O ignorante afirma, o sábio duvida, e o sensato reflete.
Aristóteles
O Estatuto da CASSI, no
artigo 1, diz que ela é uma “associação,
sem fins lucrativos, voltada para a assistência social na modalidade de
autogestão” O artigo 6 descreve
quem são os associados da CASSI. Claro que
os primeiros indicados são os funcionários do Banco do Brasil.
E o § 1 do item IV
desse artigo esclarece quando e como o funcionário se torna associado: “O ingresso dos associados no Plano de
Associados da CASSI vigerá, automaticamente, a partir da data de início do
vínculo empregatício com o Banco do Brasil S.A.” O ingresso na CASSI
continua sendo uma imposição do Banco do Brasil, uma condição para que o
cidadão ingresse na empresa. A prestação do associado está indicada nos artigos
9 e 10: a contribuição mensal e a co-participação.
Coisa
estranha! Teria algum significado o fato de que o Estatuto fale do patrocinador
(o Banco do Brasil) antes dos associados? Estaria a indicar que o Banco do
Brasil, porque patrocinador, garante os recursos necessários e suficientes para
que a CASSI preste de fato assistência de excelência no tocante à saúde dos
funcionários? Ou estaria isso a demonstrar somente relacionamento vertical
entre o Banco do Brasil e os associados, isto é, o Banco do Brasil manda mais
na CASSI do que os associados? Impõe-nos ingressar na CASSI. Não nos oferece
opção entre ingressar e não ingressar, ou entre um leque de planos de saúde.
Impõe-nos o plano de saúde e, assim mesmo, nem sequer admite relacionamento
horizontal com os associados, paridade de direitos de gestão, ou, pelo menos,
algo parecido?
Estaria apenas
se esquivando, se defendendo? Estaria se eximindo de responsabilidades
financeiras, mesmo que imprescindíveis para a assistência à saúde dos
funcionários, assistência total e atualizada? Estaria querendo localizar-se
naquela situação limítrofe de lusco-fusco, fazendo de conta que a outorga, mas,
de fato, limitando-a? Estaria jogando a responsabilidade pela assistência total
e de excelência, em cima de uma associação fragilizada de funcionários, e se
resguardando de responsabilidade que deveria ser sua?
O artigo 4 esclarece as
obrigações do Patrocinador: uma contribuição mensal e a cessão de funcionários
para a administração da CASSI. Sobre essa contribuição, o artigo 16, entre
outras precisões, acrescenta que a taxa de quatro e meio por cento incide sobre
“o valor total... dos proventos gerais, na forma definida no regulamento do Plano de Associados e
no contrato previsto no Art. 85, excluídas quaisquer outras vantagens
extraordinárias...” O que nos revelará o
regulamento do Plano de Associados? Por que essa ênfase exclusivista? Era ela
necessária? É um ranço da relação verticalizada patrão e empregado?
O Banco logo se apressa em eximir-se de qualquer responsabilidade
financeira ulterior, com o parágrafo único do artigo 15. Ele é taxativo:
“A
responsabilidade do patrocinador junto à CASSI limita-se à contribuição
prevista no caput deste artigo.” E lá
adiante, o artigo 25 reforça que o guarda-chuva do Banco está de fato fechado
para necessidades outras da Caixa: “Eventuais
insuficiências financeiras do Plano de Associados da CASSI poderão ser cobertas
pelo Banco do Brasil S.A. exclusivamente sob a forma de adiantamento de contribuições.”
Além das obrigações estipuladas no artigo 4, nada mais se espere, além de
adiantamento de contribuições, nem mesmo empréstimo. É isso mesmo? O Banco não
quer ser importunado tipo síndrome de Cotard?...
É verdade que
o artigo 5 prescreve que quatro dos oito membros do Conselho Deliberativo, três
dos seis membros do Conselho Fiscal e dois dos quatro membros da Diretoria Executiva sejam indicados pelo Banco. O artigo 26 enumera
os órgãos sociais da CASSI: Corpo Social, Conselho Deliberativo, Conselho
Fiscal e Diretoria Executiva. Estaria essa paridade estabelecendo
relacionamento horizontal entre Banco do Brasil e associados, contrariando
assim aquela minha primeira impressão?
