segunda-feira, 12 de junho de 2017

383.Conhece-te a ti Mesmo


Protágoras viveu no século V AEC, o século de Péricles, cerca de 70 anos. Não era ateniense. Nasceu na cidade grega de Abdera, na época das guerras contra os persas, e faleceu anos antes do armistício de Atenas com Esparta. Era um sofista, professor de retórica. Era um profissional da oratória, profissão, naqueles tempos, muito requisitada pelos cidadãos atenienses.

Com efeito, como explica Marilena Chaui, apoiada em estudiosos da sociedade ateniense naqueles tempos, a transformação experimentada por Atenas, naqueles três séculos decorridos entre Tales e Protágoras, fora tão profunda que até substituíra o ideal do guerreiro belo e corajoso pelo do bom orador. A excelência não mais consistia na coragem, mas no poder de convencer. A aristocracia não mais era a plutocrata, mas a meritocrata. O aristocrata não mais nascia, a aristocracia não mais herança era, não mais terra era. Agora, a aristocracia passara a ser adquirida, o poder de influenciar na sociedade, o poder de falar, de pensar, de comunicar-se, de argumentar, de debater, de convencer, de persuadir. Agora, todos nasciam iguais. As diferenças, a excelência, passaram a ser adquiridas.

A retórica, a oratória, pois, tornara-se preciosa mercadoria na cidade de Atenas, para onde, assim, convergiam os sofistas de todo Mundo conhecido, os professores da arte de argumentar, atraídos pela vida social da cidade e pela remuneração da profissão. A atenção dos filósofos, portanto, ampliou-se para além da explicação da Natureza. Alargou-se para abarcar e focar principalmente a palavra, a argumentação, o discurso, o pensamento, o homem, a lei e a sociedade. Os sofistas, afirmam Reale e Antiseri, interessavam-se pela cultura (a linguagem, a retórica, a arte, a educação, a política, a ética e a religião).

Os sofistas foram  tocados profundamente pela constatação das múltiplas respostas apresentadas pelos filósofos Naturalistas à indagação do princípio, da natureza das coisas. Percebiam a diversidade de costumes e leis existentes nas cidades que percorriam e povos que conheciam, no decurso da vida de andarilhos do magistério, que adotavam. Entendiam que cada pessoa tinha sua percepção própria das coisas e sua maneira própria de conduzir-se na vida. Professavam, pois, a doutrina do Relativismo: inexiste Verdade absoluta, só existem opiniões, mais ou menos verossímeis, mais ou menos oportunas, convenientes e úteis.

O mais ilustre de todos os sofistas foi Protágoras. Nasceu em Abdera. Viajou por quase todas as cidades da Grécia. Lecionou em Atenas. Foi amigo de Péricles. Evadiu-se de Atenas, após condenação por impiedade e ateísmo. Morreu em naufrágio numa viagem para a Sicília. Eis como Platão, em Tieto, expõe o pensamento de Protágoras: “...a verdade é como escrevi: cada um de nós, de fato, é medida das coisas que existem e das que não existem... ao doente parece amargo o que come, e assim também é para ele, enquanto para quem está sadio é, e parece o contrário.” Não existe, portanto, o princípio, a natureza, que os Naturalistas investigavam. “O ser e o não-ser dependem inteiramente de nossas sensações, percepções, opiniões, ideias e ações... As coisas são ou não são conforme os humanos as façam ser ou não ser, ou digam que elas são ou não, segundo o nomos (a norma)”, explica Marilena Chaui. Medir é comparar uma coisa com outra, tomada como padrão, referência. O conhecimento humano é um juízo, uma comparação, um ato de medir: é, não é. Conhecer, pois, é julgar (comparar com uma norma, medir).  E qual é, no juízo humano, o ponto de referência? A utilidade, a conveniência, o interesse bem como as percepções e sensações humanas, o homem: o homem é a medida de todas as coisas.   E Marilena Chaui conclui: “Assim, o homem é medida de todas coisas... significa que é por ação humana que as coisas existem tais como são e que outras não existem, porque os homens convencionaram, por meio de leis, não admiti-las.”

Sem a natureza dos filósofos naturalistas, só existe o puro devir. Esse devir abarca inclusive o próprio homem (aquele o objeto conhecido e este o  sujeito cognoscente). Logo, os princípios de identidade e de contradição carecem de base de validação: o que é pode não ser. Cada um, pois, tem sua verdade, mesmo que suas opiniões sejam opostas. E a mestra paulista encerra sua dissertação sobre Protágoras: “As ideias gerais sobre as coisas (as qualidades opostas, a justiça, o bem, o útil, as leis, os deuses, as ciências...) são convenções nascidas de um consenso entre os homens para utilidade da vida em comum e de cada um. Não há saber universal e necessário sobre as coisas – não há a verdade, apenas opiniões verdadeiras em movimento e as técnicas nascidas da experiência e da observação para uso e ação dos homens. A arte retórica e arte política devem persuadir-nos de quais são as melhores verdades e as melhores técnicas para cada cidade.”

Essa era, pois, a atividade do sofista, ensinar a argumentar, a tornar um pensamento verossímil, uma opinião mais verossímil que outra, a transformar uma opinião em verdade, a fazer atraente ou repulsiva uma ideia, a convencer, a persuadir, a dominar, subjugar a mente alheia, do ouvinte, do auditório: dominar o povo, comandar a sociedade pela oratória. Essa ambiguidade de pensamento bem como a mercantilização do saber alimentaram, com o decorrer do tempo, grande oposição aos sofistas no seio da sociedade ateniense.

Contemporâneo de Protágoras foi Górgias, sofista que professava o nihilismo. Viveu mais de cem anos. Contrapôs-se a Parmênides, afirmando, segundo Sexto Empírico: “nada existe, se existisse não seria inteligível, e se inteligível fosse não seria comunicável aos outros.” Nada existe, já que o ser é algo e o não-ser é nada, logo o ser é algo e nada é, o ser é algo que nada é. Se o ser é nada, entender o ser é nada entender, logo o ser é incompreensível. O conhecimento transmite-se pela palavra, que é mero som, logo o que é transmitido não é o pensamento, muito menos o ser, mas apenas sons. O discurso não coloca o ser na mente do ouvinte, mas apenas sons nos seus ouvidos. Protágoras entendia que o discurso, o debate, conduzia ao entendimento, ao consenso, que era, no final das contas, uma verdade convencionada. Já Górgias entendia que a retórica persuade incitando os sentimentos, uma espécie de encantamento, de magia, de poder divino, conduzindo o indivíduo à semelhança da força do Destino, no final das contas, para uma crença, uma fé.

