quinta-feira, 9 de abril de 2009

87. O Estado Paternalista


Adam Smith disse que o trabalho faz a riqueza das nações. A condição fundamental necessária é a liberdade. O estímulo para a criação da riqueza é o lucro. Em outras palavras, só é rica a nação cujos cidadãos querem ser ricos. O indivíduo livre, que trabalha com a ambição de ser rico, se torna provavelmente rico. Se os indivíduos livres trabalham sob o desejo de serem ricos, tornam-se ricos, e a nação se torna rica. A formação da riqueza é fenômeno complexo e pleno de condicionantes. Mas, esse é o fato fundamental: a nação rica é resultado dos esforços de cidadãos que querem ser ricos.
Se os cidadãos se propõem ser santos, formar-se-á uma nação eticamente quase perfeita. Será provavelmente uma nação de monges. Haverá baixa violência e baixa criminalidade. Os habitantes encontrarão a felicidade na renúncia, na privação, no isolamento e na oração. A nação será plena de harmonia e de espiritualidade. Para viver unidos exclusivamente a Deus, os cidadãos renunciarão à riqueza e ao convívio humano. Santa, a nação não será rica certamente. Nem será uma sociedade de progresso econômico. Será uma comunidade com retrocesso tecnológico e de padrão de vida em decadência. Nela não se usufruirá a satisfação do consumo. A população declinará e a humanidade tenderá a extinguir-se.
Suponhamos que não sejamos tão utopistas que pretendamos construir a nação dos santos. Voltemos à realidade da nação dos pecadores. Mas, pelo menos podemos querer construir uma sociedade mais igualitária. Aqueles que se propõem ser ricos, são considerados especuladores, exploradores e egoístas. Quanto mais você sabe fazer riqueza, mais você tem de se contentar em dividir com a multidão dos que não sabem ou não querem ser ricos, com os que se contentam em ter pouco, não ambicionam ter muito, nem se sacrificam para serem ricos. Os ricos são maus. Os pobres são vítimas inocentes.
A nação formada na crença distributiva é uma sociedade em crise. Destinada à pobreza, passa-se a distribuir miséria. Estimula-se a irresponsabilidade pessoal. Criam-se expectativas cada vez maiores. Desestimula-se cada vez mais o esforço produtivo. Exige-se cada vez mais e produz-se cada vez menos. É uma nação de burocratas. Ou de assalariados que nada arriscam e apenas buscam segurança, sob o pálio dos poucos dispostos a correr riscos. Ou de protegidos do Estado déspota e pobre.
No pleno gozo dos benefícios sociais do Capitalismo, Marx formulou o dogma da inevitabilidade do Socialismo. A sociedade veio desenvolvendo-se sob o incontornável confronto das contradições, até chegar ao Capitalismo. O processo dialético da História desemboca no Capitalismo, que é o sistema por excelência da produção da riqueza. Rica, a sociedade está madura para o Socialismo. Ela é então inexoravelmente impelida para a distribuição, por todos os indivíduos, dos frutos do trabalho que se concentraram na posse de poucos. Os marxistas sabem muito bem que o Socialismo não prima por ser uma sociedade de riqueza.
Retorno a Adam Smith. A sociedade, que se fulcra no espírito caritativo, está destinada à pobreza. Nem chega a formar-se. Em se formando, não perdura. A lei fundamental da sociedade é o egoísmo individual. Cada indivíduo procurando o seu bem, negocia a cooperação alheia. O egoísmo leva ao altruísmo. É a doutrina da harmonia dos interesses. Dessa forma, os pobres melhorarão o padrão de vida, através da cooperação de todos, inclusive dos ricos.
Sociedade sem ricos é sociedade de miseráveis. Mais ricos, menos pobres. A cooperação é boa para todos. O conflito é ruim para todos. A vontade de ser rico faz rica a nação. A preocupação com distribuir diminui a riqueza da nação. E o Governo é para todos, pobres e ricos.
(Artigo publicado no "Jornal da Manhã", Teresina-PI, em 28/12/86)

