sábado, 30 de maio de 2009

131. A Vida É Uma Conquista


Boto os pés na calçada de Copacabana. Uma figura imunda, cabelos desgrenhados, com fala e conduta idiótica, grunhe mendigando. É isso mesmo, não fala. Lá adiante, na calçada do próximo quarteirão, uma mulher, amamentando uma criança, sentada na calçada, suplica uma esmola. Já na Rua 5 de Julho, uma trinca de adolescentes sujos, vagabundos, mais ou menos conscientes de que só a sua presença aterroriza, condescende em sugerir uma ajuda pecuniária. As expressões sarcásticas de seus rostos transmitem a mensagem hedionda, camuflada numa súplica: Velho acuado, não ouses nos recusar o pouco que te estamos extorquindo!
Por que existem esses marginais, e dessa qualidade, na sociedade do século XXI, o século subseqüente ao século XX, o século do Estado do Bem-Estar social?! Abro o livro de Economia de Paul Krugman, e o mestre afirma que o sucesso econômico de um país se mede pela distribuição da riqueza! O Brasil não é um sucesso econômico?!
A Ciência Econômica mais aceita me ensina que a atividade econômica trabalha normalmente no equilíbrio. Ela me ensina que esse equilíbrio ocorre normalmente na fronteira das possibilidades da produção. Quando ocorre abaixo desse limite, a sociedade está em crise econômica, está em recessão. E esse não é o caso do Brasil, mesmo nesta época de crise mundial, até agora .
O mercado equilibrado promove a mais eficiente alocação de recursos e bens que pode ser feita. O mercado é o melhor resultado possível de produção e distribuição de bens e serviços. E na maioria dos bens primários existentes é esse mercado competitivo, onde ninguém possui o poder de desequilibrar, que organiza a produção, a distribuição e o consumo. Ninguém é rei. É a mais pura democracia. E é também certa equidade, porque possui mais quem produz mais.
E os economistas respondem à minha indagação: o mercado é de quem sabe produzir. A resposta pode ser dada de outra forma: na economia de mercado só consome quem produz, só quem dá recebe. Aqueles supramencionados cidadãos não produzem, por isso não consomem.
E é por isso que eu insisto em alertar para o óbvio: a Economia é uma ciência, mas não é a Ciência. Não é a totalidade do Conhecimento. É uma parte apenas do Conhecimento. Não é uma ciência autônoma. Não é a estrutura sobre a qual se forma a superestrutura. Ela se subordina à Sociologia, à Neurociência, à Ciência do Direito e da Política, à Ética.
Aquele primeiro indivíduo humano com que me deparei, se é mesmo, como penso, de tal forma deficiente das funções mentais, que não tem a mínima condição de sustentar-se, nós o achamos um infeliz. Mas, ele se sente um infeliz? Não seria ele realmente infeliz, isso sim, se o forçassem a obter a alimentação mediante o trabalho? A evasão escolar não seria uma fuga da infelicidade e uma busca de felicidade? Não teria ele, então, direito à opção por esse estilo de vida? Será que ele realmente tem capacidade física, funcional, mental de optar? Ele tem capacidade ética, isto é, capacidade de conhecer o Bem e o Mal, de optar pelo que acha o Bem, preterindo o Mal? Ele tem condição de ser responsável pelos seus atos e decisões?
Ele tem deveres? Se não tem deveres, ele tem direitos? Muitos responderão que ele não tem deveres, porque não é capaz de conhecê-los. Mas, tem direitos, porque é um ser humano.
Até poucos séculos atrás, e muitas pessoas ainda pensam assim, ele é ser humano porque foi gerado numa cópula, onde Deus lhe infundiu uma alma. Até poucos séculos atrás, outros afirmariam que ele é ser humano porque exibe a aparência externa de ser humano e foi gerado por um casal humano. A Biologia nos veio descrever a anatomia e a fisiologia características de um ser humano. A Neurociência veio para aprofundar esse conhecimento. E o que dirá a Ciência Genética? Existe o genoma humano, que marca o ser humano independentemente de seus comportamentos tão diferenciados? Se o homem é indivíduo humano desde a cópula, qual é o genoma característico de um ser humano? Quais os seus componentes mínimos, necessários e suficientes para formar o individuo humano?
O ovo não tem deveres, é claro. Mas, tem direitos? Direito não é uma convenção? Não está ligado à liberdade, ao conhecimento e à opção? Não tem direito, mas merece respeito. Respeito à vida humana que ele tem! Mas, quando começa a vida humana? Só quando começa a formação do sistema nervoso? Só quando nasce? E os anencéfalos têm vida humana?
