sexta-feira, 7 de maio de 2010

149. Constatação Fundamental

Existo. Penso. Sinto prazer. Sinto desconforto. Sinto dor. Sinto fome e sede. Sinto medo, amor e ódio. Sinto tristeza, alegria e saudade. Faço o que me convém. Evito o que me prejudica. Decido o que quero. Planejo a realização de meu futuro. Relembro o encadeamento dos fatos de minha vida, desde a casa de meus pais. Aprendo. Produzo coisas. Falo com pessoas parecidas comigo. Agrada-me conviver com algumas delas. Desagrada-me conviver com outras. Conversamos. Produzimos coisas em conjunto. Existo entre um infinito de coisas outras existentes, que formam o meio ambiente onde existo, a Terra, o Cosmo.
O Homem é, portanto, um ser consciente, racional, social e cultural. O mais básico é ser um ser consciente, isto é, que conhece que conhece, que conhece que existe, que conhece o que lhe convém e o que o prejudica, que decide o que fazer, que prevê o seu futuro e até o planeja.
Porque sou consciente aprendo, trabalho, produzo, comunico-me, participo de associações, consigo evitar o que me faz mal e obter o que me faz bem. Tenho uma consciência, uma mente que me proporciona a sobrevivência. Entendo, pois, que a Mente é o aparelho que nos proporciona a sobrevivência.
As primeiras manifestações do gênero humano ocorrem na pré-história, quando os hominídeos deixaram sinais de que usavam o fogo e construíam instrumentos para obter alimentos e proteger a vida na luta pela sobrevivência. Mais tarde, há uns duzentos mil anos a espécie humana, a nossa espécie do Homo Sapiens ou Homem Moderno, deixa os seus vestígios na crosta terrestre.
Há cerca de cinqüenta mil anos, nas grutas de Espanha e França, ele demonstrou que é capaz de se autoexaminar, de refletir, de se isolar e concentrar-se nas imagens de sua própria mente. Ele demonstrou que se descobrira como um ser que possuía um universo de imagens, que no seu interior replica o mundo exterior. Ele se encantou com essa representação do meio ambiente e resolveu reproduzi-la. E talvez até pensasse que essa representação interna consciente, que se assemelhava aos sonhos que experimentava ao dormir, poderia ser a manifestação de um poder interior, forte o suficiente para interferir no sucesso de sua luta pela sobrevivência. Ali já estava presente e atuante o ser consciente, racional, social e cultural que é o Homem.

sábado, 17 de abril de 2010

148. Quem Faz a Lei

Há poucos dias, em um palanque de propaganda política... Espere, não sei bem se era de propaganda política ou de divulgação de obras realizadas pelo Governo. Bem, fosse lá o que fosse, o mais talentoso orador do evento afirmou – pareceu-me com ares de deboche – que continuaria a proceder confundindo propaganda de campanha política com marketing de gestão pública, apesar das condenações e punições da Justiça já recebidas, enquanto as leis do País não forem tão bem feitas que não deixem dúvidas sobre o que, nos eventos de propaganda do Governo, caracteriza marketing político.
Todos sabem que o Governo na democracia moderna, aquele enaltecido por Montesquieu, há séculos, assume a forma tripartite, adotada há mais séculos ainda na Inglaterra, e difundida por quase todas as nações depois de consagrada pela Revolução da Independência Norte-americana.
As leis, portanto, passaram a ser elaboradas pelo Poder Legislativo. Mas, há um consenso histórico e universal, porque nada mais é que a constatação de um fato, que a lei versa sobre o universal, haja vista que ela obriga a todos. Então, quando ela entra em funcionamento, isto é, quando a legalidade de uma determinada ação particular de um indivíduo entra em julgamento, a Lei universal precisa ser aplicada a esse ato particular.
A lei é aplicada por um juiz, um representante de outro poder, o Poder Judiciário. Mas, o juiz só pode aplicar a lei se ele entender a lei e também entender aquele ato que está julgando. Julgar é comparar o ato particular com a lei universal. Julgar é enquadrar o ato particular na lei universal.
Entender a lei é interpretá-la. É impossível julgar sem que haja uma interpretação da lei. É impossível produzir uma lei que de tal forma contemple todos os casos particulares de ações de todos os indivíduos no presente e no futuro, que prescinda de qualquer interpretação.
Cada juiz em cada caso dá uma interpretação da lei. Até mesmo um juiz pode dar interpretações diferentes em julgamentos diferentes. E isso é normal e muito compreensível. Cada juiz tem a sua Mente. E cada Mente humana é singular. A Mente de cada pessoa muda conforme o tempo passa. E os fatos são também singulares: são praticados em contextos diferentes.
Mais ainda. O conjunto das interpretações da lei pelos juízes forma a jurisprudência. E a jurisprudência também reveste o papel de fonte da lei. Ela produz a lei também. E tem papel decisivo na produção da Lei. Em alguns países, o papel da Jurisprudência na produção da lei é quase tão importante quanto o do Poder Legislativo.
Isso um político não pode desconhecer. Muito menos um político importante e excepcional. É lamentável esse espetáculo jactancioso de populismo, de popularidade onipotente. E acho que esse espetáculo até mesmo induz ao desrespeito à lei e ao esgarçamento do tecido social.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

