benefícios 1 da PREVI, que ingressaram no Banco do Brasil, antes de 1967.

Meu pai faleceu em 1931. Minha mãe sobreviveu viúva, com o encargo da sobrevivência de sete filhos, o mais velho, com 16 anos. Meu pai deixou-lhe uma boa habitação, um bom seguro de vida e uma loja em que se vendia de tudo a varejo, os produtos comercializados por Parnaíba, cidade internacional do Piauí, os produzidos no interior do Estado e os importados diretamente da Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos e França. Parnaíba era importante base econômica do norte do Brasil naqueles tempos, com belo prédio do Banco do Brasil, o mais importante da cidade, situado na praça principal da cidade, a Praça da Graça.

Walmásio, colega do Banco do Brasil, inspetor famoso, cidadão impoluto, contou-me que, certa vez, ali, na Praça da Graça, diante daquele edifício, meu pai lhe confiara a confidência de um desejo que intimamente nutria: “Meus filhos ainda serão funcionários do Banco do Brasil”. Era o emprego mais interessante daqueles tempos. Os rapazes das famílias mais abastadas saíam de Parnaíba para estudar, em geral com muito sacrifício, Direito, Medicina ou Engenharia em Recife, Salvador, Rio, São Paulo ou Minas Gerais. Os da classe média abraçavam a carreira militar ou faziam concurso para o Banco do Brasil, que na prática era o Banco Central do Brasil.
 
Por coincidência, os cinco filhos, do sexo masculino, de meu pai, realizamos os seu desejo. Ingressamos no Banco do Brasil conscientes de que teríamos um emprego com bom salário, aposentadoria integral, pensão para a viúva e filhos dependentes, integral e assistência médica de excelência até a morte, do funcionário e dos dependentes. Isso era prometido nos editais de concurso para o Banco do Brasil e prescrito nas instruções internas do Banco do Brasil sobre os direitos dos funcionários, como por exemplo a Circular FUNCI Nº 309/55. Foi essa remuneração que contratei com o Banco do Brasil, quando nele ingressei no dia 05/10/1955, recusando a oferta de meu irmão mais velho de me sustentar, enquanto me preparasse para o concurso para o Itamarati, a carreira diplomática. Ele me projetava repetir a façanha de Roberto Campos. Preferi, , aos vinte e oito anos de idade, não sacrificá-lo.

Aparentemente, o inciso III do Artigo 179 da Constituição de 1824 protegeria esses direitos contratuais: “a sua (da Lei) disposição não terá efeito retroativo.” Isto é, um fato, um contrato, é enquadrado, deve ser julgado pela lei de sua época. Isso é a expressão dos Princípios Jurídicos da Fidúcia e da Boa Fé. E nesse fato do ingresso no Banco, QUANTA BOA FÉ! Você ingressa no Banco, dedica oito, até doze horas diárias de trabalho ou mais quando comissionado, durante trinta anos ou mais, e, quando se aposenta ou morre, ESPERA (A BOA FÉ) QUE O BANCO, SÓ ENTÃO, CUMPRA A PARTE PRINCIPAL DE SEU CONTRTATO! Pague a aposentadoria integral até a própria morte e pague a pensão integral até a morte de seus dependentes.

As Constituições Brasileiras posteriores, TODAS, repetiram os dois principais desses três mandamentos da Constituição de 1824: “Nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei.” e “a sua (da Lei) disposição não terá efeito retroativo.”, no meu entendimento, e corrigindo o segundo para melhor. É assim que entendo o artigo 113-3º da Constituição de 1934: “A LEI NÃO PREJUDICARÁ O DIREITO ADQUIRIDO, O ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA”, à luz do artigo 468 da CLT: “Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.”.