Sofistas houve que pensavam que os deuses foram criados pelos políticos para dominarem o povo, outros que a Justiça foi criação dos poderosos, outros que é justo que os fracos sejam dominados pelos mais fortes. Em Hípias,   que valorizava o estudo da natureza porque lhe parecia  contribuir para melhorar a conduta humana, mediante a lei natural  que congrega os homens, enquanto a lei positiva os desagrega, deparamo-nos com o germe de pensamento igualitário e cosmopolita. Antifonte, por sua vez, advoga a igualdade natural dos homens.

O século V AEC é também o século de Sócrates, que, é claro, foi discípulo dos sofistas, os notáveis primeiros mestres profissionais da História, os mestres do pensamento livre e democrático, a primeira turma de docentes profissionais da civilização ocidental, da civilização contemporânea, discípulo que abriu divergência com o magistério de seu tempo. Sócrates nada escreveu. E esse fato me parece amplamente coerente com o seu pensamento de que a sabedoria não é um bem que se fabrique, se adquira e se possa transmitir a outras pessoas. O conhecimento é um processo pessoal e interior, uma introspecção inesgotável, um caminhar interior em que cada passo é um encontro interior com a Verdade que, a mesma, se aloja no íntimo de cada pessoa. O mestre, pois, não ensina a Verdade, ele apenas auxilia o discípulo a realizar a atividade que promove o encontro com a Verdade.

Sócrates, pois, ao contrário dos sofistas, entendia que o homem pode alcançar a Verdade, emitir juízos verdadeiros, e que essa Verdade existe em todos os homens, de forma que é possível a concordância universal dos indivíduos humanos, a convivência humana harmoniosa, a sociedade humana. Existem a Verdade, a opinião e o erro.

Sócrates acreditava que nele habitava um daimon, um deus protetor, e que este lhe havia comunicado, peregrino do templo de Apolo Delfo, que a inscrição “Conhece-te a ti mesmo”, aposta na entrada do templo, continha a missão que Apolo Delfo lhe confiara realizar na vida: conhecer-se a si próprio e fazer que as outras pessoas se conhecessem a si próprias.


A missão divina de Sócrates consistia em saber e difundir que a sabedoria reside na vida racional. Sócrates fincou as bases de racionalidade que sustenta o portentoso arcabouço da cultura e da civilização ocidental e da contemporânea.

sábado, 27 de maio de 2017

382. A Pedido, Jesus é Deus!

Pessoa muito querida recebeu um vídeo de recente entrevista de Augusto Cury com a apresentadora Maria Braga, onde ele declara a recuperação da fé na divindade de Jesus Cristo, em razão de sua pesquisa científica da vida de Jesus, ao longo de muitos dos seus últimos anos. Este meu texto nada mais é que minha desprentensiosa manifestação a respeito, em resposta a uma solicitação de apreciação do conteúdo desse vídeo.

Augusto Cury ocupa lugar no panteão dos literatos mundiais, cujo sucesso se constata com a milionária vendagem de sua maravilhosa obra. É psiquiatra de nome nacional. Sua obra de análise da personalidade de Jesus merece o maior respeito. Claro, pois, que não possuo credenciais para fazer crítica respeitável sobre o vídeo. Sou, todavia, pessoa humana e, como tal, posso formar opinião sobre o que acabo de ouvir nesse vídeo e naturalmente a formo. Essa opinião racional é a minha luz pessoal sobre a matéria, é a que naturalmente me orienta na vida a esse respeito e sob a influência da qual se embasa a responsabilidade pela minha conduta nesse assunto.

Cury afirma que passou no crivo de sua análise psicológica as vidas e personalidades de Jesus e de seus discípulos (Pedro, João, Tiago, Mateus, Judas etc.). Mateus não foi um dos apóstolos de Jesus, embora isso não tenha importância para a ilustração do caso, porque se admite que haja sido discípulo.

O importante é que CURY afirma que estudou a vida REAL de Jesus, opondo-se ao que afirma a CIÊNCIA: A VIDA REAL DE JESUS É DESCONHECIDA. Sabe-se apenas que ele existiu e morreu crucificado na época em que Pôncio Pilatos era governador romano da Palestina. Tudo mais é mito, fabricação do imaginário religioso de multidão de pessoas, ignorantes umas, eruditas outras, conhecidas dele algumas, nada relacionadas pessoalmente com ele  uma multidão, ao longo de um século. Entre a abalizada OPINIÃO CIENTÍFICA de Cury e a VERDADE CIENTÍFICA DA HUMANIDADE, fico com a Humanidade: Cury estudou um Mito.

Para entender-se a força de um Mito, basta atestar o que se passa aos nossos olhos. Para os petistas crentes na genialidade de Lula ele é o mais genial líder político já visto na Terra, SEM NEM SEQUER NECESSITAR DE ESTUDO, inclusive A PESSOA MAIS PROBA ATUALMENTE VIVA NA TERRA, e não adianta apresentar MUITOS VÍDEOS ONDE LULA EXIBE A MAIS PATENTE FALTA DE CARÁTER. E este fanatismo é apenas político, não é o fanatismo religioso dos primeiros cristãos que mataram mais cristãos do que os imperadores romanos.

Entendo que, de fato, Jesus tenha sido extraordinário personagem e que tenha influenciado sobremaneira três pessoas, que, com ele, são os responsáveis pela existência e enorme influência que o Cristianismo primitivo teve sobre o Imperador Constantino, o responsável, este sim, pelo grande sucesso do Cristianismo: Maria Madalena, Pedro e, sobretudo, Paulo.