quarta-feira, 8 de abril de 2009

86. O Intervencionismo


Em 1620, Francis Bacon publicou o Novum Organon, onde fixou o sentido da verdadeira ciência: ciência do concreto. A nova ciência deixa de ser contemplação estéril para se tornar poder de construir: o fim da ciência é dotar a vida humana de novas invenções e novas riquezas. No século XIX, aos vinte e seis anos de idade, Marx expressou o mesmo pensamento em frase que se acha esculpida na lápide que fecha seu túmulo no cemitério de Highgate em Londres: “Até agora, os filósofos fizeram apenas interpretar o mundo de várias maneiras. Mas o que importa é modificá-lo!”
Marx, como ativista político, se propôs acabar com a economia de mercado, que julgava injusta na distribuição desigual da riqueza, substituindo-a pela economia planejada, onde o Estado, assumindo a propriedade dos meios de produção (terra, mão-de-obra e capital), planeja a produção, a distribuição da renda e o consumo. Marx, ativista político, opõe-se a Marx, filósofo da História, que pretende ter descoberto a lei da evolução social, que antevê o inexorável advento do socialismo, como desdobramento do determinismo histórico-dialético. Abandonada a economia às forças naturais do mercado, uns poucos capitalistas ficam cada vez mais ricos, às custas da massa de trabalhadores que fica cada vez mais pobre. Ao final do processo, a massa dos trabalhadores se apodera dos meios de produção, de sorte que a riqueza ilimitada se distribui igualmente por todos que se tornam igualmente ricos.
Marx não captou o profundo significado do mercado. Segundo Ludwig von Mises, o mercado é a presença de todos os consumidores, da massa da população, desde os mais ricos até os mais pobres. Todos lá se apresentam dizendo o que querem e o que não querem comprar, se querem ou não querem comprar, quanto querem comprar e por quanto querem comprar. O mercado é a única forma democrática da economia. Cada consumidor está presente no mercado com os seus planos econômicos e de vida. Os planos pessoais dos consumidores fixam diretamente os preços das mercadorias e indiretamente os preços dos meios de produção, isto é, os salários (preço da mão-de-obra), o lucro (preço do capital) e finalmente os juros (preço do capital adquirido no mercado). Os produtores têm que se subordinar à vontade dos consumidores.
O planejamento central é a substituição de todos os planos individuais (considerados errados) por um planejamento concebido pelo planejador estatal (considerado perfeito). Nada menos democrático, e nada mais contrário à economia (atividade que se destina a satisfazer às necessidades do indivíduo). Nada mais insultuoso à dignidade do indivíduo, julgado incapaz de conhecer o que é bom para ele, e obrigado a aceitar o que não lhe interessa.
Keynes concebeu em 1936 a economia mista: compromisso científico entre a economia de mercado e o planejamento estatal (que se pensa corretivo das deficiências do mercado). Os economistas neoclássicos acham que a interferência corretiva do Estado só deve se realizar através da política monetária, isto é, controlando a massa monetária circulante no mercado. Keynes acrescenta a política fiscal, isto é, o controle das despesas do Estado.
Outros economistas, entre os quais grande parte dos economistas do Terceiro Mundo, acham que o intervencionismo do Estado pode ir mais além, controlando preços, salários, lucro e juros.
Ludwig von Mises observa que o intervencionismo isolado produz o efeito oposto àquele que a intervenção pretende alcançar. Por exemplo, a intervenção redistributiva de riqueza, provoca a curto prazo o aumento do consumo (que se deseja) e a queda da poupança (que não se deseja) e, por isso, a longo prazo, haverá retração da produção e do consumo: mais pobreza. Por isso, a intervenção provoca mais intervenção para corrigir os efeitos nocivos da intervenção, por exemplo, a poupança compulsória para gerar a poupança que a distribuição de renda consumiu.
Ludwig von Mises acha que o intervencionismo é caracterizado por intervenções episódicas. Mas, um conjunto sistemático de intervenções, que controle preços, salários, lucros e juros, transfere para o poder do Estado a posse dos meios de produção. É o socialismo de fato, embora disfarçado, porque aparenta existir o mercado. Este foi, diz ele, o socialismo nazista.
(Publicado no ano de 1986)