147. Ainda Sobre o Estado Grande

Alguns pensam que, estabelecido o Estado Grande, uma nação marchará inelutavelmente para o progresso. A História dos nossos dias não convalida essa opinião.
Tenho absoluta certeza de que, pelo menos desde o ano de 1966, vozes autorizadas e sensatas do meio acadêmico, do meio econômico e mesmo do meio financeiro se faziam ouvir, vaticinando que a atividade bancária exacerbada dos empréstimos da subprime e dos derivativos não se sustentaria.
Governo algum tomou providência. Todos os governos estavam satisfeitíssimos com os resultados auspiciosos do curto prazo, que alimentavam o próprio marketing de sucesso político. O meio financeiro norte-americano tocava a música e o resto do mundo dançava aloucado.
Uma instituição, que facilitou a excessiva alavancagem bancária, responsável por toda essa farra, foi o paraíso fiscal. Ora, o paraíso fiscal existe, pelo menos, desde a década de 60 do século passado, com o conhecimento e sob a complacência dos Governos de todos os países.
E os governantes sabiam e sabem que os paraísos fiscais existem para lá se realizarem operações bancárias legais e ilegais, sobretudo as ilegais. Entre essas operações ilegais, além da lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio criminoso, inclui-se a sonegação de impostos. Vejam só: os Governos faziam e fazem vistas grossas exatamente a essa burla fiscal.
E há ainda Governos que surpreendem, eles mesmos praticando burlas inacreditáveis, que conduzem a prejuízos gigantescos à própria nação e até aos parceiros políticos, como o caso atual do Governo grego que, poucos anos atrás, para obter o ingresso na União Européia, não teve escrúpulo algum de contratar peritos financeiros para maquiar as suas contas públicas. Hoje está aí a Grécia soçobrando sob as conseqüências de sua farsa e provocando grandes problemas à economia da União Européia.
Estado não é garantia de legalidade, nem de moralidade, nem de sucesso econômico nem político nem militar. Não existe garantia absoluta para nada disso. Ainda assim, a maior garantia, que pode existir para tudo isso e para a sobrevivência de uma Nação, é o alto nível de moralidade e de cultura de seu povo. Instruir e educar. Educar. Educar. Educar.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