Ora, nós ingressamos na PREVI OBRIGADOS, como atesta a Carta Circular nº 351 da PREVI, de 7/11/1966, citada em DA CAIXA MONTEPIO À PREVI: ‘’...por outro lado, O DITO BANCO DECIDIU, em Assembléia Geral Extraordinária de 8-7-1966, não só assumir os encargos a ele impostos pela reforma, senão também ABOLIR, a partir do momento em que entrarem em vigor os nossos novos Estatutos, A CONCESSÃO, PARA OS CASOS FUTUROS, DE COMPLEMENTOS DE APOSENTADORIA E PENSÕES. Portanto, a partir de l5-4-1967, quando entrarem em vigor os referidos Estatutos, deixará o Banco de conceder novos complementos de aposentadoria e pensões, os quais passarão a ser ENCARGOS DA CAIXA, RELATIVAMENTE AOS QUE INGRESSAREM NO SEU QUADRO DE ASSOCIADOS...”

Quer coisa mais clara? A PREVI dizia, então, o seguinte: ou entra para a PREVI ou não tem aposentadoria nem pensão! E o contrato de trabalho, onde é que fica? E a Constituição Brasileira, onde é que fica? E a Lei Trabalhista, onde é que fica?

Nem me aleguem que existe a Emenda Constitucional nº 20, de 1998, que diz que Previdência Privada Complementar não tem relação com CONTRATO DE TRABALHO, porque o que tem relação não deixa de ter porque uma lei, mesmo que seja constitucional, diz que não tem: somente sou Assistido da PREVI porque fui funcionário do Banco do Brasil.  E mais, nenhuma emenda constitucional é legal se não se compatibilizar com os princípios constitutivos da Constituição, com o teor integral da Constituição. A Previdência Social Brasileira nasceu no serviço público (Montepios) e nas empresas (Previ, Lei Eloi Chaves, Institutos). O artigo 201 retira a quantia maior de recursos para o INSS do empregador. O GRANDE GARANTIDOR tanto da Previdência Social Básica, da Previdência Privada Complementar e da Previdência do Servidor Público é o Patrão, o Empregador. É óbvio que existe tanto a Previdência Social relacionada com o Trabalho quanto a que não é.

A Emenda Constitucional 20 e o artigo 17 da Lei Complementar 109/01 são bem posteriores à Constituição Brasileira de l988, a Constituição que Ulisses Guinarães orgulhosamente denominava de CONSTITUIÇÃO CIDADÃ, a CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA DO BEM ESTAR SOCIAL. A Emenda Constitucional 20 e o artigo 17 já sofrem influência dos governos neoliberais de Margareth Tatcher e Ronald Reagan, bem como da economia globalizada influenciada pela mão de obra barata chinesa. A Emenda Constitucional 20 e o artigo 17 da LC 109/01 são produtos de mentalidade moldada por outro tipo de Constituição, a CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA LIBERAL.

Essa mentalidade liberal, em nome do progresso, em nome do crescimento econômico, ÚNICA MEDIDA DO BEM ESTAR, desconsiderando princípios outros tão importantes ou mais, segundo a mentalidade do bem estar social, como o Primado do Trabalho, a Justiça Social e o Bem Estar Social, inspira essa interpretação atual que centra todas as decisões administrativas e jurídicas, em matéria previdenciária, no Princípio do Equilíbrio financeiro e atuarial do Plano de Benefícios, em vez de guiar-se pelo Princípio Legal do Interesse do Participante como manda a LC 109/01. Entendo que é ela também a responsável por essa atual predominante situação em que as decisões do Tribunal Civil contrariam as tradicionais decisões do Tribunal Trabalhista, distinguindo entre EXPECTATIVA DE DIREITO e DIREITO ADQUIRIDO, entre ATO JURÍDICO IMPERFEITO e ATO JURÍDICO PERFEITO.

