quinta-feira, 24 de setembro de 2020

512. História do Pensamento Político (continuação)

 

Já no século XVIII EC, Jean Jacques Rousseau, o filósofo da Revolução Francesa, expôs outra versão da teoria da fundação do Estado pelo contrato, que reputo a mais importante, porque formulou a ideia de Povo, detentor do poder soberano, conceito que se acha expresso na famosa definição de democracia proferida por Abraham Lincoln - “governo do Povo, para o Povo e pelo Povo” e no parágrafo único do artigo 1ºda Constituição Brasileira: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

Rousseau explica que o Estado se funda mediante o Contrato Social, que não é contrato entre pessoas reais, mas contrato entre todas as pessoas reais de um espaço geográfico com uma entidade moral, a entidade constituída da unanimidade delas na vontade de querer viver em sociedade e produzir leis que regulem os interesses comuns, de modo que se viva em paz, em relacionamento harmonioso.

Essa vontade unânime, essa entidade moral, essa ideia, essa instituição, essa pessoa jurídica é o Povo e detém o poder soberano, porque esse contrato social consiste na decisão de que todas as pessoas renunciam ao exercício da autonomia individual para colocar o poder de decisão nos assuntos comuns, nos assuntos públicos, nessa entidade, o Povo, que é a vontade comum de todos: “Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada  associado; e pela qual cada um, unindo-se a todas, não obedeça todavia senão a si mesmo e permaneça igualmente livre como antes... Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder, sob a suprema direção da vontade geral. e nós todos em conjunto recebemos cada membro como parte indivisível do todo. Imediatamente em troca da pessoa privada de cada contraente este ato de associação produz um corpo moral e coletivo  composto de tantos membros quantos votos tem a assembleia, o qual recebe deste mesmo ato sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. Essa pessoa pública, que se forma assim pela união de todas as outras, tomava antes o nome de cidade e agora toma o de republica ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros de Estado, enquanto passivo, e soberano, enquanto ativo, potência no confronto com seus semelhantes. Em relação aos associados, eles tomam coletivamente o nome de povo e se chamam particularmente cidadãos enquanto participantes da autoridade soberana, e súditos enquanto submetidos às leis do Estado.”

Assim, todos se sujeitam às decisões da vontade unânime de todos nos assuntos públicos, a lei. Ninguém é súdito, ninguém é rei, todos são iguais. Ninguém é escravo, todos são livres e autônomos, porque todos os cidadãos obedecem somente à lei que todos eles promulgam, cada um deles promulga. “Sou livre, porque só me submeto à lei que eu mesmo promulgo”, dizia Péricles.

Está aqui a ideia de igualdade, fundamento da Revolução Francesa.

 

(continua) 

 

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

511. História do Pensamento Político (continuação)


    Charles Louis de Secondat de Montesquieu formou-se em Direito e adquiriu fortuna que lhe permitiu dedicar a vida ao estudo da humanidade e a publicar as suas teorias políticas. A sua obra prima intitula-se “O Espírito das Leis”.

    A Lei é a razão humana, uma norma racional de conduta: “A lei, em geral, é a razão humana, enquanto governa todos os povos da terra. As leis políticas e civis de cada nação nada mais devem ser do que os casos particulares aos quais se aplica tal razão humana.” O espírito das leis é o ambiente produzido pelo conjunto de relacionamentos dos indivíduos que formam uma nação: “Elas devem ser relativas à geografia física do país; ao clima...; à qualidade, situação e grandeza do país; ao gênero de vida dos povos...; ao grau de liberdade...; à religião, inclinações, riquezas, número, comércio, costumes, usos dos habitantes. Por fim, elas estão em relação entre si e com a sua origem, com as finalidades do legislador e com a ordem das coisas nas quais se fundamentam... Examinarei todas essas relações – e o seu conjunto constitui aquilo que chamo de espírito das leis.” Assim, cada nação tem suas próprias leis, as leis de uma nação não servem exatamente para outra: “Elas devem se adaptar tão bem ao povo para o qual foram feitas, que somente em casos raríssimos as leis de uma nação poderiam convir a uma outra.”