O Cristianismo é paulinismo. Os quatro Evangelhos apresentam suposta   autoria exatamente para conferir autoridade de procedência ocular e familiar da história, embora se admita que três deles tenham influência da mesma origem que o de Marcos, o mais primitivo, a saber,  as suas duas vertentes,  o pré-marcos, por sinal resumidíssimo, e outra cujo texto é hoje totalmente desconhecido. Os quatro evangelhos foram escritos sob a influência da crença de São Paulo. E Paulo de Tarso NÃO FOI DISCÍPULO DE JESUS, NEM TALVEZ O HAJA SEQUER VISTO EM VIDA.

TUDO O QUE PAULO DE TARSO DIZ TER APRENDIDO COM JESUS, DIZ TER APRENDIDO POR CONTATO COM JESUS RESSUSCITADO, isto é, JESUS TRANSMITIU-LHE DEPOIS DE MORTO EM APARIÇÕES, POR CONTATO  MÍSTICO, como naquele primeiro encontro na estrada para Damasco!

Esta opinião já vai longa. Penso que é satisfatória como esclarecedora do que penso: fico com a HUMANIDADE, com a CIÊNCIA. Os quatro evangelhos são narração de crentes, como Paulo de Tarso, judeu e cidadão romano, que criam que Jesus, mais que o Messias prometido aos israelitas, era um ser divino, à moda dos deuses gregos e romanos, que promoveu a catarse da Humanidade perante a divindade suprema, o Deus Pai, a redimiu do pecado,  a causa dos sofrimentos e da morte. O Homem imortal agora passaria a viver SEM DOR NO CORPO E ANGÚSTIA NA ALMA, a felicidade tal qual entendia Epicuro e as pessoas a entendem.

Essa pregação de Paulo de Tarso, a igreja UNIVERSAL, a do Mundo então conhecido, suplantou a própria igreja primitiva de Jerusalém, a igreja da MÃE E DOS IRMÃOS DE JESUS, a crença no Jesus, o Messias do povo israelense.


quarta-feira, 24 de maio de 2017

381.O Homem é a Medida de Todas as Coisas


Tales, há dois mil e oitocentos anos, fixou novo rumo para o destino da Humanidade. A explicação da Natureza, do ambiente em que vivemos, incluindo nós mesmos, não se obtém através de um relato imaginoso de ações perpetradas por entes superiores. O conhecimento da Natureza se adquire observando a Natureza e identificando as razões por que ela se comporta da forma como se comporta.

Ao longo de duzentos anos, os filósofos gregos se concentraram na análise da contingência dos seres da Natureza: nada se cria, nada se aniquila, tudo se transforma. Esse princípio da transformação, induzido por Tales, provocou um debate ao longo de duzentos anos.

O debate surgiu de uma concordância básica: a transformação só é inteligível, se houver algo permanente, isto é, os seres principiam como algo no qual eles acabam e, portanto, é aquilo que eles de fato são.

Assim, os seres têm um princípio e esse princípio é o que eles, de fato, são: o princípio é a própria Natureza. Identificar o princípio das coisas, pois, é identificar a própria Natureza, o que, de fato, a coisa é.

Naqueles tempos, os gregos pensavam que a Natureza era constituída de quatro elementos: a água, a terra, o ar e o fogo. Tales entendeu que o princípio e, portanto, a Natureza, é a água. Tudo é água. Tudo vem da água e tudo termina em água. Anaxímenes pensou que o princípio é o ar, ar que é movimento, e tudo põe em movimento e dá vida. O ar que dá vida aos animais e aos homens e que esses seres exalam na hora da morte. O  próprio Mundo possui uma alma, que o põe em movimento. Anaximandro, discípulo de Tales e mestre de Anaxímenes, adotou teoria ainda mais sutil, antecipando até mesmo o aspecto premunitório de soluções científicas modernas, puramente racional, dedutivo – a Razão, a faculdade de conhecer, de captar as causas das coisas, dos fenômenos, que os sentidos não podem atingir. Anaximandro entendia que até os quatro elementos tinham como princípio o ápeiron, isto é, provinham de algo infinito, quantitativa e qualitativamente infinito. O princípio, a Natureza é o ápeiron. Tudo é o ápeiron. Pitágoras, matemático, adotou o número como princípio e natureza, tudo é número, isto é, a transformação se processa sob a influência dos elementos do número, o ilimitado e limitante, de modo que tudo se faz num determinado tempo e numa determinada quantidade, promovendo a diversidade das coisas e a harmonia dos seres e do Cosmo: tudo é número.
Três desses filósofos, denominados Naturalistas, merecem destaque. Heráclito, o obscuro, afirmou que o princípio, a Natureza é o devir, o transformar-se: “Tudo flui”, sou o que sou neste instante, não mais sou o que fui, nem ainda sou o que serei, sou como um rio é: as águas escorrem, se renovam a cada instante. A existência é luta de contrários (o úmido contra o seco, o quente contra o frio, a fome contra a saciedade, o crime contra a justiça, etc.), que produz a diversidade das coisas, e, ao final, a harmonia dos contrários, a harmonia do todo: as coisas se encaixam, se completam.

Segundo Parmênides só existe o ser, porque o ser não pode provir do nada, não pode ser nada, nem pode deixar de ser. O ser é eterno, imutável e uno. A Natureza é o Ser. Esse ambiente que nos circunda, com essa variedade de seres mutáveis, é aparência, ilusão, inexiste! Parmênides era um racionalista extremado, centrado nos princípios da identidade e da não-contradição, extraindo de tais premissas todas as consequências, identificando o racional com real.

E, por fim, Demócrito, segundo o qual, existem os átomos, o nada ou vácuo, e o movimento. O átomo, como diz o nome, é indivisível, indestrutível, incriado, invisível de tão pequeno, eterno e dotado de movimento. Os átomos movimentam-se no vácuo, agregando-se e segregando-se, produzindo a diversidade dos seres e produzindo o fenômeno da transformação. A razão de Demócrito, sem lente, sem telescópio, sem radar, sem chips, captou, à sua maneira, o invisível, o átomo da Física Quântica! E, pasme-se, o átomo, sabemos hoje, existe. Segundo Einstein, pasme-se, ele é energia condensada! Mas, Demócrito, como pode EXISTIR o NADA? Porque, sem o Nada e sem o movimento, não se explica o ser contingente (o ser que tem começo e fim, o ser que se transforma), isto é, os seres que nos circundam, que formam a Natureza, exatamente, o ser cuja existência queremos entender, explicar, encontrar a razão de existir!