146. O Estado Grande

Estamos criando uma sociedade onde a Cultura e o Conhecimento não figuram entre os principais de seus valores. Até não se tem pejo de, desprovido de Cultura e formação superior, candidatar-se ao exercício daqueles postos que detêm os poderes políticos supremos de decidir o futuro de toda a sociedade.
Não advogo o governo aristocrático. Acho que qualquer cidadão tem o direito de pretender governar o seu país. Perfilho aquele pensamento de Churchill: “A democracia não é uma forma perfeita de governo, mas até hoje a Humanidade não concebeu forma alguma de governo melhor que ela.”
Não é que os países, cuja forma de governo seja a democrática, consigam sempre atingir seus objetivos, ou mesmo sobreviver. Não. O que a democracia tem de bom é que iguala os direitos de todos os cidadãos – todos podem eleger e ser eleitos -, consagra a liberdade de expressão do pensamento, as minorias têm o direito de serem ouvidas e, ao menos em tese, coloca a origem do poder no povo e não na força, na riqueza, nem mesmo no saber.
Acho que o mais modesto cidadão tem o direito de candidatar-se aos mais altos postos políticos de seu país. Mas, nos tempos modernos, ninguém deveria pretender exercer esse direito, sem se preparar para exerce-lo. E essa preparação inclui, a meu ver, cultura ampla, abrangendo informações consistentes sobre os principais debates que a Humanidade já empreendeu nas áreas da Filosofia, da Sociologia, da Ciência Política e da Economia, pelo menos.
Isso serviria, ao menos, para se ter um pouco de prudência ao manifestar-se em público; para se mostrar menos afoito em doutrinar sobre coisas de que não entende nem sequer suspeita que, há séculos, milênios até, a Humanidade sobre elas debate sem as elucidar definitivamente; para não assumir atitudes professorais nessas questões controversas em público e nos diálogos com pessoas de formação cultural notoriamente superior; e para, sobretudo, decidir o que convém ao povo, cujos destinos governa.
Recentemente se disse neste País que se precisa de Estado Grande, porque ele evita a recessão e a depressão econômica. No entanto, o que a doutrina e a história da Ciência Econômica ensinam é que, na Economia de Mercado, o processo econômico sofre oscilações: há os tempos favoráveis e os tempos adversos.
Estado algum acabará com a recessão e a depressão na Economia de Mercado. Diz Paul Krugman que ela é característica do mundo industrial dos nossos tempos. Mas, outros economistas dizem que também na sociedade agrícola existem tempos favoráveis e tempos adversos, em razão de perturbações como as secas, as inundações, os terremotos, os maremotos e outras.
Já a Economia de Comando não conduz à riqueza nem ao progresso no longo prazo, exatamente porque freia a competição, a liberdade e a criatividade. Exemplos recentes da Economia de Comando terminaram ou na mais estúpida conflagração da História, ou no colapso político, ou no colapso econômico, ou em ambos.
Resta-nos o exemplo exitoso da China, economia de mercado sob a diretriz de um Estado Grande. É esse o exemplo que parecem querer seguir os líderes de vários países da América do Sul. Por enquanto, o Estado Chinês, prepotente e superpotência militar nuclear, consegue atrair capitais internacionais, ampliar o mercado doméstico, dominar o mercado mundial de bens de consumo sem notório escrúpulo com respeito às normas do comércio internacional e, até mesmo, controlar a insatisfação popular e reprimir a expressão livre de opinião. Mas, muitos economistas e cientistas políticos encaram a experiência chinesa com dúvidas sobre o sucesso definitivo do projeto híbrido, de economia de mercado e doutrina política única, que as autoridades chinesas vêm executando.
Seja como for, penso que o Estado existe só porque a sociedade dele precisa. As dimensões do Estado, portanto, têm limite: a necessidade da sociedade. E a sociedade existe para que cada indivíduo conquiste uma vida feliz. E a socidade pode precisar de mais e de menos Estado, na medida em que os indivíduos são ou não suficientemente educados para conviver. Na medida em que os indivíduos melhor saibam conviver, menos necessidade de leis, isto é, de Estado, tem a sociedade. O tamanho do Estado está na relação inversa do nível de moralidade da sociedade.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