    O livro Espirito das Leis é, pois, esse estudo que ele realiza organizando o seu pensamento sob a luz de princípios éticos que infundem a forma dos governos das nações: a virtude, a honra e o medo.

    Assim, “Existem três espécies de governo: o republicano, o monárquico e o despótico... O governo republicano é aquele em que o povo, em sua totalidade ou uma parte dele, possui o poder soberano; o monárquico é aquele em que só um governa, mas com base em leis físicas e imutáveis; ao passo que o despótico é aquele em que também um só governa, mas sem leis e sem regras, decidindo tudo com base em sua vontade e ao seu bel-prazer.” A virtude é o princípio ético da república, a honra da monarquia e o medo do despotismo.

    Virtude é a moralidade, a conduta racional guiada pelo bem público: “não é precisa muita probidade para que um governo monárquico ou despótico possa se manter e defender. A força das leis em um e o braço forte ameaçador do príncipe no outro regulam e governam tudo. Mas em um estado popular é precisa uma mola a mais, que é a virtude....Quando tal virtude é deixada de lado,  ambição penetra nos corações a ela mais inclinados e a avareza penetra em todos.... antes era-se livre sob a lei, mas agora se quer ser livre contra as leis...”

    Honra é um conjunto de qualidades morais e intelectuais tais que fazem uma pessoa merecer determinada posição na sociedade, a honesta busca de posição social, o comando social obtido por força do interesse pessoal: “A ambição é perigosa em uma república, mas tem bons efeitos em uma monarquia: ela lhe dá a vida e tem a vantagem de não ser perigosa, porque facilmente pode ser reprimida... A honra faz mover todas as partes do corpo político e as liga por meio de sua própria ação,  eis que cada um se dirige para o bem comum, crendo dirigir-se para os próprios interesses particulares.”

    No governo despótico “é preciso o medo: a virtude não é necessária e a honra seria perigosa... Portanto o medo deve abater todos os corações , apagar também o mais fraco senso de ambição.”

    Finalmente, Monstesquieu argumenta pela defesa da liberdade do cidadão em confronto com o poder do Estado pela divisão dos três poderes da soberania, o poder de legislar, o poder de governar e o poder de julgar. Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário, três poderes iguais e independentes, para que o indivíduo permaneça independente, livre para realizar o próprio destino, para tomar as decisões que entenda necessárias para o seu bem estar: “A liberdade não consiste de modo algum em fazer tudo o que se quer. Em um Estado, isto é, em uma sociedade na qual existem leis, a liberdade não pode consistir senão em poder fazer aquilo que se deve querer e em não ser obrigado a fazer aquilo que não se deve querer,,, A liberdade é o direito de fazer tudo aquilo que as leis permitem... A liberdade política em um cidadão é aquela tranquilidade de espírito que deriva da persuasão que cada qual tem da sua segurança; para que se goze de tal liberdade é preciso que o governo esteja em condições de libertar cada cidadão do temor do outro... quando uma mesma pessoa ou o mesmo corpo de magistrados concentra os poderes legislativo e executivo, não há mais liberdade porque subsiste a suspeita de que o próprio monarca ou o próprio senado possam fazer leis tirânicas para depois, tiranicamente, fazê-las cumprir.... Se o poder de julgar ...estivesse unido ao poder legislativo, haveria um potestade arbitrária sobre a vida e a liberdade dos cidadãos, posto que o juiz seja legislador. E se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.... tudo estaria... perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos governantes, dos nobres ou do povo exercesse juntamente os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os delitos ou causas entre os privados.”

    A separação dos três poderes foi estabelecida primeiro nos Estados Unidos e em seguida na França com a Revolução Francesa e vem sendo implantada nas novas constituições.

(continua)  .

  

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

510. História do Pensamento Político (continuação)

 

No século XVII, umas duas dezenas de anos antes de Hobbes, Hugo Grócio. gênio holandês que aos onze anos ingressou numa universidade e aos dezesseis já era doutor em Direito, afirmou que o indivíduo humano, pelo simples fato de nascer, já detém os direitos à vida e à liberdade.