Duzentos anos decorridos, a Grécia já não era a mesma. Limitada ao mar Egeu, na época de Tales, século VII AEC Expandira-se para o Oeste pelas margens sul e norte do Mar Mediterrâneo. No século V AEC já possuía cidades-estado  nas margens sul e norte do mar Mediterrâneo, na Sicília, no sul da Itália. A economia, antes praticamente agrícola e citadina, expandira-se e diversificara-se. Era agora agrícola, artesanal, comercial, citadina e intercitadina. A vida social não se restringia mais apenas às festas religiosas e à prática da ginástica com os jogos olímpicos e a formação do cidadão guerreiro, o defensor da cidade. A cultura grega expandira-se para além da poesia, abarcava agora o teatro, a oratória, o Direito e a Filosofia. A sociedade não mais constava apenas de duas classes de cidadãos os eupátridas, os bem nascidos, os latifundiários, os ricos, e os pobres (pequenos agricultores, rendeiros e artesãos), já que, duzentos anos passados, existiam os comerciantes, os marinheiros, os professores de retórica, os pintores, os escultores, os arquitetos, os filósofos, os médicos, marinheiros, os artesãos, os artífices, os mineiros etc. A própria organização política de Atenas sofrera profunda modificação. Na época de Tales, Atenas era governada pelo Basileu, uma espécie de rei, nascido numa família eupátrida, sob o controle do Areópago (conselho de 500 eupátridas). Foi, em seguida, governada pelos Arcontes, que eram eupátridas. Passou pelas reformas legislativas de Dracon e de Solon. Seguiram-se os governos dos Tiranos. Duzentos anos decorridos, Atenas era uma democracia, cuja população alcançava 400.000 mil pessoas. 360.000 pessoas não eram cidadãos (200.000 eram escravos, 60.000 eram mulheres e crianças, e 100.000 eram metecos, isto é, artesãos estrangeiros) e apenas 40.000 cidadãos, isto é, homens, nascidos na cidade-estado de Atenas, que pagavam tributo e defendiam a cidade na guerra, e. por isso, tinham o direito de, em conjunto, através do debate, fazer as leis da cidade e escolher quem governá-la segundo tais leis e quem julgar os criminosos na conformidade de tais leis. O ostracismo, expulsão da cidade, era a pena para o homem público ímprobo.

Como se percebe, a cidade-estado grega, a cidade de Atenas, era muito bem diferente das sociedades que os gregos encontravam pelo resto do Mundo então conhecido por eles no norte da África e no sudoeste da Europa. Os atenienses, os gregos, em geral, nutriam orgulho da sociedade que haviam conseguido organizar: os gregos eram civilizados, os demais povos eram bárbaros, selvagens. Mais, eles percebiam que haviam progredido, que sua sociedade havia se transformado para melhor. E os filósofos tomaram conhecimento, ademais, que a razão pode levar a opiniões diferentes sobre o mesmo assunto, já que se defrontavam com muitas e variadas explicações da mesma matéria, a Natureza, ao longo desses duzentos anos.

Entendemos, assim, o segundo grande passo, lento passo de dois séculos, dado pela Humanidade nesse maravilhoso processo do conhecimento. O objeto da pesquisa transportou-se da Natureza para o próprio Homem. Nisso exatamente reside a importância da contribuição dos filósofos gregos, denominados Sofistas (sábios): o objeto da pesquisa deles era o Homem. Melhor, os sábios passaram a entender que a discrepância entre os filósofos antecessores brotava do fato de que eles não atentavam para o fato de que o conhecimento é um ato humano e, portanto, era, sobretudo, no Homem que se localizava o problema do conhecimento, e, assim, era no Homem que se teria de encontrar a resposta explicativa da Natureza, a razão de ser das coisas.

Esse é exatamente o significado do histórico pronunciamento de Protágoras, o maior dos três grandes filósofos sofistas: “O homem é a medida de todas as coisas.”

                                              

segunda-feira, 15 de maio de 2017

380.O Berço da Ciência


Marilena Chaui ensina que os gregos usavam a palavra lego para significar reunir, juntar. Assim, usavam a palavra logos para significar palavra, pensamento e ser. Esse ensinamento me oferece a melhor chave para abrir a porta para o meu entendimento de como se deu o primeiro passo da Humanidade na direção da aquisição da Ciência.

Falar é juntar sons, palavras. Pensar é juntar conceitos, juízos, raciocínios. Fazer, criar objetos é juntar coisas. Destruir objetos é separar partes do objeto. Se bem observarmos as coisas ao nosso redor, nada surge subitamente inteiro a nossa frente e nada desaparece subitamente inteiro diante de nós.

Essa foi a grandiosa intuição de Tales, em Mileto, cidade grega, hoje turca, há dois mil e oitocentos anos: nada se cria, nada perece, tudo se transforma. O gelo não brota repentinamente e desaparece repentinamente; o gelo se transforma em água, e a água se transforma em ar, e o ar se transforma em nuvem, e a nuvem se transforma em água; o metal se transforma em líquido e o líquido reverte a metal; a semente se transforma em planta, a planta se transforma em flores, as flores se transformam em frutos, os frutos se transformam em sementes; o dia se transforma em noite e a noite se transforma em dia.

Tales captou, induziu, observando a natureza, o princípio da transformação: tudo se transforma. Ele tem, agora, pois, um juízo - tudo se transforma – obtido pela observação da natureza. A esse juízo, ele, então, junta outro, obtido de sua razão, de sua mente. É a hipótese, isto é, algo que torne a realidade racional, uma harmoniosa imagem conceitual da realidade, uma reunião de juízos tal que um não se oponha ao outro, uma reunião de conceitos tal que um não se oponha ao outro. A realidade deve ser harmoniosa, as partes da realidade devem encaixar-se. A imagem da realidade deve ser harmoniosa, os juízos e conceitos devem igualmente encaixar-se.