terça-feira, 7 de abril de 2009

85. O Atentado


Sociedade é harmonia. É cooperação voluntária. Sem paz não há sociedade. A violência é anti-social. O mais importante instrumento do organismo social é o Estado. O Estado é o instrumento da sociedade para coibir a violência do indivíduo contra o indivíduo. Ao Estado compete também defender-se contra a violência do indivíduo. Só o Estado pode deter o poder de coerção. A nenhum indivíduo ou grupo de indivíduos é atribuído esse poder. Nem lhes é permitido deter poder de emulação com o Estado ou de desafio ao Estado. Condenamos, por isso, qualquer ato de afronta e desrespeito ao Presidente da República.
Mas, adotado o intervencionismo econômico, torna-se difícil evitar a reação violenta dos indivíduos contra o Estado. Quando o Estado abusa do poder de coerção e se devota a misteres dirigistas da economia, mesmo que seja em nome do bem-estar e da justiça social, o Chefe de Estado se torna responsável por tudo o que de bom e de mau acontece aos indivíduos. O indivíduo deixa de ser responsável pelo seu destino. Bernard Shaw sentenciou: “O governo, que rouba de Pedro para dar a Paulo, pode, via de regra, planejar com o apoio de Paulo”. Permito-me aditar: sob renhida oposição de Pedro.
Em geral, os indivíduos não reconhecem o bem que lhes proporciona o governo e lhe guardam rancor e até ódio pelo mal que lhes causa. O locador culpa o Chefe de Estado pelo baixo aluguel e o locatário o culpa pelos altos aluguéis novos e pela falta de moradia. Os produtores rurais e industriais responsabilizam o Chefe de Estado pelo desestímulo dos preços congelados e os consumidores o responsabilizam pela escassez de mercadorias. Os investidores atribuem ao Chefe de Estado o descumprimento das promessas feitas sobre a renda da poupança e os banqueiros lhe atribuem a aplicação arbitrária e discriminatória do deflator. O empresário imputa ao Chefe de Estado a falência e o operário lhe imputa o salário mínimo insatisfatório e o gatilho desarmado.
O Chefe de Estado intervencionista é o responsável pessoal e único por todas as insatisfações, frustrações e insucessos econômicos dos indivíduos. É o alvo pessoal de todos os ódios individuais. Não surpreende que o rancor extravase em manifestações de repúdio ao Chefe de Estado. É até possível o atentado. Só resta ao Chefe de Estado apelar para a repressão. O intervencionismo econômico deságua no Estado policial que inicia o caminho para a servidão.

(Publicado em 1986)