Esse pensamento foi revolucionário. Hugo Grócio formula a ideia fundamental do Direito e da Política modernos.  Na Idade Média o homem nascia como criatura de Deus, deus onipotente, onisciente, providencial, razão da existência de tudo nas suas minúsculas particularidades, que tudo faz e mantém vivo! Deus é. O homem é nada, sem direito algum individual, portanto, apenas com deveres para com Deus, os pais e o rei ou senhor feudal. O indivíduo humano nada podia reivindicar perante o rei, sociedade e Estado. Ele somente tinha deveres a cumprir, obrigações a seguir.

Essa doutrina já vinha sendo minada por trezentos anos do pensamento de Santo Tomás de Aquino e umas dezenas de anos dos ensinamentos dos sábios da Escola de Salamanca, sobretudo de Francisco de Vitória e Francisco Suarez, que entendiam que Deus dotara o homem de liberdade para conduzir-se, e de razão para guiar-se, iluminar-se, conhecer e decidir, escolher entre o bem e o mal..

O pensamento de Grócio, pois, inicia-se com a constatação de que o indivíduo humano nasce inteligente e livre. Se foi colocado na vida, segundo Grócio, foi colocado para viver, para sobreviver. Se foi colocado livre e para sobreviver, foi colocado para viver decidindo o seu destino. Se foi colocado na vida inteligente e livre, foi colocado para decidir por si próprio o seu destino. A vida, a liberdade e a razão são dotes de nascença, da natureza, que ornam o indivíduo humano. Esses três dotes caracterizam o ser humano. São ele. Nada, ninguém os pode retirar-lhe. Doados pela natureza, o indivíduo não os deve a ninguém. Ninguém, portanto, tem o poder de retirar-lhos ou de a eles opor-se. Ademais, o direito à sobrevivência implica o direito à apropriação dos meios de sobrevivência, isto é o direito de propriedade. O indivíduo, pois, tem o poder, isto é, o direito de reivindicá-los contra todos, inclusive o rei, o Estado.

O Estado, portanto, não tem poder legítimo sobre a vida e a liberdade dos indivíduos. Este pensamento mudou a mentalidade da Humanidade. Transformou os relacionamentos e a organização social. Esse pensamento é a essência da transformação de uma Era noutra, da Idade Média para a Idade Moderna. Esse pensamento é a diferença entre elas. O indivíduo é tudo. É a razão de ser da sociedade. O mundo existe para o indivíduo humano! A dignidade do indivíduo humano! Suprema dignidade!

Hugo Grócio – vida, razão, liberdade e propriedade - é o farol que acendeu em toda sua luminosidade a ideia síntese e fundamental da Idade Moderna! Faltou-lhe a ideia de igualdade. Ela surgirá.

 (continua) 

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

509. História do Pensamento Político (continuação)

 

 

Nesse mesmo século XVII EC, John Locke advogou também o contrato social para a origem do Estado. Entende que no estado da natureza, todos os seres são livres: “A razão pela qual os homens entram em sociedade é a salvação da sua propriedade, e o motivo pelo qual elegem um legislador e o autorizam é para que possam ser instituídas leis e regras capazes de proteger e de delimitar a propriedade de cada membro da sociedade, e de limitar o poder e moderar o domínio de cada parte ou membro dela.”

A liberdade do homem confere-lhe o direito natural de dispor de sua vida e de suas palavras como bem lhe convém, de caçar animais, de ocupar terras para trabalhar e sobreviver: “O Estado, no meu modo de ver, é uma sociedade humana constituída unicamente com o propósito de conservação e promoção dos bens civis. Chamo de bens civis a vida, a liberdade, a integridade física, e a ausência de dor e a propriedade dos objetos externos, como terras, dinheiro, móveis, e assim por diante.”