Não estou refletindo sobre bobagens, nem sobre inocuidades. Agora mesmo na Espanha, o Ministro Zapatero está tentando fazer passar lei que dê às jovens de 16 anos o direito ao aborto. E a Bioética fornece argumentos pró e contra esse projeto de lei. Alguns defendem o projeto afirmando que embrião não é ser humano. Na China e em vários outros países asiáticos existe o controle demográfico e, por isso, até é praticada, o que fere nossa sensibilidade ocidental, a seleção do sexo masculino!
O economista não entra nessas considerações. Mas, segundo Paul Krugman, a economia é o resultado de infinitas opções individuais. A economia de mercado é a economia dos indivíduos livres, responsáveis por seu projeto de vida, responsáveis por sua qualidade de vida. O mercado é o espaço resultante de uma infinidade de opções individuais. Quem está na vida moderna, está no mercado, fazendo continuadamente uma opção, depois de outra. Na vida que aí está, no mundo moderno, todos estão optando pela sua vantagem. Todos estão seguindo a famosa “Lei do Gérson”: onde está a minha vantagem? No mundo do mercado, no mundo da sobrevivência, só há lugar para quem é capaz de usar a mente!
Assim, segundo a Ciência Econômica, não existe lugar para o deficiente mental na vida moderna. Para a Economia, aquele idiota não existe. Acho, sim, que aquele idiota, se de fato é um idiota, não deveria ter nascido. Acho que o direito primordial não é o direito à vida. O direito fundamental é o direito à vida de qualidade. Acho que ninguém tem o direito de colocar na existência um indivíduo humano incapaz de conquistar uma vida de qualidade. Nem o mais rico xeque das Arábias.
Não estou afirmando nada estranho às nossas tradições culturais greco-romanas. Em postagens anteriores, relatei o que grandes vultos da sociedade greco-romana pensavam sobre o valor da vida. Na Apologia de Sócrates, este, segundo Platão, pouco antes de sua morte, deixou-nos o ensinamento seguinte: E, por isso, analisa se não devemos dar máximo valor ao viver, mas sim ao viver bem. O próprio Charles Darwin confessa que a inspiração da teoria da evolução, a ideia da competição dos seres vivos pelos recursos da sobrevivência e do triunfo do mais adaptado ao meio ambiente, brotou do conhecimento do pensamento econômico de Malthus. Herbert Spencer, no começo do século passado, ousou formular a doutrina sociológica do capitalismo então emergente, de que o sucesso econômico, o homem mais rico, seria o indivíduo melhor adaptado ao meio ambiente. O mais rico sobreviveria, novo produto da evolução e nova espécie humana que sobreviverá. E por isso, ele foi recebido com honras e comemorações pela classe capitalista norte-americana, então emergente. A sociedade atual, em numerosos países, sobretudo naqueles que são reconhecidos como os mais civilizados, admite o aborto por vários motivos, como risco de morte da genitora e concepção no estupro. Por que não admiti-lo no claro diagnóstico de que o futuro cidadão, o nascituro, tem a mente danificada de tal forma que não seja capaz de conquistar uma vida de qualidade? Não conseguirá nem um nível de vida animal. Deformações definitivamente comprometedoras do lobo frontal, por exemplo.
Da minha parte, apenas acho que o primeiro direito e o primeiro dever do indivíduo humano são a conquista de uma vida de qualidade. Atualmente mesmo, um dos fatos mais constrangedores da sociedade é a freqüência do suicídio de adolescentes nas mais ricas nações, notadamente no Japão. Então, só tenho o direito de colocar na existência indivíduos humanos fisicamente capazes de conquistar existência de qualidade e se tiver condição de prepara-los para essa conquista. Platão, na Apologia de Sócrates, coloca na boca de Críton a seguinte ponderação: Ou não se devem ter filhos ou, se os temos, devemos pensar neles com o máximo desvelo e esforço que sua educação exige .
E, assim, julgo que a eugenia é eticamente bivalente. Existe a eugenia aética e a eugenia ética. A meu ver, a Eugenia é tão eticamente indiferente quanto uma faca. A faca depende da mão que a maneja. Se a uso na cozinha, a faca é instrumento precioso. Se a uso para matar, ela é instrumento perverso. Da mesma forma, a eugenia depende da mente que a manipula e da maneira como a usa. A eugenia perversa é a eugenia da discriminação social e política, preconceituosa. Jamais apoiarei a emasculação e a esterilização. Jamais admitirei a agressão à integridade e à liberdade do indivíduo humano.