O conhecimento científico é, pois, um raciocínio, isto é, o esforço da mente por tornar a realidade racional, em harmonia com a mente humana, com a lei de harmonia que rege a aglutinação dos juízos e dos conceitos humanos. A ciência é a busca da razão das coisas. É o conhecimento justificado. É conhecimento indutivo, baseado na experimentação e por ela controlado, e conhecimento dedutivo, tudo comprovado pela experimentação. É a tentativa de encontrar na realidade a mesma harmonia racional da mente. O conhecimento científico parte do pressuposto de que a Natureza está igualmente dotada da harmonia racional.


Naquele dia, em que o sábio grego Tales passou a pesquisar o princípio de onde tudo provém, que é tudo porque é aquilo de que tudo é feito, e é aquilo em que tudo acaba, ele deu o primeiro passo da Humanidade na longa estrada do conhecimento filosófico e científico que é uma das características da atual civilização ocidental e que já se estendeu para o planeta Terra inteiro. 

sexta-feira, 28 de abril de 2017

379. O Que Eu Penso


O Povo Brasileiro produziu no ano de 1988 a sua última Constituição Federal. Ela é a LEI MÁXIMA do Povo Brasileiro, porque ela é a sua autodeterminação, o pacto gerado naqueles dias pelo Povo Brasileiro reunido em Brasília, nas pessoas de seus representantes legalmente eleitos para esse fim, o de gerar um acordo de convivência pacífica, e que fosse a NORMA DE TODAS AS LEIS QUE SE PROMULGASSEM POSTERIORMENTE. Infelizmente, já em plena Era da Informação, não se revestiu esse acordo de plena autoridade, validando-o definitivamente através do referendo popular. Nada obstante, seja qual for a opinião, a Constituição de l988 é a Lei Máxima auto-outorgada pelo Povo Brasileiro.

Essa constituição tem uma NORMA FUNDAMENTAL, o parágrafo único do artigo do artigo lº: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, que se completa com o artigo 14: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular.”

E exibe, outrossim, uma lei suprema, porque a que expressa o ideal social colimado pelo Estado Brasileiro, o artigo  193, artigo tão importante que é ao mesmo tempo um capítulo, embora seja o mais curto artigo da Constituição, aquele que expressa  a razão de existir do Estado Brasileiro, a razão de existir do Povo Brasileiro, o motivo que congraçou toda a população brasileira, o bem que conseguiu ser a convergência das vontades de toda a população brasileira, o bem que forjou o Povo Brasileiro: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”

O Povo Brasileiro quer bem-estar e justiça. Esses são os dois objetivos que uniram a população brasileira e fundiram centenas de milhões de vontades numa só, forjando UMA SÓ VONTADE, forjando o POVO BRASILEIRO. Esse é o Norte do Povo Brasileiro, a razão de existir do Povo Brasileiro.

E o Povo Brasileiro tem consciência de que esses objetivos se alcançam, se conquistam, desde que se fundamente o Estado Brasileiro no princípio do Primado do Trabalho, do Trabalho produzido pelo cidadão brasileiro, pessoa caracterizada pela dignidade, como prescreve o inciso III, do artigo 1º (“a dignidade da pessoa humana”) da Constituição.

Isso posto, entendo que, nesta Era da Informação, não se pode admitir reforma alguma da Constituição Brasileira, que não seja pautada nos ditames constitucionais vigentes e que não exiba o referendo do Povo Brasileiro. Reforma, sem essas características, é golpe. E golpe dos que, no momento, detêm o poder político. Golpe, portanto, da elite política... e que elite política, no momento atual, comanda o Estado Brasileiro!...

Reforma legislativa, qualquer que seja, pois, desprovida destas duas normas básicas – pautada na Constituição Brasileira de l988 e referendada pelo Povo – nesta Era da Informação, considero ilegítima, desprovida de autoridade. Poder usurpador. Autoritarismo nefando, execrando.



segunda-feira, 17 de abril de 2017

378.Reforma Trabalhista


Há uns seis mil anos, nos primórdios da Civilização, um rei sumeriano, narra Will Durant, promulgava o primeiro código de leis para a sua cidade, o mais sucinto código legislativo que já existiu. Decretou a igualdade entre o poderoso e o fraco, e proibiu que o poderoso confiscasse a propriedade das viúvas. Regiam-no o valor do interesse público da cidade, que naquela época e naquelas circunstâncias, coincidia com o próprio interesse real, bem como os princípios do equalitarismo e da proteção do mais fraco. A lei era a proteção do mais fraco. A proteção do mais fraco foi a razão para a existência da primeira constituição que existiu no Mundo.

Três mil anos decorridos, antes que despertassem para a democracia e para a filosofia, os Gregos consagraram o valor do trabalho no famoso mito de Hércules na encruzilhada. Heroi, homem excepcional, de qualidades muito superiores ao normal, competindo com as dos deuses, destes diferindo especificamente e tão só por ser mortal, Hércules era um trabalhador, dedicando seus dias à cooperação com o padrasto nas tarefas de prover às necessidades de sobrevivência da família. Invejava a sorte de outros rapazes que desfrutavam dos prazeres da vida ociosa em festas na companhia de lindas mulheres. Certo dia, Hércules precisou sair de casa para adquirir fermento para o preparo da comida. No meio da viagem, deparou-se com uma encruzilhada: uma via escabrosa, árida, pedregosa, marginando abismos, levava aos píncaros de montanhas azuis, altaneiras, luminosas, maravilhosas, avistadas no horizonte longínquo. A outra estrada ensolarada, ajardinada, atapetada de flores, atravessando maravilhoso bosque estendia-se por vasta planície, cortada por águas límpidas de um rio, por onde rapazes e moças se deslocavam em permanente algazarra, conduzia ao desconhecido, velado por densa névoa.