Assim, com o decorrer do tempo, formam-se famílias, produzem-se trocas, contraem-se compromissos, amplia-se o relacionamento para um grupo de famílias e os desentendimentos se tornam mais frequentes e mais conflituosos, notadamente no tocante à ocupação de terra e ao cumprimento dos contratos, fomentados mormente pelos mais fortes e mais astuciosos.

Então, os proprietários de terras, instrumentos e capital reúnem-se para definir um poder encarregado de realizar o direito natural, poder soberano, isto é, poder ao qual, enquanto atua segundo seus fins, os instituidores são obrigados a obedecer: “Toda vez que os legisladores tentam subtrair a propriedade do povo, ou torna-lo escravo de um poder arbitrário, se colocam em  estado de guerra com o próprio povo, que assim é desobrigado de qualquer ulterior obediência.”

Três são as tarefas do Estado: legislar, julgar e governar. O Estado, com seu aparelho legislativo, judiciário, policial e militar, é necessário, mas é forma vazia, necessitando, pois, que esse aparelho seja organizado e tenha seus postos preenchidos.

A concepção de Estado de John Locke é “a fórmula liberal do Estado moderno, potência soberana e legisladora e unidade de uma multiplícidade de súditos francos.”

(continua)

 

 

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

508. História do Pensamento Político (continuação)

 


Em meados do século XVII EC, quase século e meio após Maquiavel, Thomas Hobbes escreveu vários livros expondo sua opinião sobre a vida humana, inclusive a vida em sociedade.

Ele entende que o homem é uma máquina racional que se movimenta, age, sob impulso dos desejos. O homem é movido, sobretudo, pelo desejo da vida, da sua preservação. O homem tem horror à morte. O homem é um ser egoísta, tudo quer para si. Não é altruísta. O homem não é um animal social, como afirmou Aristóteles. A vida social nem o Estado são criações divinas nem produto da Natureza, ambos são produts humanos, produtos culturais.

No seu estado natural a vida é “solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta... (o terrível mundo ) cada um por si.” O estado natural do homem é o estado de guerra: homo homini lupus, o homem é um lobo para outro homem, como afirmou o dramaturgo romano Plauto: “Sem um poder comum capaz de mantê-los em temor respeitoso, os homens se encontram naquela condição que se chama guerr, e uma guerra que é de todos contra todos.”

 O homem, pois, que tem horror à morte e deseja a sobrevivência, é levado pelo instinto, o desejo egoístico, utilizando o instrumento da razão, a evitar o estado natural de guerra universal, decidindo-se, então, por firmar um contrato, o contrato social, mediante o qual “todos os homens conferem todos os seus poderes e toda a sua força a um homem ou a uma assembleia de homens, de modo que as vontades de todos se fundam numa só vontade.”

Assim, “nasce o Estado, “o grande Leviatã, ou deus mortal, ao qual devemos, sob o deus imortal, nossa paz e nossa defesa.” Esse contrato institui o Estado, entidade que só possui direitos, e, constituído, não pode ser contestado pelos instituidores: “Entende-se que a obrigação dos súditos com o soberano tem a mesma duração do poder mediante o qual ele é capaz de protege-los.”

O Estado é legislador, juiz e gestor da ordem pública, da res publica, deixando “aos indivíduos o cuidado de regular suas vidas privadas e de usar livremente as próprias capacidades.” Segundo o Livro  da Política, Hobbes pensava que  “O principal objetivo do governo era a estabilidade e a paz, não a liberdade individual.”

Considera-se autoritária essa fórmula de Estado, advogada por Hobbes. Assim , Thomas Hobbes concebia , como Jean Bodin, explanou o absolutismo estatal, com origem natural e divina este, cultural e humana aquele. E como John Locke, Thomas Hobbes aponta o contrato social como a origem da sociedade e do Estado: para aquele, origem de um Estado democrático; para este, de um Estado totalitário. 

Reale e Antisei explicam que os dois conceitos fundamentais do pensamento de Thomas Hobbes são o egoísmo e o convencionalismo.