145. Eu Sou Eu e Minhas Circunstâncias

Por que existimos? Há várias respostas. Eu prefiro a da convergência de circunstâncias favoráveis. Por que sobrevivemos? Prefiro aquela das circunstâncias favoráveis, juntamente com a iniciativa pessoal. Vivo nesta época em que a Humanidade goza de maior longevidade. Habito uma cidade onde não ocorrem terremotos nem tsunâmis. O trânsito ainda não me armou ciladas. Sobretudo, a Natureza me equipou com esse maravilhoso aparelho de informações, que é a Mente. E eu procuro usar a minha Mente para descobrir o que me faz bem, a fim de obte-lo, e o que me faz mal, a fim de evita-lo.
A Mente é estranho e precioso aparelho de informação. Ela nos faz conhecer o meio ambiente, sob o estímulo de energias geradas pelos objetos circundantes, as quais a atingem e provocam a reação cognitiva e a de preservação pessoal. A minha mente é muito parecida com a de todos os outros homens que existem e que existiram. Mas, a Mente não é um aparelho que se replica igualzinho em todos os indivíduos.
A Mente se modificou ao longo do tempo. Já houve a mente do homem das savanas africanas. A mente do homem das cavernas. A mente do homem andarilho. A mente do homem do fogo e da linguagem. A mente do homem místico das pinturas rupestres. A mente do homem da caça e da coleta. A mente do homem nômade do pastoreio. A mente do homem agrícola e da matemática. A mente do homem urbano e da escrita. A mente do homem da arte e da cultura. A mente do homem filósofo e político. A mente do cenobita. A mente do homem burguês. A mente do homem das descobertas. A mente do homem científico. A mente do homem industrial. E temos hoje a mente do homem do conhecimento, da informação e da comunicação.
A mente do homem de hoje é o estuário de todas essas mentes, as mentes que evoluíram, adaptando-se ao meio ambiente, e conseguiram, inclusive com a solidariedade de outros animais, o sucesso na corrida competitiva pela sobrevivência. Várias outras mentes humanas se extinguiram por carência de adaptação. Nós não temos garantido o sucesso na corrida pela sobrevivência. Nós temos que consquista-la, adaptando-nos e conseguindo parceiros que nos auxiliem nessa tarefa básica da sobrevivência. O sucesso na competição pela sobrevivência, também conta com parceiros, isto é, com iguais através do sentimento de amizade, da concórdia, isto é, do compartilhamento do mesmo coração, do espírito de grupo.
Assim, como existe uma Mente para cada época da História, também cada indivíduo humano tem a sua mente, parecida com a de qualquer outro indivíduo humano, mas também muito diferente da mente de qualquer outro indivíduo. A mente de cada indivíduo é formada por todas as circunstâncias que o envolvem, desde a fecundação até a morte. A mente do indivíduo humano é a sua história, que é indiscutivelmente única, singular. Cada indivíduo humano é o produto de indiscernível tessitura de infinitas circunstâncias, que produziu sua constituição genética, e da seqüência constituída por todas as experiências existenciais próprias. A mente humana é um processo. A cada dia, a cada hora, a cada instante ela se modifica.
Essa afirmação da Neurociência parece abstrata e inócua. Mas, de fato, ela é prenhe de resultados práticos e cotidianos. Ela é poderosa para a compreensão e cura das divergências e dos desentendimentos entre os indivíduos humanos. Ela é esclarecedora e corretiva dos comportamentos anti-sociais. Ninguém é dono da Verdade. Nós possuímos opiniões, conhecimentos subjetivos da realidade, que até podem ser conhecimentos bem fundamentados. Haverá sempre convergências e divergências entre as mentes de duas pessoas. Conviver é saber administrar as divergências. É querer enriquecer a própria mente compartilhando a visão do Mundo construída pela mente alheia. Conviver é ampliar os horizontes da minha representação mental do Universo.
Essa afirmação da Neurociência, portanto, esclarece a respeito da força poderosa de construção da harmonia social que é a Educação e, sobretudo, do poder modelador de indivíduos superiores, que é um meio ambiente social pacífico, cooperativo e progressista. Ela nos informa sobre a riqueza da coletividade humana, do espetáculo que é a singularidade do indivíduo humano. Ela esclarece quão difícil é conhecer-se e compreender o outro, mas que isso interessa à sobrevivência pessoal e da coletividade humana.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