Aquilo em que acredito é na sabedoria pessoal, que amplia o espaço da liberdade individual, que gera a deliberação pessoal e responsável de somente gerar indivíduos saudáveis, aptos a conquistar uma vida de qualidade. Porque a vida é uma conquista, desde a corrida competitiva dos espermatozóides em busca da conjunção com o óvulo, até o último suspiro de vida. A eugenia ética é aquela que se dedica a prover a sociedade de indivíduos sãos, corporal e mentalmente, de tal forma que nasçam indivíduos capazes de conquistar uma existência de qualidade.
E neste momento me persegue a imagem de meu filho primogênito, adolescente, lindo e querido, cheio de amigos e amigas, glamuroso por onde passava, até então vivendo a plenitude da ilusão da beleza da vida, sentado na sua cama, naquela sombria manhã de 1974, depois de perceber, porque ainda não se lhe havia dito claramente, que o câncer o cooptara, e expressando a sua inconformidade com um murro na cama e a frase pungente: Por que eu?!
A medicina genética já começa a ser uma realidade. Mas, ela certamente conseguirá sucessos tão fantásticos que esta presente discussão ficará totalmente descabida em futuro próximo. A medicina genética veio e se aperfeiçoará para fornecer uma sociedade melhor. Ela é um caminho, talvez o mais óbvio, do aperfeiçoamento da sociedade humana e, quem sabe?, da própria marcha da evolução, como vaticinam alguns biólogos. E ela tornar-se-á, mais cedo ou mais tarde, o instrumento capaz de fazer que a espécie humana produza apenas indivíduos capazes de se assumirem e de realizar trajetória de vida de qualidade. E ela o fará indicando o ser humano que poderá nascer, porque é embrião hígido ou embrião que a tecnologia médica pode tornar hígido, ou o embrião que não deverá nascer porque será inelutavelmente incapaz de conquistar vida de qualidade. Mas, essa opção será decisão pessoal de um indivíduo humano esclarecido e responsável. Jamais se fará através de alguma medida coercitiva estatal, atentatória da integridade física e mental do indivíduo humano.
Em reflexões anteriores, detive-me na previsão de que o instituto da família tradicional do Ocidente, que se vem modificando a olhos vistos, o espaço da procriação, será,um dia, substituído pelo instituto multiforme de relações transitórias de prazer. A geração já se faz em clínicas de fertilização in vitro e já se fazem tentativas de realizar a gestação artificial. Será que, um dia, o indivíduo humano desejoso de descendência obterá os filhos que planejará ter? A mulher, enfim, salvo aquelas adeptas conscientes da intimidade da gestação natural, libertar-se-ia dos incômodos da gestação e do nascimento da prole. O sexo tornar-se-á um dos amplos espaços de prazer humano, sem os inconvenientes do estresse da ansiosidade, da angústia, da responsabilidade e das incertezas. A procriação apartar-se-á do prazer.
A primeira conclusão a que pretendo chegar: um dos pressupostos do sucesso da Economia democrática, a economia de mercado, aquela nova Economia que desejo ver surgir, e deveria surgir, desta atual crise econômica, é que os agentes do mercado sejam todos os indivíduos humanos, pessoas saudáveis, capazes de conquistar uma vida de qualidade. A segunda conclusão: só existirá esse mercado abrangente de toda a população humana existente, se os indivíduos humanos atuais forem responsáveis, isto é, seres livres, suficientemente esclarecidos e educados para decidirem procriar indivíduos humanos capazes de conquistar uma vida de qualidade. A terceira conclusão: a educação (a formação de indivíduos humanos cientes dos seus direitos e dos seus deveres) é a mais fundamental obrigação do Estado, mais importante do que a produção da Segurança.
A Segurança, instituto coator do Estado, é corolário da Lei. A Lei é convenção, produto da mente dos indivíduos humanos, instituto criado pelo Homem para estabelecer a sociedade viável, espaço de convivência pacífica e colaboracionista. Quanto mais perfeita a mente humana, menor a necessidade de leis e muito menor ainda a necessidade de coação. Mente boa, Lei boa. Mente ruim, Lei ruim. Lei, expressão da Mente humana. Lei, expressão do consenso humano, em matérias do âmbito da res publica, nada mais é do que a evocação da conduta desejada pelo conjunto dos indivíduos da sociedade. A infração à Lei, em futuro talvez não muito longínquo, será talvez considerada uma anormalidade ou doença mental, e, por isso, não mais será castigada, será medicada! O crime, a prática do ilegal, constituirá fatos residuais, raros. E aqui me detenho para uma interrogação: estaríamos retornando à intuição socrática? O importante é a mente. O importante é a saúde da mente. A Sabedoria é o Bem. Ética é saúde da Mente. Ou, como Jesus Cristo e Paulo de Tarso: a Lei mata, o Espírito vivifica.
(continua)