 

(continua)

 

 

terça-feira, 18 de agosto de 2020

507. História do Pensamento Político (continuação)

 Foi contra essa ideia de que uma pessoa nasce predeterminada a ser rei que Maquiavel escreveu, no início do século XVI EC, o seu livro, o Príncipe, Ele argumentou que se é rei, não porque se nasça para ser rei, mas porque a fortuna e a virtù, isto é, a sorte e a competência, o promovem a esse posto. É-se rei porque os dotes, as qualidades, juntamente com o conjunto das circunstâncias, o acaso, conduzem o indivíduo a essa posição na sociedade. O Príncipe, o Estado, é um ato que funda a existência social, uma potência para legislar, para definir o que é justo, o que é bom e o que é mau para a coletividade. Por exemplo, o Grito do Ipiranga de D. Pedro I criou o Estado do Brasil. O Estado é potência soberana, suprema, a nenhuma outra inferior ou subordinada, autônoma. 

Umas duas dezenas de anos, depois de Maquiavel, Francisco de Vitoria, frade franciscano espanhol, um dos sábios da famosa Escola de Salamanca, baseado na ideia de que, se todos nascemos iguais, com a mesma natureza humana, todos temos o mesmo direito à vida e à liberdade, discordava do pensamento dominante de que os europeus cristãos eram superiores aos indígenas americanos pagãos. 

            Em 1548, contrapondo-se a Maquiavel e antecipando-se a Gandhi e Luther King, Étienne de la Boétie, na juventude de seus dezoito anos, publica o Discurso da Servidão Voluntária, do qual já se disse que é “ensaio sobre a liberdade, igualdade e fraternidade humanas naturais", o lema da Revolução Francesa, a síntese do pensamento político moderno.

Nessa dissertação, ele investiga o mistério da obediência civil, questão central da filosofia política: “ora, gostaria apenas de entender como pode ser que tantos homens, tantos burgos, tantas cidades, tantas nações suportam às vezes um tirano só, que tem apenas o poderio que eles lhe dão, que não tem o poder de prejudicá-los senão enquanto têm vontade de suportá-lo, que não poderia fazer-lhes mal algum senão quando preferem tolerá-lo a contradizê-lo.  Coisa extraordinária, por certo; e, porém, tão comum que se deve mais lastimar-se do que espantar-se ao ver um milhão de homens servir miseravelmente, com o pescoço sob o jugo, não obrigados por uma força maior, mas de algum modo (ao que parece) encantados e enfeitiçados apenas pelo nome de um...”

Com efeito, a razão, o guia de nosso comportamento (existe “em nossa alma alguma semente de natural de razão”, perscrutando a natureza humana, sua constituição) constata, de forma irretorquível, que “não se deve duvidar de que sejamos todos naturalmente livres...”, sendo inaceitável afirmar-se “que a natureza tenha posto alguém em servidão.” Assim, "Se vivêssemos com os direitos que a natureza nos deu e com as lições que nos ensina, seriamos naturalmente obedientes aos pais, sujeitos à razão e servos de ninguém."

Daí, o espanto de Étienne: "que mau encontro foi esse que pôde desnaturar tanto o homem, o único nascido de verdade para viver francamente, e fazê-lo perder a lembrança de seu primeiro ser e o desejo de retomá-lo?" Nem o hábito, nem mesmo a covardia o explicam suficientemente. “Quando mil ou um milhão de homens, ou mil cidades, não se defendem da dominação de um homem, isso não pode ser chamado de covardia, pois a covardia não chega a tamanha ignomínia. . . Logo, que monstro de vício é esse que ainda não merece o título de covardia, que não encontra um nome feio o bastante ...”

Nada mais é que mero consentimento: Decidi não mais servir e sereis livres; não pretendo que o empurreis ou sacudais, somente não mais o sustentai, e o vereis como um grande colosso, de quem se subtraiu a base, desmanchar-se com seu próprio peso e rebentar-se.”