segunda-feira, 6 de abril de 2009

84. A Caça aos Bois


Em artigo anterior, mostramos que o Plano Cruzado se inspirou na doutrina macroeconômica de John Kenneth Galbraith. A contribuição original do autor consiste em afirmar que a espiral inflacionária só é detida pela adoção da economia de guerra em tempo de paz. Noutro artigo, explicamos que um dos pilares da economia de guerra é o congelamento dos preços. O congelamento dos preços significa que o poder coator do Estado impede que os preços atinjam o nível para onde os elevaria a lei da oferta e da procura. O Estado intervém no mercado fixando preços baixos para os produtos.
Preços arbitrariamente baixos sempre originam demanda excessiva e oferta insuficiente de mercadorias. O preço baixo expulsa do mercado o produtor de custos mais elevados ou que antevê preços mais elevados no horizonte do mercado. O congelamento dos preços cria a escassez e a perpetua, porque afugenta do mercado novos produtores.
O Governo enfrenta, então, o descontentamento de dois grupos sociais: o consumidor e o produtor. O produtor não oferece o produto no mercado ou porque o preço congelado não cobre seus custos ou porque aguarda melhores preços. Ou vende o produto a preço superior ao congelado, isto é, com ágio, no mercado negro. O consumidor se desespera na busca dos produtos que desaparecem do mercado, desperdiça tempo em filas ou paga ágio no mercado negro. O mercado livre aparece na forma de mercado negro, até na Rússia. O consumidor passa a olhar o produtor como especulador e explorador. O Governo considera suas medidas boicotadas pelos produtores, que não estariam dispostos a colaborar. Os consumidores se insurgem contra os produtores. O Governo se mobiliza contra os produtores.
Criam-se condições difíceis para a continuidade da ordem social. Certos setores da produção e do consumo são expostos à execração pública como traidores e sabotadores. O congelamento de preços reclama novas intervenções do Governo que tomam as formas de multas, fechamentos temporários ou definitivos de estabelecimentos, prisões, racionamento e desapropriação. Essas medidas são próprias de regimes fortes. Trata-se da economia de guerra, onde o Estado tem poder até sobre a vida dos indivíduos. Transforma-se em Estado policial, ampliando sua atividade repressora sobre toda a sociedade. Curiosamente Galbraith observa que, durante a Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos, o congelamento de preços se apresentou inviável nos ramos da carne e das confecções. A intervenção no mercado arrasta a novas intervenções. As intervenções desorganizam a produção. A longo prazo, as intervenções no mercado produzem pobreza.
O Estado que espiona, prende, desapropria e dispõe sobre a vida dos indivíduos é um Estado policial. O Estado policial não cria riqueza. Nem forma santos. Nem aperfeiçoa a convivência social.
A lei básica da sociedade é o egoísmo. E o egoísmo paradoxalmente conduz ao altruísmo. Eu, procurando o meu bem, e você, promovendo o seu bem, nos unimos numa sociedade onde ambos livremente, mediante o contrato ou negociação, promovemos uma vida melhor para ambos. Isso não significa que os bens sejam igualmente repartidos entre nós dois. Você pode ser muito mais produtivo que eu. E nesse caso igualitária repartição da produção comum seria injusta. Mas, o trabalho conjunto fará você viver melhor e a mim também.

(Publicado no jornal "A Libertação", de Parnaíba-PI, em 13.02.86)

domingo, 5 de abril de 2009

83. A Poupança


A poupança é renúncia ao gasto da renda ou do que se produz. Se gasto tudo o que produzo, não posso ter pretensão em melhorar, nem sequer manter, minha produção. Se poupo tudo que produzo, morro. Morrer é a pobreza definitiva. Produzir é a riqueza. Aumentar a produção é ficar mais rico.
Cada povo tem sua taxa ou coeficiente de poupança, que sofre, é claro, variações, segundo as circunstâncias. A poupança excessiva é mal tão grande quanto o consumo excessivo. Poupança sem investimento, já observou Malthus, gera a crise da superprodução ou depressão. Esse fenômeno ocorreu em 1929.
Poupa-se por temperamento e hábito. Poupa-se por tradição e cultura. Poupa-se por avareza. Poupa-se por objetivo próximo, como realizar projeto de viagem ou possuir bens que muito se almejam. Poupa-se por previdência: cobrir os custos da velhice ou moléstia. Poupa-se para se investir, isto é, para manter ou aumentar a produção, para enriquecer. Poupa-se por inúmeros motivos, enfim. A causa mais decisiva da poupança é o nível de renda ou riqueza de cada um e de cada povo. Há pessoas com renda tão ínfima que despoupam, isto é, gastam mais do que recebem, ao invés de poupar. Outras não poupam nem despoupam, apenas equilibram receita e despesas. A receita de outras pessoas costuma superar as despesas.
É natural que se gaste a renda com alimentação, vestuário, calçado, habitação, transporte, saúde e lazer. Havendo excedente, compreende-se que se gaste com o que se chama de luxo: jóias, vilas, iates, viagens de recreio, residências espetaculares. Finalmente, poupa-se: consumados todos os gastos, ainda há excesso de riqueza. A poupança, disse Paul Samuelson, é o último dos luxos. Claro que isso é força de expressão. Mas, põe em destaque a essência da poupança: é o excedente da receita sobre os gastos com a satisfação das necessidades de cada um. Se minhas necessidades são incontroláveis, não há poupança, por maior que seja minha receita. Só há consumo. Seja como for, maior o nível de renda ou riqueza, maior será a poupança provavelmente.
No regime liberal, que respeita o indivíduo como supremo árbitro de seu destino, a poupança e o consumo são decisões pessoais. A desigualdade de renda individual contribuirá para que surja a poupança espontaneamente, sem coação do Estado. A desigualdade de renda individual tem função econômica e social. A intervenção do Estado no mercado, igualando as rendas individuais, fá-lo nivelando por baixo, estimulando o consumo excessivo e desestimulando a poupança. A política distributiva da renda traz o corolário desagradável e natural dos empréstimos compulsórios ou poupança compulsória, como correção do excesso de consumo. Ludwig von Mises enfatiza que intervenção gera mais intervenção, porque a intervenção provoca o contrário do que se pretende com ela.
No socialismo, o Governo impõe antecipadamente o que deve ir para o Estado como poupança, e arbitrariamente divide o que resta pela população. É a escravização do povo. Seja qual for o regime, não há progresso sem investimento, nem há investimento sem poupança.