segunda-feira, 25 de maio de 2009

130. Câmbio e Economia (conclusão)


Voltemos ao regime cambial brasileiro. A sua característica principal é controle cambial. Quanto mais controle há, menor mercado cambial existe. A característica essencial do controle cambial é a fixação da taxa de câmbio, via ato administrativo, o que é feito diariamente no Brasil mediante documento emitido pelo Banco Central. No sistema de taxas fixas, as forças da oferta e da procura podem ser respeitadas, desde que o compromisso internacional de manter a paridade seja honrada não por meio de atos administrativos, mas através da oferta governamental ao mercado da moeda estrangeira escassa, e da compra governamental da moeda excessivamente abundante. Outra característica do controle cambial é a exigência da autorização administrativa para transferência de divisas ao Exterior. No Brasil, todos os pagamentos ao Exterior têm que ser autorizados ou através da guia de importação ou do registro na FIRCE ou de exame individual da transferência. É também próprio do controle cambial transferir para o Banco Central as divisas acumuladas pelos bancos. Diariamente os bancos brasileiros são obrigados a repassá-las. Na medida em que há controle sobre os negócios das moedas num país, deixa de existir mercado. Quanto mais controlado é o mercado de câmbio num país, menos conversível é a moeda desse país. O mercado de câmbio brasileiro sofre vigoroso controle, por isso o Cruzado é moeda inconversível.
Creio, portanto, que podemos concluir esta palestra, apresentando as seguintes conclusões:
* A política cambial, que consiste essencialmente em fixar a taxa de câmbio adequada para o país, é muito importante para a economia de uma nação, para o bem-estar do povo.
* Normalmente, a taxa de câmbio deve ser aquela que permite o equilíbrio da exportação e importação, nas suas quantidades máximas, que se limitam à capacidade máxima efetiva de exportação.
* A História ensina que moderada dose protecionista contribui para fortificar a produção nacional e para o enriquecimento nacional.
* A História demonstra que o protecionismo radical, exacerbado, é nocivo à economia nacional e internacional, leva a atritos internacionais, baixa o nível do povo e contribui para restringir a liberdade individual.
* O controle cambial é adotado no Brasil, como um mal menor, em conseqüência de política econômica desenvolvimentista exacerbada, adotada no passado.
(Palestra pronunciada em 1988 para os funcionários do Banco do Estado do Amazonas)