Hércules, ainda se achava estático, indeciso sobre qual das vias prosseguir, quando vê chegar pela via da planície ajardinada, linda jovem cantarolando e dançando. “Vem comigo,” convidou a jovem. “Quem és?” indagou Hércules, “e para onde me conduzirás?” “Sou o Prazer e o nosso destino é a Sorte.” Mal acabaram o diálogo, e pela outra a via, a escabrosa, aparece outra jovem, modesta e bem composta, que se oferece para guia-lo no restante da viagem. “Quem és tu!,” pergunta Hércules, “e para onde me levarás?” – “Eu sou o Trabalho e te conduzirei para uma aventura de conquistas de comida, plantando; de amor, enamorando-se; e de fama, praticando coisas heroicas.” Hércules deu o braço ao Trabalho e este o conduziu pelo caminho de seu próprio destino, porque nada se consegue sem esforço.

Quatro séculos passados, na época dos sofistas e de Péricles, numa sociedade modificada, já pontilhada de cidades abertas para o mundo mediterrâneo, composta de várias classes – os donos de terra, os políticos, os filósofos, os comerciantes, os poetas, os artistas, os navegantes, as mulheres e os escravos – os sábios de então ensinavam, como Crítias que deus é um espantalho criado pelo político inteligente para impor a lei que ele fabrica no seu próprio interesse; como Trasímaco que o justo é a vantagem do mais forte; ou como Crátiles que justificava a escravidão, argumentando que é justo que o forte subjugue o mais fraco; ou como os três filósofos citados que entendiam estarem os homens submetidos à lei natural, que os une e os conduz ao bem – o que é mais útil, mais conveniente e mais oportuno – assim como à lei positiva, espantalho feito pelo político inteligente e poderoso, para subjugar o mais fraco e obter vantagem própria. Esta, é claro, afirmavam, deve ser transgredida, desrespeitada, sempre que possível...

Tudo isso já foi dito, e muito mais, ao longo dos séculos, com relação à sociedade e às leis. Ignorância ou esperteza, pois, ou as duas conjuntamente, consistiria promover-se, nos tempos atuais de tanta informação, e tantos milênios transcorridos de evolução civilizatória, uma revisão tão profunda em matéria de trabalho, sem orientar-se EXCLUSIVAMENTE pela Constituição Federal Brasileira e com a abstenção da explicitação direta do povo brasileiro, o consentimento de cada um dos cidadãos.

 Está-se promovendo uma reforma das leis trabalhistas no Brasil. O Brasil é regido por uma Constituição. É essa Constituição que deve orientar os conteúdos legais dessa reforma. Estou certo ou estou errado?

O trabalho é matéria de fundamental importância para o indivíduo humano e para a sociedade. E tanto que o mais breve e importante capítulo da Constituição Brasileira, porque síntese da finalidade de toda essa portentosa arquitetura jurídica, consta apenas de um artigo, o mais importante da Constituição Brasileira, o 193, o mais breve artigo da Constituição, síntese de toda ela, porque fundamento e síntese do Título VIII, aquele que esboça toda a finalidade da Constituição, FUNDAMENTO DO ESTADO BRASILEIRO REPUBLICANO E DEMOCRÁTICO DO BEM-ESTAR SOCIAL: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.” No meu limitado saber jurídico, espanta-me nada identificar, em diversos cursos de Direito Constitucional dos mais afamados mestres atuais, a mínima explanação do alcance desse artigo! Espanta-me, sim! Como pode isso acontecer? O que pensar de tais mestres?

Desde o seu preâmbulo a Constituição Brasileira dita aos legisladores e aos juízes que o Norte para o qual aponta o Direito Brasileiro é a DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, que há dois mil e quinhentos anos Sócrates, o Mártir da Dignidade da Pessoa Humana, em Atenas, definitivamente discerniu encerrar-se na RACIONALIDADE, o autodomínio da pessoa humana, expresso no conhecimento objetivo e justificado e na autonomia da pessoa humana. O Estado existe para criar uma sociedade que seja o ambiente social propício a que todos os cidadãos brasileiros obtenham a sua realização pessoal, individual, isto é, o bem-estar individual que só eles podem conhecer, desejar e realizar, a sua própria construção pessoal, através do próprio trabalho.

A reforma tem que criar ambiente para a criação de trabalho para todos os brasileiros. Não pode orientar-se para o corte de oportunidades de trabalho, para a substituição do trabalho humano pela máquina de forma absoluta e irrestrita, já que o Estado Brasileiro não é baseado no primado do capital.

Só se pode substituir o trabalho humano pelo trabalho mecânico, na medida em que a vantagem da mais valia dirigir-se para o usufruto da pessoa humana que foi desempregada pela máquina.

Mais. Se toda essa reforma for empreendida SEM REFERENDO, ela merece ser escoimada de golpe. Ela merece ser desautorizada, como já ensinavam aqueles sábios gregos, há dois mil e quinhentos anos, já que a Constituição dita, no parágrafo único do artigo 1º: “TODO O PODER EMANA DO POVO, que o exerce por meio de representantes eleitos OU DIRETAMENTE, nos termos desta Constituição.” E explicita no artigo 14: “A SOBERANIA POPULAR SERÁ EXERCIDA pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
 I - plebiscito;
II - REFERENDO;
III - iniciativa popular.