(Publicado no jornal A Libertação, de Parnaíba-PI, em 31.12.86)

sábado, 4 de abril de 2009

82. A Cúpula do G20 em Londres


Há certos fatos que a Ciência Econômica enfoca como desastrosos a longo prazo e benéficos a curto prazo. Exemplos são o déficit no balanço das contas de transações correntes dos Estados Unidos e a liberdade de agentes financeiros.
A necessidade do controle da atividade bancária, a mágica atividade de criar moeda, é mais que centenária. Nos tempos atuais, os livros didáticos dissertam com ufania sobre os vários acordos financeiros de Basiléia, que pretendem conferir transparência e controle às atividades financeiras. Os grandes mestres da Ciência Econômica, em sua amplíssima maioria, coincidem na opinião de que a atividade financeira deve ser controlada para o bem das finanças, da economia e da sociedade. Até o pai da expressão “Consenso de Washington”, que o ilustre Primeiro Ministro da Inglaterra disse que acabou, afirma que nunca se posicionou contra a regulamentação financeira nem contra a intervenção estatal na economia.
A quem interessava, então, a excessiva liberalização da economia? Aos banqueiros, aos negociantes, aos investidores, aos consumidores e aos políticos. Quem agia com toda a liberdade? Os banqueiros. Quem tirava proveito da liberdade desenfreada? Os banqueiros, os negociantes, os consumidores, os investidores especuladores e ambiciosos, e os governos. Sempre se soube que os paraísos fiscais são locais de esconder dinheiro da máfia e dos sonegadores fiscais, locais de se ganhar dinheiro ludibriando o fisco, o bem comum, a sociedade. E muita gente boa colocava suas rendas nos paraísos fiscais. E as autoridades de todos os países sabiam disso e até apreciavam muito. Isso, efetivamente, interessava a muitos governos.
E quem deveria ter coibido os negócios da subprime, dos derivativos e dos paraísos fiscais? Os governos. Os governos vinham sendo alertados, desde há quinze anos, pelo menos, que a bolha da subprime, dos derivativos e das alavancagens financeiras gigantescas, quando explodisse, seria uma catástrofe. E os governos nada fizeram e, inclusive o governo brasileiro, se sentiam felicíssimos e se exibiam artífices de uma prosperidade jamais alcançada no passado.
Agora, a Cupula do G20 em Londres acaba de decidir que vai controlar as instituições financeiras todas e os negócios de derivativos, bem como baixar normas e fiscalizar os negócios nos paraísos fiscais. No longo prazo, como se previa, a farra converteu-se num desastre... Prometem que exigirão transparência na gestão das empresas financeiras e limitarão a renda dos administradores dessas instituições. Acho que farão algo nesse sentido, efetivamente.
Já percebo, porém, que não ousaram encarar a reação chinesa no tocante às praças de Hong Kong e Macau. Os países produtores de petróleo são também grandes investidores no mercado finaneiro internacional. Eles, efetivamente, aceitarão a transparência e a fiscalização de seus negócios de aplicação de recursos financeiros?
Já no que tange ao déficit crônico do balanço de transações correntes dos Estados Unidos, a Cúpula do G20 em Londres nem se preocupou, porque sabe que ele, nos próximos anos, época em que aqueles governantes serão os responsáveis pela economia mundial, terá que continuar deficitário para conseguir retirar a economia mundial do abismo da depressão em que foi lançado.