Não. Quando, naquele início da tarde de 5 de outubro de l955, que tarde linda da minha vida!, me sentei na carteira do Gabinete do Contador da Agência Central de Recife, (sim, foi no Gabinete do Contador, o segundo administrador de uma das mais importantes agências do Banco, que tomei posse no Banco do Brasil!) eu estava convicto de que HAVIA CONCLUÍDO UM ATO JURÍDICO PERFEITO, que EU INICIAVA A MINHA PARTE (o primeiro dos meus trinta anos de trabalho) e que o BANCO DO BRASIL, POR CADA ANO DE TRABALHO, ME FARIA COM ABSOLUTA CERTEZA A CONTRAPARTIDA DE UM TRIGÉSIMO DE APOSENTADORIA E PENSÃO ATÉ A MORTE MINHA E DE MEUS DEPENDENTES! Não era expectativa. Era certeza. TODAS AS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS ME GARANTIRAM. Não, UMA EMENDA CONSTITUCIONAL 20 E MUITO MENOS UM ARTIGO DE UMA LEI, MESMO QUE COMPLEMENTAR,  NÃO ME PODE RETIRAR ESSE DIREITO. Penso que nem mesmo uma nova Constituição Liberal tenha esse poder. São os princípios da Segurança Legal, da Fidúcia e da Boa Fé, Princípios Jurídicos legais universais e milenares, que me garantem essa contrapartida. São princípios de uma  vida social organizada, pacífica, justa e segura. Princípios de uma sociedade civilizada!
 
Os colegas que me lerem, que me ilustrem, que me digam se estou certo ou errado. São tantos colegas formados em Direito! São tantas associações de funcionários, cada uma com sua assistência jurídica! Esclareçam-me. Vamos formar um grupo de estudo do Direito Previdenciário e fornecer elementos para o Direito Previdenciário que se está formando, sem a contribuição da ciência jurídica dos Participantes e Assistidos!

Este texto também tem sua razão de ser no fato de que a nossa colega Isa Musa nos próximos dias irá participar de uma sessão pública da CPI dos Fundos de Pensão. Creio que este texto poderá fornecer elementos para denunciar, caso me assista a razão, que se pretende atingir os interesses dos Participantes e Assistidos, infringindo os expressos termos da LC 109/01, com base em normas constitucionais e legais, inspiradas em ideais claramente discordantes do espírito da CONSTITUIÇÃO BRASILEIRRA DE 1988, CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA DO BEM ESTAR SOCIAL.

 

 

 

sábado, 7 de novembro de 2015

351. A Instituição do Absolutismo Político Europeu

Transcorridos três séculos, Pepino, o Breve, Prefeito do Palácio do rei franco, isto é, governante de fato do reino franco, narra Will Durant, “enviou uma embaixada ao Papa Zacarias para perguntar se era pecado depor o títere merovíngio e tornar-se ele próprio rei de nome, como já o era de fato. Zacarias, que necessitava do apoio dos francos contra os lombardos ambiciosos, respondeu-lhe com uma negativa animadora. Pepino convocou uma assembleia de nobres e prelados em Soissons; ali foi ele escolhido rei dos francos...” e internou o rei num mosteiro.
 

Três anos transcorridos, continua Will Durant, “... o Papa Estêvão II veio à abadia de São Dionísio nos subúrbios de Paris e ungiu Pepino rex Dei gratia – rei pela graça de Deus -... (em contrapartida, Pepino) salvou o papado dos reis lombardos e deu-lhe um poder temporal espaçoso na Doação de Pepino em 756 EC...  (Pepino) Ficou contente em receber em troca o título de patricius Romanus e uma injunção papal aos francos para que nunca escolhessem um rei a não ser de sua progênie.” Diz-se que esse socorro régio ao Papa deveu-se ao receio real de que, caso o negasse, se concretizasse a ameaça papal da recusa de São Pedro de usar as chaves da porta do Reino dos Céus para abri-la a Pepino, na hora da morte. Ao que consta, esse receio naqueles tempos era generalizado, dramático, compulsivo e empreendedor!
 

A realeza, daí em diante, tornou-se instituto social e jurídico por concessão divina, através do Papa, o sucessor de Pedro, o delegado divino, sediado em Roma!
 

Poucos anos  decorridos, Carlos Magno, filho de Pepino, jovem rei, muito prendado e bafejado pela sorte, concebeu, diz Will Durant, “uma das mais brilhantes ideias na história política da humanidade: a transformação do reino de Carlos Magno no Santo Império Romano, que teria atrás de si todo o prestígio, santidade e estabilidade da Roma imperial e papal."
 

