terça-feira, 27 de março de 2012

178. A ADI Da "Reversão de Valores"

Quando tomei conhecimento da bela peça jurídica, elaborada pelo Dr. Marthius Savio Cavalcante Lobato, que até recebeu agora elogio no despacho do Ministro relator, fiz questão de estudá-la. Esse estudo, que se encerra com um resumo daquele trabalho, distribuí-o entre amigos, enfatizando o caráter restrito que queria atribuir-lhe. Não pretendi dar nenhuma publicidade ao que pensava a respeito, sobretudo porque antevia o arquivamento, em razão da natureza ancilar da Resolução CGPC 26. É a esse estudo, sem o resumo do texto da ação, que ora estou dando publicidade, não sem proclamar o elevado valor que atribuo ao trabalho do Dr. Marthius e ao mérito que entendo ter sido por ele alcançado, a despeito de a ação não ter prosperado, na medida em que no próprio despacho o Ministro Celso de Mello, além do elogio já referido, cita algumas exorbitâncias da "Reversão de Valores" apontadas pelo autor. Meu propósito é tão somente contribuir, se assim entenderem os Doutos, para aperfeiçoar a argumentação demonstrativa das extrapolações legais da Resolução CGPC 26.

Prezados Colegas Alberto, Medina, Adrião, José Aranha, Toledo, Arthur, Ivo Ritzmann, José Ribeiro, Lívio, Tavares, Teixeira, Betto Dias, Carlos Armando, Francisco Monteiro, João Henrique, Carlos Alberto, Sócrates, Noé e Célia.

Estou-lhes enviando esta mensagem, sem qualquer intenção de desfazer ou menosprezar o valioso trabalho elaborado pelo Dr. Marthius Savio Cavalcante Lobato, autor da ADI a respeito da “Reversão de Valores”, criada pela Resolução CGPC 26. Meu propósito consiste exclusivamente em compartilhar com os colegas a minha opinião sobre ação que nos diz respeito, porque trata de interesse comum, e de receber dos colegas também informação sobre o juízo que formaram a respeito dessa peça jurídica. Esta mensagem tem, portanto, caráter estritamente particular, de forma que não gostaria que assumisse o caráter de mensagem com destinação ao público indistintamente.
Um abraço do
Edgardo

Comentários

Sem dúvida que a ADI a respeito da “reversão de valores”, criada pela Resolução CGPC 26, se trata de bela peça jurídica, que merecia ter passado por revisão mais rigorosa, que teria evitado erros vernaculares e até citação equivocada da Constituição Brasileira (CB), o artigo 201, quando, ao que me parece, seria o artigo 202.

Peça jurídica muito bem elaborada, fulcra-se no “PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA GARANTIA PERMANENTE”, na forma de reservas, instituído pelo artigo 202 da Constituição. Qualquer que seja a entidade previdenciária, Entidade Fechada (EFPC) ou Entidade Aberta (EAPC), ela, desde a primeira contribuição até a última, deve ser gerida de tal forma que, desde o primeiro pagamento de benefício até o último de um Plano de Benefícios, detenha os recursos necessários para fazê-lo. É, assim, que o autor lê esse artigo 202 da CB. Acho que ninguém dele discordará.

Mas, também penso que ele deveria ter insistido no PRINCÍPIO DE DESTINAÇÃO DAS RESERVAS, a saber, para PAGAMENTO DO “BENEFÍCIO CONTRATADO”. Na minha opinião, ele exagerou na ênfase daquele Princípio da Garantia Permanente, quando afirma com tanta insistência esse princípio que nega a possibilidade de que sejam sacados valores dessas reservas. Se não pode existir saque das reservas, nem pagamento de benefícios pode existir. Claro que não é negativa de alcance tão amplo o que o autor está tentando esclarecer. Lá adiante ele irá afirmar que, é evidente, saques de benefícios são, não apenas permitidos, mas devidos. Mas, a prova que prova em demasia, dizem os professores de Lógica, nada prova...