144. Política Demográfica

Assombra-me país como o Haiti. Assombra-me a maioria dos países africanos. Assombra-me desastre como esse das regiões mais lindas do Estado do Rio de Janeiro e aquele de regiões tão operosas como as cidades do leste de Santa Catarina. Assombram-me favelas como em muitas das cidades brasileiras. No Haiti e na África, fome, ignorância, doença e morte. Vida sem qualidade. Isso não é vida. É náusea. Já é morte. É pior que a morte. Nas cidades brasileiras, fome, ignorância e proximidade de oportunidades de trabalho.
A fome no Brasil, encaro-a até como ignorância ou atitude sarcástica dos homens mais esclarecidos e, sobretudo, dos políticos brasileiros. Todos sabemos que muitos políticos por esse Brasil afora são pouco mais que alfabetizados, ou nem mesmo atingem esse nível. Há, ainda, em grande número, os que são políticos para se locupletarem. A filosofia básica desse tipo de pessoas resume-se nisto: só existe esta vida, salve-se quem e com o quanto puder. Noutras palavras, viver é poder. É a sociedade do Super Homem de Nietzsche. Ao Super Homem tudo, tudo mesmo, é permitido. O Super Homem está acima do Bem e do Mal. Para ele não existe direito nem moral. Melhor, o Super Homem faz a sua lei e o seu direito. É dono absoluto de seu destino.
Vejam bem. O Brasil possuiu o cientista que refletiu com maior clarividência sobre o fenômeno da fome, Josué de Castro. Ele achava que a Humanidade detém os meios de erradicar a fome. Ele não entendia como se podem empregar tantos recursos em construir arsenais de guerra cada vez mais sofisticados e mortíferos, enquanto pouco se aplica em eliminar a fome. Ele não entendia como se pode colocar a felicidade na adoção de estilo de vida de acerbado consumismo, enquanto se destrói o próprio meio ambiente que possibilita a vida e a existência humana.
O Homem é uma fase do processo evolutivo, que é a existência, a Natureza. Ele é produto do Cosmos, mais particularmente, de Gaia, como imaginavam os gregos. Um dia, a Terra acabará. Isso é inevitável. Mas, o Homem moderno está acelerando a marcha para esse término. Destruído esse útero, que é Gaia, desaparece a Terra Azul, desaparece o feto Humanidade. Ontem mesmo, sábio político brasileiro colocou o problema atual da Humanidade no seguinte dilema: ou se restringe o consumo ou se muda a matriz energética do planeta. Anteontem, ele se vangloriava de que o Brasil, com a descoberta das reservas energéticas do pré-sal, se tornará um dos maiores produtores e consumidores de combustível fóssil, em uma década!
Josué de Castro, de fato, como disse acima, admitia o fato básico da Economia: os recursos do planeta Terra são limitados. Ele também entendia que existe uma correlação, cujos limites são intransponíveis, como já pensava Malthus, no século XVIII, entre população e extensão geográfica, entre população e riqueza nacional e mundial, entre população e tecnologia. Afinal de contas, nada mais é que o princípio básico econômico dos rendimentos decrescentes.
Os gregos, há quase quatro mil anos, antes mesmo que surgissem os filósofos e os cientistas, entendiam que o Mal é resultado da hybris, do descomedimento, do descompromisso, e o Bem, resulta da Temis e da Diké, do comedimento e do compromisso, da Justiça e do Direito. A vida ruim é o estilo bárbaro de viver, do Homem Lobo de Thomas Hobbes, do Príncipe de Maquiavel (que mata até o mais longínquo descente do adversário) e do Super Homem de Nietzsche. A vida boa é a convivência, a vida civilizada, o estilo urbano de vida.
Por isso, Josué de Castro não ousava dizer que o Brasil é capaz de alimentar o mundo, incondicionalmente, seja qual for a população mundial ou o estilo de vida da comunidade humana mundial. Não podemos continuar abatendo florestas nem abrindo buracos no Brasil, na Ásia e na Austrália para construir Xangai ou Dubai. Não podemos explorar de forma superintensiva os recursos da terra brasileira para sustentar o estilo de vida tresloucado de norte-americanos, europeus, asiáticos, africanos, latino-americanos e brasileiros.
As vias terrestres, marítimas e aéreas suportam tráfego excessivo. Não se aumenta a população global nem se aumenta a produção de alimentos, como se faz hoje, impunemente sem avançar sobre as florestas e sem avançar sobre as terras férteis construindo megacidades inviáveis. Nascido o ser humano, incontrolavelmente ele se lança na luta pela sobrevivência e irá habitar onde puder usufruir condições de existência e adotar estilo de vida que as garanta, até mesmo, se preciso, encarando a coerção da lei. Não me admiro quando leio, hoje, que 57% da população da cidade de São Paulo, insatisfeita com os problemas das grandes cidades, nutre o desejo de mudar-se para cidade mais habitável.
Acho, portanto, que além da mudança do estilo de vida, faz-se também imperiosa a compatibilidade entre população e área terrestre, entre população e riqueza mundial, entre população e tecnologia, como pensava Josué de Castro. Sobre isso e sobre a mudança da mentalidade consumista para a mentalidade holista, os políticos não apreciam se pronunciar. E nesses famosos encontros internacionais, os políticos não discutem de boa fé. Eles são negociadores. Curioso que Hermes, o deus grego dos negociantes e dos jornalistas (do marketing), era também o deus dos embusteiros e dos ladrões.
Mas, Josué de Castro colocava no colo dos políticos, como não podia deixar de ser, a solução da fome. Ele achava, como também Kenneth Galbraith, que só a Educação seria o instrumento capaz de mudar a mentalidade das pessoas, e destarte se eliminasse a expansão demográfica e a sociedade consumista se fizesse substituir pela sociedade holista e humanista.
Josué de Castro divergia de Malthus e rejeitava o controle da natalidade. Da minha parte, não encaro a política de controle da natalidade como algo desumano e amoral. Acho que existe um tipo de controle da natalidade, digno de uma sociedade civilizada. Existe no mundo de hoje, países que utilizam meios desumanos para o controle da natalidade. Mas, outros existem que usam sistema inteligente e democrático de controle da natalidade. O importante, todavia, é, como também assim o pensa Anthony Giddens, que não se transpõem impunemente os limites de sustentabilidade dos recursos do planeta Terra.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