E fico aqui imaginando: quem, no futuro, terá destemor suficiente para corrigir a armadilha fundamental da economia norte-americana?! As grandes empresas norte-americanas para sobreviverem passaram a produzir nos países emergentes ou nos tigres asiáticos ou no México e no Canadá. Elas não têm eficiência suficiente para concorrer com empresas estrangeiras no próprio solo norte-americano, utilizando a mão de obra cara norte-americana. Tenho muitas dúvidas de que o governo norte-americano detenha poder de coação suficiente para impor a redução da renda de trabalho ou que o trabalhador norte-americano suporte a queda da renda de trabalho.
Não vejo nada que seja, como alguém disse, mudança de estilo civilizatório. Nada. O mundo continuará conduzindo-se segundo o estilo do consumismo desenfreado, que adotou no final do século XIX. A China continuará sua expansão desenvolvimentista das grandes indústrias poluidoras, dos grandes centros de produção e de consumo. Dubai continuará construindo o mercado do turismo sofisticado para os consumidores bilionários. O Brasil continuará devastando a floresta amazônica, alargando as megacidades sem qualquer pudor urbanístico, destruindo as nascentes d’água, assoreando os rios, poluindo as praias, abrindo abismos nas colinas de Minas Gerais e do Pará e transportando o solo brasileiro para as megacidades chinesas. A África, que mal foi ouvida, continuará desafiando a ONU com a atrocidade dos genocídios. A rainha da Inglaterra enterneceu o seu povo, abraçando a negra primeira-dama norte-americana e pousando ao lado do torneiro mecânico Lula, presidente do Brasil, em vez do negro presidente norte-americano, na foto oficial da Cúpula. Mas a família real inglesa continuará residindo nos palácios e gastando milhões de libras mensalmente na sua subsistência... Não nos iludamos, continuarão existindo uns poucos Bill Gates e artistas de Hollywood, refestelados em palácios, e continuará existindo a ampla maioria de negros africanos esquálidos e famintos... E a população humana continuará crescendo para que existam poucos ricos e vastas multidões de miseráveis que os sustentem mediante a alienação da renda do trabalho. Nada se falou acerca da procriação irresponsável que prossegue reforçando a superpovoação do planeta. E a grande massa prosseguirá governada por uma oligarquia de profissionais da política, vivazes e mistificadores. Os governos continuarão apoiando-se na força ou na dissimulação, como descreveu Maquiavel. E a Economia persistirá com suas flutuações, entremeando períodos de expansão com períodos de contração.
Nada se falou do indivíduo humano nessa Cúpula. O foco tinha que ser primeiramente o indivíduo humano e, em seguida, os governantes. O indivíduo humano é o agente da civilização. Não são os governantes. Toda essa Civilização está errada. Essa teoria econômica só mudará, se o indivíduo humano mudar. A Economia só mudará, se o indivíduo humano mudar. Os governantes, como sempre, pouco conseguirão fazer e, sobretudo, serão em geral ofuscados por interesses particulares, permanecendo alheios aos interesses universais da Humanidade. O indivíduo humano tem que mudar. O indivíduo humano tem que se abrir para a luz do Conhecimento e da Sabedoria, através da Educação, aquela preconizada pelo poeta romano Juvenal: mens sana in corpore sano.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