O artigo 27
parece entregar a gestão e os destinos da CASSI aos associados: “O Corpo Social é
o órgão máximo de deliberação e dele participam os associados, assim definidos
neste Estatuto, na defesa de seus interesses e do melhor desenvolvimento das
atividades da CASSI,” Deteriam, então,
os associados uma espécie de poder soberano na CASSI? Poder-se-ia entender que,
à luz desses termos, os associados são os responsáveis exclusivos pela
administração da CASSI e, portanto, os únicos responsáveis pelo seu sucesso ou
insucesso? Aqueles funcionários do Banco, cedidos para administrar a CASSI,
seguem, sem preocupações, as diretivas soberanas da CASSI, sem qualquer
vislumbre de interferência do Banco do Brasil na sua atuação de administrador
da CASSI? Não haveria assim, concordo, motivo algum para se surpreender com o
fato de que o Banco se exima completamente de qualquer tipo de responsabilidade
pelo seu fracasso.
Esse receio de verticalização já vai esmaecendo à medida que continuo
lendo, nesse mesmo artigo, logo a seguir, a relação de algumas atribuições
conferidas ao Corpo Social: eleger
seus representantes entre os associados, de forma paritária, os membros para
compor os Conselhos Deliberativo e Fiscal, e Diretoria Executiva; deliberar
sobre aprovação de alteração estatutária; deliberar sobre elevação das
contribuições, observado o disposto no Art. 86; deliberar sobre a aprovação do
Relatório anual e as contas da Diretoria Executiva.
O artigo 28, entretanto, provoca-me sobressaltos, já que a atuação do
Corpo Social se processa mediante consultas. Ora, as consultas podem ser eventuais,
frequentes, ou a prazos recorrentes. De várias formas, enfim. O tipo de
relacionamento vertical ou horizontal depende muito do tipo de consulta.
Consultas eventuais e dirigidas anulam a autonomia do Corpo Social.
Essa minha suspeita mais se reforça ao ler o prescrito no artigo 70
que “As consultas ao Corpo Social podem
ser propostas por integrante do Conselho Deliberativo, da Diretoria Executiva,
do Conselho Fiscal ou de, pelo menos, 1% (um por cento) do total dos associados
registrados no último balancete mensal publicado”, mas a aprovação cabe ao
Conselho Deliberativo e a promoção e coordenação ao Presidente da Diretoria
Executiva, este nomeado pelo Banco e aquele deliberando por maioria.
Sensibilizo-me com esse termo “representante”. Será que nos tempos
modernos da televisão, do celular e do computador ainda precisamos de
representante? Não seria melhor se elegêssemos “delegados”? Será mesmo que
algum cidadão pode representar outro cidadão, seja no que for? Naisbiit relata
em seu livro “Paradoxo Global” que, na sua pequenina cidade de Telluride, no
estado norte-americano do Colorado, não há câmara de vereadores. Tudo lá é
decido democraticamente pelos três mil habitantes e realizado pelo cidadão
executor (delegado) das decisões comunitárias. Esclareço isso para que se
perceba que talvez até esteja sendo utópico nestas minhas reflexões, mas não me
assaquem o termo anarquista. Aliás, os anarquistas do século XIX possuíam a
ingenuidade, realmente boba, de pensar que o indivíduo humano poderia atingir nível
tão elevado de educação, que poderiam prescindir de lei e de normas...
Ao Conselho Deliberativo (oito membros) cabe estabelecer a orientação
estratégica da Associação. Ele detém o mais alto poder de deliberação. O artigo
37 pormenoriza essa competência. O artigo 41 é democrático, já que exige o
quorum de oito membros e a decisão por maioria (5 pelo menos). Assim, qualquer
decisão do Conselho Deliberativo exige que, pelo menos um Diretor indicado pelo
Banco ou um Diretor eleito pelos Associados se acresça ao grupo de procedência
diversa. Num caso de discrepância entre o Banco e o Corpo Social, o que
aconteceria com um diretor indicado pelo Banco que se alinhasse com os
representantes dos funcionários? Temos de convir que nenhuma espada de Dâmocles
ameaça a cabeça de um representante dos funcionários.
A Diretoria Executiva administra a CASSI. Ela submete à aprovação do
Conselho Deliberativo as políticas da Caixa e as executa, na conformidade dos
termos do Estatuto, do Regimento Interno, do Manual de Alçadas e demais
Regulamentos. Consta de quatro membros, dois eleitos pelo Corpo Social e dois
indicados pelo Banco. Aqui, o Banco do Brasil adotou a cautela de indicar o
Presidente e o Diretor de Administração e Finanças. O Banco assume a
Presidência e a gestão direta de negócios, mas, ao mesmo tempo, se esquiva das
mais decisivas e catastróficas consequências financeiras?
È bem verdade que a reunião semanal da Diretoria Executiva exige a
presença da totalidade dos diretores e a decisão por maioria (artigo 55). Mas,
ao que me parece, na sua área de competência o Diretor de Administração e
Finanças atua de forma individual: “Art.