Creio, por isso, que, estabelecido O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA GARANTIA PERMANENTE DOS PAGAMENTOS DOS BENEFÍCIOS, o autor deveria ter insistido no PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO, econômico-financeiro e atuarial, que a Lei Complementar 109, apelidada por Wladimir Novaes Martinez de Lei Básica da Previdência Complementar (LBPC), erige no artigo 3º-III, para qualquer Plano de Benefício de EFPC e EAPC, como a formulação legal do Princípio Constitucional da Garantia Permanente. Esse PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO, a meu ver, concentra harmoniosamente, aqueles dois princípios constitucionais: o da garantia permanente e o da destinação das reservas.

Aí, sim, insistiria como a LBPC se preocupa de forma muito mais insistente e minuciosa nesse PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO, quando se trata de uma EFPC (artigos 18 a 21).

O autor completa o princípio da garantia permanente com o do equilíbrio, o da caracterização da EFPC (entidade sem fins lucrativos) e o da administração compartilhada. A meu ver, ele exagerou a ênfase no princípio da garantia permanente e não salientou suficientemente o do equilíbrio, como já vimos.

Já no que tange ao Princípio da Pessoa Jurídica sem Fins Lucrativos, que é a EFPC, acredito que foi ele exposto, mas não suficiente e adequadamente explorado. Penso que deveria ter sido bem esclarecido que a EFPC é uma pessoa jurídica autônoma, que o Patrocinador não a administra, que a administração suprema da EFPC pertence ao Conselho Deliberativo, que os administradores da EFPC só se subordinam a esse Conselho, que o Patrimônio da EFPC é somente dela, isto é, pertence à coletividade dos Participantes do Plano de Benefícios (ALI NÃO EXISTE NADA QUE PERTENÇA A OUTRA PESSOA FÍSICA OU JURÍDICA, DIFERENTE DA EFPC), que o Patrocinador não administra NEM PARTICIPA DA EFPC, NÃO É DELA SÓCIO, que só existe um patrimônio que é o patrimônio do Plano de Benefícios, isto é, todo aquele patrimônio é PATRIMÔNIO PREVIDENCIÁRIO. Ali não existe contribuição de Participante nem contribuição de Patrocinador, ali existe apenas PATRIMÔNIO PREVIDENCIÁRIO DOS PARTICIPANTES DO PLANO DE BENEFÍCIOS, PROPRIEDADE DA EFPC. Reservas Matemáticas, Reservas de Contingência e Reserva Especial são uma e mesma coisa, a saber, patrimônio da EFPC, reservas previdenciárias, que, portanto, só possuem um destino constitucional e legal: benefício previdenciário. Que benefício previdenciário só pode ser pago a pessoa física, nunca a pessoa jurídica.


É verdade que o autor tratou desse assunto, e até trouxe contribuição notável demonstrando que, na década de 30 do século passado, a França criou entidades previdenciárias sem fins lucrativos exatamente para isso, para evitar que o Patrocinador a quisesse administrar e administrar segundo os seus interesses, interesses esses com fins lucrativos, é claro. E revelou que em 1977, quando o Governo Brasileiro criou as EFPC e as EAPC, declarou expressamente que as EFPC deveriam ser administradas sem fins lucrativos, tendo exclusivamente o objetivo de pagamento de benefícios previdenciários.

Mas, na minha opinião, ficou esse assunto importantíssimo obscurecido com a insistência muito forte no PRINCÍPIO DA ADMINISTRAÇÃO COMPARTILHADA entre Participantes e Patrocinador. É evidente que o autor queria insistir no fato de que a EFPC é pessoa jurídica regida pelas normas do Direito Privado e não do Direito Público. Alias, isso está lá dito no artigo 202 da CB. E isso é muito importante, porque o Direito Privado modela os direitos contratuais onde impera a vontade das partes, enquanto o Direito Público modela as obrigações da Sociedade, onde impera o império do Estado. Entendem, todavia, os Mestres de Direito, e disso o autor não discorda, que se trata de Regime de Previdência Complementar. A Previdência Complementar rege-se pelas normas do Direito Civil, mas respeitadas todas aquelas normas que o Governo estabeleceu para a operacionalidade dela, independente da vontade individual dos contratantes. Assim, EMBORA OS PARTICIPANTES SEJAM OS DONOS DO PATRIMÔNIO DA EFPC, ELES NÃO SÃO DONOS DA EFPC. Eles são dela sócio por adesão: ou aceita ou não aceita, é tudo ou nada.

