sexta-feira, 3 de abril de 2009

81. O Consumismo


Há dois anos, em Houston, ouvi de um americano, que comparava o Brasil aos Estados Unidos, observação que costumava escutar ainda criança aqui no Brasil: a razão do extraordinário progresso econômico americano está no consumo.
Essa opinião constituiu, há trezentos anos, o núcleo do pensamento de Boisguillebert, em quem alguns historiadores identificam o iniciador do conhecimento econômico científico.
Ludwig von Mises acha que a característica da economia capitalista consiste na produção em massa e para a massa. Ressalta a primazia do consumidor na economia capitalista que, por isso, é por excelência democrática. A vontade do povo comanda a produção. A riqueza é a retribuição do povo àqueles que melhor o servem. O empresário produz para enriquecer. É egoísta. Mas sabe que, para enriquecer, tem de submeter-se à vontade do povo. Quanto melhor serve ao povo, mais rico é. O egoísmo do empresário tem sucesso, na medida que se deixa submeter ao egoísmo e bem-estar do consumidor. O egoísmo e o altruísmo se harmonizam. O egoísmo do empresário tem cunho paradoxalmente social.
Segundo Boisguillebert, porém, a liberdade é condição necessária para que o consumo estimule o desenvolvimento econômico. Consumidores livres, livre o mercado, pagam aos produtores segundo suas conveniências, necessidades e caprichos. Os produtores livres, para lucrar mais, produzem segundo as prioridades dos preços mais altos propostos pelos consumidores. O egoísmo e o altruísmo de consumidores e produtores geram o bem-estar e a riqueza de todos, a riqueza da nação.
A economia capitalista insiste na utilidade incomparável desse mecanismo livre da produção. O povo consome. A produção é para satisfazer as necessidades do povo. É preciso, todavia, que o povo se torne consumidor. Produzindo, o povo se torna consumidor. Consumidor e produtor se identificam. No mercado, troca-se a produção de cada um. Essa é a idéia expressa por Jean Baptiste Say em 1803.
O processo de produção, entretanto, só tem início quando alguém decide bancar os custos e os riscos da produção, quando alguém decide investir, isto é, empregar estoques, máquinas e construções na produção. O capital dá início à produção, que se realiza com a colaboração da terra e da mão-de-obra. É a mistura desses três fatores (capital, mão-de-obra e terra) que cria o produto. Keynes diz mais. O investimento determina o nível de atividade econômica, mais alto ou mais baixo. Mais produção e mais consumo, ou menos produção e menos consumo, dependem da quantidade de capital novo atuante.
Esse empreendimento pode ter sucesso ou não. Não tem sucesso, se os consumidores não se interessam pelo produto. Os três fatores são gastos e não são recompostos. Os três fatores se perdem, como produtores e consumidores. O empreendimento tem sucesso, quando os consumidores se interessam pelo produto. Os três fatores foram gastos e repostos. Os três fatores permanecem atuantes, como produtores e consumidores.
De onde vem esse capital? Ele é o produto que não foi gasto no consumo. O investimento tem origem na poupança. Na medida que as pessoas decidem não consumir o que produzem, elas poupam. Mais poupança, menos consumo. Mais consumo, menos poupança. Adam Smith, Malthus, David Ricardo e Stuart Mill, há cerca de duzentos anos, insistiram em que o consumo exagerado é um mal. O consumo exagerado não permite a formação de poupança. Sem poupança, não há investimento, não há capital, não há produção. O consumo exagerado é a riqueza momentânea do instante presente e a pobreza perpétua do amanhã. O consumo exagerado é desinvestimento. É consumo de capital.
Adam Smith observa que o esbanjamento de uma noite é a pobreza do amanhecer seguinte. A nação, que não poupa, é decididamente pobre. O consumo não é a causa da riqueza. Ela é a fruição da riqueza. A riqueza é a produção. A causa decisiva da produção e da riqueza é o investimento, é o capital. O consumismo é um mal.
(Escrito e publicado em 1986)

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