143. A Sociedade Que Queremos

Nenhum povo foi mais democrático que o da cidade-estado de Atenas. Lá houve democracia. Democracia direta. O povo reunia-se na ágora. Debatia o interesse público. Fazia as leis de acordo com o consenso obtido. Nomeava os delegados que ficavam incumbidos de aplicar as leis no período de governo subseqüente. Tanta era a democracia que o ateniense podia dizer pela voz de Péricles: Sou livre. Obedeço à Lei que eu fiz. Não obedeço a homens nem a leis feitas por outros homens.
Gregos famosos não apreciavam a democracia. Platão foi um deles. Aprendeu a apreciar a aristocracia com o maior dos gregos e o mais famoso filósofo de todos os tempos, Sócrates, que, por isso, foi condenado à morte. Sócrates foi considerado divulgador entre a juventude da ideia de que os deuses da Grécia e as normas democráticas da sociedade ateniense, recebidas de Atená, deveriam ser abandonados. A juventude ateniense deveria ouvir a respeito desse assunto ao deus que lhe habitava a mente, o daimon, e que lhe falava orientando como proceder. Sócrates propugnaria o individualismo. A supremacia da opinião própria em relação ao consenso da sociedade. Era assim que ao menos as autoridades de Atenas consideravam o grande filósofo. E daí a pena do suicídio. É significativo que a Apologia de Sócrates consista também na exposição de seu profundo apreço pela sociedade ateniense, a quem afirmou dever tudo o que era e tudo o que tinha.
A civilização ocidental de nossos tempos não admite outro sistema de organização política que não seja o democrático. Essa atitude é convencional e, enquanto entendo, foi assumida por circunstâncias históricas e culturais, fundamentada, sobretudo, na concepção filosófica da igualdade de todos os indivíduos humanos. Nada de reis, nada de nobres, nada de classes, todos os indivíduos humanos são iguais. Se todos os indivíduos humanos somos iguais, todos temos os mesmos direitos, todos mandamos e todos obedecemos, todos fazemos as leis e todos cumprimos as leis. Todos somos livres como Péricles.
Isto não é uma verdade absoluta. Nem Maquiavel nem Nietzsche a aceitariam. Acredito que na Coréia do Norte, na China, em Cuba e em muitos outros países esse princípio também não seja atualmente aceito, ou pelo menos ele é escamoteado. Insisto: a democracia é um valor social atual, porque a sociedade hoje acha que ela é o único sistema político condizente com a dignidade de um indivíduo humano livre. E talvez mais ainda, porque se pensa que não se pode obter uma sociedade, isto é, uma convivência pacífica entre indivíduos humanos, a não ser considerando que todos somos iguais. Por que eu iria aceitar conviver com o Príncipe de Maquiavel ou com o Super Homem de Nietzsche? Dessa forma, não se constrói uma sociedade, ela é imposta. Não se convive, subjuga-se.
Assim, a democracia é adotada porque ela é a mais justa, a mais digna e a menos constrangedora das formas de organização política. Isso não significa que seja a mais eficiente. Nas décadas de 30 e 40 do século passado, a Inglaterra foi tomada por uma onda de opinião favorável ao sistema econômico de comando, ante o exemplo de desenvolvimento alcançado pela Alemanha hitlerista. O Road to Serfdom de F. Hayek foi escrito em reação exatamente a essas idéias da economia de comando, que haviam conduzido a Alemanha e a União Soviética a elevado