                                  

terça-feira, 4 de abril de 2017

377.Ordem e Progresso

“Ordem e Progresso” é o lema que se acha estampado em nossa bandeira nacional. Acho que a bandeira brasileira seja a única bandeira nacional a conter lema. Essa bandeira e esse lema têm a sua história.
Nas guerras de antigamente, - infelizmente as guerras foram acontecimentos sempre muito importantes na História, na vida humana – os exércitos necessitavam de bandeira e de corneteiro, que eram pontos de referência, de direção e de união dos combatentes. Eram objeto e pessoa imprescindíveis num exército. A bandeira e o hino nacional fazem hoje o mesmo papel, com maior ênfase e abrangência, para um povo, uma nação, um Estado.
Relembrando meus quase cem anos de existência - estou entre aqueles 87 assistidos da PREVI que teimam em subsistir com 90 anos ou mais -, não me recordo que, lá minha cidade natal de Parnaíbaa, Dª. Raquel, a minha pavorosa primeira professora do Grupo Escolar Miranda Osório, que me infligia uma reguada a cada erro de aritmética ou português, nem minhas lindas, dedicadas, compreensivas e carinhosas professorinhas do Grupo Escolar João Cândido hajam me explicado o significado e o valor desses dois símbolos nacionais. Nunca meus sábios mestres, padres jesuítas, ao longo dos estudos de Humanidades, Ciências, Filosofia e Teologia, dezoito anos que com eles convivi, me explicaram o significado e o valor dos símbolos nacionais. Ignoro se essas professoras e doutos lentes possuíam a noção do significado dos símbolos nacionais.
Penso que hoje é bem diferente, pois até existe, no programa do Curso Fundamental, a matéria de Civismo. Nada obstante, não percebo que meus filhos e meus netos hajam recebido qualquer informação sobre o significado e o valor dos símbolos nacionais: a bandeira e o hino. Prossigo com a mesma dúvida sobre o grau de conhecimento dos mestres atuais sobre essas matérias, que reputo imprescindíveis num curso de Civismo.
O povo, a nação, o Estado são construções mentais, resultantes de um conjunto de circunstâncias tais como contiguidade territorial, acontecimentos históricos fortuitos ou planejados, costumes, língua comum, amizades e inimizades, interesses, domínio e submissão.
Por que existe o Brasil, por exemplo? Em primeiro lugar, porque no século XV se imaginava que a terra era uma superfície plana feita por Deus, que tinha um representante na Terra, que era o Papa. O Papa, então, por interesse, desgostando outros súditos fieis, decidiu dividir o Mundo entre dois súditos fidelíssimos, o rei de Portugal e o rei de Espanha. Portugal ficou com a parte do Mundo que abrangia o litoral do Brasil, a África e as Índias. A Espanha ficou com a maior parte da América e o Oceano Pacífico. Em seguida, portugueses e paulistas, que não gostavam de trabalhar, se embrenharam nas matas escravizando índios e procurando ouro e diamante, tendo como consequência a rapinagem de terras espanholas, e construindo  o território atual do Brasil. A língua portuguesa impôs-se através do extermínio dos indígenas e da catequese dos jesuítas. Os costumes e valores recebemos dos negros escravos, os poucos índios sobreviventes e, sobretudo, os portugueses.
Todos esses acontecimentos, vividos ao longo de séculos, hoje nada mais são que recordações históricas. Mas, tudo isso – o nosso território, a nossa língua, os nossos costumes, a nossa comida, os nossos objetos, a nossa maneira de vestir, as nossas festas, os nossos gostos, a nossa maneira de agir, de ser, a nossa forma de conviver, a nossa sociedade, o nosso governo, o nosso Estado – existe numa outra forma de ser, o País, a Nação, o Estado brasileiro, o Brasil, um conjunto de coisas e de construções humanas, concreto, real, Não é mais, como antigamente, realizado numa pessoa humana, como um rei, ou numa família, a família real. O rei era o dono de tudo, era o dono do País. O Estado existe, mas só é percebido hoje pela Razão. O Estado é algo concreto, definido racionalmente e reconhecido pelo conjunto da Humanidade. Você é alemão, você é inglês, você é brasileiro.
Aí está o valor, a importância dos símbolos nacionais: toda essa grandeza humana, toda essa riqueza humana que é ser brasileiro, e que só percebemos de uma forma tão esquálida, tão pobre, que é um conceito racional, abstrato, se materializa num símbolo visível, a bandeira, e num símbolo sonoro, o hino. Quando vejo a bandeira brasileira, vejo todos os brasileiros com todo o seu arcabouço cultural, vejo o Brasil todo. Quando ouço o Hino Brasileiro, sinto o Brasil todo, todos os brasileiros, com toda a carga de sua História e Cultura: “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heroico o brado retumbante.” Ah! Quanta história, quanto valor, quanta riqueza no brado deste povo!...
Mal proclamada a República e Rui Barbosa já idealizara uma bandeira para o Brasil, listrada e estrelada como é a bandeira norte-americana. Diferia apenas no número de estrelas e nas cores das listras, verde e amarelo. Afinal o Brasil tornara-se, como todas as nações americanas, um Estado sem rei, democrático, cujo soberano agora era o Povo, e, a exemplo, dos Estados Unidos, uma união de Estados: República dos Estados Unidos do Brasil. Uma das correntes do movimento republicano vitorioso era exatamente a daqueles que advogavam o Estado republicano, sem rei, com soberania popular e a descentralização da autoridade soberana, a exemplo exatamente dos Estados Unidos da América do Norte. Essa bandeira não durou mais que quatro dias.
No dia 19 de novembro de 1989, outra corrente do movimento revolucionário, a Positivista, via a sua proposta de bandeira brasileira transformada em decreto, que fora preparado pelo Ministro Benjamin Constant. Ela foi concebida por Raimundo Teixeira Mendes, filósofo e político, com a colaboração de Miguel Lemos, professor e político, Manuel Pereira Reis, engenheiro e astrônomo, desenhada por Décio Vilares, artista de presença internacional, que acolheu a sugestão da inclusão do Cruzeiro do Sul, da parte de Benjamin Constant.  Grupo positivista esse de próceres do Apostolado Positivista do Brasil, aqueles republicanos positivistas inspirados nas ideias filosóficas e religiosas de Augusto Comte, inclusive a Religião da Humanidade. Eles foram, durante dezenas de anos, movidos pelos valores da sociedade industrial e pelas ideias do Iluminismo, Evolucionismo e Cientifismo, ardorosos propagandistas da abolição da escravidão, da república, dos direitos sociais e trabalhistas, do pacifismo, do laicismo e da justiça social. Ao lado de Deodoro, naquela sua histórica cavalgada contra o Governo do Visconde de Ouro Preto, ladeavam-no Benjamin Constant e Quintino Bocaiúva, ambos Positivistas, e, que com outro Positivista, Demétrio Ribeiro, integraram o primeiro ministério da república brasileira.