Entendo que o Bloco de Constitucionalidade se confunde com as Cláusulas Pétreas. E aqui acho que o autor poderia ter insistido no papel da Justiça Social (cláusula pétrea do artigo 193) e na diferença entre os papeis da Justiça Social e da Justiça Distributiva. A Justiça Comutativa é a justiça do contrato de compra e venda: ela iguala os objetos de troca. A Justiça Distributiva é a justiça da repartição: ela iguala o resultado à contribuição de cada participante. A Justiça Social é a justiça que embasa a sociedade: ela iguala todas as pessoas no que diz respeito à Vida, ao Bem Estar e ao Trabalho. A Seguridade Social e, portanto, a Previdência Social, são regidas pelos PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PRIMADO DO TRABALHO, DO BEM ESTAR SOCIAL E DA JUSTIÇA SOCIAL (artigo 193).

Se o Princípio da Justiça Social tem alguma precedência constitucional é exatamente aqui nessa questão da Seguridade Social, da Previdência Social. E a direção do fluxo de recursos, regido pela Previdência Social na Constituição e na LBPC indiscutivelmente, é de quem tem renda para quem não tem renda. Ora, a esdrúxula “reversão de valores” provoca exatamente a reversão da direção desse fluxo de quem não tem renda para quem não apenas tem renda, como tem a mais capitalista das rendas, o lucro. Isso, todavia, não impede que a Justiça Distributiva seja considerada no Regime de Previdência Complementar no seu exato papel de distribuição de responsabilidades e repartição de direitos, já que a LBPC apresenta normas para a Contribuição e para o Pagamento de Benefícios, DOIS NEGÓCIOS JURÍDICOS DIFERENTES E SEPARADOS, aquela repartida entre Participantes e Patrocinador, e este repartido entre os Participantes, os únicos beneficiários constitucionais e legais. E aqui poderia o autor ter alegado a diferença abissal existente entre redução, e até suspensão de Contribuição, e “Reversão de Valores”: aquela não implica consumo de reservas (gasto, saída de recursos do Plano de Benefícios), esta constitui efetivo consumo de reservas (gasto, saída de recursos do Plano de Benefícios) e, ainda, com destinação diversa da constitucional e ilegal, isto é, para fins não previdenciários, para benefício de pessoa jurídica, com fins lucrativos, para aumento de lucro. Não existe, portanto, a menor consistência para se embasar o Princípio de Interpretação Extensiva no compartilhamento da Contribuição (entre Participantes e Patrocinador) para estendê-lo ao Pagamento de Benefícios (que só contempla Participantes, pessoas físicas, sem renda e que de fato os recebe de acordo com a Justiça Distributiva). Se a EFPC não paga um benefício devido, é ela e somente ela que é responsável, e que é acionada em juízo, jamais o Patrocinador, porque a EFPC é pessoa jurídica autônoma, não se confunde com a pessoa jurídica do Patrocinador.

Acho também que deveria ter sido explorado com mais ênfase o argumento do enriquecimento ilícito, o que mais sensibiliza os juízes. Não há possibilidade de enriquecimento ilícito na distribuição de superávit da EFPC, se for obedecido o princípio do equilíbrio. Superávits exacerbados e contínuos resultam de política administrativa capitalista propositada.

Por fim, o autor afirma, logo no início, que a Resolução é um ato normativo qualificado para objeto de Ação de Declaração de Inconstitucionalidade junto ao STF: ato autônomo, abstrato e genérico.

Acho que é evidente ser abstrato e genérico. Mas, não consigo entender como seja autônomo. O que significa um ato autônomo? O autor da petição diz que ela é um ato autônomo, porque tem caráter normativo primário, propondo-se explicitar os princípios constitucionais. Já o Professor Uadi Lammêgo Bulos, Professor da Universidade Católica de São Paulo, ensina que não é autônomo um normativo jurídico que é editado para completar outro. Ora, a Resolução CGPC 26 diz claramente que existe porque é exigida pelos artigos 3º, 5º e 18/22 da LC 19 e pelo Decreto 4678/03. Ao que eu entendo, ela pretende disciplinar a apuração anual de resultado das atividades da EFPC e garantir a preservação do equilíbrio econômico-financeiro e atuarial exigido pela Lei.

