sexta-feira, 3 de agosto de 2018

417. O Mirabolante Contorcionismo Lógico da Justiça (continuação)


Tribunal
Segue com seu raciocínio: “A Lei Complementar nº 108/2001, expressamente regulando a situação das entidades fechadas de previdência complementar patrocinadas por entidade estatal, invocou os preceitos da Lei Complementar nº 109/2001, como norma geral, no que não colidisse com as especificidades constitucionais, como a questão da paridade contributiva e a incidência imediata da norma de regência aos planos anteriores à EC 20/1998. A Lei Complementar nº 109/2001, por sua vez, descreve os efeitos em caso de superávit (artigo 20) ou de déficit (artigo 21) na entidade de previdência complementar fechada. Com relação à situação de superávit, definiu (1) que o resultado “será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de vinte e cinco por cento do valor das reservas matemáticas” e que, (2) “constituída a reserva de contingência, com os valores excedentes será constituída reserva especial para revisão do plano de benefícios”, explicitando que (3) “a não utilização da reserva especial por três exercícios consecutivos determinará a revisão obrigatória do plano de benefícios da entidade”, e (4) “se a revisão do plano de benefícios implicar redução de contribuições, deverá ser levada em consideração a proporção existente entre as contribuições dos patrocinadores e dos participantes, inclusive dos assistidos”. Não há, em qualquer preceito legal, autorizativo à restituição direta de valores decorrentes do resultado superavitário, seja ao patrocinador, seja ao participante, inclusive o assistido, mas mera consideração de que o superávit ensejará a necessária constituição de reserva de contingência, destinada a garantir os benefícios, e que, havendo valor superavitário excedente a 25% (vinte e cinco por cento) - que corresponde à destinação à referida reserva de contingência -, será constituída reserva especial, destinada esta a permitir revisão do plano de benefícios, devendo ocorrer, em caráter obrigatório, após três anos, podendo a revisão dos benefícios ensejar redução de contribuições, neste caso devendo ser observada a paridade contributiva entre patrocinadores e participantes, inclusive os assistidos, para igual redução proporcional das contribuições ou para suspensão contributiva por período estabelecido, ou em favor do patrocinador segregação de valor correspondente ao implemento especial de benefícios aos participantes, como aporte futuro compensável.

Minhas considerações
A ação judicial foi posta por sindicatos em defesa de interesse de Participantes do Plano 1 de Benefícios da PREVI,  EFPC cujo Patrocinador é o Banco do Brasil, empresa estatal.

O artigo 202 da Constituição Federal determina o seguinte: ”Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.”

No ano de 2001, o Governo publicou duas leis, as LC109 e 108. A LC 109 é conhecida como a LFPC (Lei Fundamental da Previdência Privada) e a LC 108 é conhecida como a lei complementar para planos de previdência mantidos por EFPC, cujo patrocinador seja estatal. Com efeito, a LC 108 orienta: “Art. 1º A relação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocinadores de entidades fechadas de previdência complementar, e suas respectivas entidades fechadas, a que se referem os §§ 3o, 4o, 5o e 6o do art. 202 da Constituição Federal, será disciplinada pelo disposto nesta Lei Complementar.
Art. 2º As regras e os princípios gerais estabelecidos na Lei Complementar que regula o caput do art. 202 da Constituição Federal aplicam-se às entidades reguladas por esta Lei Complementar, ressalvadas as disposições específicas.”

O que diz o artigo 202 da Constituição? Que a Previdência complementar é um regime jurídico (um conjunto de normas legais).
O que diz a LC 108? Que ela é um conjunto de normas legais para planos de benefícios de EFPC patrocinada por entidade estatal e que esses planos estão enquadrados no regime jurídico geral da LC 109 e no regime jurídico dela LC 108 em matérias específicas.

Então diante de tudo o que constatamos acima o que grita na sua mente o dáimom, a evidência da verdade? O Tribunal agiu certo ou errado admitindo guiar-se pela a LC 108? Claro que ele grita que o Tribunal acertou. Não é exatamente isso que o leitor sente?
Mas, o Tribunal introduz duas exceções: ”no que não colidisse com as especificidades constitucionais, como a questão da paridade contributiva e a incidência imediata da norma de regência aos planos anteriores à EC 20/1998.“
Onde é que paridade contributiva se relaciona com a “LC 109 proíbe o pagamento de Reversão de Valores” que é a matéria que se acha em julgamento? O seu daimon, a sua evidência grita que existe alguma relação? A minha não. Ninguém escuta essa afirmação em sua mente! Nós já examinamos esse assunto no texto anterior.