A bandeira brasileira republicana, a atual, como adaptação da bandeira brasileira do Império, projetada pelo pintor francês Jean-Baptiste Debret, por encomenda de D. Pedro I, teria sido sugestão do Marechal Deodoro. O brasão do Imperador foi substituído pelo ceu azul estrelado do dia 15 de novembro de 1989, cortado por uma faixa branca com o lema “Ordem e Progresso”, a orientação básica da atitude de conduta que o Povo Brasileiro deve adotar. A cor verde é a da Casa de Bragança, de D. Pedro I, e a amarela é a da Casa de Lorena (da rainha Dª Leopoldina, da linhagem austríaca dos Habsburgos). As estrelas da primeira bandeira republicana eram vinte e uma, representando as repúblicas de então, inclusive a capital federal.
Segundo o Decreto n.º 4, de 19 de novembro de 1889, que criou a bandeira republicana,  "(...) as cores da nossa antiga bandeira recordam as lutas e as vitorias gloriosas do exercito e da armada na defesa da pátria; (...) essas cores, independentemente da forma de governo, simbolizam a perpetuidade e integridade da pátria entre as outras nações."
Já o lema é parte do pensamento completo materialista, formulado por Augusto Comte, sobre a organização estatal: “O amor por princípio, a ordem por base e o progresso como fim.” Augusto Comte entendia que a sociedade funcionava segundo comportamentos determinados, exatamente como a natureza inanimada. Movido por seus instintos egoísticos na vida privada, o homem se engaja na sociedade arrastado pelo instinto do altruísmo, palavra por ele criada, pela amizade, pelo amor ao outro, agindo segundo comportamentos estereotipados, as leis sociais, cuja observância engendra a ordem que produz o progresso, a perpétua elevação do nível do bem-estar social.
Esse lema foi logo contestado pelo arcebispo do Rio de Janeiro de então, e até livro se escreveu contra ele. Vem-se arguindo contra ele o viés de mentalidade autoritária, como se norma não pudesse consistir num dos mais preciosos constructos da cultura humano, o Direito, ordem consensual de cidadãos que prezam a dignidade da pessoa humana. Certamente desgostava aos políticos liberais como Campos Sales, Ministro de Estado, e republicanos de outros matizes, como Rui Barbosa e Aristides Lobo, que entendiam o egoísmo, a realização pessoal, erigir-se na única motivação pessoal do indivíduo humano, racional e autônomo. Mas não desagradava, mutilada, aos Positivistas e militares, embora não representasse toda a pujança de seus ideais. Entendo, outrossim, a omissão da parte inicial do pensamento de Augusto Comte, ter sido operada também por motivo de espaço e estética.
Seja como for, eis a intenção, naquele dia 15 de novembro de 1989, do grupo mais atuante dos pais de nossa república: instituir um Estado, unidos os cidadãos pelo elo da amizade, da fraternidade, da convivência harmoniosa, pacífica, compreensiva, organizado da forma mais racional e adequada a produzir o mais alto nível de bem-estar social.
Não percebo antinomia irredutível entre o egoísmo e o altruísmo, ambos instintos humanos, e, como disse Públio Terêncio Afro, há dois mil anos: Homo sum, nihil humanum a me alienum puto (Sou Homem, nada de humano entendo estar alheio a mim). Sou egoísta e sou altruísta para o meu próprio bem. A mais recente ciência neurológica ensina que existe o hormônio da felicidade que se excita num abraço. Eu sou feliz amando as outras pessoas, convivendo com elas num clima de compreensão e amizade. Eu sou infeliz quando cultivo um ambiente de ódio, de inimizade, de incompatibilidade.
Na felicidade de um empreendimento social, como é o Estado, construímos o ambiente necessário para que viceje a Vida Plena e Feliz que cada cidadão precisa construir para si próprio. Esse é o lema “Ordem e Progresso”. A Ordem é o consenso fraterno, é o básico, o imprescindível, o comum a todos, o de que todos se nutrem, o que a todos pertence.
Não acredito que o progresso brote do caos, da anarquia, da irracionalidade, da desorganização. O progresso é uma marcha do devir, do fluir do tempo. O progresso é o presente, o dia de hoje, um equilíbrio instável, que une o nada do ontem com o nada do amanhã. Ele é o ser, síntese dos caos que é o ontem e o caos que é o amanhã. É equilíbrio e caos. É ser e não-ser. É ordem e desordem. O progresso é a própria modesta, limitada racionalidade, organização contraditória, imperfeita ordem humana.
Nada disso veta que intuamos no verde da bandeira nacional as florestas e no amarelo as riquezas minerais do País e no conjunto colorido toda a riqueza do nosso solo e clima.
Já em l906, na letra do maravilhoso Hino à Bandeira, encomendada pelo imortal prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos, ao maior poeta parnasiano brasileiro, Olavo Bilac identificava nela tantos significados:
“Salve! Lindo pendão da esperança!” Ah! Quanta esperança, de tantas pessoas, há tantos anos!
Salve! Símbolo augusto da paz! Símbolo de um Povo, de cidadãos em convívio de entendimento, de ordem, de paz!
“Tua nobre presença à lembrança a grandeza da pátria nos traz!” Recorda-nos toda a nossa gente, nossos pais, nossos avós, nossos filhos, nossos netos, nossos parentes, nossos amigos, nossos concidadãos, nosso Povo com sua cultura e sua história.

Em teu seio formoso retratas este céu de puríssimo azul, a verdura sem par destas matas, e o esplendor do Cruzeiro do Sul.” Tudo nela está simbolizado nas cores verde, amarela, azul e branca, toda a riqueza de nosso ecossistema, as matas, a riqueza mineral e bioquímica: o Brasil, celeiro da Humanidade.

Contemplando o teu vulto sagrado, compreendemos o nosso dever, e o Brasil por seus filhos amado, poderoso e feliz há de ser!” O altruísmo, a amizade, o convívio fraterno é obrigação de cada um de nós, que construirá um Estado poderoso e feliz e amado, um paraíso terrestre onde cada brasileiro é capaz de realizar , da forma mais perfeita e atual, seu projeto individual de Vida Plena e Feliz!!