sábado, 23 de maio de 2009

129. Câmbio e Economia (continuação)


A política de desenvolvimento integrado é a forma moderna de mercantilismo e, como este, julga benéfica a exportação e maléfica a importação. Deve-se promover o desenvolvimento, via industrialização do país e de forma tal que tudo deve ser produzido internamente. Quanto menos importar, melhor para o País. É óbvio que o país abre mão das vantagens de preços externos mais baixos, enquanto a produção interna é inevitavelmente mais cara, já que produz indiscriminadamente todos os bens consumidos pela população, independente da produtividade maior ou menor. Essa política leva à produção reduzida dos produtos que podem ser fabricados mais barato, porque os fatores de produção são empregados na produção de todos os bens finais, intermediários e matérias-primas. A produção será limitada, apenas satisfazendo às necessidades da demanda interna ou obtendo pequeno volume para a exportação. A produção dos bens fabricados com alto custo não é exportável. Dessa forma, a política contrária à importação acaba também bloqueando a exportação. Além disso, é claro que toda a produção no processo de desenvolvimento integrado se torna cara. Perfilhamos, por isso, a opinião de Paul Samuelson sobre o processo de desenvolvimento integrado: é inflacionário (produz tudo caro) e gera crises cambiais (há escassez de divisas porque não há exportações). Não são esses exatamente os dois grandes problemas brasileiros?
Não obstante isso, a História demonstra que o nacionalismo, no século passado, deu aso a que os Estados Unidos e a Alemanha eliminassem a defasagem tecnológica e de renda que os separavam da Inglaterra e da França. Alexander Hamilton, o grande líder da Revolução Americana, Thomas Cooper e outros pensadores americanos advogaram política protecionista como instrumento de desenvolvimento do país. Lizt, que àquela época vivia nos Estados Unidos, retorna alguns anos depois à Alemanha, e escreve livros clássicos do protecionismo que coloca a Alemanha no rumo do desenvolvimento.
Adam Smith era partidário do livre comércio. As suas teses, desenvolvidas por David Ricardo, consagraram o princípio de livre comércio, como o caminho a ser trilhado pela atividade econômica de pessoas livres na direção do desenvolvimento. Mas, ele admitia duas exceções ao livre comércio a favor do protecionismo: o protecionismo deve ser adotado quando imposto pela segurança nacional e para preservar as indústrias nascentes. Autores há que nem tais exceções acolhem.
Seja como for, o nacionalismo e o protecionismo radical escreveram as mais negras páginas da História: o Nazismo e o Fascismo. Outro exemplo dos problemas criados pelo processo de desenvolvimento integrado, isto é, nacionalismo e protecionismo, é dado pelas economias socialistas ou comunistas. Em “A Crise das Economias Socialistas”, Rydenfelt, economista sueco, explica como os países do Leste Europeu acabaram no impasse da dívida externa, ou falência nacional, conduzidos por uma política populista de privilégio do trabalhador urbano que era o sustentáculo do partido comunista. Rydenfelt fala também da grave crise econômica da URSS, atribuindo-a à mesma causa. Gorbachev e vários líderes russos, como já falamos, acham também que a economia soviética enfrenta sério impasse, de cuja solução depende a sobrevivência da ideologia e da nação.
(continua, palestra proferida no ano de 1988)

128. Câmbio e Economia (continuação)

sexta-feira, 22 de maio de 2009

127. Câmbio e Economia (continuação)


O mundo mudou do sistema monetário internacional do padrão ouro/dólar para o sistema de taxas flutuantes de câmbio, porque a realidade ou o mercado financeiro internacional já não podia se comportar dentro da disciplina e normas constitutivas daquele sistema. O sistema de taxas flutuantes não preenche requisitos do padrão ideal para cientistas econômicos, financistas e homens de negócio. Diz-se até que a sociedade humana está agora desprovida de um sistema monetário internacional. As finanças internacionais passam por um estado caótico. Aceita-se o sistema de taxas cambiais flutuantes sujo, porque até o momento não se foi capaz de imaginar novo sistema monetário internacional eficaz e adequado.
Como se infere, a política cambial consiste essencialmente na determinação da taxa de câmbio com o objetivo de se obter para o país a abertura adequada para o mercado internacional. No sistema de taxas de câmbio fixas, a abertura de cada país é função de sua eficiência. Quanto maior a produtividade, maior o espaço no mercado internacional. No sistema de taxas flutuantes, a eficiência é parcialmente anulada pelo mercado de divisas, dando, além disso, ensejo a práticas de competição menos sadias.
A política cambial brasileira tradicionalmente vincula o valor da moeda nacional ao dólar americano. É taxa fixa com referência ao dólar e flutuante, mediante o dólar, em relação às demais moedas importantes. Em virtude do alto nível de inflação do Cruzado, reajusta-se diariamente a taxa do Cruzado em relação ao dólar. Diz-se que se segue a política das minidesvalorizações, que visa evitar os inconvenientes dos reajustes mais espaçados, caso em que, na época dos reajustes, as exportações fluiriam e as importações parariam, e vice-versa nos finais dos períodos. Tal fenômeno representaria reais e consideráveis prejuízos para a economia brasileira.
Na minha opinião, nos últimos vinte anos, fez-se política cambial de supervalorização da moeda nacional. Essa opinião pode parecer ilógica, quando se constatam, ultimamente, substanciosos superavits na balança comercial. Acontece que o Brasil obtém ditos resultados, graças a um elenco de medidas que inibem a importação. Proíbe a importação de milhares de itens. Fixa cotas de importação para grande quantidade de outras mercadorias. Veda a aquisição, no Exterior, de produtos que podem ser classificados de similares a produtos brasileiros. Exige financiamento externo para a importação da quase totalidade das importações. Proíbe a contratação de câmbio a prazo para as importações para pagamento na modalidade de cobrança. Impõe o depósito do contravalor em cruzado, no ato da emissão da carta de crédito, para a quase totalidade de importações amparadas nessa garantia. Muitos produtos têm tarifas altamente protecionistas. Eliminados ditos entraves, creio que a balança comercial registraria déficits ao invés de superavits.
Entende-se essa política cambial porque é coerente com a política de desenvolvimento seguida pelo Brasil, desde longa data, a política de substituição de importações ou, como prefiro denominá-la, política de desenvolvimento integrado.
(continua, palestra proferida no ano de 1988)