Já “a incidência imediata da norma de regência aos planos anteriores à EC20/1998” significa que os direitos de realização futura, criados pelas cláusulas contratuais que colidem com a EC 20/98, não mais existem! Infelizmente, no Brasil, são frequentíssimas as emendas constitucionais, que servem de instrumento fácil para o Governo extinguir direitos que condicionaram as escolhas de tipo de vida de milhões de cidadãos! Seja como for, o que lhe fala na mente a evidência de uma Emenda Constitucional? Tem ou não tem vigência imediata? Tem, grita a evidência em minha mente? Tem evidencia imediata desarranjando a vida de milhões de brasileiros, mesmo que anule cláusulas contratuais de realização futura? Na minha mente a evidência  fica muda! Ela dá um susto no princípio jurídico: LEI NENHUMA PODE RETROAGIR.  A retroação da lei agride a racionalidade humana, agride, a autonomia humana, agride a previdência humana, agride a organização da sociedade,  agride a segurança individual, tanto assim é que a Constituição prescreve  “Artigo 5º-XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.”; e o Tribunal trabalhista se rege pela Súmula 288, “A complementação de proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores, desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito.”. Mas, vá lá, deixemos esse condicionamento como  irremovível, porque imposto pela jurisprudência atualmente...

O Tribunal prossegue dizendo que julgará a questão segundo as normas da LC 109, porque assim manda a LC 108. O que lhe grita na mente a evidência da verdade? O tribunal está certo, não é isso mesmo?

E, nessa leitura, o Tribunal se depara com os artigos 20 e 21: “A Lei Complementar nº 109/2001, por sua vez, descreve os efeitos em caso de superávit (artigo 20) ou de déficit (artigo 21) na entidade de previdência complementar fechada.”: “Art. 20. O resultado superavitário dos planos de benefícios das entidades fechadas, ao final do exercício, satisfeitas as exigências regulamentares relativas aos mencionados planos, será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de vinte e cinco por cento do valor das reservas matemáticas.
        § 1o Constituída a reserva de contingência, com os valores excedentes será constituída reserva especial para revisão do plano de benefícios.
        § 2o A não utilização da reserva especial por três exercícios consecutivos determinará a revisão obrigatória do plano de benefícios da entidade.
        § 3o Se a revisão do plano de benefícios implicar redução de contribuições, deverá ser levada em consideração a proporção existente entre as contribuições dos patrocinadores e dos participantes, inclusive dos assistidos.
        Art. 21. O resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar.
        § 1o O equacionamento referido no caput poderá ser feito, dentre outras formas, por meio do aumento do valor das contribuições, instituição de contribuição adicional ou redução do valor dos benefícios a conceder, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador.
        § 2o A redução dos valores dos benefícios não se aplica aos assistidos, sendo cabível, nesse caso, a instituição de contribuição adicional para cobertura do acréscimo ocorrido em razão da revisão do plano.
        § 3o Na hipótese de retorno à entidade dos recursos equivalentes ao déficit previsto no caput deste artigo, em conseqüência de apuração de responsabilidade mediante ação judicial ou administrativa, os respectivos valores deverão ser aplicados necessariamente na redução proporcional das contribuições devidas ao plano ou em melhoria dos benefícios.”

O Tribunal, então, se concentra na análise desses dois artigos, alegando que eles descrevem: “os efeitos em caso de superávit (artigo 20) ou de déficit (artigo 21) na entidade de previdência complementar fechada.” O que lhe fala à mente a evidência, prezado leitor. O meu dáimon diz que o Tribunal se equivocou redondamente, porque limitou a análise a esses dois artigos, qundo eles são claramente, indiscutivelmente, consequência do artigo 19, sem a leitura do qual, sem sua análise, esses dois artigos não podem ser entendidos: “Artigo 19-AS CONTRIBUIÇÕES destinadas à constituição de RESERVAS terão como FINALIDADE PROVER O PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS DE CARÁTER PREVIDENCIÁRIO, OBSERVADAS AS ESPECIFICIDADES PREVISTAS NESTA LEI COMPLEMENTAR. Mais, a evidência me fala, também, que a matéria em julgamento é: “uma contribuição/reserva de um plano de benefícios previdenciários que não pode ser gasta no pagamento de reversão de valores” (porque reversão de valores não é benefício previdenciário, a saber, aposentadoria e pensão) e esse assunto diz respeito DIRETAMENTE AO ARTIGO 19 E NÃO AOS ARTIGOS 20 E 21. Não é exatamente isso que o dáimon, a evidência, lhe grita na mente, caro leitor?

Caro leitor, eis o mais estupendo ato de contorcionismo dos instituidores da Reversão de Valores: eliminar o artigo 19 da LC 109/01, a LEI FUNDAMENTAL DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR, EXATAMENTE O ARTIGO MAIS IMPORTANTE DELA, PORQUE DETERMINA EM QUE SE PODE GASTAR A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO PLANO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS!

Veremos até que alturas de prodígio lógico pode levar esse tipo de raciocínio, essa arte de contorcionismo lógico, que despreza as mais básicas evidências,  as ideias claras e distintas, a voz que fala na mente e até por vezes GRITA!

(continua)
   


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