81. O Consumismo


Há dois anos, em Houston, ouvi de um americano, que comparava o Brasil aos Estados Unidos, observação que costumava escutar ainda criança aqui no Brasil: a razão do extraordinário progresso econômico americano está no consumo.
Essa opinião constituiu, há trezentos anos, o núcleo do pensamento de Boisguillebert, em quem alguns historiadores identificam o iniciador do conhecimento econômico científico.
Ludwig von Mises acha que a característica da economia capitalista consiste na produção em massa e para a massa. Ressalta a primazia do consumidor na economia capitalista que, por isso, é por excelência democrática. A vontade do povo comanda a produção. A riqueza é a retribuição do povo àqueles que melhor o servem. O empresário produz para enriquecer. É egoísta. Mas sabe que, para enriquecer, tem de submeter-se à vontade do povo. Quanto melhor serve ao povo, mais rico é. O egoísmo do empresário tem sucesso, na medida que se deixa submeter ao egoísmo e bem-estar do consumidor. O egoísmo e o altruísmo se harmonizam. O egoísmo do empresário tem cunho paradoxalmente social.
Segundo Boisguillebert, porém, a liberdade é condição necessária para que o consumo estimule o desenvolvimento econômico. Consumidores livres, livre o mercado, pagam aos produtores segundo suas conveniências, necessidades e caprichos. Os produtores livres, para lucrar mais, produzem segundo as prioridades dos preços mais altos propostos pelos consumidores. O egoísmo e o altruísmo de consumidores e produtores geram o bem-estar e a riqueza de todos, a riqueza da nação.
A economia capitalista insiste na utilidade incomparável desse mecanismo livre da produção. O povo consome. A produção é para satisfazer as necessidades do povo. É preciso, todavia, que o povo se torne consumidor. Produzindo, o povo se torna consumidor. Consumidor e produtor se identificam. No mercado, troca-se a produção de cada um. Essa é a idéia expressa por Jean Baptiste Say em 1803.
O processo de produção, entretanto, só tem início quando alguém decide bancar os custos e os riscos da produção, quando alguém decide investir, isto é, empregar estoques, máquinas e construções na produção. O capital dá início à produção, que se realiza com a colaboração da terra e da mão-de-obra. É a mistura desses três fatores (capital, mão-de-obra e terra) que cria o produto. Keynes diz mais. O investimento determina o nível de atividade econômica, mais alto ou mais baixo. Mais produção e mais consumo, ou menos produção e menos consumo, dependem da quantidade de capital novo atuante.
Esse empreendimento pode ter sucesso ou não. Não tem sucesso, se os consumidores não se interessam pelo produto. Os três fatores são gastos e não são recompostos. Os três fatores se perdem, como produtores e consumidores. O empreendimento tem sucesso, quando os consumidores se interessam pelo produto. Os três fatores foram gastos e repostos. Os três fatores permanecem atuantes, como produtores e consumidores.
De onde vem esse capital? Ele é o produto que não foi gasto no consumo. O investimento tem origem na poupança. Na medida que as pessoas decidem não consumir o que produzem, elas poupam. Mais poupança, menos consumo. Mais consumo, menos poupança. Adam Smith, Malthus, David Ricardo e Stuart Mill, há cerca de duzentos anos, insistiram em que o consumo exagerado é um mal. O consumo exagerado não permite a formação de poupança. Sem poupança, não há investimento, não há capital, não há produção. O consumo exagerado é a riqueza momentânea do instante presente e a pobreza perpétua do amanhã. O consumo exagerado é desinvestimento. É consumo de capital.
Adam Smith observa que o esbanjamento de uma noite é a pobreza do amanhecer seguinte. A nação, que não poupa, é decididamente pobre. O consumo não é a causa da riqueza. Ela é a fruição da riqueza. A riqueza é a produção. A causa decisiva da produção e da riqueza é o investimento, é o capital. O consumismo é um mal.
(Escrito e publicado em 1986)