Penso
que o que se julgará hoje à tarde no Supremo Tribunal Federal é algo muito
importante para o futuro do País. Creio que será medida capaz de reinstaurar o
respeito à Lei e reinstalar o comportamento mínimo necessário para o convívio
numa sociedade minimamente civilizada.
Não
entendi, todavia, exatamente do que tratará o Supremo Tribunal Federal.
Parece-me que analisará o habeas corpus da personalidade política mais poderosa
atualmente, que, em primeira e segunda instância, isto é, num tribunal de um
juiz e noutro, por duas vezes, de colegiado, foi condenado pelo Estado: esse
cidadão pode, ou não, deve, ou não, ser preso? Em consequência, se deve ou
pode, o Supremo Tribunal Federal rejeitará o habeas corpus, mas se não deve nem
pode, acolhê-lo-á.
Diz-se
que esse habeas corpus foi colocado em julgamento, mantidas todas as normas que
ora regem a matéria, inclusive súmula recente que admite a prisão em réu
condenado na segunda instância.
Penso
que se trata de mais uma atitude típica de nosso governo maquiavélico, porque o
julgamento desse habeas corpus não poderá ser realizado, sem o julgamento da
validade da súmula da prisão em segunda instância. Válida a súmula, o habeas
corpus deve ser negado. Inválida a súmula, o habeas corpus deve ser concedido.
É,
assim, que entendem os milhares de promotores e juízes que ontem entregaram ao
Supremo Tribunal Federal primoroso estudo sobre a constitucionalidade de prisão
de réu condenado em segunda instância.
Toda
aquela jurídica argumentação parece-me irrefutável e convincente.
Na
minha ignorância, apenas elaboro modesto raciocínio a respeito dessa matéria.
Um juiz para proferir uma sentença justa deve ser imparcial, isto é, ele deve
iniciar o estudo do caso e processar todo o estudo da matéria sem ideia preconcebida
da culpabilidade ou inculpabilidade do indivíduo sob julgamento. A ideia de
culpabilidade ou inculpabilidade deve ser absolutamente objetiva, isto é, deve
brotar dos fatos e das circunstâncias como lhe são apresentados.
A
Constituição, todavia, quer mais, ou o Direito quer mais, quer que o juiz se
oriente pelo princípio da inocência do réu (in dubio pro reo): se. no final do
processo, o juiz se acha em estado de dúvida sobre a culpabilidade do réu, ele
deve absolver o reu. A Constituição e o Direito impõe ao juiz certa
parcialidade a favor do réu. O juiz, pois, mesmo de primeira instância, só
condena com certeza objetiva da culpabilidade.
E
que autoridade é essa de um juiz, mesmo de primeira instância? Por que esse
homem, vestindo toga e de barrete na cabeça, pode lavrar uma sentença
condenatória de outro homem? Ele é um representante do Estado. Ele é o Estado.
É o Estado que está lavrando a sentença condenatória. O Estado formou o juízo
objetivo da culpabilidade do reu e lavrou a consequente sentença condenatória. Só
o Estado julga. Só o Estado condena.
Mas,
o reu pode apelar para instâncias superiores. Sim, pode. Há mil motivos para apelar. Há até os interesses
financeiros das afamadas bancas de advocacia que se locupletam nessas apelações.
Mas, a mera apelação não desfaz a certeza estatal da culpabilidade do reu. O Estado
apenas condescende em reexaminar os fatos ou certos aspectos legais e constitucionais.
E,
quando o Estado acolhe tais apelações para os tribunais superiores, essas condenações,
essas certezas deixam de existir? Não. A condescendência do Estado em reexaminar
a matéria não lhe elimina a certeza da culpabilidade formada em primeira e segunda
instâncias. Impede o cumprimento da consequência da sentença condenatória,
o cumprimento da pena? Também não,
porque, se a sentença permanece válida, a certeza do Estado da culpabilidade do
reu permanece firme, e a pena deve ser e permanecer aplicada.
Então,
nos casos de apelação para tribunais superiores à segunda instância como fica o
princípio da inocência? Nesses casos, o principio de inocência é mera regra de
conduta dos juízes. O juiz deve julgar sem preconceito, imparcialmente, a
matéria apelada, e, se ao final da análise judicial, achar-se em estado de
dúvida, deve decidir a favor do reu.
Mas,
se essa decisão a favor do reu consistir exatamente na absolvição do reu? O
Estado consequentemente reformula a pena, libertando o reu.
Mas,
isso, apenar uma pessoa que, afinal, inocente é, não seria claramente grosseira
infringência do princípio de inocência? O princípio de inocência não é um princípio
jurídico absoluto. Um juiz se pauta em seus julgamentos por uma infinidade de
princípios. Ele deve orientar-se pelo princípio de justiça (o criminoso deve cumprir
sua pena), o princípio de igualdade perante a lei (todo criminoso deve cumprir a
pena), o princípio da segurança (nenhum crime deve permanecer impune) etc.
Esse
meu grosseiro raciocínio jurídico, pois, me leva a perfilhar, nesta matéria
hoje em julgamento, a tese defendida por esses milhares de procuradores e juízes,
que assinaram o manifesto ao Supremo Tribunal Federal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário