domingo, 13 de outubro de 2019

468. A CASSI de um Idiota III (texto escrito em 2008)


O ignorante afirma, o sábio duvida, e o sensato reflete.
Aristóteles

O Estatuto da CASSI, no artigo 1, diz que ela é uma “associação, sem fins lucrativos, voltada para a assistência social na modalidade de autogestão  O artigo 6 descreve quem são os associados da CASSI. Claro que os primeiros indicados são os funcionários do Banco do Brasil.
E o § 1 do item IV desse artigo esclarece quando e como o funcionário se torna associado: “O ingresso dos associados no Plano de Associados da CASSI vigerá, automaticamente, a partir da data de início do vínculo empregatício com o Banco do Brasil S.A.” O ingresso na CASSI continua sendo uma imposição do Banco do Brasil, uma condição para que o cidadão ingresse na empresa. A prestação do associado está indicada nos artigos 9 e 10: a contribuição mensal e a co-participação.
Coisa estranha! Teria algum significado o fato de que o Estatuto fale do patrocinador (o Banco do Brasil) antes dos associados? Estaria a indicar que o Banco do Brasil, porque patrocinador, garante os recursos necessários e suficientes para que a CASSI preste de fato assistência de excelência no tocante à saúde dos funcionários? Ou estaria isso a demonstrar somente relacionamento vertical entre o Banco do Brasil e os associados, isto é, o Banco do Brasil manda mais na CASSI do que os associados? Impõe-nos ingressar na CASSI. Não nos oferece opção entre ingressar e não ingressar, ou entre um leque de planos de saúde. Impõe-nos o plano de saúde e, assim mesmo, nem sequer admite relacionamento horizontal com os associados, paridade de direitos de gestão, ou, pelo menos, algo parecido?

Estaria apenas se esquivando, se defendendo? Estaria se eximindo de responsabilidades financeiras, mesmo que imprescindíveis para a assistência à saúde dos funcionários, assistência total e atualizada? Estaria querendo localizar-se naquela situação limítrofe de lusco-fusco, fazendo de conta que a outorga, mas, de fato, limitando-a? Estaria jogando a responsabilidade pela assistência total e de excelência, em cima de uma associação fragilizada de funcionários, e se resguardando de responsabilidade que deveria ser sua?
O artigo 4 esclarece as obrigações do Patrocinador: uma contribuição mensal e a cessão de funcionários para a administração da CASSI. Sobre essa contribuição, o artigo 16, entre outras precisões, acrescenta que a taxa de quatro e meio por cento incide sobre “o valor total... dos proventos gerais, na forma definida no regulamento do Plano de Associados e no contrato previsto no Art. 85, excluídas quaisquer outras vantagens extraordinárias...” O que nos revelará o regulamento do Plano de Associados? Por que essa ênfase exclusivista? Era ela necessária? É um ranço da relação verticalizada patrão e empregado?
O Banco logo se apressa em eximir-se de qualquer responsabilidade financeira ulterior, com o parágrafo único do artigo 15. Ele é taxativo: A responsabilidade do patrocinador junto à CASSI limita-se à contribuição prevista no caput deste artigo.” E lá adiante, o artigo 25 reforça que o guarda-chuva do Banco está de fato fechado para necessidades outras da Caixa: “Eventuais insuficiências financeiras do Plano de Associados da CASSI poderão ser cobertas pelo Banco do Brasil S.A. exclusivamente sob a forma de adiantamento de contribuições.” Além das obrigações estipuladas no artigo 4, nada mais se espere, além de adiantamento de contribuições, nem mesmo empréstimo. É isso mesmo? O Banco não quer ser importunado tipo síndrome de Cotard?...
É verdade que o artigo 5 prescreve que quatro dos oito membros do Conselho Deliberativo, três dos seis membros do Conselho Fiscal e dois dos quatro membros  da Diretoria Executiva  sejam indicados pelo Banco. O artigo 26 enumera os órgãos sociais da CASSI: Corpo Social, Conselho Deliberativo, Conselho Fiscal e Diretoria Executiva. Estaria essa paridade estabelecendo relacionamento horizontal entre Banco do Brasil e associados, contrariando assim aquela minha primeira impressão?