quarta-feira, 20 de maio de 2009

126. Câmbio e Economia (continuação)


A desvalorização do dólar americano ocorre apesar de adotadas políticas restritivas fiscal e monetária que reduzem a inflação americana de 10% ao ano para 4% ao ano, embora continue gigantesco o déficit comercial. O déficit público é coberto pela gigantesca dívida pública americana, sempre mantendo nível de taxa de juros acima da vigente nos outros principais países em geral. Além disso, verifica-se a ocorrência de investimentos estrangeiros nos Estados Unidos, principalmente de origem árabe, japonesa e alemã, viabilizados pela desvalorização da moeda americana.
O que me parece mais importante ressaltar em todos esses fenômenos é que não é válido concluir-se que repentinamente a economia japonesa perdeu eficiência, ao passo que a americana se tenha tornado relativamente mais produtiva. Foi a procura americana por bens japoneses, que fez crescer a procura por iene. A procura derivada americana pela moeda japonesa encareceu o iene e, por conseqüência, tornou mais caros os produtos japoneses. A valorização do iene está reduzindo a capacidade de importar do americano à sua real capacidade de exportar. Essa restrição importadora americana só poderá ser aliviada via endividamento externo ou investimento estrangeiro. O combate aos déficits publico e de balanço de pagamento tem sido objeto de considerações de plataformas dos candidatos do Partido Democrata à Presidência dos Estados Unidos.
O sistema de taxas flutuantes provoca, evidentemente, dissensos e atritos. É portanto natural que os governos tentem evitar o chamado sistema de taxas flutuantes limpo, onde as taxas cambiais são formadas pelas forças da oferta e da procura sem qualquer intervenção governamental corretiva, seja de que forma for. Os governos dos principais países desenvolvidos procuram obter um consenso de intervenção, de modo que se mantenha a oscilação das taxas de câmbio em nível aceitável pelos parceiros. Quando se aceita a intervenção reguladora do Estado, o sistema de taxas flutuantes é denominado sujo. Esses entendimentos têm sido secretos, e várias vezes têm sido obtidos nas reuniões do conhecido Clube dos Sete (Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, França, Itália, Japão e Canadá).
As medidas consistem em oferta governamental de dólar americano, quando essa moeda valoriza demasiadamente, ou compra governamental do dólar americano, quando essa divisa se desvaloriza inconvenientemente. Essa é a fórmula clássica de intervenção no mercado de câmbio que respeita as forças da oferta e da procura, utilizando-as. Ao contrário do que ocorria no sistema de taxas fixas de câmbio, quando a solução do problema da escassez de divisas sempre competia ao governo do país que enfrentava a crise, agora o país que não passa pelo problema é convocado para colaborar na solução ou até mesmo arcar com o ônus total dele. Outro inconveniente da política cambial no sistema de taxas flutuantes sujo é que as soluções não apresentam aspecto de imparcialidade e generalidade como no sistema de taxas fixas. As medidas são adotadas sempre para certo prazo, mediante consensos de certa forma casuísticos, sujeitas a contínuas revisões e discussões.
O grande inconveniente é o sentimento de inconformidade e suspeita que faz nascer no ânimo dos agentes econômicos que atuam no mercado internacional e nos governantes dos diversos países. Constatamos que produtores e governo americano reclamam do protecionismo europeu e japonês de subsidiar exportações. Os japoneses reclamam do protecionismo europeu. Europeus e certos países periféricos reclamam do protecionismo e subsídios americanos. Esse ambiente, é claro, cria intranqüilidade e suspeita que são nocivas ao fluxo dos negócios. Já vimos que o desenvolvimento econômico exige clima de paz. A conseqüência natural é a redução do mercado internacional que, na visão da teoria econômica clássica, é prejudicial ao progresso de cada país e da sociedade humana.
(continua, palestra proferida no ano de 1988)