Em 1576, confrontado com as guerras civis e religiosas daquele século XVI, Jean Bodin,  discorda de Maquiavel, e aufere da história e dos fatos que uma sociedade somente pode subsistir, se governada por uma potência soberana, isto é absoluta e perpétua: “A soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma República”.  Ele é o ideólogo do absolutismo real e sua teoria alicerçou as diretrizes do Acordo de Westfália, que desenhou o mapa político da Europa.

Com efeito, iluminado pelo pensamento naturalista como Francisco de Vitoria, “todas as leis da natureza nos guiam para a monarquia, seja observando esse pequeno mundo que é nosso corpo, seja observando esse grande mundo, que tem um soberano Deus, seja observando o céu, que tem um só Sol”, ele extrai dos fatos, da História, o princípio constitutivo do Estado: “Três famílias ou mais, cinco colégios ou mais constituem uma República se estiverem reunidos sob o poder de um comando legítimo... Não são, portanto, o comércio, o direito, as leis, a religião das diversas cidades confederadas que permitem considerá-las como uma República, mas sua união sob um mesmo comando". E esse comando situa-se acima das leis, não lhe é submisso: “pois quem ordena deve ser superior às leis, para que possa abolir, ou derrogar, ou substituir, ou até mesmo, se for necessário, rejeitar uma lei obsoleta; isso não será possível se quem dá a lei estiver submetido a ela.

            O Monarca só se submete a Deus e às leis da Natureza: ““O Monarca, desprezando as leis da natureza, abusa das pessoas livres como de escravos, e dos bens dos súditos como dos seus (...) quanto às leis divinas e naturais, todos os príncipes da terra estão sujeitos, e não está em seu poder transgredi-las.”

(continua)

:

domingo, 9 de agosto de 2020

506. História do Pensamento Político

 Este blog existe como mera necessidade de expressao dos pensamentos, sentimentos, preocupações ,interesses e necessidades do autor. E uma de suas atuais formas de existir, de passar confortavelmente o tempo. A insipidez, a angustia existencial se esvaece nesses momentos de elocubraçao de textios, Os atuais textos de Historia da Economia destinam-se a meu neto, uma das melhores pessoas que ja nasceram, estudante de Economia. Infelizmente meu computador apresenta problemas. Nestes tempos de covrd-19 preciso aguardar uma vacina para prosseguir no meu intento. Evito todo relacionamento pessoal desnecessário ou passivel de postergação.  Minha mulher precisa de mim vivo. Publicarei textos redigidos e ainda não publicados sobre mátrias varias na medida em que os localizar em meus arquivos


Aurélio Agostinho viveu na virada do século IV para o V da Era Cristã. Tornou-se professor de retórica em Cartago, sua cidade natal, Roma e Milão, Nesta cidade, em contato com o bispo chefe da igreja de Roma na cidade, Ambrósio, se converteu ao cristianismo romano e se tornou o mais importante Padre da Igreja do Ocidente. O seu cristianismo preponderou por mil anos e ainda tem ampla influência sobre o pensamento cristão.

 

Uma das ideias agostinianas perpetuou-se no dogma da divina providência, ideia que fundamenta a teoria do absolutismo político desde então. Deus é o criador do Universo e é a causa que tudo produz, inclusive a organização da sociedade, das nações, dos Estados. Os homens nascem com um papel predeterminado por Deus a desempenhar na sociedade durante a vida. Deus dá vida a umas pessoas para ser rei, ser o dono do Estado; a outras para ser nobre, defender o Estado; a outras para ser religioso, fazer perene adoração a Deus; e, finalmente, a outras para ser servo, trabalhar. Nesse sentido, segundo Agostinho, os homens nascem desiguais, isto é, nascem com as qualidades exigidas para o bom desempenho do papel que a Providência Divina lhes haja prefixado. O rei nasce com os requisitos exigidos para exercer o papel de senhor de tudo. Essa ideia era tão influente na vida política no século XV EC que o Papa, que se propalava representante de Deus na Terra, Senhor da Terra, não teve a menor dúvida de que detinha o poder de dividir a Terra em dois reinos, o reino de Portugal a oriente e o reino de Espanha a ocidente, o Tratado de Tordesilhas.

[continua]