O artigo 27 parece entregar a gestão e os destinos da CASSI aos associados: “O Corpo Social é o órgão máximo de deliberação e dele participam os associados, assim definidos neste Estatuto, na defesa de seus interesses e do melhor desenvolvimento das atividades da CASSI,” Deteriam, então, os associados uma espécie de poder soberano na CASSI? Poder-se-ia entender que, à luz desses termos, os associados são os responsáveis exclusivos pela administração da CASSI e, portanto, os únicos responsáveis pelo seu sucesso ou insucesso? Aqueles funcionários do Banco, cedidos para administrar a CASSI, seguem, sem preocupações, as diretivas soberanas da CASSI, sem qualquer vislumbre de interferência do Banco do Brasil na sua atuação de administrador da CASSI? Não haveria assim, concordo, motivo algum para se surpreender com o fato de que o Banco se exima completamente de qualquer tipo de responsabilidade pelo seu fracasso.
Esse receio de verticalização já vai esmaecendo à medida que continuo lendo, nesse mesmo artigo, logo a seguir, a relação de algumas atribuições conferidas ao Corpo Social: eleger seus representantes entre os associados, de forma paritária, os membros para compor os Conselhos Deliberativo e Fiscal, e Diretoria Executiva; deliberar sobre aprovação de alteração estatutária; deliberar sobre elevação das contribuições, observado o disposto no Art. 86; deliberar sobre a aprovação do Relatório anual e as contas da Diretoria Executiva.
O artigo 28, entretanto, provoca-me sobressaltos, já que a atuação do Corpo Social se processa mediante consultas. Ora, as consultas podem ser eventuais, frequentes, ou a prazos recorrentes. De várias formas, enfim. O tipo de relacionamento vertical ou horizontal depende muito do tipo de consulta. Consultas eventuais e dirigidas anulam a autonomia do Corpo Social.
Essa minha suspeita mais se reforça ao ler o prescrito no artigo 70 que “As consultas ao Corpo Social podem ser propostas por integrante do Conselho Deliberativo, da Diretoria Executiva, do Conselho Fiscal ou de, pelo menos, 1% (um por cento) do total dos associados registrados no último balancete mensal publicado”, mas a aprovação cabe ao Conselho Deliberativo e a promoção e coordenação ao Presidente da Diretoria Executiva, este nomeado pelo Banco e aquele deliberando por maioria. 
Sensibilizo-me com esse termo “representante”. Será que nos tempos modernos da televisão, do celular e do computador ainda precisamos de representante? Não seria melhor se elegêssemos “delegados”? Será mesmo que algum cidadão pode representar outro cidadão, seja no que for? Naisbiit relata em seu livro “Paradoxo Global” que, na sua pequenina cidade de Telluride, no estado norte-americano do Colorado, não há câmara de vereadores. Tudo lá é decido democraticamente pelos três mil habitantes e realizado pelo cidadão executor (delegado) das decisões comunitárias. Esclareço isso para que se perceba que talvez até esteja sendo utópico nestas minhas reflexões, mas não me assaquem o termo anarquista. Aliás, os anarquistas do século XIX possuíam a ingenuidade, realmente boba, de pensar que o indivíduo humano poderia atingir nível tão elevado de educação, que poderiam prescindir de lei e de normas...
Ao Conselho Deliberativo (oito membros) cabe estabelecer a orientação estratégica da Associação. Ele detém o mais alto poder de deliberação. O artigo 37 pormenoriza essa competência. O artigo 41 é democrático, já que exige o quorum de oito membros e a decisão por maioria (5 pelo menos). Assim, qualquer decisão do Conselho Deliberativo exige que, pelo menos um Diretor indicado pelo Banco ou um Diretor eleito pelos Associados se acresça ao grupo de procedência diversa. Num caso de discrepância entre o Banco e o Corpo Social, o que aconteceria com um diretor indicado pelo Banco que se alinhasse com os representantes dos funcionários? Temos de convir que nenhuma espada de Dâmocles ameaça a cabeça de um representante dos funcionários.
A Diretoria Executiva administra a CASSI. Ela submete à aprovação do Conselho Deliberativo as políticas da Caixa e as executa, na conformidade dos termos do Estatuto, do Regimento Interno, do Manual de Alçadas e demais Regulamentos. Consta de quatro membros, dois eleitos pelo Corpo Social e dois indicados pelo Banco. Aqui, o Banco do Brasil adotou a cautela de indicar o Presidente e o Diretor de Administração e Finanças. O Banco assume a Presidência e a gestão direta de negócios, mas, ao mesmo tempo, se esquiva das mais decisivas e catastróficas consequências financeiras?
È bem verdade que a reunião semanal da Diretoria Executiva exige a presença da totalidade dos diretores e a decisão por maioria (artigo 55). Mas, ao que me parece, na sua área de competência o Diretor de Administração e Finanças atua de forma individual: Art. 56. Os diretores praticarão os atos necessários à gestão da CASSI, de forma individual ou coletiva, observando as atribuições definidas neste Estatuto, no Regimento Interno e Manual de Alçadas.“
Em caso de extinção da CASSI, o Estatuto limita-se a determinar no artigo 83: “...o patrimônio remanescente será transferido para o Banco do Brasil S.A., que deve aplica-lo na assistência a seus funcionários da ativa e/ou aposentados, bem como aos beneficiários pensionistas que, na ocasião, estejam contribuindo conforme previsto no Art. 14, através de destinação à entidade de fins não econômicos.” Por que esse e ou? Nada pode insinuar de eventual e arbitrariamente contrário aos interesses dos aposentados? Na hipótese de um fracasso da CASSI, o Banco se restringirá a tão-somente orientar para o benefício dos associados e funcionários os destroços do naufrágio, se houver? Nada é dito a respeito de assistência adicional e apropriada. E talvez não seja o local nem o tempo apropriado para isso. 
Por fim, entende-se perfeitamente a redação do artigo 86: “Qualquer reforma deste Estatuto somente pode ser realizada após anuência do Banco do Brasil S.A. e posterior consulta ao Corpo Social.” Isto é, a autonomia do Corpo Social é vigiada. E, penso, não pode deixar de ser, já que o Banco do Brasil é o patrocinador, isto é, concedeu e concede recursos substanciais para que a CASSI funcione. Primeiro se ouve o Banco e depois os funcionários.
Ah! Não parece amplo em demasia o adjetivo que o Estatuto atribui à finalidade assistencial da CASSI? Para quem entende que a CASSI é um plano de saúde, a amplitude da expressão “assistência social” para a sua finalidade não fere a sensibilidade? O artigo 3 trata de enunciar os objetivos da Caixa: conceder auxílios para cobertura de despesas com a promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde, inclusive odontológica, dos associados; conceder auxílios para cobertura de despesas com o funeral do associado; desenvolver ações, incluídas pesquisas científicas e tecnológicas, visando à promoção da saúde e à prevenção de doenças dos associados; desenvolver e executar programas de medicina ocupacional para funcionários do Banco do Brasil S.A e executar a política de saúde definida pelo Banco do Brasil S.A. para seus funcionários. Assim, conclui-se que a CASSI tem os objetivos de um plano de saúde, já que o próprio funeral deve também ser entendido como uma providência de saúde pública.
Em resumo, a CASSI, de fato, é administrada pelos funcionários e o Banco do Brasil, sob controle deste. O Banco do Brasil tem mão forte nessa administração. Não obstante, o Banco do Brasil descarta qualquer responsabilidade pelas consequências negativas dessa administração e dessa supervisão, ainda que (e quanto isso me surpreende!) o Banco exija que todos os funcionários se associem à CASSI! Por que as coisas são assim? As relações sociais muitas vezes não são muito transparentes. Há algum motivo.