nível de desenvolvimento econômico. O Brasil também nunca alcançou desenvolvimento tão rápido quanto no período dos governos militares. E tudo do que o Brasil hoje se orgulha teve seu início e fundamento sólido naquela época. Os grandes investimentos públicos deste País foram feitos naquela época. E mesmo as grandes conquistas na área das instituições financeiras foram obtidas naquele período. E os historiadores afirmam que declínio político e econômico das cidades-estado gregas se deve, em grande parte, à democracia, dominada pelos interesses de comerciantes sem grande visão e morosa em tomar decisões que exigiam o consenso da população.
Compreendo, por isso, a preocupação dos democratas com tudo aquilo que significa cerceamento da liberdade de imprensa e da liberdade religiosa, desfazimento de acordos pregressos que dizem constar de certo projeto de planejamento social elaborado pelo Governo atualmente. Mas, não posso compreender como se pode reagir, numa sociedade que se diz democrática, a qualquer plano de tornar mais democrático o governo, abrindo espaço para a participação popular direta na elaboração das leis e no julgamento das infrações das leis.
Bertrand Russel e Chomsky acham que os representantes do povo incontrolavelmente se erigem em classe superior, privilegiada e dominante. E, por isso, o Governo deveria tender cada vez mais a desaparecer, o que seria o ideal. O próprio Jean Jacques Rousseau, aquele que acabou se tornando o grande formulador da criação da democracia representativa do mundo contemporâneo, dela dizia: “Os deputados do povo, portanto, não são nem podem ser seus representantes, são apenas seus delegados; não podem resolver nada definitivamente. Toda lei que o povo não ratificou pessoalmente é nula; não é absolutamente lei. O povo inglês pensa ser livre, mas engana-se fortemente; só o é durante a eleição dos membros do parlamento; tão logo esses são eleitos, ele é escravo, não é nada.”
Essa democracia direta funciona em pequenas cidades norte-americanas e suíças. Em Estados dos Estados Unidos da América o plebiscito é utilizado com freqüência para a aprovação de leis. A Constituição Brasileira prevê o plebiscito. Não entendo, portanto, a reação a que o povo brasileiro assuma o seu papel de legislador e governante. Será que temem o nível de instrução do povo brasileiro? Será que se teme a erradicação de privilégios? Será que se teme a decadência do País? É preferível uma democracia limitada como já se falou neste País? Será que se deseja que a democracia brasileira seja uma farsa, um faz-de-conta como tantas coisas importantes neste País? Não sei.
Sei que a democracia representativa é a convenção adotada pela sociedade ocidental no que diz respeito a sistema político. Sei que em vários países o povo tem maior participação direta na atividade de elaboração e promulgação de leis. Entendo que democracia genuína, de fato, é a democracia direta. Sei que a democracia é um risco, quanto menos instruído é o povo e mais descompromissado é o comportamento do povo com o bem da coletividade. Mas, que democracia é o governo do povo, isso eu sei que é, quaisquer que sejam as conseqüências.
E para aqueles que dizem que o sistema político da democracia direta é impossível, lembro as palavras de Albert Einstein: Algo só é impossível até que alguém duvide e acabe provando o contrário.