Acontece que, narra Will Durant, “Em 26 de dezembro de 795, Leão III foi eleito papa. A população romana não gostava dele; acusou-o de vários erros... a 25 de abril de 799, atacou-o, maltratou-o e prendeu-o em um mosteiro. Leão III escapou e buscou a proteção de Carlos Magno em Paderborn. O rei recebeu-o bondosamente, mandou-o de volta a Roma sob escolta armada e ordenou ao Papa e seus acusadores que comparecessem a sua presença no ano seguinte. Em 24 de novembro de 800 Carlos Magno entrou na antiga capital com pompa. A lº de dezembro, uma assembleia de francos e romanos concordou em arquivar as acusações contra Leão se esse as negasse sob juramento solene. Ele o fez e abriu-se o caminho para a magnífica celebração do Natal.”
 

“No dia de Natal, quando Carlos Magno, relata Will Durant, envergando uma clâmide e calçando, como era hábito dos reis francos, sandálias de patrício romano, ajoelhava-se ante o altar de São Pedro, Leão subitamente apresentou uma coroa ornada de gemas e colocou-a na cabeça do rei. A congregação, talvez de antemão instruída para agir conforme o ritual antigo do senado e povo romano ao confirmar uma coroação, gritou três vezes: “Salve Carlos, o Augusto, coroado por Deus, grande e pacífico imperador dos romanos!” Em seguida o Papa ungiu-lhe a cabeça com o óleo do Crisma e lhe rendeu o ato de homenagem reservado unicamente ao imperador do Oriente, ajoelhando-se em frente a Carlos Magno.
 

Estava fundado, de fato, o Santo Império Romano. Mas, Will Durant diz que Eginardo, cronista da corte de Carlos Magno, relata que este lhe confidenciara que, “se soubesse da intenção do Papa de coroá-lo, ele não teria entrado na igreja.” Esse desgosto decorreria do fato de que era hábito dos reis francos se coroarem,  em sinal do seu poder político supremo, da soberania: o seu poder era considerado uma disposição direta de Deus.
 

Nada obstante, como explana Will Durant, “A coroação teve resultados para mil anos.. Fortaleceu o papado e os bispos, tornando a autoridade civil derivada da confirmação eclesiástica. Gregório VII e Inocêncio III,..., construiriam uma Igreja mais poderosa. A coroação fortaleceu Carlos Magno contra o descontentamento dos barões e outros elementos, por torna-lo o próprio vigário de Deus, favoreceu muito a teoria do direito divino dos reis... O fato de Carlos Magno (como desejava o Papa) continuar a fazer de Aachen, e não Roma, sua capital, sublinhou a passagem do poder político do Mediterrâneo para o norte da Europa, do povo latino para os teutônicos. Acima de tudo, a coroação estabeleceu de fato o Santo Império Romano, embora não em teoria. Carlos Magno e seus conselheiros conceberam a sua nova autoridade como um renascimento do velho poder imperial; somente com Oto I foi reconhecida distintamente a nova característica do regime; e ele se tornou “santo” somente quando Frederico Barba Roxa introduziu a palavra sacrum no seu título em 1155. Além de tudo, a despeito de sua ameaça à liberdade do espírito e do cidadão, o Santo Império Romano constituía uma nobre concepção, um sonho de esperança e paz, ordem e civilização estabelecidas em um mundo heroicamente conquistado ao barbarismo, violência e ignorância.” 
 

Sessenta anos passados desde aquela histórica noite de Natal, o papa Nicolau I governava a Igreja de Roma com plena convicção de que Jesus Cristo, o Filho de Deus, fundara a Igreja de Roma, nomeara Pedro seu primeiro chefe, de modo que os bispos de Roma são herdeiros da autoridade de São Pedro. O Papa é o representante de Deus na Terra. Tem a autoridade suserana sobre todos os cristãos, súditos e reis, pelo menos em matéria de fé e moral. Nisso ele acreditava. Com essa autoridade ele procedeu, submetendo o clero, os reis e os senhores feudais por toda a Europa de tal forma que, diz Will Durant, “Quando morreu, o poder do papado estava reconhecido mais amplamente do que nunca.”