56. Os diretores praticarão os atos necessários à gestão da CASSI, de forma
individual ou coletiva, observando as atribuições definidas neste Estatuto, no
Regimento Interno e Manual de Alçadas.“
Em caso de extinção da CASSI, o Estatuto limita-se a determinar no
artigo 83: “...o patrimônio remanescente
será transferido para o Banco do Brasil S.A., que deve aplica-lo na assistência
a seus funcionários da ativa e/ou aposentados, bem como aos beneficiários
pensionistas que, na ocasião, estejam contribuindo conforme previsto no Art.
14, através de destinação à entidade de fins não econômicos.” Por que esse
e ou? Nada pode insinuar de eventual e arbitrariamente contrário aos interesses
dos aposentados? Na hipótese de um fracasso da CASSI, o Banco se restringirá a
tão-somente orientar para o benefício dos associados e funcionários os
destroços do naufrágio, se houver? Nada é dito a respeito de assistência
adicional e apropriada. E talvez não seja o local nem o tempo apropriado para
isso.
Por fim, entende-se perfeitamente a redação do artigo 86: “Qualquer reforma deste Estatuto somente pode
ser realizada após anuência do Banco do Brasil S.A. e posterior consulta ao
Corpo Social.” Isto é, a autonomia do Corpo Social é vigiada. E, penso, não
pode deixar de ser, já que o Banco do Brasil é o patrocinador, isto é, concedeu
e concede recursos substanciais para que a CASSI funcione. Primeiro se ouve o
Banco e depois os funcionários.
Ah! Não parece amplo em demasia o adjetivo que o Estatuto atribui à
finalidade assistencial da CASSI? Para quem entende que a CASSI é um plano de
saúde, a amplitude da expressão “assistência social” para a sua finalidade não
fere a sensibilidade? O artigo 3 trata de enunciar os objetivos da Caixa: conceder
auxílios para cobertura de despesas com a promoção, proteção, recuperação e
reabilitação da saúde, inclusive odontológica, dos associados; conceder
auxílios para cobertura de despesas com o funeral do associado; desenvolver
ações, incluídas pesquisas científicas e tecnológicas, visando à promoção da
saúde e à prevenção de doenças dos associados; desenvolver e executar programas
de medicina ocupacional para funcionários do Banco do Brasil S.A e executar a
política de saúde definida pelo Banco do Brasil S.A. para seus funcionários. Assim, conclui-se que a CASSI tem os objetivos de um
plano de saúde, já que o próprio funeral deve também ser entendido como uma
providência de saúde pública.
Em resumo, a CASSI, de fato, é administrada pelos funcionários e o
Banco do Brasil, sob controle deste. O Banco do Brasil tem mão forte nessa
administração. Não obstante, o Banco do Brasil descarta qualquer
responsabilidade pelas consequências negativas dessa administração e dessa
supervisão, ainda que (e quanto isso me surpreende!) o Banco exija que todos os
funcionários se associem à CASSI! Por que as coisas são assim? As relações
sociais muitas vezes não são muito transparentes. Há algum motivo.
Prezado Mestre Edgardo,
ResponderExcluirMais um excelente texto de sua lavra. Entretanto, permita-me discordar apenas de quando o nobre colega diz que os associados do Plano de Associados da Cassi estão obrigados a permanecer inscritos nesse plano de saúde.
Certo, já foi assim no passado, tanto para os efeitos da Cassi quanto para efeitos da Previ, mas, a partir da CF de 1988,tudo mudou: “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;”.
Dessa forma, os atuais funcionários do BB (todos, inclusive aqueles poucos do último concurso)e os já aposentados e seus dependentes, têm o direito de participar do Plano de Associados da Cassi, mas ninguém está obrigado a permanecer inscrito indefinidamente: fica se quiser, sai se quiser.
Veja abaixo o que rezam o atual Regulamento do Plano de Associados da Cassi e, principalmente, a nossa Constituição Federal:
1. Atual Regulamento do Plano de Associados (RPA), que consta do site Cassi.com.br):
Art. 6º - O ingresso dos funcionários de que trata o inciso I do artigo 3º no Plano de Associados da CASSI vigerá, automaticamente, a partir da data de início do vínculo empregatício com o Banco do Brasil. Caso o funcionário não queira permanecer inscrito no Plano, deverá se manifestar formalmente neste sentido.
2. Constituição Federal:
CAPÍTULO I –
Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos
Art. 5º:
(...)
XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;
Receba um afetuoso abraço.
Aprendi, caro Genésio. As regras mudam com o passar dos tempos.
ResponderExcluirEdgardo Amorim Rego