2 comentários:

  1. Prezado Mestre Edgardo,

    Mais um excelente texto de sua lavra. Entretanto, permita-me discordar apenas de quando o nobre colega diz que os associados do Plano de Associados da Cassi estão obrigados a permanecer inscritos nesse plano de saúde.

    Certo, já foi assim no passado, tanto para os efeitos da Cassi quanto para efeitos da Previ, mas, a partir da CF de 1988,tudo mudou: “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;”.

    Dessa forma, os atuais funcionários do BB (todos, inclusive aqueles poucos do último concurso)e os já aposentados e seus dependentes, têm o direito de participar do Plano de Associados da Cassi, mas ninguém está obrigado a permanecer inscrito indefinidamente: fica se quiser, sai se quiser.

    Veja abaixo o que rezam o atual Regulamento do Plano de Associados da Cassi e, principalmente, a nossa Constituição Federal:

    1. Atual Regulamento do Plano de Associados (RPA), que consta do site Cassi.com.br):

    Art. 6º - O ingresso dos funcionários de que trata o inciso I do artigo 3º no Plano de Associados da CASSI vigerá, automaticamente, a partir da data de início do vínculo empregatício com o Banco do Brasil. Caso o funcionário não queira permanecer inscrito no Plano, deverá se manifestar formalmente neste sentido.

    2. Constituição Federal:

    CAPÍTULO I –
    Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos
    Art. 5º:

    (...)

    XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;


    Receba um afetuoso abraço.

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  2. Aprendi, caro Genésio. As regras mudam com o passar dos tempos.
    Edgardo Amorim Rego

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