terça-feira, 19 de maio de 2009

125. Câmbio e Economia (continuação)


Esse sistema monetário funcionou satisfatoriamente durante vinte anos, até 1971. Ao longo desse tempo os Estados Unidos exerceram extraordinária hegemonia mundial na política, na economia, e no poder militar. Essa liderança concretizou-se em despesas externas de segurança e guerra, de ajuda a países amigos ou de importância vital, bem como em investimentos privados ao redor do mundo. O ouro, que no fim da Segunda Guerra Mundial, abarrotava os cofres do Tesouro Americano, passou no fim da década de sessenta a refluir em grandes volumes para países europeus e o Japão, sobretudo para a França do General de Gaule. Em 1971 a situação americana tornara-se periclitante, de sorte que o Governo Americano decidiu em 15 de agosto declarar a inconversibilidade do dólar em ouro. O mundo era outra vez desprovido de um sistema monetário internacional.
Acabara o sistema monetário internacional em que era impossível a guerra das desvalorizações cambiais, onde era vedado o emprego da política cambial como arma contra as outras nações. A política cambial, ao contrário, era usada como chave que abria as fronteiras para as trocas de mercadorias e serviços para formar o grande mercado internacional. A única forma de um país obter vantagem sobre os demais residia no avanço tecnológico da produção que proporcionava a vantagem da produtividade. Dito sistema também inviabilizava políticas sociais, trabalhistas e econômicas equivocadas que infalivelmente conduzem às crises cambiais com os conseqüentes problemas de importação que bloqueiam o afluxo de produtos externos provocando a queda do padrão de vida da população.
A partir da década de 70, a economia internacional ficou desprovida de um sistema monetário internacional. O mercado de moedas ou mercado mundial de divisas passou a ter influência importante no mercado de bens, serviços e fatores de produção. As moedas deixaram de se relacionarem mediante taxas fixas de câmbio. As taxas de câmbio passaram a ser flutuantes, isto é, sobem e descem sob a ação das forças da oferta e da procura. Focalizemos dois exemplos. O dólar americano, anos atrás, eqüivalia a cerca de 300 ienes e vale hoje 132 ienes. Anos atrás, valia cerca de 10 francos franceses e mais recentemente baixou até 3 francos franceses. Isso significa que agora o consumidor americano ou compra a metade do que comprava no Japão ou transfere o dobro da renda para adquirir as mesmas mercadorias que comprava no Japão. Semelhantemente, houve época em que o consumidor comprava três vezes menos da França ou transferia o triplo da renda para adquirir a mesma quantidade de mercadoria. Efeito inevitável é que a desvalorização do dólar americano provoque a queda da importação americana, diminua a exportação para os Estados Unidos. As conseqüências são a retração da produção no resto do mundo, a natural reação de queda de preços dos produtos do resto do mundo e provável assistência de cada governo aos setores da economia nacional atingidos. Do lado dos Estados Unidos, esse mesmo fenômeno representa que o consumidor japonês pode comprar com a mesma quantidade de ienes duas vezes mais do que adquiria nos Estados Unidos anos atrás. O consumidor francês podia recentemente adquirir nos Estados Unidos o triplo de mercadoria que comprava com os mesmos francos franceses antigamente. A conseqüência natural é que os Estados Unidos passem a exportar mais para o resto do mundo, a produção americana cresça mantidos os mesmos preços, os preços americanos se elevem e a renda nos Estados Unidos suba. É provável, por outro lado, a reação protecionista dos agentes econômicos e dos governos dos países que se sintam prejudicados com a desvalorização do dólar americano. A reação se manifesta naturalmente através de medidas protecionistas.
(continua, palestra proferida no ano de 1988)