quarta-feira, 31 de julho de 2019

458. A Felicidade do Cidadão Grego



Logo que o Capitão Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República do Brasil, o noticiário jornalístico propalou que o ex-Presidente do Brasil,  Fernando Henrique Cardoso, erudito de nível internacional, manifestara a opinião de que o Brasil praticara movimento de regressão política. Não sei, é óbvio, o que o ínclito personagem de nossa história nacional e sul-americana retinha na mente quando e se, de fato, emitiu tal opinião.

Não me parece estranho que a haja proferido, embora haja sido ele um dos constituintes mais ativos na redação da atual Constituição nacional, que foi conscientemente implantada sem o referendo popular e relutantemente introduzida por uma homenagem à Divindade.

O fato concreto é que o governo do Capitão orienta-se por um princípio propositadamente ostensivo, que pretende focar para a estrada que deve seguir ao longo de seu período governamental: “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos.”

Claro que esses dois princípios chocam um sábio profundamente informado da evolução social por que passou o mundo político em permanente mutação. O mundo político hoje é um mundo intensamente universalizado. Até a Coreia do Norte e o Irã ameaçam o mundo com armas de longo alcance precisamente teleguiadas e efeitos mortíferos universais.  Sente-se vivamente a necessidade de uma harmonia universal, porque o mundo hoje é habitação única, sem separação geográfica e natural,  de uma espécie animal, o Homem! Implantou-se a Liga das Nações em 1919, substituída em 1945 pela ONU, com a pretensão de agregar toda humanidade numa convivência civilizada, humana, pacífica, onde todas as discordâncias se resolvessem com justiça, a igualdade das diferenças, a harmonia dos interesses discrepantes, a paz entre o eu e o outro, de Lacan, ou o a união entre o sim e o não de Hegel no presente que é mutação, não é passado nem futuro, simplesmente é, a união entre o indivíduo e o Estado, o indivíduo feliz e o Estado rico, próspero.

Esse projeto se acha consagrado no minúsculo artigo 193 que, solitário, é o capítulo I do título VIII – Da Ordem Social. a finalidade da Constituição brasileira, a finalidade do Estado, a razão de ser do Estado brasileiro, harmonia entre os interesses privados e publico, harmonia entre o indivíduo e a coletividade:

Esse projeto se acha expresso na bandeira nacional, a única bandeira nacional que exibe um dístico, “Ordem e Progresso”, dístico que é parte da expressão maior em que Augusto Comte, um dos luminares da Humanidade, resumiu o que ele entendia ser uma sociedade humana, uma sociedade civilizada: “A Fraternidade como fundamento, a Ordem como meio e o Progresso como objetivo.” Ali está não apenas como lembrete permanente do que queremos, mas igualmente como ostentação do orgulho que sentimos em realizar esse projeto grandioso, a realização de uma coletividade feliz e progressista, onde todos os indivíduos se sintam realizados e confortáveis, mens sana in corpore sano, “sem dor no  corpo e sem angústia na alma”.

Não me permito, pois, entender os propósitos do combativo militar e político brasileiro, hoje Presidente da República como um regresso à época dos soberanos absolutistas do século XVIII, L’État c’est moi”! Muito menos uma regressão à Idade Média, ao final do primeiro milênio aos tempos do Papa Nicolau I, o Papa, Vigário de Deus, e Imperador do Mundo, Soberano do Sacro Império Germano Romano!

Entendo que Jair Bolsonaro, o revoltado capitão, que personificou o desconforto do povo brasileiro em desesperançoso momento de depressão profunda, esteja apenas tentando reconduzir a nação para trilha pavimentada por aquele ideal quase trimilenar de civilização que a Humanidade viu bruxulear, no paradisíaco território grego e que ora pervade os quatro cantos do planeta.

A Civilização Ocidental, essa que ora ocupa a totalidade do planeta Terra e nutre a convivência de toda a Humanidade, brotou como cidades-estados, notadamente a de Atenas, assim chamada porque se julgava protegida pela deusa da temperança, da medida, da justiça, da inteligência, da reflexão e da sabedoria. Nela, os cidadãos, que se julgavam civilizados, se viam diferentes dos bárbaros, isto é, egípcios, persas, líbios, citas, porque eram livres e sábios. O cidadão grego não se submetia a outro homem, somente à lei que ele entendia ser a ordem universal que Zeus, o deus supremo, impusera ao Universo, inclusive  a deuses outros e aos homens, a vontade divina, justa e sábia. Dessa forma, o cidadão grego nada mais fazia que dedicar-se à ginástica e à dialética, para aperfeiçoar o corpo e a alma, e, assim, são de corpo e alma, tornar-se o guerreiro habilidoso e corajoso, apto para defender a Cidade contra os inimigos e o político sábio, capaz de atingir o conhecimento das leis divinas que regem a Cidade no trabalho dialético de investigação da Justiça no diuturno convívio harmonioso e feliz dos cidadãos. Cidade feliz e cidadãos felizes.

Síntese perfeita do indivíduo e do Estado, da liberdade e da ordem, da liberdade na ordem para o progresso nacional e universal, bem como para  a felicidade e a realização pessoal.



2 comentários:

  1. Ed. Muito me ilustram e me provocam os seus pensamentos. Não me considero intelectual, erudito. Mas me esforço para aprender alguma coisa, todos os dias. Você me ajuda neste dever de casa.

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  2. Muito estimado diretor e sábio
    Tento todos os dias entender um pouquinho mais esta absorvente realidade em que vivo mergulhado e extravaso o pouquinho que na minha ilusão penso que consegui captar. Isso me faz feliz...sou um pouco psiquicamente socrático...só externando o que penso me faz feliz...
    Edgardo

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