Segundo o artigo 3º, ela está exercendo o papel do Estado, especificamente:
II – disciplinando a apuração de resultados das EFPC e a correção de desequilíbrio financeiro
III – estabelecendo padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial
Segundo o artigo 5º, ela está normatizando atividade da EFPC.
O artigo 18 manda o órgão regulador e fiscalizador fixar critérios, a serem anualmente usados pela EFPC, a fim de estabelecer o valor da contribuição.
Já o Decreto 4.678/03 diz que a CGPC destinava-se a exercer a regulação, a normatização e coordenação das atividades das EFPC estabelecidas na LC 109.

Há outros inúmeros locais onde a LC 109 manda ou supõe existir um ato normativo complementar: Art. 9ª caput e §1º, art. 13-§1º e 2º, art. 14 e, finalmente, o próprio artigo 18 e até mesmo o artigo 21, que trata da forma de eliminar o déficit.

Por tudo isso, concluo que a Resolução 26 se apresenta claramente como uma complementação da LC 109. E é exatamente isso que diz a SPC na Informação 58/2008/SPC/GAB/AG, ela foi editada para preencher lacuna da LC 109 que existiria na LC 109. Ela seria, portanto, um ato normativo ancilar, que o Ministro Gilmar Mendes diz não ser objeto de ADI. Um ato que adquire sentido, significado, em razão de outro que ele completa. Não seria, portanto, um ato autônomo.

4 comentários:

  1. Ilustríssimo colega Edgardo,

    Mais um grande aprendizado!
    Na minha santa ignorância sobre esses assuntos jurídicos de tamanha complexidade, tornou-se imprescindível a leitura do seu habitual discurso/análise sobre esses temas. Não pude comparecer ao último almoço de "confraternização" da AAFBB, e espero que tenha conseguido se expressar ...
    Muito obrigada, mais uma vez, e até o próximo!!!
    Tânia

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    1. Tania
      Obrigado pela sua presença. Você não imagina como isso me estimula a prosseguir GRITANDO NO DESERTO!Tento trazer os nossos debates para o nível da racionalidade e do bem estar universal, da ORDEM, DO DIREITO.
      Edgardo

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  2. Alô, Edegardo! Queria ter esta sua capacidade de discernimento! Diante dos seus conhecimentos sinto-me um eterno aprendiz. Em palavras mais simples e diretas, Vossa Excelência nos diria francamente se ainda pode haver esperanças para todos nós nesta nebulosa passagem?
    Um enorme abraço e que o Senhor Deus Todo-poderoso continue lhe iluminando para que sejas mais sábio que o rei Salomão. São os meus sinceros votos.

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    1. Prezado colega e Mestre Ari
      Você sabe que não sou advogado. Não entendo de Código Processual Civil. Mas, dou o meu palpite. Imagine se CADA ASSOCIAÇÃO DE FUNCIONÁRIOS DO BB, da ativa e aposentados, entrasse com uma BEM FUNDAMENTADA AÇÃO CONTRA ESSA "REVERSÃO DE VALORES"! Um carnaval de ações! Se a Contraf-Cut nos ajudasse nisso em sua greve anual! Há tantos colegas nossos importantes nessas associações, sindicatos e que nos pedem votos para CASSI e PREVI e até chegam a DEPUTADOS, SENADORES e MINISTROS com o nosso voto!... Aqui, no retiro da meu apartamento e senilidade, estou recebendo diariamente mensagem pedindo voto para a presidência da Contraf-Cut, eu que nem sindicalista sou! de gente que nunca me viu, nem sabe que existo! Ari, não estamos CONSCIENTES DO VALOR DE NOSSO VOTINHO PARA ANABB, CASSI e PREVI. Estamos votando, sem exigir retorno... ou nem mesmo estamos votando... Estamos tão alienados que estamos deixando, como diz o poeta, que cheguem e nos levem as coisas... sem nada reclamar!

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